terceira via

A Bíblia não é a Constituição

Não se pode ter a pretensão de, como juiz, assumir, ainda que em surdina, a voz de Deus

Celso Lafer / O Estado de S. Paulo

 “Notável saber jurídico” e “reputação ilibada” são os critérios de escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelecidos pela Constituição. A sua indicação cabe ao presidente da República, mas a escolha só se efetiva depois de avaliação e aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal.

Os parâmetros constitucionais são explícitos. Não cabe abrir espaço para considerações a respeito da fé religiosa de um indicado. Não é critério que se coadune com o Direito brasileiro o ingrediente de ser “terrivelmente evangélico”. É, no entanto, o que o presidente aponta como uma faceta de sua escolha preferencial do nome de André Mendonça para o cargo.

Trata-se de um vício de origem no âmbito de um Estado de Direito, que consagra a objetividade do “governo das leis” e repele o idiossincrático de um “governo de homens”. Requer, assim, pronta refutação, pois o Brasil é um Estado laico desde a proclamação da República. Não é um Estado confessional, no âmbito do qual existam vínculos entre o poder político e uma religião.

Em nosso país, na linha da tradição constitucional americana, que inspirou Rui Barbosa, existe, como dizia Jefferson, um “wall of separation” entre o Estado e as religiões. Esse é o sentido do artigo 19 da Constituição. É por isso que a fé religiosa não é critério de escolha para cargos governamentais, muito especialmente o de ministro do STF, instituição que tem, no topo do Judiciário, a responsabilidade pela guarda da Constituição e de seus dispositivos, incluída a laicidade.

A laicidade relaciona-se com grandes matérias constitucionais. Entre elas, a tutela dos direitos humanos, a asserção do pluralismo e da diversidade da sociedade e a aceitação do outro na prática e nos costumes da convivência da cidadania numa democracia.

Estado laico significa Estado neutro em matéria religiosa, não solidário em relação a qualquer atividade religiosa, pois não se fundamenta numa fé, como, na situação-limite, em Estados teocráticos, nos quais poder religioso e poder político se fundem.

A laicidade obedece à lógica da sabedoria liberal da arte da separação das esferas e da sua autonomia. A separação Igreja-Estado está em consonância com a lição dos Evangelhos: “A César o que é de César, a Deus o que é de Deus”.

A laicidade se contrapõe ao dogmatismo e à intolerância. É uma regra de calibração que permite a gestão pública de diferenças religiosas e de opinião. É a base de uma postura aberta em relação ao diverso e ao diferente que caracteriza a pluralidade da condição humana. Tem como método o persuadir, e não o coagir. Parte do pressuposto de que a verdade não é una, mas múltipla, e tem várias faces, dada a complexidade ontológica da realidade.

A laicidade é uma das maneiras de responder aos problemas da intolerância e de um dos seus desdobramentos, a polarização fundamentalista, intransitiva e excludente.

Historicamente, deve-se ao espírito laico a tolerância religiosa, da qual proveio o direito de liberdade de crença e de pensamento, de opinião e da cultura. Dela se originou a revolução científica, o processo incessante de ampliação do saber, que nasce e se desenvolve pela negação do dogmatismo e se baseia na capacidade de revisão contínua dos próprios resultados da pesquisa, à luz da razão e das provas da experiência – e não da fé. É o que fundamenta a liberdade da pesquisa e a autonomia da universidade.

Graças à tolerância deu-se a dinâmica das transformações das relações de convivência por meio da afirmação da democracia, consagrada na Constituição de 1988. É o que cria espaço para a contenção da violência entre grupos e indivíduos, maiorias e minorias, propiciando plataforma comum, na qual todos os cidadãos podem encontrar-se enquanto membros de uma comunidade política, diversificada nas suas crenças e opiniões.

Num Estado laico, o Direito é a sua moldura jurídica. A Bíblia não é a Constituição. Por isso, o juiz deve decidir de acordo com o Direito e os valores nele positivados. O seu método de interpretação deve seguir o espírito laico do exame crítico dos assuntos e dos seus problemas. Nas suas decisões, deve respeitar e buscar no mundo – e não no transcendente – a ética, do viver honesto dos clássicos princípios de não prejudicar ninguém e dar a cada um o que é seu.

Um juiz num Estado laico não pode buscar a fundamentação de suas decisões nas suas crenças religiosas. Não pode ter a pretensão de, como juiz, assumir, ainda que em surdina, a voz de Deus. Num Estado laico e plural, nas decisões do Judiciário vale o que diz Camões: “O que é de Deus, ninguém o entende/ Que a tanto o engenho humano não se estende” e “ocultos os juízos de Deus são”.

Um juiz “terrivelmente evangélico” representa o risco de transpor os seus conselhos de pastor para os seus fiéis, no âmbito próprio da sociedade civil, em inapropriados comandos jurídicos-judiciais do Estado para a sociedade brasileira. É um risco que caberá ao Senado avaliar com a devida profundidade.

*Professor emérito da Faculdade de Direito da USP, foi ministro das Relações Exteriores (1992 e 2001-2002)

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,a-biblia-nao-e-a-constituicao,70003811047


Bolsonaro leva golpismo para turnê internacional

Presidente e aliados plantaram semente da insurreição no Paraguai e nos EUA

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

Em sua campanha para melar as próximas eleições, Jair Bolsonaro insinuou que há envolvimento estrangeiro numa conspiração fantasiosa para fraudar as urnas eletrônicas no ano que vem. "Outros países têm interesse em ter gente na Presidência, à frente de governo de estado, à frente de grandes cidades, pessoas mais simpáticas a esse governo de fora", declarou, há cerca de dez dias.

Esses inimigos externos misteriosos são um elemento adicional do discurso batido de que haveria uma trama poderosa para tirar Bolsonaro do cargo. Até agora, no entanto, os únicos personagens que parecem conspirar com atores políticos de outros países são o próprio presidente brasileiro e seus aliados.

Bolsonaro levou o golpismo para uma turnê internacional. No dia 5, uma semana depois de admitir não ter provas de fraude nas urnas eletrônicas, ele sugeriu ter mencionado as falsas suspeitas para o presidente do Paraguai. Para piorar, disse que Mario Abdo Benítez ofereceu "alguns de seus servidores da Justiça Eleitoral, com a urna do Paraguai". Alguém deveria avisar ao brasileiro que nem ele nem governos estrangeiros têm poder para apitar na organização das eleições por aqui.

Naquela mesma data, o presidente citou as falsas suspeitas numa reunião com o assessor de Segurança Nacional americano, Jake Sullivan. O auxiliar de Joe Biden não comprou o besteirol: manifestou preocupação com a tentativa do governo de desacreditar o sistema de votação e disse crer que as eleições de 2022 no Brasil serão justas.

Nos últimos dias, o bolsonarismo lançou a semente da insurreição para personagens marginais da política dos EUA. Num evento organizado pelo estrategista Steve Bannon e pelo empresário Mike Lindell, Eduardo Bolsonaro repetiu a ladainha do pai e foi aplaudido pelos trumpistas.

O presidente e sua turma já começaram a preparar o terreno internacional para contestar uma eventual derrota nas urnas em 2022. A sorte é que nenhum governo sério vai apoiar a aventura golpista de Bolsonaro.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/08/bolsonaro-leva-golpismo-para-turne-internacional.shtml


A voz de Trump vem ao Brasil

Entre ex-presidente americano e Bolsonaro a diferença são os militares

Elio Gaspari / O Globo

A repórter Beatriz Bulla revelou que deve chegar ao Brasil no próximo domingo Jason Miller, ex-porta-voz de Donald Trump. Vem divulgar sua rede social, Gettr, criada para contornar a expulsão de Trump das grandes plataformas americanas. A Gettr tem 250 mil brasileiros listados. Entre eles estão Jair Bolsonaro e dois de seus filhos.

Miller foi uma testemunha privilegiada da ruinosa insurreição de 6 de janeiro, quando Trump tentou melar o resultado da eleição americana. Para quem viu o desfile do pelotão da fumaça em frente ao Palácio do Planalto na semana passada, o golpe de Trump era muito mais delirante.

À tarde, o vice-presidente Mike Pence presidiria a reunião do Senado que sacramentaria a eleição de Joe Biden.

Às oito da manhã, Trump sabia que tinha milhares de seguidores em Washington e falou com Jason Miller. Esperava que Pence aceitasse as objeções dos republicanos e revertesse o resultado: “Faça isso, Mike. Esta é a hora da coragem”, tuitou.

Pouco depois, Trump ligou para Pence, mas o vice disse que não tinha poderes para tanto. Seu papel seria apenas cerimonial. “Você não tem coragem”, respondeu Trump. Ele tinha um plano e foi para um comício perto da Casa Branca.

