TENSÃO POLÍTICA
Rogério Furquim Werneck: Tensão política e reformas
Não falta quem nutra a fantasia de que, nos próximos meses, antes da completa mobilização de Brasília com as eleições de 2022, ainda haverá uma janela de tranquilidade política que permitirá engajamento efetivo do Congresso no avanço do programa de reformas. O mais provável, contudo, é que o paralisante clima de alta tensão política que hoje se vê no País perdure por muitos meses mais.
Com base em longo histórico de CPIs criadas com grande estardalhaço e que acabaram dando em nada, vem sendo arguido, agora, que a recém-instalada CPI da Pandemia pode perfeitamente se revelar um completo fiasco. Mas a verdade é que as peculiaridades dessa CPI tornam pouco crível o prognóstico de que, mais uma vez, a montanha acabará por parir um rato.
É preciso ter em conta que nesse momento dramático da evolução da pandemia e de indignação generalizada, com as proporções da devastação e a lentidão com que avança a vacinação, o objeto do inquérito permanecerá sendo uma questão crucial, de fácil entendimento, na qual a grande maioria da população terá grande interesse.
É bom também ter em mente que, tendo se permitido desmandos de toda ordem no enfrentamento da pandemia, o governo já não consegue esconder seu alarme com a instalação da CPI e com os danos políticos que dela poderão advir. E que, ao se deixar levar por reações completamente destrambelhadas, vem garantindo à CPI uma caixa de ressonância de enorme potência que, a mídia, por si só, jamais conseguiria replicar.
Contando com não mais que quatro senadores governistas, entre os 11 membros da Comissão Parlamentar de Inquérito, o Planalto não teve melhor ideia do que conseguir que um juiz federal de primeira instância concedesse grotesca liminar, determinando ao Senado que não permitisse que o senador Renan Calheiros fosse “eleito” relator da CPI, quando, de fato, a escolha do relator não é feita por eleição, mas pelo presidente da Comissão.
Ao ver a liminar solenemente ignorada, o senador Flávio Bolsonaro voltou suas baterias contra o presidente do Senado, acusando-o de irresponsabilidade e “ingratidão”, por ter acatado a decisão do Supremo que determinava a criação da CPI e desacatado a do juiz de primeira instância que impedia a “eleição” do relator.
Na situação em que está, não será com hostilização ostensiva do presidente do Senado e do relator da CPI que o Planalto conseguirá conter os danos políticos que a comissão de inquérito poderá lhe trazer.
Entre as reações desastradas à instalação da CPI, merece também destaque a impensada divulgação, pela “sala de guerra” montada no Planalto, de longa lista de nada menos que 23 flancos distintos pelos quais a postura do governo durante a pandemia poderia vir a sofrer censura na CPI.
Com justa razão, a lista foi logo vista no Senado como um roteiro de confissões de culpa no qual a comissão de inquérito poderia se basear, de início, para organizar o trabalho que tem pela frente.
Tudo indica que, ao longo dos próximos meses, a relação entre o Planalto e o Congresso estará dominada pelos atritos advindos da CPI. A composição da Comissão deixou mais do que claro o caráter flagrantemente minoritário do apoio parlamentar efetivo com que conta o governo.
Tendo isso em mente, alguém acredita mesmo que, a 17 meses das eleições de 2022, o Planalto terá condições de conduzir com um mínimo de sucesso a aprovação de reformas econômicas complexas no Congresso?
É dessa perspectiva que se deve avaliar a pretensão do presidente da Câmara, Arthur Lira, de retomar o esforço de aprovação, ainda que fatiada, da reforma tributária. Entre as muitas razões para ceticismo, não se pode deixar de mencionar que esta é uma agenda sobre a qual o governo tem mantido posições especialmente confusas.
É difícil que, logo agora, com o Ministério da Economia fragilizado, e já privado da colaboração da competente Vanessa Canado, o governo consiga se livrar das suas confusões e dar coerência a uma discussão séria sobre reforma tributária no Congresso.
Fonte:
O Globo
https://oglobo.globo.com/economia/tensao-politica-reformas-24995416
Jorge Henrique Cartaxo: Sobre os meios e os modos
Parece não haver lugar para a decência no Brasil. Além dos desencontros diários do presidente Bolsonaro com a língua portuguesa, o bom senso e a empatia, não raro seus ministros inundam a República com persecutórias aleivosias. O camelô da 25 de março que faz as vezes de ministro da Economia, o personagem de Dante, Paulo Guedes, durante uma reunião do Conselho de Saúde Suplementar na última terça-feira – que ele não sabia que estava sendo gravada – expressou, sem receios, todo o seu olhar sinistro sobre o Brasil, os brasileiros e o nosso tenebroso tempo. “Nas universidades públicas ensinam Paulo Freire, sexo para crianças de 5 anos e há maconha e bebidas nas unidades de ensino mantidas pelo governo”, professorou Paulo Guedes emulando as mais “eruditas” teses bolsonaristas. E num araujiano assombro diplomático acusou os chineses de terem inventado o coronavírus e uma vacina menos efetiva do que a vacina americana. “Os americanos têm 100 anos de investimento em pesquisa. Os caras falam: qual é o vírus? É esse? Tá bom. Decodifica. Tá aqui a vacina da Pfizer. É melhor que as outras. Então, vamos acreditar no setor privado”, vociferou Guedes, bolsonaristicamente, emporcalhando os fatos e a inteligência. Outras aberrações animaram a confraria palaciana que contou com a presença, dentre outros, dos ministros Luiz Eduardo Ramos, Marcelo Queiroga e Anderson Torres.
