terceira onda

Ricardo Noblat: À espera da nova onda do vírus, e na torcida para que não venha

Acendeu a luz amarela em gabinetes de autoridades médicas de Estados populosos. No país, a média de mortes caiu continuamente nos últimos 30 dias. Mas a média de casos subiu nos últimos 15 dias com a circulação recorde de pessoas, diz Atila Iamarino, doutor em ciências pela Universidade de São Paulo.

No momento em que o país soma mais de 430 mil mortes pela Covid-19 e somente 12% da população adulta está completamente imunizada contra o coronavírus, nove em cada dez brasileiros com 18 anos ou mais (91%) pretendem se vacinar ou já se vacinaram, aponta pesquisa Datafolha. Mas falta vacina

Os números da pesquisa confirmam a tendência de crescimento da adesão à imunização. Em dezembro último, os pró-vacinas somavam 73%. Em janeiro, após a aplicação das primeiras doses, o percentual deu um salto para 81%. Chegou a 89% em abril, no pico da segunda onda da pandemia. Mas falta vacina.

O governo Bolsonaro foi ágil em importar e fabricar drogas ineficazes contra a Covid-19, e inepto em comprar vacinas. Dispensou 240 milhões de doses, 70 milhões nas seis ofertas da Pfizer, mais 170 milhões oferecidas pela

O ritmo de vacinação está sendo lento demais, na opinião de 7 em cada 10 pessoas entrevistadas pelo Datafolha. Mas a lentidão se explica: falta vacina. Sobram drogas que não funcionam.

Kátia Abreu fecha a porta das embaixadas do Brasil para Ernesto Araújo

À parte as mentiras e esquivas em dizer a verdade, pouca coisa ficou de aproveitável do depoimento prestado à CPI da Covid por Ernesto

Fora as mentiras e dribles na verdade, o que restou de aproveitável do depoimento prestado à CPI da Covid-19 pelo embaixador Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores?

Poucas coisas. A mais destacada pelos senadores que o interrogaram: Araújo confirmou ter mobilizado a estrutura do seu ministério para a compra a outros países de hidroxicloroquina.

E disse que o processo de compra foi acompanhado por Bolsonaro. Atribuiu ao ex-ministro Eduardo Pazuello a decisão de pedir um número insuficiente de vacinas à Organização Mundial da Saúde (OMS).

O Brasil tinha direito a receber vacinas para imunizar 50% de sua população. Pazuello pediu um número de vacinas que só daria para 10%. Por quê? Que ele se explique, hoje, quando for depor.

Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu (Progressistas-TO) garantiu que jamais colocará em votação a eventual indicação de Araújo para uma embaixada.

Bolsonaro cogita indicá-lo para um cargo de representante do Brasil no exterior junto a alguma organização internacional, o que independe de aprovação do Senado. Poderá ser em Paris.

O Dia D e a Hora H do general Pazuello, ex-ministro da Saúde

Como ele se apresentará à CPI da Covid, fardado ou não? Enfrentará os senadores ou se calará? Ao falar, dirá a verdade, apenas a verdade?

No depoimento mais aguardado até agora pela CPI da Covid-19, o general Eduardo Pazuello, o terceiro ministro da Saúde do governo Jair Bolsonaro, dali posto para fora por incompetência fartamente demonstrada, tem uma difícil escolha a fazer.

Ou fala a verdade na contramão dos que foram ouvidos até agora, à exceção do contra-almirante Barra Torres, presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ou cala-se sob a proteção do um habeas-corpus que lhe assegura tal direito.

Pazuello, em todo caso, deve acautelar-se. O habeas-corpus concedido pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, só lhe permite fugir de perguntas que possam incriminá-lo em processo que responde.

Triste situação, essa, a de um general da ativa, especialista em logística militar, que aceitou o desafio de enfrentar a pandemia mais destruidora dos últimos 100 anos sem que tivesse o mínimo conhecimento da área de saúde.

Esfarrapada foi a desculpa que deu para tanto. “Missão dada, missão cumprida” é um ditado que significa: se um superior lhe dá uma tarefa, cumpra-a sem discussão. O ditado guarda parentesco com outro: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Em resumo: na cabeça do general, uma vez convocado pelo presidente para servir a pátria invadida por um vírus certamente fabricado em laboratório estrangeiro, ele não poderia dizer não. Treinado para obedecer, deveria sempre dizer sim ao chefe.