Por volta de meio-dia e meia, enquanto Trump discursava incitando a multidão, Pence soltou uma nota oficial informando que não reverteria o resultado da eleição. Às 12h58m começava a invasão da área do Capitólio.

Às 14h12m, a multidão estava nos corredores. Alguns gritavam “enforquem Pence”. O vice-presidente e os senadores foram retirados do plenário, e o vice foi levado para um lugar seguro. Trump tuitava: “Mike Pence não teve a coragem de fazer o que devia ser feito.”

Estava enganado. Agentes de segurança queriam levar Pence para uma base aérea, mas ele decidiu ficar no prédio. Às 16h, o vice-presidente telefonou para o secretário de Defesa informando que pretendia retomar os trabalhos e queria que o Capitólio estivesse livre dos invasores: “Mande a tropa, mande logo.”

Entre o instante em que Pence deixou o plenário do Senado e as 20h, quando voltou para sua cadeira, a insurreição estava contida. Passaram-se seis horas, durante as quais as instituições democráticas americanas foram postas à prova.

Donald Trump passou a maior parte do tempo grudado nas televisões. Com o tempo, vai-se saber quem ligou para quem, dizendo o quê.

Às 21h, quando Pence já havia recomeçado a sessão que confirmaria a vitória de Joe Biden, Jason Miller começou a redigir uma nota na qual Donald Trump aceitava que se procedesse a uma “transição ordeira”. Reconhecia a necessidade da transição, o que não significava que reconhecesse o resultado da eleição. Fosse qual fosse o plano que Donald Trump tinha na cabeça, estava acabado.

Trump e Bolsonaro

Durante as seis horas de caos em Washington, Bolsonaro pôs suas fichas no cavalo errado.

Ele disse o seguinte:

“Eu acompanhei tudo hoje. Você sabe que sou ligado ao Trump. Então, você sabe qual a minha resposta aqui. Agora, muita denúncia de fraude, muita denúncia de fraude. Eu falei isso um tempo atrás, e a imprensa falou: ‘Sem provas, presidente Bolsonaro falou que foi fraudada a eleição americana’”

Poucas vezes, houve tamanha afinidade entre um presidente brasileiro e seu colega americano. Quando Bolsonaro disse “sou ligado ao Trump”, apontava para uma conexão que vai além da simpatia.

Trump contestava a eleição de Joe Biden. Bolsonaro contestava não só a eleição americana, como também a brasileira do ano que vem.

Trump acreditou na cloroquina e na imunidade de rebanho. Bolsonaro também.

Trump recusou-se a usar máscaras e duvidou da utilidade do distanciamento social. Bolsonaro também.

Trump disse que o vírus foi uma criação chinesa. Bolsonaro também. (Fazendo-se justiça a Trump, ele só saiu com essa patranha depois que os chineses disseram que o vírus havia sido espalhado pelos americanos.)

Por mais delirante que Trump tenha sido na sua conduta durante a pandemia, não há vestígio de picaretas agindo com relativo sucesso na burocracia da saúde pública americana.

Trump encrencou com seu vice. Bolsonaro também.

Trump quis militarizar o feriado de 4 de julho nos Estados Unidos botando tanques nos jardins da Casa Branca. Bolsonaro desfilou blindados fumacentos diante do Planalto.

Trump e os militares

É no capítulo das relações com os militares que salta aos olhos uma diferença entre o que aconteceu nos Estados Unidos e o que acontece no Brasil.

Lá, como cá, apareceram militares da reserva propondo excentricidades. Um general trumpista da reserva queria colocar o país sob lei marcial. Ficou no palavrório.

O general Mark Miley, chefe do Estado Maior Conjunto dos EUA, sentiu cheiro de queimado na movimentação dos trumpistas antes do 6 de janeiro.

Vendo uma manifestação em Washington no dia 2, ele cravou: “Esse é um momento do Reichstag. O Evangelho do Führer”.

Era uma comparação com os assaltos de Hitler ao regime democrático da Alemanha.

Não há prova de que Trump tenha tentado mover tropas do Exército, Marinha ou Aeronáutica no seu pastelão.

Pelo contrário. Na tarde do dia 6, quem pediu tropas foram os democratas Nancy Pelosi e Charles Schumer.

No dia 8, quando Trump já estava no chão, Pelosi, presidente da Câmara, telefonou para o general Miley, argumentando que o presidente estava fora de si e poderia fazer outras maluquices. Ela especulava a possibilidade de declará-lo incapaz.

Quanto às maluquices (o uso de armas nucleares para criar um caso), Miley tranquilizou-a. Quanto à declaração da incapacidade de Trump, ele cortou:

“Eu não vou caracterizar o presidente. Não é meu papel.”

Serviço

Estão na rede três reconstituições das maluquices de Donald Trump, publicadas nos Estados Unidos.

Diante da pandemia:

“Nightmare Scenario“ (Cenário de Pesadelo), de Yasmeen Abutaleb e Damian Paletta.

Sobre o 6 de janeiro:

“Landslide” (Expressão em inglês para designar uma vitória folgada numa eleição), de Michael Wolff

 “I Alone Can Fix It” (Eu Consigo Consertar Isso), de Carol Leonnig e Philip Rucker

Madame Natasha

Madame Natasha acompanha as sessões da CPI da Covid mascando cloroquina e decepcionou-se com a intenção dos senadores de acusar Bolsonaro por “charlatanismo e curandeirismo” durante a pandemia.

Charlatanismo, vá lá, mas falar em curandeirismo é uma ofensa aos muitos pajés do círculo de amizades da senhora.

O charlatão sabe que o óleo de peixe não cura reumatismo. Já o curandeiro acredita nas virtudes de suas poções.

Zé Arigó (1921-1971) foi um homem honesto. João de Deus, antes de ser apanhado em seus delitos sexuais, fez fama atendendo muita gente boa. Isso para não mencionar os milhares de pajés que cuidaram de indígenas. O cacique Takumã Kamayura (1932-2014) é hoje uma lenda para os povos do Xingu.

Natasha acredita que essa confusão é crendice de homem branco.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/a-voz-de-trump-vem-ao-brasil-25155834


Rio de Janeiro, DF

Merval Pereira / O Globo

A volta da capital para o Rio de Janeiro tem sido apontada como solução para a crise política e econômica que por anos vem dominando a cidade que, apesar dos pesares, continua sendo símbolo da nacionalidade, dentro e fora do país, a cidade brasileira mais visitada pelos estrangeiros.

Um trabalho da Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) traz uma aprofundada visão sobre nossos problemas, e uma solução criativa: transformar o Rio de Janeiro em um segundo Distrito Federal, coisa que é na prática, a cidade mais “federal” do país.

O livro, organizado por Christian Edward Cyrill Lynch, Igor Abdalla Medina de Souza e Luiz Carlos Ramiro Junior, faz a defesa da federalização, e entende que salvar o Rio já não se trata de uma questão de segurança pública, mas nacional. As organizações criminosas tomaram conta da região metropolitana e espalharam seu domínio inclusive sobre outras partes do estado fluminense, o poder público não consegue exercer domínio sobre parte significativa do território e da população.
O diagnóstico é que, sendo a 2ª maior economia do país, com grandes polos de tecnologia e educação, convive com a estranha sensação de decadência. O Brasil inteiro perde com a crise do Rio de Janeiro, que deixou de ser um lugar de atração, mesmo sendo o ícone do Brasil para si e para fora.

O país desperdiça seu grande ativo, e os autores destacam o seu "uso" como capital simbólica pelo próprio governo federal: sediou a Eco-92, o Pan 2007, a Rio+20, a Olimpíada de 2016, além de servir de sede logística e das partidas finais das Copas das Confederações e do Mundo (2014).

Do ponto de vista da cultura e da história, a capital brasileira continua sendo o Rio: Paço Imperial, Biblioteca Nacional, Centro Cultural da Justiça Federal, Museu Nacional de Belas Artes, Museu Histórico Nacional, Museu da República, Museu Nacional etc. As sedes da Academia Brasileira de Letras (ABL) e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) são no Rio.

Também continua a exercer na prática o papel de um Distrito Federal oficioso. Segundo dados da Secretaria do Patrimônio, a União é proprietária de cerca de 1200 imóveis federais, parte substantiva deles subaproveitados. Triste exemplo é o prédio icônico do Ministério da Educação ( Palácio Gustavo Capanema) no centro da cidade, colocado agora num balaio de privatizações de prédios públicos. Um patrimônio histórico tombado por sua importância na arquitetura brasileira e mundial, que não tem preço.

Segundo dados do Ministério do Planejamento de 2016, o Rio sedia 1/3 dos órgãos da administração federal: Brasília é sede de 115 órgãos; o Rio, 67. O Rio de Janeiro também possui mais servidores federais civis do que o DF: são cerca de 250 mil contra de 175 mil do DF.

