Temer

Míriam Leitão: O erro na Caixa

A Caixa foi o assunto numa reunião ontem em Brasília de todos os órgãos de controle: TCU, MPF, CGU, Banco Central e auditoria da CEF. Concordaram que não basta afastar quatro vice-presidentes, e que é preciso mudar radicalmente a forma de seleção de dirigentes. Vão dar um voto de confiança ao Conselho de Administração, que começa semana que vem a implantar a nova estrutura de governança.

O presidente Temer sabia que estava errando na Caixa. Tanto que estabeleceu outros critérios na direção da Petrobras e Eletrobras. Para as duas estatais de energia escolheu gestores sem ligação política e concedeu a eles liberdade de atuação. Entre as grandes estatais, a Caixa ficou como o enclave podre. Nas outras muitas estatais o padrão também é o fatiamento político.

A situação no banco começou a mudar esta semana. Após o MP pedir a substituição dos vice-presidentes, o Banco Central fez o mesmo. O Conselho de Administração, que é presidido pela secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, havia contratado a auditoria do escritório Pinheiro Neto, depois que a Price aprovou com ressalvas o balanço de 2016. O que a auditoria descobriu confirmou tudo o que fora investigado em quatro operações do Ministério Público. O cerco começou a se fechar.

A Caixa tem sido vítima do uso político abusivo. A operação Sepsis exibiu como acontece. No dia primeiro de julho de 2016, quando Temer ainda era interino, a operação foi estourada. Lá se contava como acontecem as indicações para a Caixa. Lúcio Funaro, com uma folha corrida de crimes investigados em três operações — Banestado, Satiagraha, Mensalão —, foi a “autoridade” que decidiu quem seria o vice-presidente de Loterias e Fundos Públicos. Funaro indicou o nome de Fábio Cleto ao deputado Eduardo Cunha, no governo Dilma, em 2012. Foi explícito a Cleto sobre o fato de que ele tinha que fazer o que “nós quisermos". O “nós” era ele e Cunha. O ministro Guido Mantega chamou Cleto em seu gabinete e o nomeou.

Imaginemos, apenas por hipótese, que em meados de 2016 o presidente Temer não soubesse o risco das indicações políticas. Se tivesse lido o que ficou público pela Sepsis naquele primeiro de julho, saberia que a distorção é tal que um criminoso, réu confesso do mensalão, na prática havia indicado a pessoa responsável, entre outras coisas, pelo FGTS.

Na Eletrobras, Wilson Ferreira fez uma mudança na organização para cortar os excessivos cargos administrativos. A Caixa permaneceu tendo uma dúzia de vice-presidentes, abaixo deles os diretores e depois os superintendentes. Para que ter 12 vice-presidentes? Elementar. Para melhor dividir o bolo, ocupar a máquina, ordenhar o banco no qual está depositada a poupança de milhões de brasileiros.

Quando Pedro Parente foi convidado para a Petrobras ele recebeu a informação de Temer de que teria liberdade para nomear a diretoria. Na Caixa manteve-se a rotina de dividir o comando em sesmarias e entregálas aos capitães políticos para as práticas extrativas.

Quando Temer assumiu, as análises da situação das empresas indicavam que tanto a Petrobras quanto a Caixa precisavam ser capitalizadas. A Petrobras se ajustou sozinha, cortou custos, vendeu ativos, reduziu endividamento, aumentou a receita. A Caixa, desenquadrada nas normas bancárias internacionais, vem tentando se capitalizar com o dinheiro do FGTS.

O erro na Caixa foi a repetição do pecado original: usar as empresas estatais para o repasto político. Não basta tirar quatro vice-presidentes, ou mesmo todos. É preciso mudar a forma de recrutamento de gestores. Alguns dos atuais dirigentes da Caixa estão sendo investigados. “Não podemos dizer que eles são culpados, mas podemos garantir que o sistema que os levou é. O corrupto é apenas o fruto. Se a árvore não for extraída, o crime continuará", diz um integrante de órgão de controle.

Temer sabia o que aconteceria na Caixa ao reserva-la aos políticos. Quando o Ministério Público pediu a saída dos vice-presidentes, fingiu não ouvir. Foi preciso que o Banco Central usasse seu poder de fiscal do sistema financeiro para que quatro deles fossem afastados. Sanear a Caixa vai demorar anos. Mas esta semana pode ter sido um ponto de inflexão na longa história de abusos sofridos pelo banco público.

 


Eliane Cantanhêde: De audácia a masoquismo

O governo Temer sacoleja de recuo em recuo; o último deles na PEC da ‘regra de ouro’

Depois de atrair chuvas e trovoadas, até fora do País, com a intenção de flexibilizar a “regra de ouro” do equilíbrio fiscal, o presidente Michel Temer decidiu mais uma vez voltar atrás. Henrique Meirelles alegou que a discussão “não é adequada ao momento”. Óbvio que não é. E, se não é, por que foi lançada? Para causar mais um enorme desgaste por nada?

Já se escreveu neste espaço sobre a audácia de Temer, mas essa audácia tem pitadas de masoquismo. Ele se mete nas maiores confusões, passa dias “apanhando” mais de aliados do que de adversários, de especialistas de diferentes tendências e até de analistas do exterior, e depois é obrigado a recuar. O governo sacoleja com um recuo atrás do outro.

Se a prioridade das prioridades é tentar aprovar a reforma da Previdência em fevereiro na Câmara, para que meter no meio a mudança na regra de ouro? Não bastava uma guerra? Temer não consegue votos nem para a Previdência e, não custa lembrar, foi formalmente por pedaladas fiscais, para dissimular o rombo e continuar gastando em ano eleitoral, que Dilma caiu.

Pela regra, a União só pode emitir dívida para amortizar dívida ou para investimento, mas Temer articulava uma Proposta de Emenda à Constituição para poder cobrir também as despesas correntes, ou seja, para manter a máquina. O deputado Marcus Pestana (PSDB-MG) alertou: se a PEC passa, no dia seguinte as agências de risco rebaixam de novo a nota brasileira. A Espanha, por exemplo, tem pesados investimentos na telefonia e na exploração do pré-sal e está atenta ao descontrole fiscal no Brasil.

