Temer

Caetano Araújo: Razões da crise

A crise ocupa há tempo o centro do debate no país. Em poucos anos rachaduras na fachada ética da política e alertas na economia transformaram-se numa situação de extrema instabilidade, que ameaça tragar boa parte do sistema partidário. Discute-se hoje, principalmente, os lances mais recentes do processo, seus impactos já verificados e, principalmente, num quadro de grande incerteza, diferentes prognósticos alternativos sobre o futuro imediato, geralmente na perspectiva de suas consequências políticas e eleitorais.

Menos atenção tem recebido, no entanto, a questão, crucial, da gênese da crise. Em outras palavras, como chegamos ao ponto em que estamos hoje? Procuro desenvolver aqui uma resposta tentativa, o embrião de uma hipótese a ser trabalhada. No meu argumento, a origem da crise deve ser buscada em duas dimensões diferentes: o sistema de regras que regula as eleições e as decisões estratégicas dos principais atores políticos do país nos últimos anos. Falo, nesse caso, dos maiores partidos brasileiros, com o evidente protagonismo do Partido dos Trabalhadores, vencedor das últimas quatro eleições para Presidente da República.

Vamos à regra. Praticamos no Brasil nas eleições para deputados (federais, estaduais e distritais) e vereadores o sistema de voto proporcional com listas abertas. Nele os eleitores podem votar em legendas ou em candidatos das listas apresentadas pelos partidos políticos. As listas não são pré-ordenadas, de modo que o total de votos de cada partido (soma dos votos da legenda e de todos os nomes) determina o número de cadeiras que cada um obteve, enquanto a entrada dos candidatos é definida pela ordem decrescente dos votos obtidos.

Importa lembrar que esse sistema é uma invenção genuinamente nacional. Foi formulado por Assis Brasil, na década de 1930, com o objetivo de conciliar o voto em partidos, característico para ele de democracias modernas, com o voto em pessoas, que vigorou durante o Império e a República Velha. É usado entre nós desde 1945, de modo que muito provavelmente não há eleitores brasileiros vivos que tenham conhecido outro sistema.

Alternativas
Na comparação internacional, o sistema não teve tanto sucesso. Apenas a Polônia e a Finlândia nos acompanham hoje. A grande maioria dos países democráticos escolheu entre três outras alternativas: votar em pessoas, adotando o voto distrital; votar em partidos, com o voto proporcional em listas fechadas ou flexíveis; ou votar em pessoas para uma parte das cadeiras e em partidos para a outra parte, nos sistemas chamados mistos.

São conhecidas as críticas ao nosso sistema: personalização das campanhas, com as contrapartidas inevitáveis de sua despartidarização e despolitização; campanhas caras; influência do poder econômico; déficit de legitimidade junto aos eleitores.

Como sabemos, tudo isso é verdade. Aqui candidatos arrecadam e gastam recursos de forma autônoma e concorrem todos contra todos, principalmente contra seus companheiros de legenda. O foco de suas campanhas não é apresentar uma plataforma partidária comum, mas os pontos de singularidade política que os diferenciam dos demais candidatos de seus partidos.

Os poucos dados disponíveis mostram que as campanhas eleitorais no Brasil são as mais caras do mundo e seu custo foi crescente, pelo menos até a recente exclusão das empresas do universo de doadores de recursos. Não são de surpreender, portanto, as evidências do uso crescente de recursos não declarados, portanto ilegais.

Os legislativos que saem dessa peneira são dispersos, fato que acumula dificuldades para presidentes, governadores e prefeitos construírem suas bases de apoio. Não por acaso, todos os presidentes eleitos depois de 1988 foram favoráveis à reforma política.

Para os eleitores, o resultado da dispersão significa perda em termos de fiscalização e controle sobre os parlamentares. No sistema de voto distrital essa fiscalização é exercida diretamente porque os eleitores sabem exatamente quem é o deputado que os representa. No sistema de voto proporcional com listas fechadas ou flexíveis a fiscalização é feita por intermédio dos partidos, que são eleitos a partir de uma plataforma e zelam pelo cumprimento do pacto eleitoral por parte dos deputados.

Voto
No nosso sistema de voto proporcional com listas abertas, a fiscalização direta dos eleitores é difícil, porque o eleitor não pode determinar quem é o seu representante e a fiscalização partidária impossível, por não haver os partidos fortes de que necessitaria. Em compensação, a fiscalização por parte dos financiadores das campanhas é permanente, uma vez que as duas partes se conhecem, sabem quanto foi aportado e a sua importância para trazer o deputado à cadeira que ocupa. Portanto, tampouco é por acaso que legislativos, parlamentares e partidos são campeões na desconfiança dos eleitores, segundo as pesquisas disponíveis.