O Rio é a capital militar do Brasil. Segundo dados das Forças Armadas, o Estado do Rio reúne 22,4 % dos militares do Exército (o RS vem em segundo com 15,8 %); 35% da Aeronáutica (SP vem em segundo com 15,2 %); e 67,8 % dos militares da Marinha.

Dezenas de países têm duas capitais, como o Chile, a Bolívia, a Holanda, a Malásia, a Coreia do Sul. A África do Sul tem 3 capitais. Na prática, outros países têm também: Rússia (São Petersburgo, antiga capital, é uma cidade federal e sede do Tribunal Constitucional); Alemanha (Bonn sedia 1/3 dos ministérios e é também uma "cidade federal"). Na China, Xangai tem o mesmo estatuto jurídico "nacional" que Pequim. No Egito e na Indonésia estão construindo uma segunda capital.

O Rio é uma verdadeira metrópole, possuindo alta densidade demográfica, com um centro ativo de milhares de escritórios, sedes de bancos, sindicatos, universidades e associações, que lhe conferem massa crítica e o conteúdo democrático. Providências como o retorno de parte dos ministérios e, sobretudo, do Congresso Nacional, bem como a obrigação constitucional do presidente da República de aqui residir e despachar parte do ano, ajudaria a recuperar a credibilidade do Congresso Nacional e corrigir o déficit democrático de Brasília, criando condições de accountability indispensáveis à melhoria do padrão governativo e administrativo do país.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/rio-de-janeiro-df.html


A sobrevivência venceu

Reeleição é a forma de sobrevivência política em democracias e, por ela, alguns pagam qualquer custo

Carlos Pereira / O Estado de S. Paulo

A sociedade brasileira ficou chocada com os acontecimentos políticos ocorridos ao longo da semana, produzidos tanto pelo Executivo como pelo Legislativo. 

O presidente Jair Bolsonaro radicalizou com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em sua defesa do voto impresso, inclusive com ofensas pessoais e ameaça de impeachment contra dois de seus ministros, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Mesmo tendo sido amplamente derrotado na Comissão Especial, forçou a votação no plenário da Câmara dos Deputados da proposta de reforma constitucional que tornaria o voto impresso obrigatório. Mobilizou inclusive um desfile de tanques das forças armadas, que mais se assemelhou a um “fumacê”. 

Embora a PEC do voto impresso tenha sido derrotada no plenário da Câmara, vários parlamentares de oposição, que não fazem parte da base de apoio do presidente, votaram, surpreendentemente, a favor do voto impresso. Para completar, deputados aprovaram em primeiro turno a reforma do sistema eleitoral que referendou o retorno das coligações partidárias nas eleições proporcionais, que tem estimulado a proliferação de partidos.

O que explica esses acontecimentos até certo ponto inusitados?

Bolsonaro, por mais que almeje, sabe que não tem condições políticas de implementar qualquer retrocesso institucional na democracia brasileira. A sociedade, o Congresso e as organizações de controle têm dado demonstrações de força e de capacidade de impor restrições e derrotas sucessivas ao presidente. Diante dos fortíssimos desgastes com a gerência da pandemia da covid-19, inclusive entre parcela significativa de seus eleitores de 2018, tem ficado cada vez mais claro que Bolsonaro perdeu competitividade eleitoral. Os institutos de pesquisa indicam que a sua reeleição em 2022 está cada vez mais improvável. 

Bolsonaro anda no “fio da navalha”. Se moderar demasiadamente seu discurso e atitude, sinalizando que se rendeu ao presidencialismo de coalizão, diminui as chances de ter seu mandato abreviado, mas corre sérios riscos de ver sua base eleitoral perder coesão e desagregar. Por outro lado, se passar do ponto na sua radicalização com as outras instituições, pode se isolar ainda mais perdendo competitividade eleitoral e viabilidade política de terminar seu mandato. Portanto, embora tenha de calibrar, não pode prescindir de seu discurso belicoso e autoritário para sobreviver. 

Com relação aos deputados de oposição que votaram a favor do voto impresso, é importante não esquecer que 2021 é ano pré-eleitoral. Os deputados sabiam que o voto impresso não iria passar. Por que se desgastar com um Executivo que tem discricionariedade para executar um orçamento bilionário de emendas de relator

Mesmo que a posição favorável ao voto impresso venha a lhes gerar desgastes eleitorais, esses parlamentares garantiram recursos orçamentários às suas bases eleitorais via execução de emendas de relator, capitais para a sua reeleição. Só quem fazia oposição sistemática a Bolsonaro e, portanto, não tinha esperança de ter acesso a tais recursos, é que se sentiu motivado a votar contra o voto impresso. 

Também pode ser atribuído à sobrevivência eleitoral a decisão da grande maioria dos deputados dos mais variados partidos de aprovar o retorno das coligações proporcionais. Quase 95% dos deputados federais da atual legislatura não atingiram sozinhos o quociente eleitoral. Ou seja, necessitaram das sobras de outros partidos coligados para se eleger. A taxa de reeleição de deputados, que costumava ser de 68%, caiu para 53% nas eleições de 2018. 

Diante desta evidente falta de estabilidade da carreira parlamentar, a racionalidade individual dos deputados levou-os a priorizar a sua sobrevivência, mesmo diante dos custos de perpetuação da hiperfragmentação partidária e em detrimento da qualidade de representação e da governabilidade. 

Mais uma vez, a sobrevivência eleitoral falou mais alto.

*Professor Titular FGV/EBAPE, Rio de Janeiro

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,a-sobrevivencia-venceu,70003811539


Míriam Leitão: A construção e o desmonte da democracia brasileira

Míriam Leitão / O Globo

A democracia brasileira foi construída no solo. Foi o resultado de uma vasta resistência nacional travada, incansável e dolorosamente, em planos diversos. Temos mortos como testemunhas. Não foi o resultado automático do fim da Guerra Fria, nem mesmo a concessão de generais da “abertura”. Foi conquista nossa. Países de instituições definidas como “maduras” também sofrem nestes tempos de governantes que chegam ao poder pelo voto e conspiram contra o edifício democrático. O 6 de janeiro em Washington serve para nos lembrar que não há nação a salvo de um presidente deletério.

Cada semana tem trazido uma coleção de horrores perpetrados por Bolsonaro e seus apoiadores. Mas a última foi excessiva. O ridículo desfile militar na Esplanada exigido pelo presidente foi revelador da falta de espinha dorsal dos comandantes militares. Eles fazem qualquer papel imposto a eles, aceitam todas as humilhações e, depois, vão entregar a alguns ouvidos garantias de que não respaldarão um golpe. Ora, já o estão respaldando.

A prisão de Roberto Jefferson não surpreende e ele deve ter até gostado, porque fez tudo o que podia para chamar atenção em postagens radicais e grotescas. Mas é o tal negócio, as instituições não podem se dar ao luxo de fingir que não estão vendo o doido. Se ele pratica crime à luz do dia, precisa responder por isso, e o ministro Alexandre de Moraes agiu bem. Mas foi esse sujeito caricato, figurinha repetida de todos os escândalos, que esteve dias atrás no Palácio do Planalto para um encontro com o presidente e o sempre servil general Eduardo Ramos.

Na economia, também foi lenta e difícil a construção de instituições que garantiram a estabilidade da moeda. E elas estão sob ameaça. Para atingir o objetivo de fortalecer as chances de Jair Bolsonaro permanecer no poder estão sendo desrespeitadas as balizas fiscais do país. As dívidas judiciais serão parceladas e passarão a constar de uma contabilidade paralela, despesas foram excluídas do teto de gastos, a regra de ouro foi revogada na prática, uma reforma do Imposto de Renda pode ser votada na correria para financiar um aumento demagógico do gasto social, a execução do Orçamento perdeu transparência.

Alguns economistas que estão no governo podem não ter essa noção, mas o panorama é inegável. O Ministério da Economia está a serviço do projeto de poder autoritário de Bolsonaro. É impossível não ver o desmonte fiscal promovido pelos muitos “jeitinhos” dados a cada vez que o ministro Paulo Guedes cede ao presidente. Que economista sério acha que faz sentido, a esta altura, aprovar uma renúncia fiscal em favor do consumo do diesel ou incentivar um programa para o uso do carvão? Isso é absurdo fiscal, energético, econômico e ambiental.

A política social também foi resultado de construção minuciosa. Na democracia, especialistas em transferência de renda construíram as bases para as novas políticas, distantes do velho assistencialismo, e que foram do Bolsa Escola ao Bolsa Família, ao Brasil sem Miséria. Não se improvisa nisso. É preciso ter conhecimento, sensibilidade, capacidade de formulação. O ministro Paulo Guedes está fazendo o que prometeu naquela reunião ministerial de 22 de abril de 2020. “Vamos fazer todo o discurso da desigualdade, vamos gastar mais, precisamos eleger o presidente.” Com o objetivo de usar os pobres está sendo feito o projeto mal desenhado do Auxílio Brasil. Um governo realmente preocupado com a promoção social iria, por exemplo, cumprir a lei que manda fornecer internet para alunos e professores nas escolas públicas. O governo Bolsonaro vetou a lei, o veto foi derrubado, e Bolsonaro então baixou MP para não cumprir seu dever.