Segundo o governo, a alteração seria só para 2019, mas o desgaste já tinha sido feito. Além de a PEC exigir o mesmo quórum que Temer não consegue para a reforma da Previdência, ela reforçou a fragilidade do governo: o objetivo é gastar bem em 2018? Ou porque a reforma não vai passar e é preciso mexer na regra fiscal para não incorrer no mesmo crime de responsabilidade fiscal da antecessora?

Enfim, foi mais um passo errado de um governo que adora virar alvo à toa: propõe um baita retrocesso no conceito de trabalho escravo e é obrigado a voltar atrás; anuncia um indulto de Natal que cai como uma luva nos atuais e nos futuros alvos da Lava Jato e é obrigado a engolir a suspensão pedida pela PGR e determinada pelo STF. Agora, diz não para o Ministério Público, que deu prazo para a troca de vice-presidentes e exigiu melhores condições de governança da CEF.

E por que o MP fez as exigências? Porque a CEF foi uma usina de escândalos nos últimos governos e é alvo de pelo menos três operações da PF: Sépsis, Cui Bono? e Patmos, que envolvem, por exemplo, os já bastante conhecidos Eduardo Cunha, Henrique Alves e Geddel Vieira Lima. Com um mínimo de humildade, a Caixa poderia reconhecer sua culpa e ceder pelo menos em parte aos procuradores.

Por fim, a posse da Cristiane Brasil (PTB-RJ) no Ministério do Trabalho está marcada para hoje à tarde, no Planalto, mas há ações tentando impedir que assuma. Empurrada para o cargo pelo próprio pai, Roberto Jefferson, a moça já foi condenada por crime trabalhista, acusada de manter motoristas até 15 horas por dia para a família – e sem carteira assinada.

Além de cuidar melhor da regra de ouro fiscal, um marco para o País, Temer deveria também cuidar da “regra de ouro” política, pela qual governos, como exércitos, devem se concentrar em uma guerra de cada vez: não se ampliam os focos de tensão, não se diversificam os inimigos ao mesmo tempo, não se anuncia o que não se consegue fazer, ou, pior, não se deve fazer. Além de audácia, Temer deve ter também picos de masoquismo. O homem adora apanhar, principalmente da opinião pública!

 


Luiz Carlos Azedo: Dança das cadeiras

Treze ministros sairão do governo até 7 de abril. Ontem mesmo, o ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), que ocupa uma das pastas mais cobiçadas, anunciou que deixará o cargo

Começou mais cedo do que se imaginava a dança das cadeiras na Esplanada dos Ministérios. Era para ocorrer por ocasião do fim do prazo de desincompatibilização, 7 de abril, mas não é isso o que está acontecendo. Foi precipitada pela convenção do PSDB em dezembro passado, quando a legenda decidiu desembarcar do governo e o ministro tucano da Secretaria de Governo, Antônio Imbassay (BA), deixou a Esplanada — contra a própria vontade e a do presidente Michel Temer. Foi substituído pelo deputado Carlos Marun (PMDB-MT), que liderava a tropa de choque governista na Câmara.

A movimentação em curso tem duas leituras possíveis; difícil saber qual delas prevalecerá no processo: a primeira, sinalizada pelo governador paulista Geraldo Alckmin, ao assumir o comando do PSDB, é o descolamento da antiga oposição, que se afasta do PMDB e das demais forças governistas que participaram do governo Dilma; a segunda, uma resposta do próprio Temer ao distanciamento de Alckmin, que resultou no relativo isolamento do tucano. Desconsiderando-se a questão eleitoral, que ainda está muito indefinida, hoje, o presidente da República tem mais moedas de troca do que o governador de São Paulo, cuja candidatura ainda não gera grande expectativa de poder.

O melhor exemplo dessa situação ambígua é a solução dada para a saída do ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira (PTB-RS). O primeiro substituto escolhido foi o deputado Pedro Fernandes (MA), indicado pelo líder da bancada na Câmara, Jovair Arantes (GO), mas vetado pelo ex-presidente José Sarney. Roberto Jefferson não engoliria um veto dessa ordem facilmente, a não ser que fosse jogo combinado e/ou a deixa para fazer a própria filha, deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), a nova ministra do Trabalho. Ora, o PTB é um dos aliados mais leais a Alckmin em São Paulo, onde está o eixo de atuação do ministério. Se houver uma reaproximação entre o PSDB e Temer, a mudança veio para somar. Mas pode ser que isso não ocorra. Aí a situação se complica um pouco mais para o tucano, que anda correndo sério risco de “cristianização” por parte de outras lideranças de seu partido.

Temer não esperava a saída antecipada do ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira, do PRB. Em razão disso, resolveu fazer do limão uma limonada e antecipar a reforma ministerial, mirando a aprovação da Previdência. É uma manobra inteligente, de quem quer aproveitar uma situação inexorável — a desincompatibilização dos que desejam se candidatar no pleito deste ano —, para construir uma vitória parlamentar que pode dar um novo fôlego ao próprio mandato. Se dará certo ou não é outra história, mas o desenho é esse. O nome mais cotado para o cargo não é um parlamentar, mas o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Guto Ferreira, indicado do PRB e ligado ao presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que é do PMDB paulista.

No sereno

Treze ministros sairão do governo até o fim do prazo de desincompatibilização. Ontem mesmo, o ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), que ocupa uma das pastas mais cobiçadas da Esplanada, principalmente pelo PMDB, anunciou que deixará o cargo para concorrer a uma vaga de deputado federal. Normalmente, um cacique político como ele só larga o osso quando tem um nome na cartola para o seu lugar, mas isso significaria assumir compromisso de longo prazo com o governo. Não havendo esse compromisso, dificilmente Barros fará o sucessor. Vem daí o poder de Temer na reforma, tendo tantos cargos para recompor sua base de apoio no Congresso. Quem não assumir compromisso com a aprovação da reforma da Previdência, corre o risco de ficar no sereno até as eleições.

