Temer
Merval Pereira: Volúvel
Sexta-feira, desembargador se disse desconfortável em decidir monocraticamente. Ontem, liberou presos
O desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), revelou-se estranhamente volúvel: mudou de idéia num fim de semana em relação à própria decisão de enviar para a Primeira Turma os pedidos de habeas-corpus para o ex-presidente Michel Temer, o ex-ministro Moreira Franco e outros acusados pelo Ministério Público Federal do Rio que estavam em prisão preventiva decretada pelo juiz Marcelo Bretas.
Na sexta-feira ele se disse desconfortável em decidir monocraticamente uma questão tão delicada. Ontem, anunciou a liberação de todos os presos. Athiê não precisava tomar a decisão na sexta-feira, muito menos transferir o julgamento para sua Turma.
Mudança tão repentina pode ter sido influenciada pelos habeas corpus dados no sábado e domingo para outros envolvidos no caso pela desembargadora Simone Schreiber, da Segunda Turma do TRF-2. E também pela reação de parte da opinião pública, refletida em editoriais de jornais e comentários, contra prisões preventivas consideradas tecnicamente injustificáveis.
Há quem diga, no entanto, que o desembargador temeu ser derrotado na Primeira Turma, formada ainda pelos desembargadores Abel Gomes e Vlamir Costa, juiz de primeira instância convocado no Tribunal para substituir o desembargador Paulo Espírito Santo. São dois magistrados duríssimos.
Mesmo que tenha afirmado que é a favor da Lava-Jato em sua decisão, o voto do desembargador Ivan Athiê era considerado praticamente certo a favor dos acusados. Afinal, ele em 2017, durante uma sessão da Primeira Turma, comparou pagamentos de propinas a meras gorjetas.
“Nós temos que começar a rever essas investigações. Agora, tudo é propina. Será que não é hora de admitirmos que parte desse dinheiro foi apenas uma gratificação, uma gorjeta? A palavra propina vem do espanhol. Significa gorjeta. Será que não passou de uma gratificação dada a um servidor que nos serviu bem, como se paga a um garçom que nos atendeu bem? Essas investigações estão criminalizando a vida”.
Além de escolher o sentido do termo mais brando e inusual no português do Brasil, o desembargador considera normal um servidor público receber gorjeta.
Um dos pontos mais evidentes na investigação do Ministério Público para indicar que a “organização criminosa” continuava atuando não foi utilizado no pedido de prisão preventiva pelo juiz Marcelo Bretas: a tentativa de um depósito de R$ 20 milhões em dinheiro vivo detectado pelo Coaf na conta o Coronel Lima na Argeplan.
Esse fato, juntamente com a patética tentativa do mesmo coronel de esconder debaixo da almofada de um sofá dois aparelhos celulares, depois de dizer que não tinha nenhum, serve de demonstração de que os acusados têm o que esconder. Além de o ex-presidente Temer ter em sua casa um telefone fixo registrado na empresa Argeplan.
Mais para frente o mérito desse habeas corpus vai ser julgado, e a Primeira Turma pode confirmar a decisão liminar, ou revogá-la e mandar prendê-los de novo, o que é pouco provável. Eles podem ser presos preventivamente de novo pelo juiz Bretas ao longo do processo, se fatos novos que justifiquem a prisão preventiva forem alegados.
Do contrário, só podem ser presos se condenados em segunda instância pelo TRF-2. Como o Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar no dia 10 de abril, no mérito, a permissão para prisão em segunda instância, com tendência de mudar a jurisprudência para a prisão após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do trânsito em julgado, é provável que uma nova prisão demore a ser decretada, se não forem absolvidos no decorrer desses recursos prolongados.
Correção
O procurador de Justiça aposentado e advogado criminalista Cosmo Ferreira lembra que o crime de “lavagem” de dinheiro não é imprescritível como escrevi aqui, mas permanente, cuja consumação se prolonga no tempo. O termo inicial da prescrição ocorre quando cessar o crime, e não na sua consumação.
Os delitos imprescritíveis estão no artigo quinto da Constituição da República: racismo e ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado democrático, e os de competência do Tribunal Penal Internacional: genocídio, crimes contra a humanidade, crime de guerra.
Bruno Boghossian: Pagamento a idosos pobres pode contaminar proposta de Bolsonaro
Apesar de rigor com ricos e servidores, governo corre o risco de repetir erro de Temer
Michel Temer ainda não era um presidente moribundo quando apresentou sua reforma da Previdência, no fim de 2016. Encenando um clássico do teatro político, o Planalto incluiu algumas malvadezas no texto, só para ter o que ceder na hora de negociar com o Congresso. O governo apanhou por quatro meses, até que decidiu recuar. Já era tarde.
As propostas de Temer que endureciam a concessão de benefícios a idosos pobres e dificultavam a aposentadoria de trabalhadores rurais contaminaram o projeto. Embora o presidente tenha aceitado flexibilizar o texto, a primeira impressão ficou. Poucos deputados toparam mudar de lado para apoiar o presidente.
Jair Bolsonaro corre o risco de repetir erros do passado. Incluída na nova reforma, a ideia de pagar menos de meio salário mínimo a idosos miseráveis antes que eles completem 70 anos é o suficiente para carimbar o projeto como uma crueldade com famílias de baixa renda.
Ainda que a proposta atual introduza normas austeras para os mais ricos e para funcionários públicos, os pontos que afetam agricultores e pessoas que não têm como se sustentar podem interditar o caminho.
A ameaça política da reforma da Previdência envolve um elemento trivial: o voto. Deputados e senadores retornarão a seus estados no fim de semana e precisarão dar explicações a suas bases. Muitos serão massacrados por eleitores mais pobres, furiosos com o endurecimento de aposentadorias e benefícios sociais.
A pressão será mais intensa no Norte e no Nordeste, que têm 216 das 513 cadeiras da Câmara. Não é preciso ter diploma de Chicago para calcular o peso desses votos nos 308 necessários para aprovar a reforma.
Bolsonaro adotou uma estratégia conhecida. Ofereceu um pacote sabidamente rigoroso para medir a resistência dos parlamentares e, depois, fazer concessões para agradá-los. O governo, no entanto, pode ter escolhido mal os pedaços de gordura que serão cortados. Parte dos políticos ficará encurralada antes que esse processo chegue ao fim.
Adriana Fernandes: Gordura para queimar
Estratégia é entregar proposta mais dura e profunda do que aquela que se quer aprovar
O governo vai deixar na proposta de reforma da Previdência gordura para queimar durante as negociações no Congresso Nacional. A mesma estratégia foi usada pelo ex-presidente Michel Temer em 2016, quando encaminhou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, que agora servirá de base para o texto de Jair Bolsonaro.
Deixar gordura significa entregar uma proposta mais dura e profunda do que aquela que verdadeiramente se espera aprovar. Essa estratégia contém, porém, o risco de contaminação das expectativas ao longo das negociações no Congresso à medida que os peões do xadrez da reforma vão sendo retirados do tabuleiro.
Durante a negociação da reforma de Temer, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles enfrentou o problema. A cada item que foi sendo banido da proposta original, Meirelles tinha de dar explicações de que a reforma não ficaria fraca demais e que o impacto da mudança para o equilíbrio das contas públicas continuava importante ao País.
A proposta de Temer começou com uma economia de R$ 800 bilhões em 10 anos. Esse ganho foi desidratado para menos de R$ 400 bilhões e virou motivo de incerteza entre os investidores diante da perda de força do seu impacto para as contas públicas e para a sustentabilidade da Previdência Social no Brasil.
Com Temer, antes mesmo do envio da PEC, caíram as alterações no abono salarial e a inclusão dos militares. Depois, saíram do texto as mudanças na aposentadoria rural e nas regras para policiais militares e bombeiros, a igualdade na idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres, a restrição mais dura para o acúmulo de benefícios, a desvinculação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo, regras mais duras para professores, e assim por diante...