O fim da ditadura foi o começo de várias conquistas. A estabilização da economia, a política social eficiente, regras de responsabilidade fiscal, independência do Ministério Público, respeito aos órgãos como Polícia Federal, Coaf, Receita Federal, Ibama, ICMBio, Inpe, IBGE. O governo Bolsonaro tem atacado cada parte do edifício democrático. Não é um golpe. São vários golpes. Contudo, como nos anos 1970, a resistência está em ação através de inúmeras pessoas. Entender a natureza do processo que nos garantiu a democracia é parte da resistência à sua demolição.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/construcao-e-o-desmonte.html


Paulo Fábio Dantas Neto: As chances da 3ª via diante da reciclagem da primeira

Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia Política e novo Reformismo

Tornou-se lugar comum em análises políticas prospectivas voltadas às eleições de 2022 vaticinar que o chamado centro democrático até aqui não emplacou e que não emplacará. Temos aí uma constatação irrefutável e uma previsão afoita. Um uso de flash fotográfico para tratar de processo que requer filmadora.

Os raciocínios decorrentes dessa ilusória percepção do processo político como algo linear, no qual o presente é criado e explicado pelo antecedente e, ao mesmo tempo, cria e explica o sucedente são: primeiro, que Bolsonaro seria resultado direto e lógico da rejeição ao PT, logo, a rejeição foi o erro do qual resulta a tragédia social e política que o Brasil vive hoje; segundo, que a situação atual, indicada em pesquisas, de inconteste liderança de Lula comprova que esse é o caminho para derrotar o mal. A remissão de um suposto pecado, supostamente original, seria condição para que o país volte a ter futuro.

Acontece que a banda não tocou, não toca, nem tocará assim. Comecemos por relembrar: a eleição de Bolsonaro não foi desfecho natural e obrigatório da rejeição ao PT. Assim como a pedalada fiscal foi o argumento jurídico, a rejeição do eleitorado, sentindo-se logrado pelo marketing da campanha de 2014, foi o lastro social do impedimento de Dilma Rousseff, que passara a ser objetivo político de várias forças que a apoiaram naquela eleição, com destaque ao MDB e ao Centrão. Mas o que ocorreu depois (o esgarçamento e não a unidade eleitoral das forças que sustentaram o impeachment e a instalação de um governo de transição) não estava escrito nas estrelas. A Lava-Jato foi um solvente externo, cuja ação foi potencializada pela incapacidade política da nova coalizão governante de ir além do salve-se-quem-puder. Em vez de continuidade entre transição e nova situação (como entre Itamar e FHC, em 1993/94), deu Bolsonaro.

Hoje não há só duas bandas tocando, a do governo Bolsonaro e a da oposição de esquerda. Assim querem e fazem pensar as análises que vaticinam o caráter irremovível dessa polarização. Família e milícias de Bolsonaro, seu entorno militar e áreas do chamado centrão constituem três camadas de um bolo solado. Desse arranjo pode sair (e tem saído) muita coisa em comum, desde tentativas de saques devastadores aos cofres da União, até tolerância para com ameaças à democracia e às eleições, passando por devastação ambiental, educacional, cultural e informacional, por metódica desconstrução institucional do Estado, seu aparelhamento e a sabotagem, pontual e difusa, de direitos constitucionais, inclusive supressão do direito à vida de centenas de milhares de brasileiros. Em suma, pode sair tudo, menos uma coalizão capaz de vencer eleições normais, em dois turnos. Políticos profissionais sabem disso e não ficam à espera do abraço de afogado do capitão.

Isso quer dizer que as bases ainda ligadas ao governo, ou não rompidas com ele, rumarão para a oposição? Seria mais provável dois e dois somarem cinco. Abrir mão da máquina eleitoral federal quando se pode contar com ela é algo que contraria o beabá eleitoral de candidatos ao Parlamento e a governos estaduais, exceto aqueles que estejam previamente excluídos do acesso a ela, pela sua condição de oposição aberta. A recusa ao abraço de afogado quer dizer é que a direita e a centro-direita buscam outro candidato para derrotar Lula. Atuam e tendem a cada vez mais atuar num registro que rejeita o discurso e os métodos autocráticos do presidente. O eixo estruturante, criador dessa possível candidatura, seria o próprio governo e não uma aliança mais ao centro, de oposição. O centro iria, supostamente, por gravidade, parte dele logo, outra parte, no segundo turno. O nome? Não sabemos (é possível que nem mesmo os artífices dessa solução já saibam) mas entre Rodrigo Pacheco e Hamilton Mourão não se deve descartar nada.

A solução que surja desse eixo pode ter maior ou menor teor democrático. É bom não nivelar o juízo sobre cada uma dessas possibilidades, porque não é desprezível a distinção entre gravata e farda num momento tão delicado como esse pelo qual passa a nossa democracia. Seja como for, não é sensato apostar que o establishment ficará inerte, paralisado pela pluralidade de visões, valores e interesses que abriga. Se essas forças da direita não-bolsonarista (governistas e independentes) se entenderem sobre o nome e se conseguirem se acertar com Artur Lira – um ator com poder de veto - vão tirar Bolsonaro do caminho, por bem ou por mal. Isso se o Judiciário não consumar o fato antes, ou se o próprio Bolsonaro não entornar o caldo preferindo, em vez do script de eleitoralmente derrotado (ainda que inconformado), cumprir o de insurreto, ou o de vítima batendo em retirada. Penso ser assim que se deva ver, por exemplo, a operação de remontagem do DEM no Rio de Janeiro. Além de deslocar Rodrigo Maia no plano estadual, retaliando sua transição barulhenta e agressiva em busca de lugar na oposição frontal ao governo federal, ganhar aliados de Bolsonaro para a via governista sem ele, desbolsonarização do governo.

Visto que as bandas não tocaram antes, assim como não tocam hoje, do jeito simples insinuado por análises que usam flashes no lugar de filmadoras, resta argumentar como é possível que toquem em 2022 de modo menos óbvio do que aquele que coros equivocados e/ou interessados anunciam. Se, de fato, o chamado centro democrático for politicamente anulado em 2022, conforme os sinais mais visíveis apontam, não será pela imperiosidade da polarização entre Lula e Bolsonaro, mas pela perda da chance de ocupar a posição de eixo articulador de uma suposta terceira via, A primeira via (governista) adianta-se a esse centro como eixo articulador de uma alternativa liberal-conservadora ao bolsonarismo.

O sinal mais evidente dessa ultrapassagem é o posicionamento crescente do DEM na direção dessa primeira via sem Bolsonaro. Embora menos evidente, a conduta do MDB tende a ser parecida, ou ainda mais problemática, pelas inclinações lulistas que ali existem. Sem o DEM e o MDB, o centro democrático não poderá ser centro, no sentido de eixo. Estará condenado a ser coadjuvante, por mais que o PSDB seja um partido relevante. E as últimas votações no Congresso não devem iludir. Também no terreno tucano a força do governismo se mostra. Do mesmo modo que não se pode confundir isso com bolsonarismo, também não se pode negar a propensão de parte do partido a desistir da hipótese da terceira via.

É uma situação irreversível? Penso que não, enquanto existirem, simultaneamente, em mais de um terço do eleitorado (noves fora adesões e rejeições a Bolsonaro e a Lula), percepções de que o governo que aí está não presta e de que a volta do PT seria um desastre, ambas as percepções orientadas pela aversão à corrupção, à ineficácia econômica e/ou à instabilidade política. Se a direita conseguir, afastando ou eclipsando Bolsonaro, convencer que o governo passou a ser outro; ou se Lula conseguir convencer esse mais de um terço de que um novo governo seu será algo diferente do que foi, o centro democrático tende a ter um papel apenas coadjuvante, mesmo que importante para moderar e qualificar o debate. Se a direita e a esquerda lograrem, ambas, esses tentos, aí sim, o centro, por inutilidade, virará poeira.

Mas é muito cedo para vaticínios. A direita patina pela ausência de nome. Nela, esse limite é maior do que no chamado centro. Pode acenar com estabilidade, mas tendo o centrão como seu eixo, como contornar os receios do eleitorado com a corrupção e a incompetência do governo? Para estimular esses receios estão aí as ativas e experimentadas redes petistas. Por seu turno, Lula até aqui faz exatamente o oposto do que buscar a reversão da aversão àquele modo petista de governar. Tem prometido um retorno ao passado, que vê como um ativo político para apostar e não como algo a problematizar. Parece convencido de sua capacidade de convencer as pessoas de que, administrativa e politicamente, ele e Dilma são como trigo e joio. A direita não dispensará uma bola assim na marca do pênalti. Além de lembrar, com ênfase simétrica, da corrupção e da incompetência alheia, ainda acenará com riscos de golpe, se o PT retornar. Mantidas tais circunstâncias problemáticas, por que o projeto de uma candidatura mais ao centro deveria ser suicidado de véspera?