Mas há outra variável nessa dança de cadeiras que preocupa a todos. A substituição do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que deseja ser candidato a presidente da República pelo PSD. O simples fato de o ministro manifestar essa intenção gera críticas e incertezas no mercado. A sua substituição tem a ver com a preservação ou não da atual política econômica, que perderia a blindagem. Há muitos contenciosos entre a equipe econômica e os caciques do PMDB, principalmente seu presidente, senador Romero Jucá (RR), que controla o Ministério do Planejamento.


Luiz Carlos Azedo: A razão das incertezas

A primeira grande definição do processo eleitoral está fora da esfera de decisão dos partidos, do Congresso e dos governos: é o julgamento de Lula

Há um grande divórcio entre o que está sendo chamado de centro democrático e a grande massa do eleitorado que busca uma solução segura para os problemas do país, mas que ainda não consegue identificar uma alternativa para isso. Uma vez que as projeções eleitorais para este ano, com base em pesquisas de opinião, apontam uma possível polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), é natural que o cenário eleitoral seja caracterizado como um grande fator de incerteza na vida nacional.

Em circunstâncias normais, esse campo estaria sendo ocupado eleitoralmente pelos dois principais sistemas de poder instalados no país. O principal é o que se articula em torno do governo Temer, encabeçado pelo PMDB e com amplo apoio entre as forças que a aprovaram o impeachment de Dilma Rousseff. O outro é o governo Alckmin, vértice do sistema de alianças protagonizado pelo PSDB a partir de São Paulo. Uma convergência entre os dois polos, nas condições estabelecidas pela reforma política, em tese, seria eleitoralmente imbatível. Entretanto, nem juntos, nem separados, Temer e Alckmin constituem ainda uma alternativa de poder.

Pelo contrário, a expectativa de poder criada em torno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em que pese o enfraquecimento eleitoral e orgânico do PT, vem se impondo gradativamente ao país, com uma retórica populista e de ajuste de contas. O líder petista renasce das cinzas do colapso do governo de Dilma Rousseff, como se nada tivesse a ver com o fracasso do “poste de saias” que ungiu e levou ao poder. Lula ameaça repetir a trajetória de Getúlio Vargas nas eleições de 1950, quando o ex-ditador voltou ao poder nos braços do povo.

Em contrapartida, como resposta à recidiva lulista, Jair Bolsonaro estabelece um outro polo de poder, com um discurso igualmente populista, mas à direita, nucleado por setores reacionários que veem no antigo regime militar um espelho para solução dos problemas do país. Completa com suas ideias autoritárias e conservadoras um cenário de radicalização política que interessa a ambos, pois estreita as possibilidades de surgimento de uma alternativa robusta ao centro do espectro político. Uma candidatura unificadora deste campo que os neutralize está se tornando cada vez mais difícil, por razões que examinaremos a seguir.

Lava-Jato

A primeira razão do não surgimento de uma candidatura unificada a partir do centro do poder é a crise ética. A Operação Lava-Jato atingiu em cheio o núcleo do governo Temer e vem impedindo que o sucesso de sua política econômica tenha reflexos significativos na popularidade do governo. A segunda é o fato de que essa percepção também existe em relação à cúpula do PSDB, ainda que seu líder principal, Fernando Henrique Cardoso, mantenha inabalado prestígio entre as elites do país e parcela da classe média, e o governador Geraldo Alckmin não tenha sido alvejado de forma direta pelas denúncias do Ministério Público Federal (MPF). Mas o fato é que o candidato tucano a presidente da República ainda não foi capaz preencher esse vazio como alternativa de poder e ninguém vai pular numa piscina sem saber se tem água dentro.

É natural, portanto, que outras candidaturas se coloquem em cena para ocupar esse espaço. A mais presente ainda é a de Marina Silva (Rede), mas outros nomes buscam também afirmação, de Ciro Gomes (PDT) a Álvaro Dias (Podemos), passando ainda pela pré-candidatura de Cristovam Buarque (PPS), que permanece à flor da terra, enquanto o presidente do partido, Roberto Freire, sonha com um coelho na cartola: Luciano Huck. Tudo isso faz parte de um cenário único de incertezas, que tem o colorido das flores do recesso.

A primeira grande definição do processo eleitoral que se avizinha está fora da esfera de decisão dos partidos, do Congresso e dos governos: é o julgamento de Lula em segunda instância pelo Tribunal Federal de Recursos da 4ª região, no dia 24 de janeiro, em Porto Alegre. O petista pode ser condenado, se tornar inelegível e até mesmo ser preso. A disputa passaria a ser polarizada entre Bolsonaro e Marina, num cenário de fácil volatilização por causa da disparidade de armas em relação aos grandes partidos e paridade quanto a candidatos mais ou menos do mesmo naipe de recursos de campanha (fundo eleitoral e tempo de televisão e rádio). Ou seja, o julgamento pode mudar tudo no jogo eleitoral.


Merval Pereira: Temer contestado

O parlamentarismo informal do presidente Temer, que dá a ele a sensação de que se estiver em sintonia com sua base parlamentar majoritária tudo pode ser feito, não importam os meios, começa a ser contestado através do Judiciário, onde Temer também já fincou suas bases.

Próximo do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tão influente que já é identificado nos bastidores de Brasília como o “Richelieu de Temer”, procura agora aproximar-se de outro membro do STF, o futuro presidente Dias Toffoli, ambos expoentes do “garantismo” nas decisões no Supremo, em contraposição ao “ativismo”, que mais do que nunca se defrontam em decorrência da Operação Lava-Jato.

Nos últimos dias, duas medidas importantes provocaram reações vigorosas na parte do Judiciário mais ligada ao ativismo no combate à corrupção, e em governadores que se sentem pressionados indevidamente pelo governo.

O juiz Sergio Moro pronunciou-se diretamente sobre o caso da ampliação do escopo do indulto de Natal, que já está sendo chamado de “insulto” nas redes sociais. “O generoso indulto reflete a falta de comprometimento de parcela do poder político no enfrentamento da corrupção, e transmite uma péssima mensagem à sociedade”, disse Moro, corroborando a posição dos procuradores de Curitiba, que se insurgiram contra a medida.