Esses problemas foram camuflados no passado, em situações em que o número de eleitores era menor, como no período 1945/1964, e as restrições à liberdade de imprensa maiores, como na ditadura militar posterior a 1964. A Constituição de 1988, contudo, consagrou uma série de avanços democráticos que se revelaram incompatíveis com a continuidade da nossa regra eleitoral: sufrágio universal, liberdade de imprensa e autonomia do Ministério Público.

A contradição entre a regra eleitoral e os avanços da Constituição é demonstrada pela sequência de escândalos ligados ao financiamento da política no país a partir da década de 1990. Para ficar só nos principais, tivemos sucessivamente o impedimento de Collor, os anões do orçamento, as operações Satiagraha e Castelo de Areia, o mensalão e, agora, a lava jato, ainda em curso.
Em síntese, nossa regra eleitoral gera um ambiente de competição na qual partidos e candidatos que recusam qualquer recurso de campanha de origem não legal têm dificuldade crescente de concorrer com aqueles que se integram a esses canais de financiamento. Quando isso ocorre a corrupção política deixa de ser residual, ou seja, algo que pode ou não ocorrer em determinado pleito, e passa a ser estrutural.

Resta indagar as razões da persistência dessa regra por quase três décadas. Penso que a resposta deve ser procurada nas estratégias de alianças desenvolvidas pelos maiores partidos brasileiros, em especial o PT.

Tendência
Hoje a situação parece improvável, mas no período entre a posse e a queda de Collor ganhou corpo uma tendência à aliança entre PT e PSDB para as eleições presidenciais seguintes. Essa tendência começou a perder força com a opção do PT de não participar do governo Itamar e, principalmente, com o lançamento do Plano Real, duramente criticado pelo partido. Nos dois mandatos de Fernando Henrique o PT fez oposição sistemática a toda a agenda modernizante do governo e a possibilidade de aliança ficou mais distante.

No início do governo Lula a situação havia mudado. Depois de uma pauta de campanha que aceitou o processo de estabilização da economia, com todas as suas implicações; de uma transição de governo bem-sucedida; da defesa, ainda que tímida, de uma agenda reformista que contou com o apoio do PSDB, na oposição, e do PPS, então no governo, uma janela de oportunidade para uma nova política de alianças do PT parecia aberta. Contra essa nova política, pesavam dois fatores importantes: a forte resistência das bases do PT, educadas num discurso político salvacionista, e a oferta permanente de apoio, mais fácil e imediato, de uma grande massa de deputados situados politicamente entre o fisiologismo e o conservadorismo.

O momento decisivo para a definição ocorreu no início de 2003, quando a proposta de reforma política apoiada por PT, PSDB, PFL, PDT, PSB e PPS, de listas fechadas com financiamento público de campanha, estava a ponto de ser votada em plenário. Por pressão dos demais partidos, o PT retirou seu apoio ao projeto, enterrou a reforma política e demarcou seu campo de alianças, tendo como principal referência aliada a centro-direita conservadora.

Vale lembrar que esse movimento do PT não apenas assegurou mais 15 anos de vigência à regra eleitoral, mas, como a aliança replicou-se nos estados, deu sustentação política a velhas elites regionais e, consequentemente, a suas bancadas parlamentares, concentradas nos partidos contrários à reforma.

O PT teve uma segunda oportunidade de redirecionar sua política de alianças. Em 2013, na onda das manifestações populares, que tinham na mudança da política um dos pontos centrais de reivindicação, a presidente Dilma poderia ter encabeçado uma ampla concertação parlamentar pela reforma política. Ao invés de fazê-lo, optou por insuflar propostas diversionistas que em nada resultaram, como plebiscito ou constituinte exclusiva.

Parece evidente hoje que essa política redundou num fracasso completo. Poderia ser avaliada como um sucesso parcial se os objetivos do governo fossem manter inalterado o status quo econômico, social e político do país. No entanto, à luz dos objetivos declarados nas campanhas do PT, ou seja fazer avançar a democracia e recuar a pobreza e a desigualdade, essa política de alianças deve ser reprovada em toda linha.

Além disso, nas duas variantes que se sucederam, a aliança com o chamado “centrão” aumentou a vulnerabilidade do partido. A tentativa, no primeiro governo Lula, de governar com o seu apoio do PMDB, mas sem a sua participação proporcional, resultou no mensalão. A incorporação do PMDB no governo, por sua vez, alimentou a lava jato.