O maior problema do chamado centro democrático tem sido, desde 2015, ele mesmo. Pagou um alto preço eleitoral pela sua pusilanimidade durante o governo Temer. E arrisca-se a pagar outro em 2022 se não conseguir criar uma identidade e uma rota de navegação distinta não apenas da oposição de esquerda, mas também do governismo maquiado. Esses cacoetes permanecem nos partidos, mas é visível o esforço interessado que alguns pré-candidatos têm feito para superá-los. Enfrentam obstáculos para se tornarem agregadores em seus partidos, seja pela divisão (casos de João Dória e Eduardo Leite, no PSDB), seja pela força interna de um governismo difuso (caso de Luís Mandetta, no DEM). Quando, a princípio, não tem esse problema (caso de Ciro Gomes, no PDT), há problemas de afinidade política e de perspectiva econômica com os possíveis parceiros. Apesar de todos esses fatores reais, a coisa tem andado no sentido do amadurecimento de uma convivência cooperativa, simultaneamente a uma explicitação e discussão de diferenças entre eles. Se chegarão a tempo não se sabe, mas não há nada de melhor a fazer. Bom exemplo foi o segundo debate público entre três deles (Ciro, Mandetta e Leite) , ocorrido na última quinta-feira, dia 12/08. Apesar do formato engessado, foi possível aprofundar certos assuntos e ir lapidando um discurso comum, que pode se tornar amplo.

O critério para avaliar amplitude, no caso desse campo do centro, é distinto do que precisa ser adotado para avaliar a amplitude da conduta de Lula. Não se pode dizer que a postura pouco aberta a revisões que ele tem adotado é, necessariamente, sinal de que se preocupa só com seu “cercadinho” e que está fechado a uma inflexão futura. Se for fustigado pela emergência de uma candidatura agregadora do centro pode mudar essa postura. A atual tem sua racionalidade, pois Lula joga para apressar a consumação de um quadro em que ele seja a única opção de oposição ao "que aí está". Esse é um jogo compreensível. Quem quer coisa diferente tem de apresentar. Ainda há tempo, mas está passando rápido. Tudo indica que Lula e o PT não vão conseguir que a eleição se resuma a um plebiscito contra Bolsonaro, o cardápio dos seus sonhos. Provável que comam mais poeira enfrentando outro candidato, um sujeito oculto que mais dia, menos dia, vai aparecer. Arma-se no país um cenário de polarização entre Lula e outra candidatura governista.

Uma alternativa democrática a esse tipo de polarização seria uma candidatura de oposição ou independente que, mesmo vindo da centro-direita, pudesse agregar o centro e até morder áreas da esquerda, programática e eleitoralmente. É para esse tipo de solução que o tempo está ficando cada dia mais escasso. Ao contrário da hipótese de uma candidatura governista alternativa a Bolsonaro, que tem a seu favor o desespero generalizado para se livrar de Bolsonaro, que com o tempo condicionará mais o establishment. A ponto de não fazer diferença, para quem precisa dessa arca, se o comandante usará farda ou paletó.

*Cientista político e professor da UFBa.


Fonte: Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/08/paulo-fabio-dantas-neto-as-chances-de.html


Luiz Sérgio Henriques: Esquerda positiva, a hora e a vez?

É necessária uma aguda reflexão sobre a ‘questão democrática’ e o centro político

Luiz Sérgio Henriques / O Estado de S. Paulo

Num momento em que nosso passado de golpes e atropelos parece obstinar-se em não querer passar, oprimindo como um pesadelo, segundo a frase famosa, o cérebro dos vivos, podemos também, paradoxalmente, nele buscar sinais que nos orientem ou permitam discernir rotas menos tortuosas. É que tivemos tempo suficiente de aprendizado na luta contra o autoritarismo e nos educamos coletivamente por meio de experiências que não se deixam apagar e, seja como for, estão disponíveis para quem veio depois e não as viveu em primeira pessoa.

Exercícios contrafactuais são sempre arbitrários, mas não de todo inúteis. Não era inevitável, por exemplo, que a modernização brasileira se revestisse do caráter autocrático assumido a partir de 1964. Tal caráter não estava escrito nas estrelas ou latente na “natureza do processo”, mas decorreu também de más escolhas políticas. No seu conjunto, os atores do campo “progressista” tinham da democracia uma concepção limitada, como se ela fosse uma variável subordinada às “reformas de base”. Defender a Constituição de 1946 e apostar nas eleições de 1965 teria sido um caminho menos aventuroso, cuja viabilidade dependia da existência mais vigorosa de uma “esquerda positiva”, à moda de San Tiago Dantas, que desgraçadamente não tínhamos.

A seguir, a luta contra o regime autoritário conheceria uma esquerda dividida e muitas vezes impotente, a travar o seu “combate nas trevas”. Parte dela negava as transformações em curso e se apegava aos fortes mitos revolucionários da época, como o da China ou o de Cuba. Outra parte, no entanto, que por sinal abrigava a maioria dos egressos do putsch de 1935, seguia rumo diametralmente oposto ao do passado, avalizando – mesmo na clandestinidade – o partido dito de “oposição consentida”, o MDB de Ulysses e Tancredo. Sem dúvida, um sinal de esquerda positiva, preocupada com os humores e as posições do centro político, sem o qual não seria possível derrotar o arbítrio.

O País que surgiu dos anos de chumbo carregava promessas radiosas. Antes de mais nada, uma sociedade civil plural, pujante e diversificada. Entre tal sociedade e o seu Estado se consolidava uma relação mais equilibrada, de tal forma que parecia banida a hipótese que sempre estimula as aventuras autoritárias, a saber, a tentação de impor mudanças “pelo alto”, depois de controladas as alavancas do poder estatal. O que os atores políticos prometiam generalizadamente, desde os dissidentes da velha Arena até os representantes da esquerda velha e nova, era o rompimento definitivo com toda e qualquer ideia de golpe. O golpismo, em suma, passaria a ser palavra censurada naquele Brasil reinaugurado em 1988.

É possível, antes, é certo que havia alguma ingenuidade sobre a fase que se abria. Reformas sociais, mesmo de grande alcance, seriam possíveis, e de fato algumas o foram, como atestado pelo magnífico exemplo da construção (ainda em progresso) do SUS. A crença, afinal, era de que a democracia política não discrimina interesses nem valores e, por conseguinte, promove e requer a recomposição de todos os conflitos com base no consenso. Reformas assim obtidas, rigorosamente legais e nunca “na marra”, pavimentariam a via mestra de uma contínua democratização social. Para coroar, eleições competitivas, travadas com a regularidade “monótona” típica das sociedades ocidentais a que agora nos juntávamos, garantiriam a obtenção de patamares cada vez mais altos de igualdade e liberdade.

Dispensamo-nos aqui de descrever o impacto que os processos de mundialização tiveram sobre a estrutura de classes, a ordem social e os variados sistemas políticos nacionais. Em boa parte os benefícios da “globalização chinesa” possibilitaram avanços sociais generalizados na primeira década do novo século, e não só no Brasil, mas é duvidoso que entre nós se tenha afirmado com intensidade a “alma democrática” que dá vida interior às instituições, para lançar mão de uma imagem de Fernando Henrique Cardoso. Nas brechas e fissuras aí surgidas se insinuaria paulatinamente, com uma audácia que poucos poderiam supor, uma nova direita autocrática, fortemente crítica dos mecanismos da democracia clássica, a começar pelo que preside a alternância regular de poder.

A esquerda certamente é um fator indispensável para a saída do abismo em que nos metemos. Indispensável, mas muito longe de ser o único. O aprendizado coletivo a que nos referimos sugere que, uma vez mais, é necessária uma aguda reflexão sobre a “questão democrática” e, em consequência, o centro político. Recorrendo à conhecida metáfora, esse é o único elo a partir do qual se consegue dominar toda a corrente. Por isso mesmo, não se trata de prometer, com as mãos contritas, eventual “aliança com a burguesia” para “acalmar os mercados” e, menos ainda, de reincidir em esquemas de cooptação e loteamento. Trata-se, bem ao contrário, de redefinir a própria posição diante dos mais delicados temas da democracia e da República, sem o que não será possível a obra de reconstrução nacional que nos desafiará.