Já sete dos nove governadores do Nordeste enviaram uma carta pública ao presidente Michel Temer exigindo que desautorize seu ministro coordenador político, Carlos Marun, que admitiu exigir reciprocidade na votação sobre a reforma da Previdência aos que pedem empréstimos em bancos públicos como o Banco do Brasil e o BNDES.

O caso do indulto de Natal está sendo comparado com aquele concedido pelo presidente do Peru, Pedro Paulo Kuczynski, ao ex-presidente Fujimori, embora o indulto não tenha, a que se saiba, um beneficiado específico, mas um conceito “generoso” que pode facilitar a vida de amigos de Temer hoje protegidos como ministros pela imunidade, mas que podem cair nas mãos de um juiz de Primeira Instância assim que o governo acabar. E, no limite, o próprio presidente, que também tem contas a ajustar com a Justiça no final de seu mandato.

Esse, aliás, é um dos argumentos que estão sendo discutidos para basear uma eventual ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo por “desvio de finalidade”. Há também a questão da proporcionalidade da pena, pois uma redução como a de 80% quebraria a relação entre o crime e a punição do Estado, que não pode ser nem abusivo nem leniente na hora de fixar uma pena. Todas as medidas, no entanto, como comentei ontem, são questionáveis, pois dependem de interpretação subjetiva.

Já a atuação do ministro Carlos Marun, exigindo de governadores contrapartida em votos a favor da reforma da Previdência por empréstimos de bancos públicos, está provocando uma reação da maioria dos governadores do Nordeste, que garantem que não hesitarão “em promover a responsabilidade política e jurídica dos agentes públicos envolvidos, caso a ameaça se confirme”.

O documento foi assinado por sete dos nove governadores do Nordeste, mas o viés político é evidente. Os governadores do Rio Grande do Norte, que é do PSD, e de Sergipe, do PMDB, não assinaram. Os demais são de partidos oposicionistas: PT, PSB e PCdoB, e um, Renan Filho, de Alagoas, do PMDB dissidente. De qualquer maneira, a exigência de que o governo respeite a Federação e não subordine suas ações pelos alinhamentos políticos dos governadores, é uma boa tese.

Não creio que o ministro Marun tenha chegado ao extremo de exigir lealdade a governadores oposicionistas, e se o fez é um trapalhão, pois permitiu que seu governo ficasse exposto à execração pública. Mas mesmo que a prática do “é dando que se recebe” tenha sido adotada apenas com governadores aliados, é um abuso de poder econômico do governo que não é aceitável numa democracia.

 

 


Samuel Pessôa: Ordem dos fatores estava certa

 

Nelson Barbosa, em sua coluna de sexta-feira (22) neste espaço, argumentou que a equipe econômica de Temer errou ao priorizar primeiro a PEC do Teto dos Gastos e em segundo lugar a reforma da Previdência.

Se a reforma da Previdência era tão importante, por que motivo a equipe econômica priorizou a PEC que estabelece um teto ao crescimento do gasto público?

Segundo Nelson, houve oportunismo do governo de Michel Temer -deixou a tarefa mais difícil para outros governos- ou, talvez, tenha sido somente um erro de cálculo dos "fiscalistas de planilha do Ministério da Fazenda".

Nelson está errado e parece não ter entendido a lógica de nossa economia política, isto é, como as políticas públicas são criadas e implantadas no contexto da disputa entre grupos com diferentes interesses numa sociedade democrática. Para ele, se a maior pressão sobre o Orçamento é a Previdência, vamos primeiro reformar a Previdência. Essa é, a meu ver, a resposta "de planilha". Infelizmente não é a resposta correta dada nossa economia política.

A reforma da Previdência ficou perto de ser aprovada em meados do ano, segundo experientes analistas políticos. Não houve falta de capital político para aprová-la. O que ocorreu foi que, quando a aprovação da reforma se materializou, a Procuradoria-Geral da República produziu de forma acelerada denúncia contra Temer.

É evidente que a intenção de Rodrigo Janot foi abortar a tramitação da reforma previdenciária. E o motivo é claro. A reforma, diferentemente do que se alardeia, não é somente do INSS. Ela mexe muito com o serviço público federal. E, após seis meses da aprovação, com o serviço público dos Estados e dos municípios.

Ou seja, a reforma foi abatida pelas corporações do serviço público. Aliás, de longe, o grupo que mais pressionou contra a reforma agora em dezembro.

Nada garante que, se a ordem cronológica entre teto e reforma da Previdência tivesse sido trocada, alguma ação análoga não teria ocorrido.

O gasto público tem crescido além do PIB desde 1992. O diagnóstico da PEC do Teto é que esse crescimento insustentável é consequência de nossa economia política -particularmente, consequência da ação dos grupos de pressão, que, por algum motivo ainda não esclarecido pela ciência política, são particularmente fortes no Brasil.

Adicionalmente, há o diagnóstico de que a manutenção desse estado de coisas nos devolverá ao ambiente econômico da década de 1980, de triste memória.

Ou seja, a PEC do Teto é uma muleta para auxiliar nossa sociedade a disciplinar nosso conflito distributivo. Se o teto for rompido, consequências ocorrerão. E essas consequências -vedam-se alta de salários e contratação de novos servidores, aumento real de salário mínimo, renovação de desonerações etc.- facilitarão a aprovação de outras medidas, inclusive a reforma da Previdência.

O limite constitucional ao crescimento do gasto público visa mudar os incentivos da política e, portanto, o comportamento. Se funcionará ou não, são outros quinhentos. O abismo inflacionário está conosco. Mas certamente o teto do gasto não é fruto de planilha. A planilha indicaria o caminho de Nelson.

Se Nelson deseja ajudar o país, deveria tentar convencer os deputados petistas -partido com o qual tem laços- a apoiar o atual projeto. É bom não esquecer que, se os petistas tivessem apoiado a reforma de FHC -que, como sempre lembra Nelson, perdeu por apenas um voto-, nós não estaríamos nesta situação.