Erro
Se essa política deve ser vista com as informações de que dispomos hoje, como um erro colossal, como compreender sua adoção e manutenção por anos a fio? É claro que alguns sucessos do governo Fernando Henrique e do primeiro período de Lula alimentaram a visão da política brasileira como o palco no qual dois partidos programáticos gerenciavam o apoio do fisiologismo. Essa imagem de Werneck Vianna, muito citada por Fernando Henrique, descrevia bem a situação do momento. Nada dizia, contudo, sobre a sustentabilidade desse arranjo no médio prazo.

Podemos especular sobre as motivações pragmáticas do PT para se diferenciar do seu concorrente direto nas disputas presidenciais. Podemos ainda discutir uma tendência possível de interpretar o conjunto da política nacional através do prisma da conjuntura paulista. Penso ser mais produtivo analisar as premissas que podem ser usadas para justificar essa opção. Na minha opinião são três essas premissas, todas devidamente desmentidas pelos fatos.

Em primeiro lugar, a preponderância do estado sobre a sociedade, tributária da ideia antiga que faz depender todo movimento de mudança à condução esclarecida de uma vanguarda, capaz de recolher as demandas populares e processá-las na forma de decisões políticas racionais. Nesse aspecto, as jornadas de 2013 mostraram que alguma coisa não funcionava como previsto.

Em segundo lugar, a preponderância do Executivo sobre o Legislativo. Outra ideia antiga que afirma a capacidade de o Executivo impor sua vontade aos legisladores como uma constante da política. O processo de impeachment desmentiu essa premissa, ao menos na sua versão absoluta.

Em terceiro lugar, a neutralidade política do fisiologismo, do atraso, do centrão, qualquer que seja o nome dado ao grupo de parlamentares que se posiciona na política mais do lado da oferta, menos no da demanda, de apoio parlamentar. Menos expostos às cobranças partidárias, esses deputados tendem a ser, no entanto, mais sensíveis às demandas dos grupos empresariais que financiam suas campanhas, como ficou demonstrado em diversas votações em que os interesses do governo foram contrariados nos últimos anos.


José Roberto de Toledo: Temer sepulta a política

A confiança em quase todas as instituições políticas despencou desde 2016

Temer fez o que ninguém conseguiu: transformou a Presidência da República em instituição menos confiável até do que os partidos políticos. Pesquisa inédita do Ibope revela que, de 0 a 100, a confiança dos brasileiros no presidente despencou de 30 para 14, desde 2016. Pela primeira vez, é menor do que a confiança nos partidos. De fato nada é menos confiável aos olhos da população hoje do que quem ocupa a Presidência. E esse nem é o pior problema detectado pelo Ibope.

No último ano, a desconfiança na política em geral bateu todos os recordes – segundo a edição 2017 do Índice de Confiança Social, que o Ibope pesquisa e calcula anualmente desde 2009. Do governo federal às eleições, passando pelo Congresso e pelos partidos, a confiança em quase todas as instituições políticas despencou desde 2016, com exceção dos (recém-eleitos) governos locais. A maioria delas chegou ao seu ponto mais baixo em 2017.

Já é ruim o suficiente porque mostra que, ao contrário do que dizem os políticos, as instituições que eles comandam não estão funcionando – não aos olhos de quem os elege. Mas nem é o tamanho inédito da descrença da população nas estruturas que exercem o poder que mais preocupa. Quando se compara a outras instituições, percebe-se que a crise de confiança não é generalizada. Ao contrário, ela tem foco e sujeito determinado.

Em 2009, a confiança nas instituições políticas era 15 pontos menor do que a confiança média nas demais instituições: 48 a 63. Oito anos depois, a desconfiança na política dobrou, e a no resto ficou praticamente estável. O processo começou com os protestos de junho de 2013, se aprofundou com o impeachment de Dilma e chegou a seu ápice com Temer. Em 2017, o “gap” de confiança nas instituições que envolvem políticos – em relação às demais instituições – chegou a inéditos 35 pontos: 25 a 60.

“Com o descrédito da política, as pessoas estão se apegando à fé e à polícia. Ou seja, as instituições cuja percepção majoritária da população é que estão fazendo algo para melhorar”, diz a CEO do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari.