As insanidades dessa reunião foram tamanhas que se acredita que as ofensas primitivas do ministro Paulo Guedes, vazadas deliberadamente, cumprem uma estratégia no sentido de construir uma nova crise diante dos prováveis avanços da CPI da Covid instalada no início da semana no Senado. “Olha aí uma estratégia já até desbotada no governo federal. Sempre que um ministro não consegue cumprir o prometido ao povo brasileiro, para desviar a atenção do seu fracasso, copia uma das narrativas cretinas dos bolsonaristas ‘terraplanistas’ e soltam na mídia como se fosse uma ‘pérola’,” disse o deputado Fausto Pinto, presidente da Frente Parlamentar Brasil-China, formada por cerca de 270 deputados e senadores.
Bolsonaro, desde a sua posse na presidência da República, vem ofendendo a vida, a dignidade humana, a razão, a ciência, a decência, as instituições, a democracia, a Nação e a República. As tensões, artificiais e reais, sempre animaram o não-fazer do governo Bolsonaro. Do escandaloso descaso com a pandemia, passando pela sua evidente cumplicidade com os crimes ambientais, até as suas constantes sinalizações de que, a qualquer tempo, convocará as Forças Armadas para conter os seus fantasmas, Bolsonaro nunca sentiu, de maneira tão evidente, que o poder não está e nem nunca esteve exatamente em suas mãos.
As CPIs, no Brasil, costumam não dar em nada. É sempre plausível! Mas podem abrir as portas para o impeachment do presidente da República, como aconteceu com o ex-presidente Fernando Collor. Podem também imobilizar o governo, paralisar as aspirações políticas e eleitorais do presidente em exercício, como aconteceu com o ex-presidente Michel Temer que, para conter uma ameaça de um eventual impeachment ou da instalação de uma CPI, não teve condições de se candidatar para um segundo mandato.
Um outro fantasma de Bolsonaro, ainda não devidamente valorizado pela mídia, é a eventual candidatura do senador Tasso Jereissati à presidência da República. Lula, Ciro, Eduardo Leite, Doria e Huck não assustam exatamente a reeleição de Bolsonaro. Ao seu modo, cada um desses nomes evidencia suas fragilidades, ainda que o nome de Ciro Gomes apresente significativas vantagens e qualidades diante dos demais. Já o senador Tasso Jereissati é um personagem diferente. Ele jamais bateu à porta do poder ou empurrou portões de Palácios para se fazer presente na cena pública com o devido destaque. Em 1986, foi convidado para ser candidato ao governo do Ceará, inaugurando a Nova República cearense. Desde então, tornou-se uma das vozes mais respeitadas e acreditadas no universo político do País.
Talvez a única vez que ele tenha se colocado, deliberadamente, à frente de uma disputa política tensa em seu partido, tenha sido na sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso. Na ocasião, Tasso sabia que o senador José Serra, que empurrava a porta do Palácio no momento, não teria condições de vencer o candidato do PT. Ele sabia que a elite paulista e o mundo empresarial temiam, por motivos justos ou não, o nome de Serra na presidência da República. Tasso seria o único nome tucano, naquele momento, com chances reais de vencer o Lula e por isso lutou pela indicação na legenda. Ele perdeu no PSDB e o partido perdeu o poder pelas urnas. Essa história deve ser mais rica e bem mais interessante, mas, objetivamente, foi isso o que aconteceu.
Agora, assim como em 1986, Tasso está sendo convocado para ser o candidato que daria qualidade à disputa presidencial, que seria apenas medíocre entre Lula e Bolsonaro. Claro, ainda é muito cedo para previsões. Mas o senador Tasso Jereissati jamais deixaria o seu nome ser colocado como presidenciável e menos ainda se colocaria a disposição da sua legenda, se as conversas, avaliações, possibilidades, articulações, meios e modos, já não estivessem devidamente analisados.
São boas as razões para as apreensões de Bolsonaro e dos bolsonaristas. O senador Jereissati não se fez como homem público tangendo plateias ou sujando os tapetes. De um modo geral, abrem a porta e o convidam. A conferir!
*Jorge Henrique Cartaxo, jornalista, cientista político e historiador
Fonte:
Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/04/jorge-henrique-cartaxo-sobre-os-meios-e.html