 


Jose Roberto de Toledo: Entre o bolso e a Bolsa

Empresário otimista, consumidor desconfiado. O descompasso entre as expectativas de um e de outro se explica pelo bolso. O empresariado diz que as condições de fazer negócio melhoraram e tendem a melhorar mais. Já o consumidor avalia que sua situação financeira é vermelha e não tem perspectiva de azular. Essa é a percepção da política econômica de Temer e Meirelles hoje.

A esperança do governo é que a contradição se resolva em breve. Não há garantia de solução do impasse, porém. Não em prazo suficiente para alavancar a candidatura do ministro à sucessão do presidente. Um dos motivos é que parte da justificativa do otimismo industrial é justamente a reforma trabalhista que ambos tanto se empenharam em aprovar.

A julgar pelos indicadores de percepção divulgados esta semana, as novas regras fizeram melhorar a expectativa de o trabalhador conseguir se ocupar. Mas ao custo de uma remuneração menor e de um trabalho mais precário. No fim do mês e das contas, a profundidade do seu bolso continua rasa como um pires. Sem aumentar a capacidade de consumo, a popularidade do governo não aumenta. Governo impopular, candidato inviável.

Até agora, os suspensórios do poder têm se mostrado frouxos demais para segurar a candidatura de Meirelles. Ainda há tempo de viabilizá-la? Cada vez menos. E o adiamento da votação da reforma da Previdência? Se atrapalha o otimismo empresarial, ao menos não enterra de vez a simpatia pelo ministro no meio dos aposentados. Entre a Bolsa e o bolso do consumidor, se aproxima a hora de Meirelles escolher se é ministro ou candidato.

Despedida
Foram oito anos, mais de mil textos, cerca de 500 colunas. Sem contar uma centena de vídeos, dezenas de infográficos e meia dúzia de podcasts. Definitivamente, o leitor sofreu. Muito mais do que poderia imaginar ao ler pela primeira vez esta “Vox Publica”. Já ali, em julho de 2010, pode ter estranhado a mania de usar números para analisar algo tão nebuloso quanto política.

Em “O dilmômetro de Lula”, narrava-se a história de como nasceu e cresceu a primeira candidatura presidencial de Dilma Rousseff. Não através de relatos quentes de bastidor, mas da fria quantificação das aparições nos discursos presidenciais do nome da escolhida pelo orador para sucedê-lo. Política é nuvem, muda a todo instante. Mais um motivo para medi-la com precisão.

As crescentes citações denunciavam a intenção de Lula de lançar à Presidência uma até então desconhecida. Para perceber a ascensão de Dilma bastava contar e comparar.

Contando e comparando detectou-se a bilionária “Farra do FIES”. A série de reportagens chamou atenção para um problema que mal se sabia que existia, mudou regras e acabou por levar um inesperado Prêmio Esso.

O mesmo princípio de privilegiar dados a declarações na investigação de poderosos propiciou outra série de reportagens. Os PanamaPapers sacudiram governantes mundo a fora e mereceram um Pulitzer.

Outra parceria, com o Ibope, rendeu um panorama das mudanças na opinião pública brasileira ao longo da década. Traduzindo tabelas, procurando cruzamentos e caçando correlações conseguiu-se identificar tendências do eleitor e explicar seu comportamento durante cinco eleições (2018 já começou).

A esse conjunto de técnicas convencionou-se chamar de jornalismo de dados. Há satisfação em constatar que o que era raro ficou obrigatório. A abordagem anti-impressionista contagiou redações, invadiu currículos, virou norma.

Agradeço ao Estado por ter fraqueado o espaço que me permitiu participar dessa história. A partir de janeiro, sigo acompanhando-a desde outro endereço. Contando, comparando, recontando.

Até a próxima.

http://politica.estadao.com.br/blogs/vox-publica/entre-o-bolso-e-a-bolsa/


Luiz Carlos Azedo: A vocação do PMDB

O Palácio do Planalto trabalha um projeto de centralização política e alinhamento incondicional do PMDB ao presidente Michel Temer, pré-condição para uma candidatura própria em 2018

O PMDB realiza hoje sua convenção nacional diante de sua maior contradição: desde as eleições de 1989, a legenda abdicou de sua vocação presidencialista, construída na oposição ao regime militar e na campanha das Diretas Já, para se colocar como partido parlamentarista, cujo poder de fogo foi demonstrado em dois impeachments, o de Fernando Collor de Mello, em 1992, e o de Dilma Rousseff, no ano passado. Em todas as eleições presidenciais, os candidatos da legenda à Presidência da República foram “cristianizados”, inclusive o líder histórico do partido, Ulysses Guimarães. Agora estão diante de um dilema, lançar a candidatura à reeleição do presidente Michel Temer ou apoiar um aliado do governo de outro partido.

Aparentemente, o grupo de mais prestígio no Palácio do Planalto — o líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR), que preside o partido, e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-geral da Presidência) — trabalha um projeto de centralização política e alinhamento incondicional ao presidente Michel Temer, o que seria a pré-condição para uma candidatura própria do PMDB em 2018. Ontem, durante evento da Fundação Ulysses Guimarães, responsável pela formação política e produção de propostas, como o documento “Uma ponte para o futuro”, que norteia a atuação do governo, Jucá deu mais uma declaração que reforça essa orientação. Disse que a cúpula do partido valorizará e dará “tratamento diferenciado” aos mais leais, numa alusão cifrada aos recursos dos fundos eleitoral e partidário.

“Vamos dar um tratamento mínimo a todos, mas a executiva nacional vai ter o cuidado de atuar de forma que aquelas figuras que são mais emblemáticas, que são candidatos a governador, a senador, a deputado federal, que têm sido leais ao partido, devem receber efetivamente um tratamento diferenciado”, disse. A crítica mirou dissidentes como os senadores Renan Calheiros (AL), Roberto Requião (PR) e Kátia Abreu (TO). Jucá negou retaliações, mas sugeriu que os insatisfeitos deixem a legenda: “Não podemos ter uma pessoa querendo implodir um partido, atirando contra o partido e fazendo ações deliberadas para atacar o presidente da República (…) Quem age desse jeito deveria procurar outro partido. Não é o partido do MDB que dá espaço para traição”.