*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil


Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,esquerda-positiva-a-hora-e-a-vez,70003811050


Comandante do Exército diz que ‘não há interferência política’ na Força

Equilibrando-se entre as tentativas de Bolsonaro de influenciar instituição e a expectativa de parte da cúpula militar, o general Paulo Sérgio Nogueira afirma ao GLOBO que 'o Alto Comando está com o comandante'

Jussara Soares / O Globo

BRASÍLIA — Desde quando assumiu o comando do Exército, em abril, o general Paulo Sérgio Nogueira se equilibra em uma linha tênue de expectativas. De um lado, o presidente Jair Bolsonaro almeja demonstrações de apoio irrestrito e influência na Força que lhe deu a patente de capitão. Do outro, integrantes do Alto Comando esperam que Nogueira blinde a caserna da política e evite um agravamento da crise de imagem da instituição. Diante disso, Nogueira negou ao GLOBO o desgaste e deixou claro:

— Não há interferência política no Exército — disse o general por telefone ao GLOBO após participar ao lado de Bolsonaro de uma cerimônia na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) neste sábado — O Alto Comando está com o comandante — garantiu.

Mensagens: Ex-mulher de Bolsonaro atuou por cargo na Saúde

A declaração ocorre após mais uma semana de tensão. Na terça-feira, o general foi convocado para uma reunião ministerial no Palácio do Planalto. Ao fim, o primeiro escalão do governo se perfilou no alto da rampa, junto a Bolsonaro, para acompanhar um desfile de blidandos em frente à Praça dos Três Poderes. Entre eles, estava Nogueira. Militares quatro estrelas ficaram desconfortáveis em vê-lo no evento. Nem o próprio comandante parecia à vontade na cena.


Bolsonaro e o General Paulo Sérgio Nogueira


(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 31/03/2021) Encontro com os novos comandantes das Forças Armadas. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 20/04/2021) Solenidade de Passagem do Cargo de Comandante do Exército, do General de Exército Edson Leal Pujol ao General de Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
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(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 31/03/2021) Encontro com os novos comandantes das Forças Armadas. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 20/04/2021) Solenidade de Passagem do Cargo de Comandante do Exército, do General de Exército Edson Leal Pujol ao General de Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Não foi a primeira situação em que Nogueira ficou no meio de interesses difusos de fardados e de Bolsonaro. Em maio, a cúpula do Exército defendia a punição do general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, que participou de uma manifestação no Rio ao lado do presidente, o que é proibido a militares em atividade. Bolsonaro, por sua vez, agiu para blindar o ex-ministro, que acabou ganhando um cargo Palácio do Planalto. O recado foi entendido, e Pazuello se livrou da punição. O comando do Exército ainda impôs um sigilo de cem anos sobre o processo administrativo de Pazuello.

Nogueira enfrentou outra saia justa. Em julho, o ministro da Defesa, Braga Netto, preparou uma nota oficial, assinada também pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, para rebater críticas feitas pelo presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM). O texto oficial diz que as Forças Armadas não aceitariam “ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo.” Na ocasião, Nogueira estava em viagem ao Rio Grande do Sul. O texto, apresentado a à distância, estava pronto para ser assinado.

Infográfico:  Como funciona a urna eletrônica e por que é segura

Esses e outros episódios já foram debatidos nas reuniões de integrantes do Alto Comando, que têm se mostrado preocupados com ataques de Bolsonaro às instituições. Ao final, generais estrelados, diante do momento de tensão, reafirmaram apoio irrestrito ao comandante do Exército. O argumento é que Nogueira não pode se opor ao presidente sob risco de conflagrar uma crise no país.

Nogueira chegou ao topo do Exército quando seu antecessor, o general Edson Leal Pujol, foi demitido junto com o então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e os comandantes da Marinha e da Aeronáutica. O argumento principal é que Bolsonaro queria uma relação mais próxima com os chefes das tropas.

Descrito como afável, extrovertido e sociável, Nogueira adotou a discrição como regra. Em aparições públicas, calcula o tom das falas para não gerar conflito com o presidente e tampouco parecer que referenda eventuais posições políticas. Na estratégia de fugir de polêmicas, Nogueira deixou de usar o Twitter, um dos canais prediletos dos apoiadores de Bolsonaro. A sua última publicação ocorreu no dia 2 de abril, dois dias após ser anunciado no posto mais alto do Exército. Essa postura o diferencia dos comandantes da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior, e da Marinha, Almir Garnier dos Santos, que utilizam as redes sociais.

Nos bastidores, porém, o comandante do Exército faz questão de sinalizar que está aberto a conversar com todas as autoridades. Já recebeu o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, e esteve com os governadores Ratinho Jr (PSD), do Paraná; Paulo Câmara (PSB), de Pernambuco; e Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul. Os dois últimos são adversários políticos de Bolsonaro. Nogueira também já se encontrou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Nessas conversas, segundo o relato de interlocutores, evitou comentários sobre o presidente ou qualquer crise no país.PUBLICIDADE

A reserva do general à exposição política do Exército já era percebida por interlocutores do militar desde que ele estava à frente o Comando Militar do Norte (CMN), em Belém. A divergência se acentuou no 7 de agosto de 2020, um dia antes de o Brasil superar a marca de 100 mil mortos pela Covid-19, quando Nogueira assumiu o Departamento-Geral de Pessoal do Exército, a maior autoridade de saúde na Força. Na gestão, adotou as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), incluindo uso de máscara nos quarteis e distanciamento social. A adoção dessas medidas era contrária ao posicionamento de Bolsonaro.

Em função disso, o general não cogitava ser promovido ao comando do Exército. Até mesmo porque à frente dele estavam os generais José Luiz Freitas e Marco Antonio Amaro, atual chefe do Estado Maior, que havia sido chefe da segurança da ex-presidente Dilma Rousseff. Segundo integrantes do Planalto, Amaro foi preterido pelo passado de serviços à petista, e Freitas por não ter proximidade com Braga Netto.

Quem conhece o general mais intimamente diz que o ar reservado nas cerimônias ao lado do presidente contrasta com o perfil extrovertido que o marca desde os tempos da Aman, onde se formou em 1980. Natural de Iguatu (CE), PS, como gosta de ser chamado, é filho de um funcionário do Banco do Brasil e de uma dona de casa. Católico praticante, tem três filhos: dois majores do Exército e um engenheiro. Na academia, o jovem de 1,82m e bom preparo físico praticou atletismo e futebol. É torcedor do Ceará.

Na trajetória militar, o general foi três vezes instrutor na Aman, e em uma delas como comandante do Curso de Infantaria. Ao menos dez turmas de cadetes passaram por ele, o que faz com que Nogueira tenha relacionamento com oficiais espalhados por todo o Brasil. Na prática, é o comandante que tem as tropas nas mãos.


Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/comandante-do-exercito-diz-que-nao-ha-interferencia-politica-na-forca-25155942


Ainda a terceira via

Os democratas têm um patrimônio a preservar: a democracia liberal, na acepção contemporânea

Sérgio Fausto / O Estado de S. Paulo

O surgimento de uma terceira via eleitoral seria muito importante para a democracia brasileira. Não apenas ofereceria uma opção alternativa ao eleitor, mas também romperia uma bipolaridade que empobrece o debate público e carrega de nuvens pesadas o horizonte político brasileiro. As chances de uma terceira via estar no segundo turno são diretamente proporcionais à sua capacidade de deslocar Jair Bolsonaro para fora dele. Já seria um feito extraordinário, pois Lula da Silva não representa uma ameaça à democracia brasileira, ao contrário do atual presidente.

Para chegar lá a terceira via terá de marcar diferenças nítidas em relação ao candidato do PT e deixar claro o seu antagonismo com Bolsonaro e o que ele representa. É absurdo apresentar-se como ponto equidistante dos dois extremos. Repito aqui o que Miriam Leitão disse de forma lapidar: nessa disputa só há um extremista, Bolsonaro. Não é hora de “doisladismos”, mas de traçar a linha divisória entre o campo democrático e o autoritário.

Pode-se criticar o PT e Lula por inúmeras razões, a começar por sua vocação hegemonista, mas é preciso reconhecer que o ex-presidente poderia ter mudado a regra do jogo e sido eleito para um terceiro mandato consecutivo, mas não o fez; que nem seu governo nem o de sua sucessora avançaram sobre a autonomia do Ministério Público; e que Dilma Rousseff não interveio na Polícia Federal para bloquear a Operação Lava Jato. Isso para mencionar apenas alguns fatos relevantes que indicam as credenciais democráticas do PT, em que pese o partido pagar tributo a regimes autoritários ditos de esquerda e demonstrar atração pelos populismos latino-americanos.