Em que trajes ele se apresentará diante dos senadores e do país que assistirá seu depoimento transmitido ao vivo por emissoras de rádio e de televisão? A paisana, embora como ministro tenha usado farda? Fardado, na esperança de intimidar os senadores?

Alguns dos seus companheiros de farda, da ativa e da reserva, plantaram notas na mídia advertindo os senadores para o risco de humilhar um general, forçando-o a revelar o que não pode. A fazê-lo, talvez os brucutus rolassem na Esplanada dos Ministérios.

Bobagem! Os brucutus serão poupados para uma futura guerra contra algum dos países vizinhos. É o que os militares esperam desde a última, travada contra o Paraguai entre 1864 a 1870. Se vier, que seja rápida, pois munição só há para poucas horas.

A ver se os senadores, aliados do ex-capitão que acidentalmente se elegeu presidente, entregarão Pazuello à própria sorte ou se arriscarão o mandato para defendê-lo a qualquer preço, como não fizeram com o ex-ministro Ernesto Araújo.

Verdade que Araújo não vale uma missa, mas Pazuello valerá?

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/a-espera-da-nova-onda-do-virus-e-na-torcida-para-que-nao-venha


O Globo: Com vacinação lenta e isolamento baixo, cientistas preveem terceira onda de Covid-19 no país

Suzana Correa, O Globo

SÃO PAULO — O Brasil registrou queda de 19% na média móvel de mortes por Covid-19 nas duas últimas semanas. Em 18 das 27 unidades de federação, o índice está caindo, mostrou o boletim do consórcio da imprensa nesta segunda-feira. Apenas um estado está em viés de elevação na última quinzena, enquanto oito permaneceram em tendência estável (variação menor de 15% para mais ou para menos). Os números trazem esperança no combate à pandemia, mas projeções feitas por cientistas nos EUA e Brasil, no entanto, acenderam o alerta de especialistas sobre a possibilidade de uma terceira onda no país, com nova alta de óbitos.

Preocupação:  Fiocruz alerta que terceira onda pode representar crise sanitária ‘ainda mais grave’

— Evitá-la vai depender muito da vacinação, que já se mostra efetiva na redução de mortes e internações. Temos que vacinar 1,5 milhão de pessoas ao dia, idealmente 2 milhões. E ter cautela na flexibilização das medidas de isolamento — explica Ethel Maciel, professora da UFES e doutora pela Univesidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.

Sem o avanço na vacinação, o Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação da Universidade de Washington, nos EUA, que tem se destacado por suas projeções certeiras desde o início da pandemia, indica que o país poderá chegar à trágica marca de 751 mil mortes por Covid-19 até 27 de agosto. E isso em cenário que inclui o uso de máscaras por 95% da população no país.

No pior cenário projetado pelos analistas americanos, em que a variante P.1, que emergiu em Manaus e já se espalhou por 16 países latino-americanos, continue se espalhando e vacinados abandonem o uso de máscara, o país pode voltar ao patamar de 3.300 mortes diárias em torno de 21 de julho e alcançaria 941 mil mortes em 21 setembro.

Os dados do Instituto de Métricas são usados em avaliações da pandemia pela Casa Branca e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço latino-americano da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Até agora, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa, o Brasil já perdeu 436.862 vidas para a Covid-19. E o aumento de mortes, frisam os especialistas da universidade americana, é esperado mesmo com a redução nas internações em UTIs e na média diária de óbitos, em comparação com abril, devido à previsão de aumento nas infecções e redução no uso de máscaras e distanciamento social.

Para evitar uma terceira onda devastadora, a aceleração na vacinação é uma das medidas centrais apontadas pelos especialistas. Segundo painel da Universidade de Oxford, o Brasil atingiu média diária de aplicação de 1,1 milhão de doses em 13 de abril, mas a quantidade foi caindo ao longo do mês e chegou a 429 mil doses no último dia 12 de maio. O país tem hoje cerca de 70 mil novos casos diários da doença, patamar considerado alto pelos especialistas, e apenas 9% de brasileiros vacinados com a segunda dose.