Na verdade, devido à impopularidade do governo e ao desgaste causado pela Operação Lava-Jato, mesmo estando no centro do poder, a legenda já sofre a pressão de forças centrífugas, que derivam para o apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principalmente. É o caso dos três caciques regionais já citados, sendo que Requião é um dos nomes que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva leva em consideração caso seja impedido de disputar a eleição. Inclusive, já estariam em curso negociações com a senadora Gleisi Hoffman (PR), presidente nacional do PT, para a eventualidade de ter que trocar de legenda com objetivo de ser o candidato apoiado pelos petistas em 2018, no caso de Lula se tornar inelegível por causa da Lava-Jato.

Velha sigla
Uma das decisões previstas para hoje será o restabelecimento da velha sigla do partido, que surgiu com o caráter de movimento de oposição legal depois que os velhos partidos da Segunda República foram fechados pelos militares, em 1966. No começo do regime bipartidário imposto pelo regime, o desempenho do PMDB contra a Arena, partido do governo, nas eleições de 1966, 1968 (municipais) e 1970, foi medíocre, a ponto de quase se autodissolver. Mas renasceu das cinzas após seu presidente, senador Oscar Passos, passar o comando da legenda para Ulysses Guimarães. Nas eleições de 1974, o antigo MDB ocupou quase três quartos das vagas em disputa para o Senado, além de duplicar a bancada na Câmara dos Deputados. Havia se tornado o instrumento legal e eleitoral de um amplo movimento de oposição ao regime.

Com o restabelecimento do pluripartidarismo, em janeiro de 1980, após a anistia, o MDB introduziu o pê na sigla. O Partido do Movimento Democrático Brasileiro protagonizou a campanha das Diretas Já, em 1983, e a eleição de Tancredo Neves, em 1985, possibilitou o restabelecimento da democracia. Mas o novo presidente faleceu sem tomar posse. Quem assumiu o governo foi o vice, José Sarney, um dissidente do antigo PDS (ex-Arena, hoje PP), recém-filiado ao partido,

Durante a Constituinte, o relator, senador Mário Covas, que pretendia ser candidato a presidente da República, não aceitou um acordo para aprovar o parlamentarismo, cujo preço seria a aceitação de cinco anos de mandato para o presidente Sarney, o que acabou aprovado mesmo assim. Desde então, ninguém conseguiu governar o país sem o apoio do PMDB, nem mesmo FHC e Lula. Quem tentou fazê-lo em confronto com a legenda não conseguiu: Collor e Dilma acabaram depostos. Atualmente, o partido governa Rondônia, Sergipe, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Tocantins, Espírito Santo e Alagoas. Controla 1.038 prefeituras, entre as quais as de Florianópolis, Cuiabá e Goiânia. Tem 59 deputados federais (dos 86 que elegeu em 2014) e 21 senadores. Continua sendo o maior e mais enraizado partido do país.


Eliane Cantanhêde: Coleção de erros

Ao colecionar erros na reforma da Previdência, Temer sofreu sua pior derrota

O governo colecionou erros na condução da reforma da Previdência e foi punido ontem com a sua maior derrota desde a posse, em maio de 2016. Ao adiar a votação na Câmara para 19 de fevereiro, foi obrigado a reconhecer que não tem os 308 votos necessários e aumentou a percepção de que, se não aprovou em 2017, não aprova mais.

O primeiro erro, sobretudo do próprio presidente Michel Temer, foi o salto alto. Após derrubar as duas denúncias da PGR na Câmara, Temer, que já presidiu a Casa três vezes, achou que seria capaz de aprovar qualquer coisa. O céu era o limite.

Essa arrogância – até compreensível para quem esteve acuado, sofreu um bocado e teve de lutar como um leão durante meses – foi reforçada pela lista de vitórias importantes do governo no Congresso, como a reforma trabalhista, o teto de gastos, a revisão do teto, a mudança do sistema de exploração do pré-sal e a reforma do ensino médio.

Depois de tantas vitórias e de tantos votos, como ele poderia perder justamente no seu projeto mais caro, o centro do seu programa de governo, a sua maior expectativa como legado à História? Pois é. Poderia perder perdendo e agora sem perspectiva de mudar esse quadro num ano eleitoral particularmente instável e desestabilizador.

O segundo erro do governo foi confiar tanto na sua obesa base aliada quanto nos seus instrumentos de “convencimento”. A base estava exaurida, depois de enfrentar os holofotes e microfones votando contra as denúncias da PGR. E os instrumentos já tinham sido esgotados exatamente para salvar o pescoço de Temer nas duas votações. Desde o início, os deputados repetiam: “Já dei minha cota de sacrifício com as denúncias. Agora, chega”.

O terceiro erro foi acreditar no programa e na índole reformista do PSDB, considerado essencial para mudar as regras da aposentadoria. Apesar de seus ministérios, o partido não apenas infernizou a vida de Temer como lhe puxou o tapete na hora decisiva. O discurso era “saímos do governo, mas votamos a favor da reforma”. Era conversa pra boi dormir e agradar ao mercado. Os tucanos foram pulando fora tanto dos cargos quanto do compromisso com a reforma.

O quarto erro foi esticar demais o discurso de que a votação seria neste ano, quando todo mundo sabia que seria praticamente impossível. Obcecado pela reforma, Temer demorou a jogar a toalha. Coube ao líder Romero Jucá mostrar que o rei estava nu.

O último erro foi de comunicação. Quem rastrear de onde parte a campanha contra a reforma vai perceber que não é “do povo”, nem “dos trabalhadores”, nem mesmo das grandes confederações, só dos partidos de oposição e das corporações do funcionalismo público. Exemplo: a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, recebe mais de R$ 30 mil de aposentadoria como magistrada. Será que os magistrados querem mesmo uma reforma para acabar com a mamata e garantir a aposentadoria da maioria dos trabalhadores do INSS?