De 2016 para 2017, a confiança média no conjunto das seis instituições políticas (governo federal, eleições, Congresso Nacional, partidos políticos, presidente e governos municipais) caiu 15%. Ao mesmo tempo, a confiança nas outras 14 instituições subiu, em média, 8%. Entre as mais confiáveis aparecem igrejas (subiram de 67 para 72), Polícia Federal (de 66 para 70), Forças Armadas (de 65 para 68) e meios de comunicação (de 57 para 61).

Projetando-se esse descompasso de confiança para as eleições presidenciais de 2018, percebe-se onde eventuais candidaturas-surpresa – e até um pretenso salvador da pátria – poderão se apoiar. Não há transposição direta de confiança de instituições para pessoas. Nem todo padre ou pastor será automaticamente um favorito na corrida presidencial. Mas terão influência.

O mesmo vale para militares (vide o crescimento da intenção de voto em Bolsonaro) e policiais federais. E promotores? A confiança no Ministério Público ficou estável em 54 pontos. É maior do que nos políticos, sindicatos e na Justiça em geral, mas menor do que nos bombeiros, policiais e até nos bancos.

Indubitável mesmo pela pesquisa é que quem estiver ligado ao governo federal ou umbilicalmente conectado ao presidente terá muito mais dificuldade para se eleger do que quem estiver contra ele. A falta de manifestações de rua expressivas e de panelaços pode dar a falsa impressão a deputados e partidos governistas de que sustentar Temer no poder não lhes custará tão caro assim. O autoengano é sempre um atalho para o suicídio político.

O Estado de S.Paulo

Fonte: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,temer-sepulta-a-politica,70001907392

 


Jose Roberto de Toledo: Trair e cassar, é só…

Temer é um incompreendido. Aumentou imposto e disse que a população compreenderia. Não compreendeu. Talvez porque no programa que lançou sua candidatura presidencial para o establishment – a “Ponte para o futuro” -, o então vice empregou 11 vezes a palavra “impostos”, no plural e no singular, e em nenhuma delas com o intuito de aumentá-los. Ao contrário, prometeu fazer de tudo para reduzi-los. Percebe-se agora que, além de superfaturada, a tal ponte era um estelionato eleitoral.

Estelionato porque levou ao lado oposto do que prometera aos patrocinadores. E eleitoral porque foram os compromissos assumidos naquele documento – espécie de “carta ao empresariado brasileiro” – que ajudaram a garantir, direta ou indiretamente, os votos parlamentares necessários para o vice destronar sua companheira de chapa. Nisso que dá confiar na Turma do Pudim.

“Mas o governo aprovou a reforma trabalhista”. O Congresso aprovou a reforma trabalhista. O governo desfará parte da reforma ao ressuscitar o imposto sindical. Em um governo fraco, como o de Temer, os grupos de pressão mais fortes mandam e desmandam no Congresso. Foram diferentes lobbies que aprovaram as reformas que quiseram bem como privilégios que estão explodindo o déficit público e, por tabela, aumentando impostos.

Tudo isso tem um sobrepreço, ainda mais caro do que a apropriação de uma fatia progressivamente maior do orçamento federal por segmentos regressivamente menores da população. O custo intangível é o descrédito das instituições e dos governantes. A última linha desse balanço será cobrada da democracia. Por enquanto, porém, quem paga é quem manda.

Há novas pesquisas de avaliação do governo federal no forno. Nem é preciso ver os relatórios para prever os resultados. Temer vai bater todos os recordes de impopularidade de seus antecessores. Talvez seja por isso que Sarney insiste em lhe dar tantos conselhos – para se livrar da pecha de presidente mais impopular da história da opinião pública brasileira. Vai conseguir.

Em setembro de 2016, quando o despencar temerário no precipício da impopularidade ainda parecia só um tropeço, a área mais mal avaliada do governo já era a tributária: 77% dos brasileiros ouvidos pelo Ibope para a CNI desaprovavam o desempenho do peemedebista no que se referia a impostos. Isso foi antes de o desemprego explodir, de a renda cair e de o crédito sumir.

Imagine agora. Além de aguentar tudo isso, o cidadão vai lembrar do presidente toda vez que abastecer o carro com gasolina. “Onde eu encontro o que o Temer fez? Lá no posto Ipiranga.”

Quem mais se incomoda com o aumento dos impostos e em pagar mais caro pelos combustíveis não é exatamente o eleitor de Lula. Esse já desprezava Temer e sua turma. O segmento da população mais sensível às mordidas do Leão é o que acreditou que Dilma caiu por causa das pedaladas fiscais. Ou seja, o presidente traiu a confiança justamente de com quem talvez ainda pudesse contar.