NúmerosSob alerta de uma 3ª onda, Brasil registra 2.340 óbitos e vê nova redução da média móvel de mortes

Cláudio Struchiner, médico e professor de Matemática Aplicada da FGV, pondera que instituições brasileiras evitam realizar projeções de longo prazo como as realizadas pela Universidade de Washington devido à alta incerteza que permeia o cenário da pandemia no Brasil.

— Há muitas variáveis incertas: [ritmo de] vacinação, relação Brasil e China [fornecedora de insumos para as vacinas aplicadas aqui], novas cepas, incidentes com a vacina que interferem na sua aceitação, duração da imunidade, subnotificação, sazonalidade. Dito isso, o Instituto de Métricas é sério e experiente, e as projeções para o Brasil são, sim, plausíveis — afirma.

Outra projeção, da Rede Análise Covid-19, que conta com uma equipe multidisciplinar de pesquisadores pelo Brasil, alerta que o país apresenta tendência a picos de casos da doença — como os observados em julho de 2020 e início de 2021. Ao pico segue-se uma queda, estabilização e, em seguida, novo aumento. Os dados atuais, de acordo com a Rede Análise Covid-19, mostram justamente que o país está no momento às vésperas de um novo aumento de casos.

No exteriorTerceira onda da pandemia pode ser a pior de todas, alerta ministro da Saúde alemão

Já a plataforma de dados da USP e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) projeta que o total de casos no país deve passar de cerca de 15,4 milhões em 14 de maio para 16,1 no dia 23 de maio, também cravando curva ascendente.

O GLOBO questionou o Ministério da Saúde e perguntou quais projeções embasam as medidas da pasta, o que tem sido feito para evitar ou lidar com uma terceira onda no país, qual a posição sobre as projeções e se há previsão de reforço nos estoques de oxigênio e remédios para intubação durante essa possível terceira onda. O Ministério respondeu apenas que “não comenta sobre projeções”.

Gulnar Azevedo, pesquisadora do Instituto de Medicina Social da UERJ, diz que, apesar das quedas, “a média de mortes em cerca de 2 mil ainda é alta”.

— O vírus continua circulando, e entraremos no inverno, quando o tempo mais frio favorecerá o aumento de casos do vírus — diz Azevedo.

Novo pico

Boletim do Observatório da Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz alertou, na última quinta-feira, justamente para a intensa circulação do vírus no país, apesar da “ligeira redução” nas taxas de mortalidade e na ocupação de leitos de UTI no país. “Uma terceira onda, agora, com taxas ainda tão elevadas, pode representar uma crise sanitária ainda mais grave”, informa o boletim.

Leonardo Bastos, estatístico da Fiocruz, avalia que o país reúne as condições necessárias para uma nova onda da doença, devido a combinação perigosa: alto patamar de infecções e hospitalizações, número alto de cidadãos que não contraíram a doença (e, portanto, não produziram anticorpos contra a infecção), ritmo lento da vacina, redução no uso de máscaras e abertura acelerada nos estados que haviam intensificado medidas de distanciamento. Ele alerta também para a chegada de novas variantes, como a indiana, e o surgimento de cepas que possam reinfectar vacinados.

Carlos Lula, secretário de Saúde do Maranhão e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), vem cobrando o governo federal para tomar medidas de âmbito nacional a fim de conter a disseminação do vírus, a entrada de novas variantes e a continuidade da regulação do mercado de medicamentos nacionais:

— É indispensável entendermos o que aconteceu na segunda onda, com problemas no kit intubação, dificuldade de se prover oxigênio, medicação necessária e testagem insuficiente. É preciso solucionar esses entraves, intensificar as compras e já ter o estoque de precaução — diz.

*Estagiária, sob supervisão de Mauricio Xavier

Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/com-vacinacao-lenta-isolamento-baixo-cientistas-preveem-terceira-onda-de-covid-19-no-pais-25018581


Alon Feuerwerker: Segunda, terceira

Depois da segunda onda vem a terceira? Isso aconteceu, por exemplo, na Gripe Espanhola. E ali a mais mortífera foi a segunda. Agora, a Europa parece às voltas com o recrudescimento das infecções pelo SARS-CoV-2, uma terceira onda que preocupa as autoridades sanitárias (leia).

Também porque o ritmo da vacinação no Velho Continente deu uma engasgada, por causa das dúvidas sobre a vacina de preferência deles, a Oxford/AstraZeneca. Houve relatos de complicações após a administração, ela foi interrompida em diversos países mas agora parece que vai ser retomada.