A propaganda contra a reforma é paga por associações, frentes e organizações de auditores e outras carreiras de Estado. O governo demorou a perceber e mais ainda para reagir. A última peça de publicidade a favor da reforma é boa, mas veio tarde demais. Agora, só rezando para o País e o Congresso amanhecerem diferentes em fevereiro. Será?

Deixa pra lá. O CNJ adia para 2018 tanto a publicação dos supersalários quanto a ratificação de penduricalhos como o auxílio-moradia. A gritaria estava ensurdecedora.

Cara de pau 2. No rastro do amigão Lula, Sérgio Cabral usou seu depoimento, ontem, como palanque, reclamou de uma perseguição “kafkiana” e reduziu tudo a caixa 2. Caixa 2, porém, foi o mais singelo crime de Cabral e sua mulher.

 


Luiz Carlos Azedo: Fora de combate

No mesmo dia em que a Executiva do PSDB fechou questão a favor da reforma da Previdência, já sob o comando do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o governo jogou a toalha e desistiu da votação do substitutivo do deputado Arthur Maia (PPS-BA), que nem sequer chegou a entrar em pauta. O presidente Michel Temer, que muito batalhou pela votação, acabou fora de combate. Foi novamente internado na tarde de ontem no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde passou por novo procedimento cirúrgico para desobstruir a uretra.

Temer passa bem, mas terá que usar uma sonda. Entretanto, deve receber alta em 48 horas. Em outubro, o presidente da República passou por uma cirurgia no mesmo hospital. Na ocasião, ele foi internado com quadro de retenção urinária por hiperplasia benigna da próstata. Desde que recebeu alta, porém, voltou ao ritmo intenso de trabalho na Presidência, inclusive nos fins de semana. Não aguentou o tranco.

Com Temer no estaleiro, o esforço do governo para aprovar a reforma da Previdência não foi suficiente para convencer a base governista. Mesmo com as direções do PMDB, do PTB, do PPS e do PSDB fechando questão, as respectivas bancadas continuaram divididas. Além disso, o clima no Senado também não era dos melhores. Seu presidente, senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), ao dizer na terça-feira que não votaria a reforma neste ano, deu mais um argumento para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), desistir de vez de pôr a polêmica matéria em pauta.

Coube ao líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), anunciar que a votação da proposta de reforma da Previdência ocorrerá somente em fevereiro do ano que vem. Ele próprio negociou um acordo para isso com Eunício e Maia. No Palácio do Planalto, alimenta-se a expectativa de uma eventual convocação extraordinária do Congresso para isso, mas o risco é virar outra Batalha de Itararé. O governo não tem os 308 votos de que necessita para aprovar a reforma, esta é a verdade dos fatos que se impôs à cúpula governista.

Quem não gostou nem um pouco do recuo dos governistas foi o presidente Michel Temer, que acabou surpreendido após sair da cirurgia. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, também ficou pendurado no pincel, pois havia dado entrevista anunciando o propósito de votar a reforma ainda neste ano: “Continuamos trabalhando para aprovar o mais rápido possível a reforma. O objetivo, como tenho dito, é votar na semana que vem”. Meirelles virou dublê de ministro e pré-candidato, pois pretende disputar a sucessão de Temer pelo PSD. Acredita na possibilidade de reeditar o desempenho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, caso a reforma seja aprovada e a economia comece a bombar em 2018.

Derrubada

O veto do presidente Michel Temer que liberava o autofinanciamento irrestrito de campanha foi derrubado ontem pelo Congresso, em sessão conjunta, com 302 votos de deputados e apenas 12 favoráveis. Na votação entre os senadores, o placar foi de 43 votos a 6.

Com a decisão, os candidatos não poderão bancar a própria campanha com recursos próprios além do limite previsto para cada cargo. Serão enquadrados na regra de pessoas físicas, que podem fazer doações até o limite de 10% dos seus rendimentos brutos no ano anterior. A questão, porém, ficará sub judice, porque as regras precisam ser aprovadas um ano antes da eleição. O mais provável é que as dúvidas sobre o assunto sejam dirimidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O clima no Congresso quanto ao veto tem muito a ver com o desequilíbrio provocado pelas novas regras de campanha eleitoral, que acabaram com financiamento de pessoas jurídicas. Há uma interpretação generalizada de que as novas regras vão favorecer candidatos ricos, celebridades e políticos ligados às igrejas evangélicas.

 


O Globo: Carlos Marun, de aliado de Cunha a ministro

Substituto de Imbassahy na Secretaria de Governo, Marun é defensor ferrenho de Temer

Por Letícia Fernandes, Catarina Alencastro e Cristiane Jungblut

BRASÍLIA — Deputado de primeiro mandato, integrante da tropa de choque do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, hoje preso, de quem se manteve próximo mesmo após a cassação do mandato e posterior prisão, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS), vice-líder do governo na Câmara, finalmente pode afirmar que foi escolhido pelo presidente Michel Temer para ser o novo ministro da Secretaria de Governo, substituindo o tucano Antonio Imbassahy. Ele deve tomar posse na próxima quinta-feira.

A proximidade com Cunha era tanta que, em 30 de dezembro do ano passado, Marun chegou a usar dinheiro público para custear parte das despesas que teve na visita que fez ao ex-presidente da Câmara na prisão. Em janeiro deste ano, O GLOBO encontrou na cota de atividade parlamentar de Marun a emissão de uma passagem aérea no trecho Curitiba-Porto Alegre e de uma diária em hotel na capital paranaense nas mesmas datas da visita. Ele esteve com Cunha no Complexo Médico Penal de Pinhais, em Curitiba, no dia 30 de dezembro de 2016. A passagem paga pela Câmara foi emitida no dia 29 de dezembro e custou R$ 327,58, pela companhia Azul.