Por mais essa, Temer deve deixar de ser vice de Sarney e se tornar o presidente campeão brasileiro de impopularidade. Garantirá seu lugar na história, pelo menos até o PMDB voltar a governar o Brasil – o que só ocorre quando um presidenciável é ingênuo o bastante para aceitar um peemedebista como vice.

Como repercutirá no Congresso esse provável recorde de Temer? Os deputados que se elegem graças a currais herdados de seus familiares talvez se importem menos. Mas aqueles que disputam voto em colégios eleitorais competitivos terão que pesar a carga de carregar o governo nas costas e sopesá-la com os agrados recebidos de Temer. Não será surpresa se acabar em traição.

 


O Globo: A inadequada liberação de gastos por Temer

Apesar de o momento aconselhar prudência, dada a dificuldade de ser atingida a meta fiscal, Palácio permite despesas para garantir votos a favor do presidente

Corria o ano de 2013 quando a presidente Dilma Rousseff admitiu que, em eleição, se faz “o diabo” para vencer. No ano seguinte, ela praticaria o que disse, e terminaria impedida de continuar no Planalto, por crime de responsabilidade no campo fiscal.

Essa mesma ausência de limites no jogo da política tem sido vista em ações do governo Michel Temer, a fim de evitar que a Câmara conceda licença para o presidente ser processado no Supremo, conforme denúncia da Procuradoria-Geral da República, por corrupção passiva.

Se Dilma e equipe fizeram “o diabo” nas contas públicas, com artifícios nunca vistos, Temer e equipe usam velhos instrumentos de cooptação, usados, reconheça-se, também por petistas e tucanos, os polos opostos da política de hoje em dia. Nem por isso deixa de ser um recurso deplorável.

Reportagem do GLOBO, no domingo, revelou que, nas duas semanas anteriores à votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o Planalto liberou R$ 15,3 bilhões, entre programas e emendas parlamentares. No próprio domingo, o governo rebateu, alegando, em síntese, que são gastos legais, anteriormente previstos.

Pode ser, mas o dolo está na oportunidade da liberação. É cristalina a intenção do Planalto de conseguir, em troca, apoio de deputados. Na CCJ, deu certo. Agora, haverá o enfrentamento decisivo — nesta denúncia —, no plenário, dia 2 de agosto, uma quarta. Quanto custará?

O fluxo de dinheiro para atender a emendas de deputados foi de grande generosidade: nessas duas semanas anteriores à vitória de Temer na CCJ, liberou-se R$ 1,9 bilhão, praticamente o mesmo que tudo que se destinou a elas de janeiro ao início de junho, conforme levantamento feito pelo deputado Alessandro Molon (Rede-RJ). Meio ano em duas semanas.

Um aspecto diabólico dessa gastança, no sentido dado por Dilma, é que ela acontece enquanto a equipe econômica tenta encontrar formas de ser atingida a meta fiscal do ano, um déficit de R$ 139 bilhões. Como o ritmo de recuperação da economia é baixo, aquém do estimado, as receitas não aumentam. E as despesas continuam a subir, puxadas pela Previdência, cuja reforma espera a evolução da crise política.

Mesmo com todas essas dificuldades fiscais, o governo faz “o diabo” por meio de gastos fora de hora. E ainda analisa a possibilidade de aumentar impostos — um sacrilégio, neste momento de reação ainda tímida do setor produtivo.

E não se diga que não há margem para cortes em despesas de custeio. Como registra o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, em artigo no GLOBO, persiste um número excessivo de ministérios, com quase 20 mil cargos especiais (DAS). Ao todo, há 99 mil servidores com essas gratificações.

Como costuma acontecer, a tendência é repassar-se o problema para o contribuinte, ainda obrigado a pagar a conta criada pelo fisiologismo do Planalto, em defesa de Temer.

Editorial O Globo

 


Alon Feuerwerker: Dois pontos na análise política: 1) o bom senso e 2) a possibilidade de ele não resolver o problema

Método bom na observação da política: cogitar também o oposto do que indicam o bom senso e a lógica linear. No mínimo, relativizam-se os impulsos vindos do desejo do analista. A política é teatro, e ser brechtiano ajuda. O saudável distanciamento crítico. É sempre prudente pensar que pode acontecer exatamente o contrário do previsto, ou desejado.