Lá, como cá, a disputa se dá em torno de apertar e estender, ou não, as medidas de isolamento social. Mas ali preservou-se um grau bom de coordenação entre governos e países. Se acertarem, a chance de todos acertarem juntos é grande. Igualmente se errarem.

Por aqui, a turbulência federativa vai firme. Um exemplo insólito é a divergência entre o governador de São Paulo e o prefeito da capital, aliados e ambos do mesmo partido, sobre o feriado prolongado que a prefeitura determinou (leia). E assim caminha o Brasil. Tomara que a vacinação acelere logo.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


El País: Ministério da Saúde encurralado amplia tensão nos bastidores, e técnicos criticam falta de planejamento

Ministro tenta provar que não demorou a agir na crise de Manaus, enquanto investigação avança com anuência do STF e senadores cobram explicações. Funcionários reclamam que estão sendo enviados à cidade sem missão definida

Beatriz Jucá, El País

Quase um ano depois da confirmação de seu primeiro caso de covid-19, o Brasil se vê diante de um Ministério da Saúde imerso em uma longa lista de desgastes. O cerco contra as ações do ministro Eduardo Pazuello se fechou ainda mais nesta segunda-feira, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski autorizou que a Polícia Federal realize diligências para apurar as ações do mandatário durante o colapso da saúde do Amazonas, quando faltou oxigênio para os doentes graves.

Entre as medidas autorizadas estão o acesso à troca de emails institucionais envolvendo o ministério e as secretarias estadual e de Manaus sobre os problemas, novos depoimentos da fornecedora dos cilindros, a White Martins, e o levantamento de gastos de aquisição e distribuição de cloroquina, hidroxicloroquina e de testes para detectar o coronavírus. Lewandowski determinou ainda a identificação e o depoimento dos desenvolvedores do aplicativo TrateCOV, que, conforme relatou reportagem do EL PAÍS, indicava o uso da cloroquina para qualquer tipo de paciente que acessava a planaforma.

O grave colapso do sistema de saúde de Manaus ―onde pacientes com covid-19 morreram asfixiados― e a abertura do inquérito de investigação na Polícia Federal para apurar se houve omissão de Pazuello elevaram a pressão sobre uma pasta já marcada por controvérsias no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. Enquanto o ministro da pasta mergulha em um malabarismo retórico para agora negar medidas como, por exemplo o estímulo ao tratamento precoce a partir do uso de medicações sem eficácia contra a doença e tenta convencer que não demorou a negociar vacinas, um novo elemento tem injetado mais pressão ao cenário: a possibilidade de abertura de uma CPI no Senado.

O clima de tensão vem repercutindo internamente no trabalho de técnicos da pasta, que criticam “missões atabalhoadas” para Estados do Norte, vistas por eles como uma estratégia de defesa para mostrar ações proativas diante das investigações. Nos bastidores políticos de Brasília, a sensação é a de que, por enquanto, as explicações dadas por Pazuello na semana passada ao Senado não foram convincentes o suficiente. O Planalto ainda trabalha para impedir a CPI.

Na última quinta-feira (12), Pazuello foi participou de uma sessão organizada por senadores governistas para dar a ele a chance de ser ouvido antes da decisão sobre a instalação da possível CPI. O ministro abraçou a missão. Chegou a comparar as derrotas da Alemanha nas duas grandes guerras mundiais para pedir aos senadores que não abrissem uma nova frente de combate à pandemia ―a política― e se ativessem a uma guerra técnica conjunta para enfrentar o vírus. Argumentou que um embate político neste momento poderia desarticular a estratégia do Governo. “Queria fazer o meu alerta: a Alemanha perdeu a guerra duas vezes porque ela abriu a frente russa. Todo mundo avisou ao ditador que não devia abrir a frente russa, e ele abriu. Não há como manter duas frentes”, afirmou o ministro. “Se nós entrarmos em uma nova frente nesta guerra, que é a frente política, nós vamos ficar fixados. Se fixarmos a tropa que está no combate, vai ser mais difícil ganhar a guerra.”