Foram muitas as baixas. Deve acontecer o mesmo agora. A gordura para queimar pode aparecer de imediato nas propostas de mudança na aposentadoria rural, desvinculação de benefícios do salário mínimo e criação de um modelo “fásico” para a assistência social. Esse sistema permite aos segurados solicitarem mais cedo a ajuda do governo, desde que aceitem receber um valor abaixo do salário mínimo.
A polêmica proposta de criação no Brasil do sistema de capitalização, com contas individuais para acumular os recursos que bancarão a futura aposentadoria, também deve passar pela tesourada dos parlamentares. Há muitas dúvidas se o País está preparado para uma mudança tão ampla e com custo de transição para as contas públicas.
A gordura a ser deixada para o Congresso motiva a profusão de ideias que estão sendo disseminadas nos bastidores em torno do texto que o presidente e sua equipe vão fechar na próxima semana.
A comunicação das propostas ainda em estudo acaba funcionando como uma espécie de “teste” para a receptividade das propostas mais polêmicas. Por outro lado, alimenta a especulação e pode ter um efeito nocivo na negociação que se seguirá. Há o risco de antemão de se “carimbar” na PEC de Bolsonaro propostas de retiradas de direitos que nem mesmo entrarão no texto final. O mesmo script se deu com Temer. E aí, a comunicação escapa do controle.
Há preocupação entre integrantes da equipe econômica envolvidos diretamente na elaboração da proposta com a estratégia de comunicação até agora. Há muita imprecisão e deturpação partindo de quem não está de fato coordenando a proposta. Tem gente que acha que é para atrapalhar.
Difícil mesmo é conciliar a necessidade de manter a confiança na reforma sem queimar a proposta logo na largada.
Luiz Carlos Azedo: O lugar de Temer
“Bolsonaro servirá de segunda baliza para a avaliação do governo Temer. A primeira foi o desastroso governo de Dilma Rousseff.”
Para ser presidente eleito pelo voto direto é preciso grande dose de sorte numa conjuntura favorável, além da capacidade de catalisar os sentimentos mais profundos da maioria dos eleitores. Por isso, os políticos dizem que a Presidência é “destino”. Para ser o vice, não; a sorte e os votos vêm de carona. O mais importante é a capacidade de se articular politicamente com aquele que reúne essas condições e receber o apoio de seu próprio partido e das forças aliadas. Quanto menos quereres do titular, mais perigoso é o vice. O Brasil já teve 24 vice-presidentes da República, alguns deles chegaram a assumir em caráter permanente a Presidência. O último é o presidente Michel Temer, efetivado no cargo com o impeachment de Dilma Rousseff. Hoje, passará a faixa para o presidente eleito, Jair Bolsonaro, cujo vice é o general Hamilton Mourão, que herdará o “carma”.
Há vice-presidentes que deixaram seu nome na memória política do país. O primeiro foi Floriano Peixoto, o “marechal de ferro”. No dia da Proclamação da República, encarregado da segurança do ministério do Visconde de Ouro Preto, Floriano se recusou a atacar os revoltosos. Justificou sua insubordinação, respondendo ao próprio: “Sim, mas lá (no Paraguai) tínhamos em frente inimigos e aqui somos todos brasileiros!” Floriano Peixoto deu voz de prisão ao Visconde de Ouro Preto, gesto que viria a se repetir algumas vezes ao longo da República. Vice-presidente do Governo Provisório, foi eleito vice-presidente constitucional e assumiu a Presidência em 23 de novembro de 1891, com a renúncia do marechal Deodoro da Fonseca. Governou por decreto, como se fosse um ditador, recorrendo, por longo período, ao “estado de sítio”. Floriano inaugurou a política de culto à personalidade e o presidencialismo vertical na política republicana, mas passou o cargo ao sucessor eleito, o presidente Prudente de Moraes. Eleito em 1918, com Rodrigues Alves, que faleceu antes de tomar posse, Delfim Moreira exerceu a Presidência interinamente até a eleição de Epitácio Pessoa, no ano seguinte, voltando à vice-presidência. Outra transição pacífica.
As Constituições de 1934 e 1937, que davam mais poderes ao ditador Getúlio Vargas, extinguiram o cargo, que somente foi restaurado pela Constituição de 1946. Até a Emenda Constitucional 9, de 1964, do regime militar, o vice-presidente era eleito separadamente do presidente, da mesma forma como ocorria na Primeira República. O presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964, foi eleito vice-presidente da República duas vezes: a primeira, com Juscelino, em 1950, tendo mais voto do que ele; a segunda, com Jânio Quadros, nas eleições de 1960, graças à manobra dos sindicalistas paulistas, que lançaram a chapa Jan-Jan e “cristianizaram” o marechal Henrique Teixeira Lott, candidato do PTB. Com a espetacular e imprevisível renúncia de Jânio, Jango assumiu o governo, depois de uma crise na qual os militares ligados à UDN tentaram impedir sua posse. Acabou destituído pelos militares em 31 de março de 1964. O resto da história todos conhecem. Foram 20 anos de ditadura.
O tempo dirá
O presidente José Sarney também era vice; assumiu em razão da morte de Tancredo Neves, eleito por um colégio eleitoral, em 1985. Exerceu a Presidência por cinco anos, operou com sucesso a transição à democracia e nos deixou como legado a Constituição de 1988 e melhores indicadores sociais em todas as áreas, mas também a maior hiperinflação de nossa história. Coube a outro vice-presidente, Itamar Franco, que assumiu a Presidência após o impeachment de Collor de Mello, em 1992, enfrentar o problema. Para isso, depois de tentativas fracassadas, nomeou para o Ministério da Fazenda o senador Fernando Henrique Cardoso, seu chanceler, que montou uma equipe econômica chefiada pelo economista Pedro Malan. O Plano Real, criado para acabar com a hiperinflação, com nova troca de moeda e contenção de gastos, foi um sucesso, o que acabou garantindo a eleição de FHC à Presidência por duas vezes, ambas com apoio de Itamar.
Voltando ao ponto de partida: só o tempo dirá o lugar exato do presidente Michel Temer na História. Ao contrário da narrativa do golpe, Temer assumiu a Presidência por um imperativo constitucional, em razão de um impeachment aprovado pelo Senado, sob a presidência do ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Vice-presidente por duas vezes eleito na chapa da petista, recebeu o governo completamente em colapso, aparelhado pelo PT e aliados, com a Petrobras no fundo do poço, por causa do escândalo do “petrolão”. O país estava mergulhado na maior recessão de sua história, com 14 milhões de desempregados; e os principais partidos, na mira da Operação Lava-Jato e desmoralizados pelo envolvimento com a corrupção. Temer montou uma boa equipe econômica, chefiada por Henrique Meirelles, adotou critérios de excelência e mérito no comando das estatais, aprovou limites para expansão de gastos, fez a reforma trabalhista. Assim, conseguiu domar a inflação, reduzir os juros e repor a economia nos trilhos do crescimento, ainda que em marcha lenta e sem resolver o problema de 12 milhões de desempregados.
Não é pouca coisa. Entretanto, duas denúncias de corrupção da Lava-Jato, com base na delação premiada do empresário Joesley Batista, embora rejeitadas pelo Congresso, jogaram sua reputação na lona e deixaram a reforma da Previdência em segundo plano. Sem maniqueísmo, Temer passará a faixa presidencial para Jair Bolsonaro com a espada da Justiça sobre a cabeça, mas com a elegância de um democrata que cumpriu seu dever. Podemos dizer que um novo ciclo será aberto. O sucesso ou não do governo Bolsonaro servirá de segunda baliza para a avaliação do governo Temer. A primeira foi o desastroso governo de Dilma Rousseff.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-lugar-de-temer/
Ricardo Noblat: Bolsonaro em dívida com Temer
Para não começar do zero
Por tê-la usado como principal bandeira de sua campanha à presidência da República, seria de imaginar que o presidente eleito Jair Bolsonaro dispusesse de ideias bem concebidas para enfrentar a violência que matou quase 63 mil brasileiros em 2016, quando o país pela primeira vez na história superou o patamar de 30 homicídios por cada 100 mil habitantes. Ou Bolsonaro ou pelo menos quem ele escalasse para cuidar da segurança pública no seu governo.