Dentro do campo democrático há diferenças importantes. Lula caminhará para o centro político, seguindo sua experiência, sua intuição e seu estilo. Mas carregará na bagagem um conjunto de ideias anacrônicas, a julgar pelo que se lê e ouve em documentos e declarações dele próprio e do seu partido. Na crítica à “entrega do pré-sal às empresas estrangeiras”, sobressai o velho nacional-estatismo, que parece sobreviver mesmo depois da negativa experiência do governo Dilma. No ataque sem qualificação ao teto de gastos, destaca-se o voluntarismo fiscal, como se qualquer regra disciplinadora referente ao gasto, fundamental para assegurar a solvência do Estado e o equilíbrio macroeconômico, fosse uma indevida concessão ao mercado em detrimento do povo. Nas justificativas esfarrapadas para ações de regimes autoritários, vê-se o subsistente anacronismo de uma esquerda que resiste a assumir a democracia como valor universal. Na estigmatização da Operação Lava Jato, como se o PT tivesse sido vítima de uma conspiração, nota-se a inclinação mistificadora característica de líderes, partidos e movimentos com tendências populistas.

Demarcar diferenças com relação a Lula e à coalizão de forças que a ele se juntará não deve levar a terceira via a embarcar no antipetismo furibundo, reacionário e preconceituoso. De hoje até a data do primeiro turno das eleições do próximo ano, a prioridade deve ser o enfrentamento político e eleitoral com Bolsonaro. Nesse período, não haverá dificuldade maior em conciliar a defesa de valores com a tática eleitoral, visto que a terceira via só chegará ao segundo turno se o atual presidente ficar pelo meio do caminho. Na hipótese de o segundo turno se dar entre o candidato da terceira via e Lula, é preciso não perder de vista que, além de derrotar Bolsonaro, importa não repetir os erros que o levaram à Presidência. Um desses erros foi a polarização autodestrutiva que se estabeleceu entre o PSDB e o PT ao longo de mais de 20 anos.

Não repetir esse erro implica reconhecer que a diferença política fundamental está entre democratas e não democratas, entre quem se recusa e quem se dispõe a recorrer à força e à intimidação para vencer, quando não destruir adversários transformados em inimigos políticos. Não petistas e petistas, se democratas, têm um patrimônio comum a preservar: a democracia liberal, na sua acepção contemporânea, que agrega os direitos sociais e ambientais aos civis e políticos e se abre para as mudanças na sociedade em favor da igualdade na diversidade. A Presidência de Bolsonaro e a experiência com o bolsonarismo nos ensinou que a democracia não está assegurada, nem mesmo nos seus elementos mais básicos.

Além de derrotar Bolsonaro, será necessário refazer, para reforçá-lo, o pacto democrático estabelecido em 1988, agora com outros atores políticos e novas forças sociais, à luz das lições aprendidas desde então, em especial a persistência, sob novas vestes e formas, do patrimonialismo e do corporativismo, que capturam o sistema político e o Estado. Tão ou mais importante será ter clareza sobre os desafios das próximas décadas: como preparar o País para, com o uso das novas tecnologias, melhorar a qualidade da sua democracia e do seu desenvolvimento, tornando-o mais “verde” e mais includente?

A terceira via precisa oferecer respostas consistentes a essa questão. Perdendo ou ganhando, é importante que tenha força política para participar da construção do futuro do País.

*Diretor-Geral da Fundação FHC, é membro do GACINT-USP


Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,ainda-a-terceira-via,70003803008


Eleitores aguardam definição do nome que irá representar 3ª via na disputa

Candidaturas que se apresentam como alternativa de equilíbrio entre Bolsonaro e Lula correm contra o tempo para tentarem algum entendimento e se consolidarem, antes que se complique a operação de retomada dos votos que migraram para os extremos

Jorge Vasconcellos / Correio Braziliense

Os eleitores que não pretendem votar no presidente Jair Bolsonaro nem no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na próxima eleição — cerca de 40% do total, segundo as recentes pesquisas de opinião —, ainda aguardam uma definição sobre qual será o nome que representará a chamada terceira via na disputa. Até o momento, nenhum dos principais pré-candidatos de centro demonstrou disposição de abrir mão da cabeça de chapa.

Essa posição apenas favorece Bolsonaro e Lula, naturalmente consolidados — não apenas por serem antagonistas, mas um por ser o atual presidente da República e o outro por ainda ser apontado como o principal líder das esquerdas no país. Para quebrar essa consolidação, os postulantes da terceira via correm contra o tempo para que, assim que se apresentarem, o eleitor já não tenha optado por um dos dois. A postulação tardia embute o risco de fracassar na estratégia de trazer de volta ao centro os votos que migraram para os extremos.

A discussão sobre a criação de uma frente de partidos de centro para ter um candidato contra Bolsonaro, em 2022, começou há pouco mais de um ano, impulsionada pelo então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (sem partido-RJ). Ainda hoje, entre os mais citados para assumir essa missão estão os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Ciro Gomes (PDT); o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG); e os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (ambos do PSDB).

Em outubro, os tucanos vão realizar prévias para escolher o candidato presidencial do partido. Por pressão de Doria, o evento vai ocorrer pouco menos de um ano antes do prazo dado pela lei eleitoral para as siglas escolherem os respectivos concorrentes. O governador disputa a indicação com o gaúcho Eduardo Leite.

Em outro front, Ciro reforça a artilharia contra Lula e Bolsonaro e se apresenta como o único capaz de colocar o país nos trilhos da economia. O investimento da pré-campanha, que inclui a contratação de João Santana, ex-marqueteiro do petista, indica que a possibilidade de o pedetista abrir mão da cabeça de chapa na próxima eleição, pelo menos até agora, é remota.

No caso de Rodrigo Pacheco, apesar de ter sido eleito presidente do Senado com o apoio da base do governo na Casa, sua possível postulação ao Palácio do Planalto depende da troca do DEM pelo PSD — cujo presidente, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, trabalha para convencê-lo de que tem chances na disputa.

Toda essa movimentação aponta que 2022 deverá ter mais de um candidato se apresentando como alternativa ao atual cenário de polarização política. Segundo Guilherme Casarões, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), isso é possível porque, quanto mais distantes os polos da disputa política, maior o espaço em que a terceira via pode operar ideologicamente.

“O que aconteceu em 2018 e, sobretudo, nesta próxima eleição, é que é enorme a distância ideológica entre as duas candidaturas que se colocam como as principais hoje, Bolsonaro e Lula. E, então, o que acontece? Nesse quadro, a terceira via terá mais opções ideológicas para oferecer uma alternativa. Por isso é que, desde o começo deste ano, principalmente, o debate está girando em torno de vários candidatos. Então, existem vários tentando ocupar esse espaço”, explicou.

Já o cientista político André Pereira César considera ser possível que os partidos de centro cheguem divididos na eleição do ano que vem. Porém, observa que essa fragmentação pode beneficiar os dois concorrentes que, hoje, estão polarizados — Bolsonaro e Lula.

“Se botar dois ou três candidatos, fragmenta de uma maneira que não vai conseguir levar nenhum desses ao segundo turno. Vão chegar Bolsonaro e Lula. Quero crer que vai se consolidando na cabeça dos formuladores que é preciso ter um nome. Uma chapa, com um cara forte. Quanto antes você chegar com um candidato mais ou menos consolidado, que seja capaz de juntar e unificar todas as vertentes, melhor. Tem um público que não vota nem no Lula nem no Bolsonaro, na casa dos 40%. É esse público que a terceira via quer conquistar, mas só quando tiver um nome”, observou.


Fonte:
Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4941182-eleitores-aguardam-definicao-do-nome-que-ira-representar-3---via-na-disputa.html


O Estado de S. Paulo: Tasso admite disputar prévias no PSDB

'Se meu nome servir para unir, vamos trabalhar nessa direção', diz senador tucano sobre candidatura à Presidência, em 2022

Vera Rosa e Andreza Matais, O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Pela primeira vez desde que foi incentivado a entrar na disputa de 2022, o  senador Tasso Jereissati (CE) admitiu participar de prévias do PSDB para a escolha do candidato à Presidência e construir uma terceira via, diante da polarização entre a esquerda e a extrema direita. “Se meu nome servir para unir, em algum momento, vamos trabalhar nessa direção”, disse o senador ao Estadão.

Integrante da CPI da Covid, Tasso gostou de ser chamado de “Biden brasileiro” por um grupo do PSDB que se refere a ele como o único político capaz de agregar forças no campo de centro. Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden, de 78 anos, teve esse papel. “Vejo nele um cara que está mudando a história do mundo”, afirmou o tucano, que tem 72 anos.

As prévias do PSDB estão marcadas para outubro, mas Tasso acha melhor adiá-las para 2022. “Ainda tem muita água para rolar debaixo da ponte”, previu. Até hoje, o PSDB tinha três pré-candidatos à sucessão de Jair Bolsonaro: os governadores João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul), além do ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. Agora Tasso, ex-governador do Ceará, também entrou no páreo.

O presidente do PSDB, Bruno Araújo, lançou sua candidatura à sucessão de Jair Bolsonaro. O sr. pode ser a terceira via?