Para se defender de uma suposta demora nas ações para socorrer Manaus, Pazuello disse que após ouvir relatos de “gente se contagiando mais que o normal” feitos por amigos e familiares da cidade, reuniu sua equipe ainda em dezembro. Determinou a transferência de recursos ao Estado e decidiu enviar uma equipe técnica para analisar a situação no local. Mas o grupo, chefiado pela Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, chegou em Manaus apenas dias depois, em 3 de janeiro. A missão produziu um documento da pasta que reconhecia a “possibilidade iminente de colapso do sistema de saúde, em 10 dias”. Mas, segundo Pazuello, não houve nenhum alerta específico sobre um colapso de oxigênio. No dia 14 de janeiro, hospitais da cidade colapsaram e faltou até este insumo básico. Pessoas morreram asfixiadas.

Conforme contou Pazuello aos senadores, o problema de oxigênio começou a ser apresentado apenas em 7 de janeiro, quando recebeu uma ligação da Secretaria da Saúde pedindo ajuda para o transporte de oxigênio de Belém a Manaus. Um relatório de sua equipe dois dias depois apontou, conforme o ministro, que o foco de uma reunião no Estado havia mudado pelo relato de colapso dos hospitais e problemas técnicos na rede de oxigênio. Segundo Pazuello, técnicos afirmaram que o desabastecimento resultava de “problema na rede de gás do município” e de “deficiência na gestão dos hospitais”. “Rede de gases são os tubos de gases e não o oxigênio que vai dentro. Pressurização entre o município e o Estado é regulação entre um e outro.” E argumentou que só teria responsabilidade no colapso de Manaus se houvesse faltado recursos para a compra, mas não pelo desabastecimento.

“Os fatos relatados puros e secos indicam deficiência na gestão dos hospitais por colapso e dificuldades técnicas em redes de gases. Em momento algum fala sobre falta de oxigênio, colapso de oxigênio ou previsão de falta de oxigênio”, afirmou o ministro. Ele defendeu que, a partir do momento em que ficou clara a dificuldade de abastecimento do insumo hospitalar, agiu com apoio logístico para o envio de cilindros, requisitou usinas de produção e organizou a transferência de pacientes para hospitais federais de outros Estados, bem como abriu mais leitos. Segundo ele, a estratégia agora é fabricar oxigênio no Amazonas e em outros Estados do Norte que enfrentam problemas de abastecimento do insumo. A tentativa de explicar o colapso, no entanto, não parece ter arrefecido o clima no Senado, embora o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, esteja “protelando” a abertura da CPI, segundo um senador ouvido pelo EL PAÍS. Em entrevista à imprensa, ele disse que agora conversará com lideranças sobre a pertinência de instalá-la neste momento.

Pressão interna na atuação do Ministério

As críticas que já vinham sendo feitas às ações do Ministério da Saúde no combate à pandemia ganharam mais força a partir do colapso de Manaus e impactaram internamente nos trabalhos da pasta. Contribuiu para esta pressão a publicação de um documento assinado por Mayra Pinheiro, secretária que liderou a primeira missão de visita ao Estado, que contradiz o próprio ministro quando ele diz que não recomenda medicamentos sem eficácia comprovada para a covid-19. Em ofício enviado à Secretaria da Saúde de Manaus, ela dizia ser “inadmissível” a não-utilização de medicações como o antimalárico cloroquina e o antiparasitário ivermectina para controlar a pandemia em Manaus. A exposição do documento pela imprensa e a investigação sobre a atuação da pasta elevaram a pressão sobre outros secretários e diretores, responsáveis por assinar os documentos que oficializam ações e orientações da pasta.

Segundo funcionários do ministério ouvidos pelo EL PAÍS na condição de anonimato por medo de represálias, o nível de cobrança às equipes técnicas aumentou desde a investigação pedida pela PGR, especialmente aos que trabalham com o Centro de Operações de Emergência (COE). “Relatórios que tragam informações comprometedoras do dia a dia geram polêmica. Há um óbvio tensionamento no ar para que o ministro consiga justificar no inquérito que ele tomou as decisões que deveria. Está usando a estrutura do ministério de forma atabalhoada para dar conta de construir alguma justificativa plausível”, diz um funcionário que atua há mais de 10 anos na pasta.