Não parece ter sido o caso. Não foi o caso. A princípio, Bolsonaro e o ex-juiz Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça e da Segurança Pública, se limitarão a adotar o pacote de segurança pública lançado, ontem, pelo presidente Michel Temer. Foi o que admitiu o general Guilherme Teóphilo de Oliveira, braço direito de Moro: “É. Não podemos pegar agora e querer começar tudo do zero, não. A gente tem que aproveitar isso aí”. Do zero? E nada havia sido pensado?
“Agora é tentar dar continuidade e fazer os aperfeiçoamentos que nós achemos necessários”, explicou o general. O “Plano Nacional de Segurança Pública”, legado por Temer a Bolsonaro e Moro, é o quinto a ser lançado desde 2000 quando Fernando Henrique Cardoso ainda presidia o país. O desafio de Bolsonaro é tirar do papel mais do que o pouco que dele saiu até aqui. O combate à violência e a retomada do crescimento econômico definirão a sorte do próximo governo.
Lição a pais de garotos
Sem privilégios
A caminho do Brasil para assistir à posse do presidente eleito Jair Bolsonaro, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, traz com ele a mulher, Sara, e também Yair, seu filho de 23 anos, estudante da Universidade Habraica de Jerusalém.
Antes de embarcar, Benjamin divulgou uma nota onde afirma que todas as despesas do filho durante a viagem, inclusive a passagem, serão pagas pela família. As despesas de Sara correrão por conta do tesouro de Israel como manda a lei.
Filho de chefe de Estado, por lá, mas não só em Israel, não pode dar-se ao luxo de viajar a custa do contribuinte. De resto, o clã Netanyahu já enfrenta uma série de problemas para ter que arranjar mais um.
Sara responde a processo por uso indevido de fundos do Estado para pagar por refeições. Benjamim, por ter embolsado cerca de 1,018 milhão de reais em presentes de luxo que recebeu, mas não declarou.
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro vai encolher bancos?
PT estatizou crédito; mesmo com Temer, maioria dos empréstimos ainda é estatal
Jamais ficou claro para o cidadão comum que os governos petistas estatizaram a maioria do crédito no Brasil, o que aconteceu no restinho de Lula 2 e sob Dilma Rousseff.
Michel Temer começou a reprivatizar o sistema, mas 51,7% do total do dinheiro emprestado por bancos ainda é crédito de bancos públicos. Dificilmente Jair Bolsonaro conseguirá reverter toda a obra petista, até porque o desmanche não depende apenas dele.
Na prática, é como se Lula e Dilma tivessem criado um banco maior que um Itaú ou um Bradesco (em termos de carteira de crédito). Em novembro de 2008, cerca de 35% do estoque de crédito, do total de dinheiro emprestado, estava nos bancos públicos. No auge, em julho de 2016, a participação dos públicos foi a quase 57%.
Essa estatização começou na virada decisiva da política econômica lulista, depois de crise financeira mundial que explodiu de vez em meados de 2008. O crédito internacional secou, a atividade econômica entrou em colapso, inclusive no Brasil. Houve uma retração violenta no crédito dos bancos privados. O fim do mundo parecia próximo.
Parecia razoável expandir o gasto público e o crédito estatal (embora alguns economistas advogassem que uma alternativa melhor seria o Banco Central baixar rápido a taxa de juros). No entanto, os efeitos agudos da crise logo passaram no Brasil. O estímulo de crédito, não.
Nos anos Lula, o crescimento relativo mais acelerado foi do BNDES. Sob Dilma, dos demais bancos públicos. Depois de uma reanimada de meados de 2010 a 2012, os bancos privados voltaram a jogar na retranca.
Os bancões privados alegavam que não poderiam acompanhar o ritmo estatal: tinham limites de capital e de risco. Os bancos públicos em tese poderiam se aventurar mais (com a retaguarda do governo) e, grosso modo, eram capitalizados à larga com dinheiro público.
Seja qual for o peso desses motivos, o descompasso resultou na estatização. Temer procurou desmontar esse sistema (na verdade um projeto iniciado por Joaquim Levy, ministro da Fazenda no primeiro ano de Dilma 2). O governo pediu de volta dinheiro emprestado ao BNDES e começou a dar cabo do crédito subsidiado do banco.
Depois de mais de três anos em baixa, o estoque de crédito bancário no país voltou a crescer em novembro passado (em termos reais, na comparação anual). Mas o grosso do encolhimento se devia na maior parte ao BNDES (sem o bancão de desenvolvimento, o crédito estaria no azul desde março).
O BNDES oferece em geral empréstimos de longo prazo, muito raros e caros na praça bancária. Fez falta? No balanço geral, parece que não. Empresas levantaram dinheiro no mercado de capitais (debêntures, ações etc.) em volume várias vezes superior ao do decréscimo do crédito do BNDES, mesmo nestes anos conturbados.
O crédito do BNDES vai fazer falta?
1. Uma dúvida: não se sabe o que pode acontecer quando as taxas básicas de juros subirem.
2. Pode ser que não: mesmo menos com menos dinheiro, o banco pode mudar sua forma de atuação, dando impulso a operações maiores, em vez de emprestar tudo diretamente.
3. Pode ser que sim: empresas pequenas ainda têm grande dificuldade de se financiar.
O que vai ser dos demais bancos públicos sob Bolsonaro ainda é mistério. O presidente eleito não quer privatizá-los (aceita vender apenas braços do BB e da CEF). Mas vai diminuir a velocidade do crescimento do crédito estatal, a fim de reprivatizar o sistema?
Leandro Colon: Um governo a ser esquecido
Temer deixa Jaburu com três denúncias no currículo e fracasso em cumprir promessas
Mais uma semana pela frente e o governo de Michel Temer chegará ao fim. Um período presidencial que começou de maneira interina no dia 12 de maio de 2016 após o Senado aprovar o afastamento temporário de Dilma Rousseff.
Naquela quinta-feira, Temer afirmou ser necessário um "governo de salvação nacional". "É urgente pacificar a nação e unificar o Brasil", disse.
"A moral pública será permanentemente buscada por meio dos instrumentos de controle e apuração de desvios", declarou, rodeado no Palácio do Planalto por novos ministros.
Entre eles estavam Romero Jucá, do Planejamento, e Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo. O primeiro caiu logo em seguida com a revelação pela Folha do áudio em que defendia "estancar a sangria" da Lava Jato. E Geddel passará mais um Natal na penitenciária da Papuda.
Temer deixa o Palácio do Jaburu carregando no currículo três denúncias da Procuradoria-Geral da República. São acusações de corrupção, de chefiar organização criminosa, de obstruir a Justiça e de lavagem de dinheiro. A última das denúncias foi apresentada semana passada pela chefe da PGR, Raquel Dodge, indicada por Temer para substituir Rodrigo Janot, algoz do presidente.
São acusações que devem seguir para a primeira instância a partir de janeiro e atormentar a vida do emedebista, que passará a conviver com o fantasma da condenação e o pesadelo de uma consequente prisão.
Juntam-se a isso novas frentes de investigação. Dodge descreveu na terceira denúncia, por exemplo, mais cinco crimes que precisariam ser apurados em relação ao presidente.
O período Temer só não foi um completo desastre porque o país saiu da recessão, a inflação foi controlada, e o teto de gastos, aprovado.
Por outro lado, sua gestão fracassou no avanço da reforma da Previdência e no combate ao desemprego.
Não há como ser positivo o balanço de um governo em que seu presidente atingiu o pior índice de popularidade da história e não cumpriu a promessa de unificar o Brasil.
*Leandro Colon é diretor da Sucursal de Brasília, foi correspondente em Londres. Vencedor de dois prêmios Esso.
Bernardo Mello Franco: Temer se despede com deboche e autoelogios
A poucos dias de deixar o Planalto, o presidente inaugurou um memorial a si mesmo e indicou um aliado ficha-suja para a direção da Anvisa
Michel Temer vai perder o foro privilegiado, mas não quer perder a piada. Na última reunião ministerial, o presidente fez troça com os constantes protestos contra seu governo. “Vou sentir muita falta do ‘Fora, Temer’. Quando falavam ‘Fora’, era porque eu estava dentro. Agora estarei fora mesmo”, gracejou.