Das fileiras de ataque de Eduardo Cunha, o deputado passou a ser um dos mais enérgicos defensores do governo Temer. Com bom trânsito entre deputados do PMDB e do centrão, grupo que nasceu sob o comando do ex-deputado preso, Marun é visto como um nome que poderá aliviar a pressão nas cobranças que partidos da base fazem a Temer, que enfrenta, agora negociações difíceis para aprovar a reforma da Previdência.

— A entrada do Marun traz votos para a Previdência. No contexto de ajudar a distribuir os cargos, Marun acrescenta sensivelmente — disse o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS).

A demora na posse de Marun no ministério que cuida da articulação política do governo se dá porque o deputado é relator da CPI da JBS na Câmara — onde encampa a tese do Palácio do Planalto de que Temer foi alvo de uma trama do Ministério Público com a JBS para tirar o presidente do poder — e deve apresentar o relatório na próxima terça-feira, o que só o libera após esta data.

Na sexta-feira, pouco depois da queda de Imbassahy, Marun começou a receber os cumprimentos e disse que está à disposição do presidente. Em um gabinete da Câmara, o deputado contava em conversas telefônicas, sem perceber que sua voz alta era ouvida no corredor, que fora convidado por Temer.

— Parece que vou ser eu. O homem me convidou de novo! — dizia Marun no telefone, relembrando que quase assumiu o posto no final de novembro, mas teve a nomeação adiada.

Aliados da base governista disseram que ele já trabalhou, durante toda a semana, como ministro informal, ajudando no mapeamento dos votos.

— Os amigos estão aqui, ligando, mas estou trabalhando no relatório da CPI da JBS. Tenho conversado com o presidente sobre a reforma da Previdência. Estou à disposição como sempre estive do presidente, sou um homem de partido. Nos últimos dias, tenho trabalhado mais o PMDB e a sociedade — disse ele, rindo.

Marun é conhecido por seus discursos acalorados. Logo foi convocado para assumir a linha de frente da defesa do governo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), palco do primeiro round de votação da denúncia que o Ministério Público enviou à Câmara um mês após a revelação das conversas entre Temer e Joesley Batista. Marun foi uma das 17 trocas que o Planalto promoveu na CCJ para salvar o mandato de Temer.

 


O Estado de S. Paulo: General acusa Temer de fazer balcão de negócios, elogia Bolsonaro e volta a defender intervenção

'Presidente vai aos trancos e barrancos buscando se equilibrar e mediante o balcão de negócios chegar ao final de seu mandato', diz Mourão

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O general da ativa Antônio Hamilton Martins Mourão afirmou que o presidente da República, Michel Temer, faz do governo um balcão de negócios para manter-se no poder e elogiou a pré-candidatura presidencial do deputado e capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro (PSC-RJ). A Constituição estabelece que as Forças Armadas são, em última instância, subordinadas ao presidente. Ele também voltou a fazer uma defesa da intervenção militar como solução para a crise política no Brasil durante palestra proferida nesta quinta-feira, em Brasília.

“Não há dúvida que atualmente nós estamos vivendo a famosa Sarneyzação (em referência ao ex-presidente José Sarney). O nosso atual presidente vai aos trancos e barrancos buscando se equilibrar e mediante o balcão de negócios chegar ao final de seu mandato”, disse o general.

Em setembro, Mourão falou três vezes na intervenção militar enquanto proferia uma palestra na Loja Maçônica Grande Oriente, também em Brasília: “Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”. Apesar da repercussão negativa, o ministro da Defesa, Raul Jungmann (PPS), e o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, acertaram que não haveria punição ao oficial. No governo Dilma Rousseff, ele fez críticas à então presidente e perdeu o comando direto sobre tropas do Sul, passando a ocupar o cargo atual de secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército, de ordem administrativa.

Na quinta-feira, Mourão discursou a convite do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma). Gravações da íntegra da palestra foram divulgadas na internet por grupos de direita defensores de uma intervenção das Forças Armadas.

“Se o caos for ser instalado no País, e o que a gente chama de caos, não houver mais um ordenamento correto, as forças institucionais não se entenderem, não chegarem a uma conclusão daquilo que tem que ser feito, terá que haver um elemento moderador e pacificador nesse momento, atuando exatamente dentro dos três pilares que foram colocados pelo nosso comandante. Mantendo a estabilidade do País e não mergulhando o País na anarquia, agindo dentro da legalidade, ou seja, dentro dos preceitos constitucionais e dos nossos objetivos nacionais permanentes e usando a legitimidade que nos é dada pela população brasileira”, afirmou.

O militar foi questionado sobre o que e o alto generalato pensavam sobre a pré-candidatura do deputado Bolsonaro. Mourão respondeu em sinal de apoio ao parlamentar, que saiu em sua defesa quando ele proferiu a palestra em setembro e escapou de punição.

“O deputado Bolsonaro já é um homem testado, é um político com 30 anos de estrada, conhece a política. E é um homem que não tem telhado de vidro, não esteve metido aí nessas falcatruas e confusões. Agora, é uma realidade, já conversamos a esse respeito, ele tem uma posição muito boa nessas primeiras pesquisas que estão sendo feitas, ele terá que se cercar de uma equipe competente, ele terá que atacar esses problemas todos, não pode fazer as coisas de orelhada, e obviamente, nós seus companheiros dentro das Forças olharmos com muito bons olhos a candidatura”, declarou.

Ao falar sobre cenários de ameaças transnacionais à estabilidade do País, Mourão disse que o Brasil tem um “povinho meio complicado” e fez uma crítica geral à classe política. Ele também condenou tentativas de mudança de regime em momentos de “instabilidade”. O presidente Temer defende a troca do presidencialismo para o parlamentarismo ou semipresidencialismo.

“Os políticos são escravos das pesquisas de opinião, sem compromisso com ideologia, ressalvado aquele núcleo duro ainda está no século 19, no manifesto comunista. Os conceitos de esquerda e direita estão abraçados na corrupção. Temos ladrões de esquerda e ladrões de direita”, disse. “Instabilidade dos regimes Toda hora vamos trocar o regime para ver se o Brasil melhora.”

Procurada, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República não se manifestou a respeito das declarações do general e disse que o governo ainda não havia tratado do caso.