Pazuello intensificou as viagens a Manaus desde a crise sanitária e a abertura das investigações. Um dia após a sabatina no Congresso ―onde alguns senadores avaliam que ele não conseguiu sanar dúvidas e convencê-los de sua atuação proativa―, ele anunciou que embarcaria outra vez para a capital do Amazonas para tratar da crise. Nas últimas semanas, o ministério também tem ampliado o envio de técnicos do Ministério da Saúde para apoiar gestores locais. Mas funcionários da pasta contam que estas viagens têm sido determinadas sem missões claras e coordenadas, como normalmente ocorria.

Um deles contou que técnicos estão sendo convocados para viajarem e só então verem com os gestores locais como poderiam ajudar no enfrentamento à crise. “Não tem um planejamento prévio do que se vai fazer lá. Uma colega enfermeira que trabalha com gestão contou que foi perguntada no Amazonas se ela poderia ajudar no hospital”, diz. Outro funcionário, que foi convocado para viajar, disse que o clima internamente já era tenso, mas piorou a partir da investigação. “A polêmica em relação a estas viagens é que foram decorrentes do inquérito. As viagens não têm plano. Servidores e até bolsistas são escalados de um dia pro outro. Há uma exigência equivocada de uma participação de pessoas de cada secretaria independentemente se têm relação com o problema a ser resolvido”, critica. Ele argumenta ainda que técnicos não estão preparados para resolver o problema de uma hora para outra e que as decisões estratégicas partem dos dirigentes. “É desproporcional para a responsabilidade de um técnico”, acrescenta.

Em meio à crise, as coletivas técnicas da pasta, que já vinham sendo espaçadas no ano passado, passaram a ser marcadas por um amplo hiato. A última aconteceu em 13 de janeiro, mesmo com uma nova variante do vírus potencialmente mais transmissível se espalhando pelo país. É neste momento que a pasta apresenta suas análises epidemiológicas de como a pandemia avança pelo Brasil. Geralmente, os encontros eram conduzidos pelos secretários, já que a frequência de Pazuello sempre foi pequena.


O Globo: Nova cepa do coronavírus se espalha pelo país e cientistas temem terceira onda

Tire as principais dúvidas sobre a variante de Manaus, que pode aumentar velocidade da pandemia no Brasil

Giuliana de Toledo e Johanns Eller, O Globo

RIO e SÃO PAULO — Já somam, de acordo com a Secretaria estadual de Saúde, 25 os casos de Covid-19 no estado de São Paulo provocados pela variante do coronavírus inicialmente identificada em Manaus. Desses, 16 são de pessoas que não estiveram no Amazonas nem em contato com quem tenha viajado pela região. Ou seja, a linhagem P1 está produzindo em número significativo infecções autóctones, que ocorrem sem “importação”.

Faça o teste:  Qual é o seu lugar na fila da vacina?

O Ministério da Saúde informa que, além de Amazonas e São Paulo, essa mutação do vírus já atinge pelo menos Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Roraima e Santa Catarina. E, segundo autoridades de saúde locais, há registros na Bahia e houve um episódio autóctone registrado no Rio Grande do Sul.

O avanço da P1 pelo país é preocupante, pois, segundo cientistas, ela demonstra ser mais transmissível. O principal freio seria a vacinação em massa. Mas a campanha nacional de imunização sofre com a escassez de vacinas.

Leia mais: Variante do coronavírus preocupa, mas vacinação não deve ser interrompida, dizem pesquisadores

A própria eficácia dos imunizantes é outra incógnita. Não há estudos que indiquem o grau de proteção da CoronaVac e da vacina de Oxford/AstraZeneca contra essa cepa. O Instituto Butantan informa que testes já estão em curso e devem ser concluídos nas próximas semanas sobre a vacina chinesa. A AstraZeneca, parceira de Oxford e da Fiocruz, também iniciou estudos.

Para tentar conter a propagação, Araraquara, que concentra 12 dos 25 casos de São Paulo — os demais estão na capital (9), em Jaú (3) e em Águas de Lindoia (1) —, entrou ontem em lockdown por 15 dias.

Também para barrar as variantes (incluindo a britânica e a sul-africana), o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) emitiu um alerta recomendando medidas de contenção como toques de recolher e lockdown.

Veja também:  O coronavírus é um ‘mestre’ em misturar seu genoma, preocupando os cientistas, apontam estudos

A reportagem procurou o Ministério da Saúde para entender a estratégia federal de contenção da nova cepa, sem retorno. E a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não respondeu se adotaria medida similar à da reguladora da União Europeia, que agilizará a liberação de vacinas eficazes contra novas mutações.