É melhor rir do que chorar, mas Temer não tem muitas razões para mostrar os dentes. Ele deixará o poder como o presidente mais detestado desde o fim da ditadura. Seu governo é reprovado por 85% dos brasileiros, informou o Ibope na semana passada.
Se a saudade do “Fora, Temer” pode soar como humor inoportuno, os últimos atos do presidente refletem uma clara atitude de deboche. No início da semana, ele indicou o notório André Moura para o cargo de diretor da Anvisa. O deputado já foi alvo de quatro condenações na Justiça.
Na quarta-feira, o presidente tomou um avião da FAB para inaugurar um monumento a si mesmo: o Centro de Memória Michel Temer, em Itu. O local vai abrigar 76 mil itens, sendo que 47 mil serão cópias de e-mails. O acervo também reunirá 1.129 mídias audiovisuais. O Planalto não informou se a gravação com o empresário Joesley Batista integra a lista. Deveria, porque nela o emedebista disse a frase mais marcante dos seus 963 dias de governo: “Tem que manter isso, viu?”.
Depois de fazer um discurso cheio de autoelogios, Temer voltou a ser confrontado com a realidade. Ele já havia garantido seu lugar na História ao se tornar o primeiro presidente a ser denunciado formalmente por corrupção no exercício do cargo. Agora bateu o próprio recorde: virou alvo da terceira denúncia da Procuradoria.
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Ao deixar para protocolar anova denúncia nas primeiras horas do recesso, Raquel Dodge deu uma volta no ministro Luís Roberto Barroso. Como relator do inquérito dos Portos, ele poderia decretara prisão preventiva do coronel João Baptista Lima, apontado como o laranja de Temer. Com o timing escolhido pela procuradora, o caso foi para as mãos do plantonista Dias Toffoli.
Míriam Leitão: Embraer, Boeing e os mitos do negócio
Mesmo depois de privatizada, a Embraer voou com a ajuda do Estado: só no BNDES foram US$ 22 bi para exportação e R$ 8 bi de outros financiamentos
É preciso derrubar os mitos que cercam a operação entre a Embraer e a Boeing. Não é uma parceria, ao contrário do que disseram os presidentes das duas empresas. Os negócios da Embraer vão se dissolver na nova empresa, quando ela for englobada por uma companhia muito maior. Não há outro caminho neste mercado de gigantes, mas é bom usar as definições certas. Mesmo depois de ser privatizada, a fabricante de aviões sempre voou com a ajuda do Estado, só do BNDES foram R$ 8 bilhões de financiamentos e mais US$ 22 bi de crédito à exportação.
Sobreviver produzindo aviões comerciais de médio porte num mercado cada vez mais concentrado em gigantes globais seria muito difícil, por isso a negociação faz todo o sentido. O que não convence são os eufemismos e os clichês de sempre do mundo corporativo.
“Essa aliança fortalecerá ambas as empresas e está alinhada com a nossa estratégia de crescimento sustentável de longo prazo”, disse o presidente da Embraer, Paulo Cesar de Souza e Silva, no comunicado após a informação de que o acordo havia sido feito, do ponto de vista das empresas, faltando apenas a aprovação do governo brasileiro.
Não é uma aliança, nem parceria. A Boeing está comprando a parte mais lucrativa da Embraer, através da criação dessa empresa na qual a brasileira será minoritária. Isso significa que a companhia está se desnacionalizando? Ela já era, na verdade. Seus maiores acionistas são, há muito tempo, dois fundos estrangeiros, um americano e outro inglês. A gigante Boeing passa a deter 80% do capital da empresa formada com os departamentos dos jatos comerciais. É comum as empresas, em casos assim, chamarem de fusão ou de parceria o que é na verdade uma compra.
A parte militar será uma firma à parte e que terá como carro-chefe, aliás avião chefe, o KC-390. Nela, a Embraer terá 51% do capital. Esse segmento representa apenas 20% do faturamento e tem como grande negócio a encomenda da própria Força Aérea Brasileira: 28 cargueiros ao valor de R$ 7,2 bilhões. A perspectiva de crescimento desse mercado de defesa é boa. A Embraer tem produto novo e o grande concorrente, a Lockheed, tem modelos já velhos. Como os militares estavam mais preocupados com esse segmento do mercado, os 51% do capital na mão da Embraer ajudaram a tranquilizar as Forças Armadas.
Havia uma dificuldade grande com o negócio da compra dos caças Gripen e com os sistemas de controle do espaço. A Embraer, apesar de ter sido privatizada em 1994, sempre esteve misturada ao Estado brasileiro. Ela desenvolveu o sistema de controle de espaço, o satélite SGDC, participou do submarino de propulsão nuclear da Marinha e do Sisfron. Um argumento apresentado pelo governo Temer é que nada disso poderia ficar submetido ao Congresso americano. Segundo o governo há “um núcleo duro intransferível” no setor de defesa. Além disso, o negócio com a Suécia inclui transferir tecnologia para o Brasil e para nenhum outro país.
A Embraer é sem dúvida um caso de sucesso. Mas o dinheiro estatal sempre a financiou de forma subsidiada pelo BNDES, antes e depois da privatização. Só nos últimos 15 anos, a empresa recebeu R$ 1,95 bilhão de financiamento tecnológico e mais R$ 6 bi para pré-embarque de exportações. Além disso, suas exportações também receberam US$ 22 bilhões de crédito, quando o recurso financia o comprador estrangeiro dos seus produtos.
Esse tema esteve em debate na campanha entre os que eram adversários e favoráveis à negociação. O maior adversário do negócio com a Boeing foi o candidato do PDT, Ciro Gomes, mas a privatização ocorreu quando Ciro era ministro da Fazenda. A venda propiciou a pulverização do capital de tal forma que hoje os maiores acionistas não são o BNDES ou a Previ, mas o fundo americano Brandes, com 14,4% da empresa, seguido pelo inglês Mondrian, com 9,9%. O BNDESPar tem apenas 5,4%, um pouco mais que outro estrangeiro, o Blackrock, com 5%. Há mais ações negociadas na Bolsa de Nova York do que na Bovespa.
O governo brasileiro ficou com a golden share, por isso ele está sendo consultado sobre a negociação entre as duas companhias. Muito provavelmente o governo vai concordar, tanto o atual quanto o próximo, porque o presidente eleito sempre falou favoravelmente, e os pedidos dos militares foram atendidos.
Bruno Boghossian: Caso Battisti simboliza mudanças políticas dos últimos 8 anos
Lula autorizou permanência de italiano no Brasil quando tinha 83% de aprovação
Quando assinou a autorização para que Cesare Battisti ficasse no Brasil, no último dia de 2010, Lula se preparava para deixar o poder com 83% de aprovação. O governo foi pressionado pelos italianos, mas decidiu não extraditar o homem condenado à prisão perpétua por quatro homicídios nos anos 1970.
Nas semanas seguintes, antes de deixar a cadeia, Battisti demonstrou perceber que seu destino estava diretamente ligado à força política do petista. “Se o Lula desse essa decisão antes, iam em cima dele. Porque me derrotar também é derrotar o Lula”, disse o italiano em uma entrevista.
Os ventos mudaram em Cananeia, município do litoral paulista que Battisti escolheu como sua casa. Ao menos três personagens receberam os avisos meteorológicos: Michel Temer, Jair Bolsonaro e Luiz Fux.
Em outubro do ano passado, Temer decidiu revogar o asilo que havia sido concedido por Lula ao italiano. Àquela altura, o petista já havia sido condenado por corrupção pelo então juiz Sergio Moro e recorria em liberdade. Fux, relator do caso no Supremo, deu uma liminar que travou a extradição.
Battisti depois se tornou um dos fiapos da linha populista na política externa que Bolsonaro começou a ensaiar ainda nos primeiros meses de campanha. Em abril, o então candidato conversou com o embaixador da Itália e tentou fazer graça: “No ano que vem, vou mandar um presente para vocês: o Cesare Battisti”.