Ser candidato à Presidência não está ainda nos meus planos. Eu falo “ainda”. Eu defendo a ideia de uma união do centro. Quando eu digo união é porque vejo espaço, nas próximas eleições, para um candidato entre Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) e Bolsonaro, que não seja nem de esquerda, nem de extrema esquerda, nem de extrema direita. Com certeza eu não acho bom para o País mais quatro anos de Bolsonaro. É um governo desastroso em todos os pontos, da condução da pandemia de covid – levando o Brasil ao maior número de mortes do mundo por dia – à política econômica, que não anda. E também não vejo como repetir o governo do PT. Então, está na hora do equilíbrio. Se dividir muito, ninguém vai ter (apoio para chegar ao segundo turno). Se meu nome servir para unir, em algum momento, vamos trabalhar nessa direção.

O sr. aceitaria disputar uma prévia no partido com João Doria, Eduardo Leite e Arthur Virgílio?

Eu sempre fui defensor de prévias. Mas ponderando que essa prévia seja feita dentro do limite da coerência, de um posicionamento ético. E que sirva para unir, não para desunir. Nunca falei isso, mas acho que as prévias deveriam ficar um pouco para mais tarde, para que nós pudéssemos conversar com os outros partidos. Quando defendo essa união, eu acho que não deve ser só dentro do PSDB.

Mas, com tanta divisão no PSDB, é possível um consenso, sem necessidade de prévia?

As prévias são boas. Eu não sei se são oportunas agora (em outubro). Até o início do ano que vem, muita coisa vai acontecer. Mas isso é minha opinião. Vai prevalecer, evidentemente, a visão do partido, dos dirigentes.

Esse vácuo não beneficia a polarização Bolsonaro-Lula?

Não tem vácuo, não. Tem é candidato demais. Daqui a pouco, um começa a dar cotovelada no outro. Ainda tem muita água para rolar debaixo da ponte. Um exemplo de como as coisas mudam: eu não sabia (em 2018) que tinha uma extrema direita tão radical e tão organizada. Foi uma surpresa gigantesca. E esse movimento se uniu ao antipetismo e à facada (sofrida pelo então candidato Bolsonaro). Ninguém sabia o tamanho dessa direita porque ela estava enrustida há muito tempo. Bolsonaro soube catalisar isso através das redes sociais.

Como ninguém enxergou que a direita estava se estruturando pelas redes sociais?

Desde a redemocratização se criou uma espécie de preconceito contra a direita. Era difícil você encontrar alguém que dissesse que era de direita, mesmo sendo. Significava uma afinidade com o golpe, com a ditadura, com o período autoritário. Quando falavam que o Bolsonaro poderia ganhar, eu desprezava a hipótese, solenemente. Tinha certeza de que não seria possível porque um político que fazia aquele discurso nunca poderia ganhar. Se tem uma coisa do Bolsonaro que nós temos de respeitar é que ele não mudou.

Passados dois anos de governo, Bolsonaro ainda é um candidato competitivo, apesar de todas as crises? O centro se preparou para enfrentá-lo nas redes sociais?

Não. O centro não tem rede social organizada e espalhada. Nenhum desses candidatos que estão aí tem. Vamos precisar ter.

O sr. chegou a dizer que o marqueteiro João Santana, quando estava com o PT, espalhou fake news e derrubou Marina Silva. Agora, ele foi contratado por Ciro Gomes, que é próximo ao sr. e tem conversado com esse campo de centro. Isso preocupa?

Eu não sabia que o Ciro tinha feito essa contratação. Pelo caráter do Ciro, acho muito estranho. Agora, o João Santana pagou tanto pelos seus pecados, indo preso, que talvez tenha mudado e queira se redimir.

Dizem que o sr. é o único que pode convencer  Ciro a desistir da candidatura presidencial em nome de uma aliança maior.

Eu acho difícil o Ciro sair (do páreo). Mas não acho muito difícil o Ciro vir. O Ciro já foi de esquerda, mas hoje é de centro. E acredito que ninguém vá mudar o desejo dele de tentar a Presidência. Ele tem esse objetivo na vida.

O manifesto assinado por seis presidenciáveis, em defesa da democracia, é um caminho para construir a terceira via, em 2022?

Acho que foi um primeiro passo. Como diz o poeta, “você começa o caminho caminhando”. Mas a abertura de diálogo entre todos esses candidatáveis é fundamental. Eu posso ajudar, acho até que tenho uma facilidade de diálogo. Isso não indica que seja eu o candidato. Tenho enorme admiração pelo governador Eduardo Leite.

O que falta, na  sua opinião? É um programa para unificar esse grupo ou deixar as vaidades de lado para montar uma aliança?

A palavra principal é desprendimento. Mas alguns pontos são relevantes para uma agenda comum, como meio ambiente, respeito à ciência e não desprezar a questão fiscal.

O sr. tem sido chamado por algumas alas do PSDB de ‘Biden brasileiro’ por ter um perfil capaz de unir diferentes correntes. O que acha dessa comparação?

Fico extremamente lisonjeado, mas acho que é por causa da idade (risos). Vejo nele um cara que está mudando a história do mundo. Eu meço, hoje, a responsabilidade do Bolsonaro na nossa pandemia através dos Estados Unidos. Prestem atenção na mudança que houve lá no combate à pandemia depois da eleição. E agora Biden está colocando a questão do meio ambiente na agenda do planeta.

O PSDB passou por várias crises e não conseguiu chegar nem ao segundo turno da eleição de 2018. Como o partido pode se reposicionar no jogo?

Todos os partidos sofreram crises. O PSDB, o PT, o MDB... De uma maneira geral, os partidos estão bastante desmoralizados. Nessas eleições agora, vamos ter de nos reconstruir com um programa claro e, ao mesmo tempo, restabelecer a questão da ética. 

Além do sr., quais outros nomes podem furar a polarização na campanha presidencial?

Tem o Mandetta (ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta) pelo DEM. O PSDB tem aí tanto o Eduardo Leite quanto o Doria. Tem o Ciro pelo PDT. Luciano Huck é o que tem mais popularidade e está com meio caminho andado. Tem um grupo grande muito consciente dos riscos que o Brasil corre e se dispõe a conversar.

Quais riscos?

Se nós tivermos mais quatro anos de Bolsonaro, vamos ser um pária internacional, isolado do mundo. E com a economia no caos. O primeiro governo do Lula foi bom, mas ele teve como formulador de política econômica o Marcos Lisboa. Se ele vier com a política do Guido Mantega, do descontrole fiscal, nós também iremos por um caminho equivocado. Temos de reconstruir credibilidade.

A CPI da Covid pode desembocar em um processo de impeachment contra o presidente?

Não é o objetivo. Com certeza, a CPI vai levantar responsabilidades sobre esse drama que o País vive. Agora, eu acho que nós não devemos chegar a impeachment. Além de ser outra crise, é inócua porque uma CPI demora seis meses. E depois, se começar um processo de impeachment, vão no mínimo mais seis meses. O País ficaria parado e sem rumo, já chegando às eleições do ano que vem. Agora é trincar os dentes.

O ex-secretário de Comunicação Social Fábio Wajngarten disse à Veja que o Brasil não comprou antes vacinas da Pfizer por culpa do então ministro da Saúde Eduardo Pazuello. É crível que o presidente não soubesse de nada?

Eu não acho crível. Temos de averiguar, mas acho estranho que a compra de vacinas passe pelo secretário de Comunicação, e não pelo presidente. Até porque tem a célebre frase do então ministro da Saúde: “Ele manda, eu obedeço”.

O que se pode esperar da economia com o desemprego em alta e orçamento apertado? O “Posto Ipiranga” do governo corre o risco de incendiar?

Não tem mais gasolina (risos). Existe uma sensação de descontrole. A economia parada, o déficit e a inflação subindo. É o pior dos mundosMas há uma coisa para prestar atenção, no ano que vem. É que, em função da inflação, haverá uma bomba fiscal maior. Em 2022, o governo Bolsonaro terá mais dinheiro para gastar. Acho muito difícil o Paulo Guedes (ministro da Economia) avançar em seus planos liberais. Esse choque aconteceria de qualquer forma porque Bolsonaro nunca foi liberal. Ele sempre foi corporativista.

Muitos acreditavam que os militares fossem atuar como freio para o presidente, mas ocorreu o contrário. O sr. acha que eles podem não apoiar o projeto da reeleição?

Eu acho que os militares também ficaram surpresos. Não deveriam ficar porque Bolsonaro foi saído, não digo expulso, do Exército pela hierarquia militar. Eu acho que os militares têm de ficar neutros, como sempre estiveram. Não devemos nos preocupar com eles nas eleições. Eles têm de estar ali, respeitando a Constituição e fazendo o seu papel.