Como o Brasil pode evitar uma onda da nova cepa?

País corre risco de enfrentar terceira onda, afirma virologista

Para Fernando Spilki, virologista que coordena a Rede Corona-ômica (iniciativa do Ministério da Ciência para observar a evolução do coronavírus), diante do número elevado de casos, do ritmo lento da vacinação e da nova linhagem circulando, o país deveria considerar, “se não um lockdown completo”, medidas que restrinjam a circulação. A situação atual, ele alerta, nos encaminha para uma terceira onda, ainda mais preocupante, pois, agora, com variantes do vírus. Ele diz que vivencia-se hoje o efeito da falta de controle da movimentação de cidadãos no país.

JustiçaSTF determina que Polícia Federal investigue gastos do Ministério da Saúde com compra de cloroquina


A variante é mais transmissível? É mais letal?

Estudos epidemiológicos podem demonstrar potencial de contágio

As mutações afetam a proteína S, que é determinante na propagação do vírus. Por isso, e pelo pico de doentes observados em Manaus, cientistas acreditam que a variante seja sim mais transmissível. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou, em audiência no Senado, que “análises indicam que ela seja três vezes mais contagiosa", mas não informou a estratégia da pasta para evitar a disseminação da cepa. Ainda não se sabe se ela é mais letal. “Precisamos de estudos epidemiológicos e clínicos melhores”, explica Ester Sabino, da USP, que lidera sequenciamentos genéticos do vírus.

É possível a reinfecção pela nova linhagem?

Brasil deve considerar restrição de circulação, diz especialista

Sim. Quem já foi contaminado pode ser novamente infectado por essa variante do Sars-CoV-2. “Sabemos que a reinfecção está sim ocorrendo, mas ainda não sabemos com que frequência”, conta Sabino. Os pesquisadores se preocupam pela capacidade que essa linhagem do coronavírus parece ter em “driblar” o sistema imunológico de quem já superou a doença e deveria, em tese, ser resistente. Uma outra questão que não está respondida é a da intensidade da infecção em quem já adoeceu anteriormente: ela é mais, igualmente, ou menos forte?


Devo fazer teste para saber se estou com essa cepa?

Identificação só pode ser feita por exame ainda indisponível

É impossível descobrir por iniciativa própria se você está infectado com alguma variante, incluindo a de Manaus. A identificação das cepas só pode ser feita por sequenciamento genético, ainda indisponível nos laboratórios brasileiros. A Fiocruz do Amazonas anunciou que está criando um teste de PCR capaz de diferenciar a P1. “Hoje o sequenciamento só é feito em laboratórios de vigilância e pesquisa. Não há indicação para fazer o teste com o objetivo de saber que variante as pessoas têm”, diz Sabino. O tratamento contra a Covid-19 é o mesmo.


As vacinas usadas no Brasil são eficazes contra a cepa?

Imunizantes não divulgaram estudos que respondam sua ação diante da linhagem de Manaus

As duas vacinas em uso no Brasil, a da AstraZeneca/Oxford, produzida em parceria com a Fiocruz, e a do Butantan, em acordo com a Sinovac, não divulgaram estudos que respondam sua ação diante da linhagem de Manaus. O instituto paulista informa que testes para checar a eficácia nesses casos estão em curso e serão apresentados “nas próximas semanas”. O imunizante da AstraZeneca também está em avaliação contra a cepa brasileira. Procurada pela reportagem, a Fiocruz não respondeu sobre o estágio da investigação.


Detectamos com precisão mutações do vírus no Brasil?

Pesquisadores buscam concluir levantamentos sobre vigilância genômica

Não. Para Sabino, faltam recursos para o país conduzir um sequenciamento genético mais amplo de amostras de vírus que circulam aqui. Há vários grupos nacionais com esse enfoque, mas os esforços não estão bem distribuídos “no tempo nem no espaço", de modo que o retrato da epidemia acaba ficando incompleto. Spilki, por sua vez, destaca que, para além da vigilância genômica, o país não se vale de dados para criar estratégias, o que seria indicado “inclusive para questões de cicatrização do tecido econômico e de retorno à normalidade”.