Embora Bolsonaro não tenha participado das decisões que devem culminar na extradição de Battisti, sua possível saída do país simboliza uma vitória do presidente eleito.
Ao determinar a prisão do italiano na última quinta (13), Fux afirmou que a decisão de Lula em 2010 poderia ser revista, porque era um “juízo estritamente político” e estava sujeita a “conjunturas sociais”.
A conjuntura realmente mudou. O homem que deu liberdade a Battisti por oito anos passa seu nono mês na prisão. Fux percebeu os novos tempos e colocou sua assinatura no ato de pré-estreia da era Bolsonaro.
El País: Battisti vira peça central no flerte de Bolsonaro com Governo de direita italiano
Disputa diplomática com a Itália se aproxima do fim com mandado de prisão de italiano. Temer já assinou ordem de extradição, porém ex-ativista está foragido
A decisão de Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de determinar a prisão de Cesare Battisti deixa o ex-militante e escritor italiano a um passo da extradição e aproxima do fim uma disputa diplomática entre Brasil e Itália que se arrasta desde o final do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na Itália, Battisti é peça central nas cada vez mais próximas relações entre o presidente eleito Jair Bolsonaro e o governo do país europeu. Matteo Salvini, ministro do Interior e líder do partido populista de direita Lega Nord, comemorou a decisão de Fux e trocou mensagens pelo Twitter com Bolsonaro. "Darei grande mérito ao presidente Bolsonaro se ele ajudar a Itália a ter justiça, 'dando de presente' para Battisti um futuro nas nossas prisões", escreveu Salvini. A resposta de Bolsonaro a Salvini nas redes não poderia ser mais clara: "Conte conosco!"
O diário italiano La Repubblica narra uma vida repleta de fugas internacionais que há décadas mantêm Cesare Battisti longe das prisões italianas. Nascido em 1954, ele integrou na Itália o grupo Proletariado Armado pelo Comunismo (PAC), que nos anos 70 realizou assaltos a banco e a supermercados no país europeu, justificados como ações de expropriação. Foi nesse contexto que ele foi acusado —e condenado— por ter participado de quatro assassinatos, sendo o autor material de dois deles. Detido na Itália, conseguiu escapar da prisão em 1981 e fugir para a França. Permaneceu na Europa por pouco tempo e depois partiu para o México. Antes de fugir para o Brasil, passou outra temporada na França, que só reconheceu o pedido de extradição feito pela Itália em 2004. Ante o risco de cumprir prisão perpétua em seu país, fugiu novamente, dessa vez para a América do Sul. Ao longo desse período, Cesare Battisti passou a escrever livros e amealhou o apoio de intelectuais de esquerda que se opuseram à sua devolução à Itália.
No Brasil, Battisti protagonizou uma disputa diplomática com a Itália que se arrastou durante anos. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os assassinatos pelos quais Battisti fora sentenciado em seu país de origem não podiam ser considerados crimes políticos. Dessa forma, a condição de refugiado do italiano foi revogada e o caminho para a extradição parecia livre. No entanto, a Suprema Corte havia determinado naquele mesmo julgamento que a decisão final sobre entregá-lo ou não à Itália caberia ao presidente da República, na época Lula. No último dia do seu mandato, o petista optou pela não extradição, o que gerou fortes protestos das autoridades italianas.
#Bolsonaro: “Conta su di noi!”.
Grazie Presidente @jairbolsonaro.
Se serve prendo il primo volo per riportare finalmente in Italia un delinquente condannato all’ergastolo.
Instalado no país e contando com a simpatia de figuras importantes dentro do PT, Battisti teve um filho no Brasil, um dos pontos levantados por sua defesa como impedimento à sua extradição. Seu caso voltou a complicar-se após o impeachment de Dilma Rousseff e a chegada de Michel Temer ao Palácio do Planalto, quando a nova administração passou a emitir sinais de que tinha interesse em dar seguimento à extradição.
Em 2017, o italiano chegou a ser preso tentando atravessar a fronteira do Brasil com a Bolívia em Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Segundo as autoridades, ele portava 6.000 dólares e 1.300 euros. Depois de ser solto, ele se defendeu e disse que seu status legal à época lhe permitia sair do Brasil quando quisesse, mas o episódio foi interpretado por autoridades brasileiras com uma tentativa de evasão.
Naquele mesmo ano a Itália pediu ao governo Temer que revisasse o decreto de Lula de 2010 que possibilitou a permanência de Battisti no Brasil. Seus advogados entraram com um pedido de habeas corpus preventivo no Supremo para tentar evitar o seu envio à Itália. O principal argumento dos seus defensores era que a decisão de Lula não poderia ser derrubada mais de cinco anos após a sua publicação. Em um primeiro momento, Fux concedeu uma decisão provisória impedindo a extradição, mas ele cassou a própria decisão no seu despacho desta quinta-feira. "Com efeito, todos os requisitos para a extradição de Cesare Battisti já foram preenchidos, conforme reconhecido pelo plenário deste Supremo Tribunal Federal", escreveu o ministro do STF.
Correio Braziliense: 'Ninguém consegue milagre sem o Congresso', diz Temer
A 17 dias de terminar o mandato e passar a faixa para Jair Bolsonaro, emedebista afirma, em entrevista exclusiva ao Correio, que apenas a conversa com lideranças não garante a aprovação de projetos
Por Ana Dubeux, Denise Rothenburg, Luiz Carlos Azedo e Leonardo Cavalcanti, do Correio Braziliense
Há um ditado nos gabinetes de Brasília de que o café servido pelos garçons aos presidentes nos últimos dias de mandato vem frio. É como se a desimportância dos políticos ficasse evidente para todos os funcionários do Palácio do Planalto. “O meu café continua quente”, afirma, em tom de brincadeira, Michel Temer. Em seguida, sério, ele emenda: “Há um reconhecimento em áreas”. E passa a citar algumas homenagens que recebeu nos últimos tempos, citando inclusive o “Fica Temer”, uma brincadeira que viralizou depois das eleições. “Mesmo sabendo do tom, foi algo positivo, simpático.”
Ao fazer a avaliação dos dois anos e meio de governo, Temer acredita que a relação aberta com o Parlamento está entre os principais legados. “Ninguém consegue milagre sem o Congresso”, diz ele, que acredita que o próprio presidente eleito, Jair Bolsonaro, apesar do discurso contra negociações com partidos e parlamentares, está mudando a posição. “Ele já chamou bancadas partidárias para conversar. E o depoimento de todos que vêm aqui é de que ele fala que precisa do Congresso.”
Ainda sobre o substituto, Temer parece esperançoso. “Ele tem uma grande vantagem, interessante e muitas vezes criticada, que é a história do recuo. O recuo é algo democrático”, diz Temer, que conversou com Bolsonaro, sendo capaz de elogiar a equipe ministerial e os projetos propostos. Confira os principais trechos da entrevista de quase 90 minutos feita na manhã de ontem no gabinete presidencial. A bebida servida, cappuccino com chocolate, estava quente.
Como a história vai tratar o senhor?
Sem ser otimista, mas realista, acho que vai ser de maneira muito positiva. Até positivo por indicativo do presente momento. Percebo que o número de homenagens que tenho recebido de 15 dias para cá — até tenho procurado evitar muitas delas porque não há espaço —, vejo que as pessoas estão com um reconhecimento muito acentuado. E eu até brinco. “Olha, quando você chega no último mês, o café esfria. E o meu café está quente ainda.” Na verdade, as pessoas me homenageiam muito, pessoal da indústria... Há um reconhecimento em áreas. Agora, se me perguntar a popularidade, até podia dizer que aumentou 100%: de 4% para 8%. Mas, evidentemente no grande público, ainda não há popularidade. O reconhecimento está começando agora e vai prosseguir. Tive uma homenagem da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) em que eles falaram maravilhas. Eu disse: “Até agradeço muito, fiz as coisas que fiz em nome da liberdade de imprensa, que faz parte de outro direito, a liberdade de informação”. E não é em nome do empresário, mas em favor do povo. Na Constituição, você tem o poder da resposta, para completar a informação. Hoje, até os jornais colocam “o outro lado” para dar a informação completa. Então, eu disse: “Isso realmente aconteceu em homenagem à Constituição. Eu trabalho por essas instituições, porque nós passamos e as instituições ficam. Agora, com muita franqueza, alguns setores tentaram me derrubar durante um ano e pouco e não conseguiram.
Quais os setores?
Vocês sabem quais são.
Qual foi o maior legado nestes dois anos?
Na economia, eu serei até repetitivo se disser o que aconteceu. Peguei um PIB negativo, em maio, de menos 5,9%. Pegamos em meados de maio de 2016 e, quando chegou em dezembro, o PIB era negativo em 3,6%. Quando chegou em dezembro de 2017, era positivo em 1%. Portanto, caminhamos 6,9 pontos percentuais no PIB brasileiro. Segundo ponto: basta pegar a inflação, o que fizemos com os juros, com as empresas estatais. Há quatro anos, a Petrobras perdeu muito a credibilidade nacional e internacional, hoje recuperada. O Banco do Brasil, quando entramos aqui, a ação valia R$ 15. Hoje, vale R$ 45. Isso foi há quatro meses. Ou seja, o patrimônio público aumentou três vezes. Se valia R$ 35 bilhões, passou a valer cento e tantos bilhões. Correios, só dava prejuízo. Quando houve balanço positivo? No primeiro semestre deste ano. Eletrobras, todas as empresas. Então, sob o enfoque econômico, tudo isso melhorou muito. À parte, a história das concessões e das privatizações, que estão dando um resultado extraordinário. Não exatamente para o meu governo, mas vai se projetar para o futuro. Nas relações internacionais, progredimos muito, porque universalizamos as nossas relações, ou seja, não nos pautamos por critérios ideológicos. Pode até se tomar o caso da Venezuela. Temos relações com o governo? Temos. Mas com o Estado venezuelano. Não temos a melhor impressão do regime venezuelano, que é outra coisa. Tempos atrás, tive uma reunião em Lima, na Cúpula das Américas. E eu disse lá para o Peña Neto, presidente do México, para o Macri (da Argentina), para o presidente Piñera (Chile), que no Brasil temos uma regra constitucional que determina que toda política pública deve visar a uma comunidade latino-americana de nações. Temos o Mercosul. Precisa criar a Aliança do Pacífico. Acho que nós devemos fazer um entrosamento desses dois setores. O presidente Peña Neto marcou uma reunião no México e chamou o Mercosul. Foi fruto dessa conversa. Fizemos uma declaração conjunta e recentemente fizemos um grande acordo com o Chile. Estamos ampliando essas relações. Na área do meio ambiente, nós duplicamos a área de preservação ambiental do Brasil.
Como o senhor avalia, então, os movimentos do futuro governo na política internacional?
O presidente Bolsonaro tem uma grande vantagem, interessante e muitas vezes criticada, que é a história do recuo. Eu, muitas vezes, fui criticado: “Ah, o Temer recuou disso ou daquilo”. O recuo é algo democrático. Quando você vai tomar um caminho e percebe que não é o melhor, você muda de direção. Primeiro, que ele está formando uma equipe econômica da melhor qualidade. Segundo, ele está acertando na escolha dos ministros. E, aqui, eu puxo um pouco para o meu lado. Vejam quantos ministros nossos estão sendo aproveitados.
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Especialmente São Paulo.
Lá foram seis ministros, aqui (no Distrito Federal), foram três ou quatro. Mais secretários executivos. O presidente Bolsonaro, tendo essas questões, vai modificando sua forma de ver o mundo em termos internacionais. Eu tive oportunidade, quando conversei com ele aqui. Como ele é muito litúrgico, ele disse: “Presidente, que conselho o senhor me dá?” Eu disse a ele que não dou conselho para presidente eleito, mas, se quiser, palpite eu dou. Aí, tive a ocasião, como fiz uma ótima relação com a China, com o presidente Xi Jinping, disse que aquele país é nosso principal parceiro comercial e que se a China fechar as portas para nós, imagina o que acontecerá com minério, carne, soja... Eu sempre universalizei as nossas relações, mesmo com os países árabes. São 54 países que importam 40% da nossa carne e carne de frango também. Não podemos fechar nossos mercados. Nossa relação é político-comercial.
E ele (Bolsonaro) falou o quê?
Disse que realmente estava revendo todas essas coisas. O fato de dizer que poderia rever essas questões, como de resto tem falado nos últimos dias, eu acho que ele vai primeiro fazer uma coisa interessante: dar sequência ao que nós fizemos. Porque a campanha do outro candidato do segundo turno (Fernando Haddad) dizia que ia destruir tudo: a reforma trabalhista, o teto dos gastos. Ao contrário: o Paulo Guedes, que esteve comigo também, é adepto do teto dos gastos. Acho, então, que o governo Bolsonaro vai dar sequência ao nosso governo, especialmente no tocante às reformas. Eu falava sempre que a reforma da Previdência, num determinado momento, saiu da pauta legislativa, mas não saiu da pauta política do país. Eu acho que se fará logo no primeiro semestre do ano que vem. A reforma é fundamental, no país, para reduzir o deficit público. E veja que não é improvável que eles acabem utilizando, senão a nossa reforma, a maior parte.
Os princípios do texto?
Sim. No geral, as pessoas não têm projeto. Porque o nosso projeto é de uma suavidade extraordinária. Para o sujeito chegar a 65 anos, leva 20 anos. A cada dois anos, aumenta um ano. E de igual maneira no caso da mulher. Para chegar a 62 ou 63, leva 20 anos. A cada 2 anos, um ano. O outro ponto da reforma é a abolição dos privilégios, até pautados pelo princípio da igualdade, que é uma determinante constitucional. Então, não tem cabimento o trabalhador do setor privado ganhar aposentadoria máxima de R$ 5.645 e quem está no setor público poder se aposentar com R$ 33 mil. A pessoa pode se aposentar com R$ 33 mil? Pode. Mas vai ter que dar uma colaboração maior. Se ele paga R$ 1 mil de Previdência, talvez vai ter que pagar R$ 2 mil, R$ 2,5 mil. Uma espécie de capitalização. Você acaba igualando os sistemas. Você pega idade de um lado e queda dos privilégios de outro lado. Segundo ponto: não se atinge a pobreza. Não pegamos os trabalhadores rurais, não pegamos o benefício de prestação continuada. Isso está tudo liberado. No geral, aqueles que não querem a reforma dizem: “Ah, vai acabar com os pobres, idosos, coitados, vão perecer.” Não é nada disso.
É o discurso das corporações.
Claro. Mas foi um discurso equivocado. Para não dizer falso.
Mas a reforma de Bolsonaro também vai poupar os militares, como a do senhor poupou. Isso torna a mudança incremental, não?
Não. Nós articulamos muito bem isso e, na oportunidade que nós providenciamos a reforma da Previdência, os setores militares, juntamente à Casa Civil, estavam providenciando uma lei especial para os militares, que também os colocava no sistema previdenciário. Tem na Constituição o princípio da igualdade, que não é apenas tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Toda vez que se vai fazer uma discriminação, você precisa ter uma espécie de correlação lógica entre a razão que leva a discriminar e a própria discriminação. Um exemplo muito concreto: não tem cabimento colocar carcereira mulher na penitenciária masculina. Isso não é violar o princípio da igualdade. Como de resto, os militares têm todo um tratamento especial e uma conduta especial de natureza funcional. Então, é razoável que haja uma discriminação nessa base da correlação lógica. Eu acho que, promovida a reforma da Previdência, já com o estudos que foram feitos, pode conduzir o novo governo também a fazer uma reforma (para os militares) fora do projeto principal.
Quem participou desses estudos entre os militares?
O general Etchegoyen, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), (Eliseu) Padilha e os comandantes.
Qual é a grande frustração que o senhor tem em relação a esse período em que exerceu o cargo mais importante do país?
Foram os ataques de natureza moral, porque os ataques políticos não me preocupam minimamente. Ao longo do tempo, convenhamos, não foram poucas as tentativas até de inviabilizar o governo. E veja que nós não nos inviabilizamos. Vocês se lembram do tal “Abril vermelho”, que tinha todo ano? Sabe por que não houve abril vermelho? Porque distribuímos mais de 250 mil títulos de regularização fundiária que não eram entregues, porque havia um interesse ideológico em manter o estoque. Nós tivemos greves, movimentos de rua que paralisaram o país, fora a dos caminhoneiros? Não. Porque agimos corretamente aqui no governo. Então, volto a dizer que uma das minhas frustrações foi ataque de natureza moral, porque vou precisar sair daqui e vou precisar trabalhar para sobreviver. Hoje, mais do que nunca, verifica-se que os meus detratores foram presos. Em face de uma gravação equivocada, acabaram sendo presos. Um procurador que trabalhava, enquanto procurador, para uma empresa, não quero nominar ninguém, acabou sendo denunciado pelo próprio Ministério Público Federal. Havia uma trama para derrubar o presidente da República. O tempo ajuda a resolver essas questões. Os dados são extremamente positivos. A única frustração é essa.
Como isso afetou a família?
É um horror. A gente tem uma longa trajetória. E eu tive, graças a Deus, uma trajetória advocatícia, na Procuradoria do Estado, na advocacia privada, na universidade, livros publicados — um que vendeu mais de 400 mil exemplares. Quando cheguei à Presidência, eu falei: “Poxa vida, se não tivesse chegado aqui, não teria esses problemas”. Alguns desses, até de natureza processual. A família ficou muito abalada, o tempo todo. As minhas filhas diziam que eu tinha que resistir, porque não foram poucos que naquela ocasião falavam para renunciar. Renúncia seria me autodeclarar culpado. A Marcela ficou abalada, mas muito corajosa, graças a Deus. Então, ela sempre me deu muita força, muito apoio, mas é claro que é desagradável. As notícias (que) aparecem na televisão: parece que eu sou um bandido, um corrupto.
Quais os erros o senhor cometeu nesse período?
Talvez, eu não tivesse que trazer para cá um hábito que me acompanhou a vida toda, um hábito próprio que também deriva um pouco da educação, que é atender as pessoas com muita atenção e o hábito parlamentar de atender as pessoas fora de agenda. Até hoje é assim. Eu recebo as pessoas, e isso me criou problemas. Mas, se de um lado me criou problemas, de outro, solucionou problemas. Por exemplo, como eu cheguei até aqui? Por causa do apoio do Congresso. E não foi só por lideranças. Eu tinha um apoio pessoal. Eu crio contatos pessoais com deputados, senadores. Convenhamos, fui vítima de dois pedidos de impeachment. E, com maior tranquilidade, foram recusados.
O presidente Bolsonaro está querendo mudar esse tipo de relação com o Congresso. Ele quer fazer o contato via bancadas temáticas. Isso funciona?
Eu acho que ele está mudando um pouco. Ele já chamou bancadas partidárias para conversar. E o depoimento de todos que vêm aqui é de que ele fala que precisa do Congresso. Isso de bancada temática, talvez, tenha nascido muito em função da escolha da deputada Tereza Cristina para a Agricultura. Mas a Tereza, eu sou testemunha disso, tem uma atuação na área da agricultura muito intensa. Então, é muito natural que isso aconteça. Agora, eu reconheço os hábitos parlamentares. Não basta você falar com líder hoje. Antes, você falava com o líder, ele transmitia para a bancada, e as coisas caminhavam. Hoje, é preciso muito contato individual. Recebia sempre 20 deputados, 10 senadores. Eles querem um contato pessoal. Para a surpresa minha, eles diziam que nunca entraram nesta sala. E eu acho que recebi, pelo menos da base parlamentar, todos.
O senhor buscou a relação com o Congresso...
Eu exerci um governo, até vocalizei isso, próximo do semipresidencialismo, porque fui três vezes presidente na Câmara dos Deputados, e eu me recordo que o Congresso sempre foi um apêndice do Poder Executivo. Porque nós temos uma cultura política muito centralizadora. Eu trouxe um Congresso para participar do governo. Eu sempre digo, o Congresso governou comigo e eu acho que esta relação com o Congresso é uma relação importante para a democracia, não só para o governo. É pra você mostrar que ninguém consegue chegar aqui, sentar aqui nesta cadeira e fazer milagre no país, se não tiver apoio do Congresso e também apoio da sociedade, não basta ter um dos apoios. Por exemplo, na modernização trabalhista, eu tinha apoio do Congresso, mas nós fomos buscar apoio da sociedade, porque o ministro do Trabalho, na ocasião, visitou centrais sindicais e federações de indústria e comércios, passou oito ou nove meses para formatar a reforma trabalhista. Quando lançamos, nós tivemos aqui discursos de seis, sete centrais sindicais e seis ou sete federações trabalhistas. Então, acho que este diálogo é fundamental.
O apoio popular não basta, então?
Eu acho que ele não supre a necessidade legislativa. O que pode ocorrer com as redes sociais é que elas influenciam o Legislativo, é isso que vai acontecer. Dizer que você vai substituir o Congresso pela vontade popular, eu acho até um pouco problemático.
O que seria uma democracia direta…
Eu acho que ainda não é possível. Pelo seguinte: a vontade popular é fundamental, mas há momentos em que ela se manifesta. O momento correto para a manifestação popular é quando há as eleições. Na eleição, ele vai lá e escolhe quem acha que deva governar. Agora, que ela possa superar a vontade do Congresso não é bom, porque o Congresso, queiramos ou não, é a representação de vários setores da sociedade. O Congresso é uma coisa importante para a democracia. O povo absolveu Barrabás e condenou Cristo, estou dizendo o óbvio. Então, essa história é muito perigosa para você contar as coisas na mão do povo, você tem que ter o povo para influenciar aqueles que legislam.
O que o senhor pretende fazer a partir de 1º de janeiro?
Devo viver comigo mesmo. Nunca tive tempo até hoje, e vou voltar para o meu escritório em São Paulo.
Não pretende viajar, passar um período no exterior?
Não vai dar, vai ser difícil fazer.
A história de embaixada é conversa?
É conversa, eu nunca falei nisso e nem ninguém me falou nisso.
Por que essa eleição quebrou tantos paradigmas, foi tão diferente?
Isso não me surpreende e não deve nos surpreender. Pelo seguinte: há um momento em que o povo quer mudar tudo, e o que houve nesta eleição foi isso. Este é um fenômeno inédito. Mas foi a primeira vez? Não é verdade: no tempo do Lula, a coisa funcionou do mesmo jeito e, por isso, elegeram o PT e o Lula… Então, são momentos da democracia e nós temos que compreender isso, porque se nós formos fixar apenas em parâmetros nossos, nós vamos sempre usar o “não, isso aqui deu tudo errado”. Vem uma nova concepção. Ela será testada e será aprovada ou não aprovada.
A eleição do Bolsonaro é um teste para a democracia?
É uma comprovação da existência do sistema democrático. Já houve um governo mais de centro, mais de esquerda, agora pode vir um mais conservador. Eu sou um pouco contra essa história de rótulos. Para o povo, não interessa. Interessa para nós que achamos gracioso esse negócio de direita e esquerda. O povo quer saber de resultado. Por exemplo, se o governo Bolsonaro mantiver a economia num ritmo adequado, ninguém vai perguntar se é de direita ou de esquerda. Se algum dia vier um chamado de esquerda, também você com dinheiro no bolso e sobrevivendo… Mais do que um teste para a democracia é a revelação da democracia…
Não tem muito general nesse governo?
Você sabe que eu não tenho nenhuma objeção. Precisa acabar com essa separação entre militares e civis. Porque os militares são brasileiros e brasileiros muito bem preparados. Eu reconheço que, aqui, eu tive muito apoio de setores militares. Claro, isso é fruto da nossa história. Tivemos, recentemente, aquela questão de 1964 que traumatizou muito o país. Nos Estados Unidos, as pessoas têm militares à vontade nos governos e ninguém faz essa separação .
Essa questão na avaliação do senhor está superada?
Está superadíssima. Até porque, se chegaram ao poder, chegaram pela via da eleição.
O senhor foi mudando a posição sobre o impeachment ao longo do tempo. Alguns o acusam de falta de lealdade.
Em primeiro lugar, ela (Dilma Rousseff) não me incluía em nada. E quando eu digo que não me incluía em nada, eu não estou me conduzindo pela minha própria visão, pela visão que até a própria imprensa tinha. Não era sem razão que, muitas vezes, se publicava: presidente fez reunião com o seu núcleo duro. No meu governo, não teve núcleo duro, não é? Porque eu universalizei tudo. Porque ela fazia isso e não me dava a mínima, nunca deu. Aliás, uma única vez ela me chamou para fazer articulação política. E eu disse: “Olha, presidente, eu não posso fazer isso, porque eu sou vice-presidente. Só se a senhora transferir as competências de relações institucionais para a vice-presidência”. Ela disse: “Faço isso hoje”. E daí fez. Realmente, eu comecei a exercitar e foi quando, convenhamos, nós conseguimos aprovar algumas medidas importantes, que havia grande dificuldade no relacionamento com o Congresso, mas eu fiquei três meses.
Quais as medidas?
As medidas provisórias em relação ao abono salarial. Eram questões relativas à Previdência e uma relativa à desoneração tributária, eram duas ou três, três medidas, eu acho. Mas, evidentemente, eu assumi compromissos de participação com esse pessoal no governo, e paguei com meu cartão de crédito político. Quando vieram me cobrar, eu disse a ela: “Olha, presidente, eu tenho encaminhado uns pleitos lá dos ministérios e os ministérios não fazem. Eu posso ligar e falar com os ministros? Eu tenho que fazer isso, porque isso é compromisso”. Daí, ela disse: “Não faça isso, não. Isso é muito ruim”. E eu falei: “Opa, está meio complicado. Eu não posso ficar nessa situação.” E, aí, eu percebi a dispensa que ela fez quando disse: “Não, está bom, então, você fica na macropolítica”. Como a macropolítica não é nada, eu percebi e, de fato, daí o distanciamento dela foi muito grande em relação a mim. Agora, meu trato com ela sempre foi muito cerimonioso, não era um trato de presidente e vice-presidente. Eu me lembro até de uma fotografia muito expressiva do (Barack) Obama, quando houve aquela operação contra o Bin Laden. Quem é que estava naquela saleta lá era o Obama, o John Biden (vice-presidente) e a secretária de Estado, que era a Hillary Clinton. Aqui, eu não tinha função nenhuma.
Esse distanciamento foi criando uma situação ainda mais desagradável?
O distanciamento foi natural. Agora, quando surgiu o problema do impeachment, sabe o que eu fiz? Eu fui para São Paulo, porque o vice é sempre o primeiro suspeito, não é? Só voltei nos últimos quatro dias que antecediam a votação.
E aquela carta?
A carta foi bem antes. Eu até usei a expressão: “A senhora me trata como vice decorativo”.
E por que o senhor não saiu entre o primeiro e o segundo mandato?
São circunstâncias políticas. Quando eu fui para a vice-presidência na primeira eleição e levei o PMDB comigo, eu fui porque eu não poderia mais ser candidato a deputado federal. Eu tinha sido seis vezes deputado federal e três vezes presidente da Câmara. E aconteceu o seguinte: quando eu ia na região do estado de São Paulo, alguém dizia: “Aqui é a região do deputado fulano”. E eu começava a ficar constrangido. Tanto que, na última eleição, eu quase não visitei o estado. Então, quando surgiu a oportunidade de ser vice, eu falei: “Bom, vou lá!”. Depois veio a segunda campanha. Na primeira aliança PMDB/PT, a votação que nós tivemos no PMDB foi de 80%. Na segunda, foi pouco mais de 50%. E só houve aliança porque, convenhamos, eu era candidato a vice. Então, fui para o segundo mandato nessas condições.
A classe política está muito desacreditada ainda. Como se recupera essa credibilidade?
Eu acho que o descrédito pode gerar crédito, porque chega um determinado momento em que o descrédito é tão grande que as pessoas se apercebem disso. Eu acho que o Congresso vai se aprimorar cada vez mais. Eu até não faço críticas ao Congresso, eu acho que houve uma campanha de desvalorização da classe política. E como todo corpo institucional, você tem gente boa e gente que não se comporta adequadamente.
A irreverência das redes falava em #FicaTemer. Como é que o senhor analisa essa situação de um momento crítico, doloroso, para outro um pouco mais agradável?
É um certo reconhecimento, não é? Embora em tom de brincadeira, nós tivemos milhares de pessoas falando isso. Então, é uma certa brincadeira que gera um certo reconhecimento.
O senhor vai continuar na luta política?
Eu acho que não.
Conversando com as pessoas, recebendo…
É natural. Eu já estou me preparando psicologicamente para o dia 2 de janeiro, pois será um corte. Trabalho aqui das 8h à meia-noite, diariamente. Então, não é brincadeira isso. É uma coisa que, aqui, no Jaburu, no Alvorada, onde quer que seja e, de repente, não vai ter. O que fazer, não é?
O senhor pretende escrever um livro?
Ah, isso eu vou fazer.
E sobre esses processos que continuam contra o senhor no Supremo?
Vão para o primeiro grau.
Então, o senhor vai ter de separar um período do dia para cuidar disso.
Eu vou contratar um advogado. Eu vou voltar a ler tudo. Claro, agora, eu não tenho muito tempo. Agora, é o advogado que cuida.
O senhor mesmo vai cuidar dos seus processos?
Não, eu vou acompanhar.
Passa pela cabeça do senhor uma situação mais extremada?
Eu não creio, porque a coisa sairá do foco político para o foco jurídico. E, no foco jurídico, estou tranquilo. No foco político, é muito bom falar mal do presidente, percebe? Eu não acho que ninguém vai querer, tipo assim, exibir um troféu. Colocar a cabeça do presidente na parede.
E a rua?
Você sabe que eu vou a restaurante em São Paulo? Você vai e as pessoas vêm te cumprimentar. Eu posso andar, não tenho nenhuma dificuldade.
"Dilma não me incluía em nada. E quando eu digo que não me incluía em nada, eu não estou me conduzindo pela minha própria visão, pela visão que até a própria imprensa tinha"
O Sérgio Moro acertou ao aceitar o cargo de ministro?
Acho que cada um tem as suas concepções. Acho que ele achou que era bom para ele. Aí, entra muito a questão individual. Vou dar o meu exemplo. Eu quando fui nomeado secretário de Segurança, eu até resisti, mas o (Franco) Montoro insistiu, então, eu fui. Na primeira semana, pensei: “Meu Deus do céu, o que eu vim fazer aqui, eu não entendo nada disso e eu vou me dar mal aqui.” Eu estava assistindo a um programa de televisão, e Gianfrancesco Guarnieri tinha sido nomeado secretário da Cultura. E o entrevistador perguntou para ele: “Como é que vai ser agora de terno e gravata?” Ele respondeu: “A vida também é uma interpretação. Você tem de interpretar bem aquilo que a vida te entrega”. Você sabe que eu ouvi aquilo e falei comigo mesmo: “Poxa vida, a vida me entregou essa função de secretário. Fui na segunda-feira lá no gabinete, chamei o delegado-geral, o comandante da PM e exerci o papel que a vida me entregou. Então, no caso do Moro, a vida entregou para ele esse papel, e ele acolheu.
Integrantes do seu governo estão compondo a equipe do Ibaneis. Ele também já fala em candidatura do MDB. Já está na hora para isso?
Eu acho que cada um age como acha que deve agir. Acho que Ibaneis vai fazer, pelo entusiasmo que ele mostrou. Eu acho que ele será um bom governante e todo bom governante pode aspirar à Presidência da República, não tenho dúvida disso. Basta ser um bom governante para naturalmente (se candidatar)... Fizemos junta comercial, região metropolitana (do Entorno).