O que diz o senso comum? Que a cada denúncia apresentada será mais penoso aos deputados federais bloquearem o processo no Supremo Tribunal Federal contra o presidente, pois o desgaste deles vai ser cumulativo. Isso faz sentido. Apoiar caninamente o governante de popularidade residual tem tudo para virar um problema na hora de pedir o voto do eleitor.

Mas, e o outro lado? A maioria dos deputados elege-se por um sistema quase distrital. Vale o apoio de prefeitos, vereadores, cabos eleitorais. O eleitor vota num número, sem muitas vezes saber de quem é. Os CNPJs estão proibidos nas campanhas. Candidatos dependem cada vez mais de algum orçamento público. E portanto dependem cada vez mais de algum governo.

Um movimento inteligente do poder é tratar de maneira bem distinta amigos e inimigos. Se dois deputados de certo estado ambicionam o Senado, e se recebem do governo tratamento igual, ou parecido, o risco é perder o apoio de ambos. Mas se a traição tem custo alto acaba funcionando o dilema do prisioneiro. O primeiro a fechar tem vantagem.

Se estar de bem com o Planalto é um ativo, ele fica mais valioso à medida que cresce o desgaste do político. Quanto maior o passivo do deputado por ter votado com o governo numa tese impopular, mais dependente ficará desse mesmo governo para manter uma base eleitoral que reproduza seu mandato e lhe garanta mais quatro anos de vida política ativa.

Não se deduz daí que a base reunida por Temer para barrar a primeira denúncia lhe garanta tranquilidade nas seguintes. Será preciso trabalhar, inclusive porque as forças opostas não ficarão paradas, e o fluxo de fatos novos parece garantido. Mas o sistema de estímulos e incentivos é mais complexo do que indicam o bom senso e a lógica linear.

#FicaaDica

O Planalto está mais próximo de bloquear a primeira denúncia do que a oposição de autorizar o STF a receber. O governo tem uma base firme entre 220 e 250 deputados, bem acima do mínimo para sobreviver, 172. Mas os adversários reúnem hoje força suficiente para manter o assunto pendurado, pois o presidente da Câmara decidiu que só tem sessão com 342 presentes.

O ponto fraco do governo é a capacidade de a oposição prolongar o impasse, e manter portanto um sofrimento político que faça crescer no chamado mercado a dúvida sobre o futuro da ambicionada agenda liberal. E o ponto fraco da oposição é que o governo pode jogar com duas táticas para conseguir derrubar a primeira denúncia em plenário.

Há a maneira light de um deputado ajudar Temer agora. Dando quórum. Poderá depois votar a favor do processo, pois é baixa hoje a probabilidade de a autorização conseguir bater 342. Em todo caso, será fácil medir a correlação de forças: descubra quem está obstruindo e você saberá que o outro lado está com a confiança em alta. Ainda que não votar seja hoje a melhor maneira de todo mundo se proteger.

A ampla frente

A Lava-Jato é uma potência e continua com momentum. Mas está cercada. Mais ou menos como o PT e Lula. São de longe o partido e o candidato com maior apoio e prestígio. Para, entretanto, voltar ao poder, precisam de aliados e estão sem. A frente mais ampla do momento é dos que querem se livrar, ao mesmo tempo, da Lava-Jato agora e de Lula e o PT em 2018.

Esse bloco está no Parlamento, na imprensa, nas redes sociais. Temer é sua expressão cristalizada, e aí reside sua força. Como pode sustentar-se um governo alvejado por seguidas acusações e com simpatia popular de um dígito? Por ele ocupar o centro do tabuleiro. E poder, inclusive, aliar-se taticamente à Lava-Jato contra o PT e ao PT contra a Lava-Jato. É o que acontece.

Falta um detalhe

O governo Dilma Rousseff caiu quando Michel Temer chamou os políticos para finalmente repartir o poder. Rodrigo Maia ainda não começou a fazer isso. Quem aliás faz só isso é Temer. Que assim se protege do próprio Maia. Que depende cada vez mais de sua excelência, o fato novo.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


O Globo: Um cenário de perigos para Temer

Temer e seu grupo conseguem contornar resistências na CCJ, mas a demora para que o pedido de licença seja votado no plenário funciona contra o presidente

Editorial O Globo

Sem conseguirem colocar em plenário o mínimo regimental de 342 deputados para votar o relatório aprovado, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sobre o pedido de licença da Procuradoria-Geral da República para que o presidente seja processado no Supremo por corrupção, restaram a Temer e a seu grupo aceitar o calendário fixado por Rodrigo Maia (DEM-RJ), para a apreciação da matéria no dia 2 de agosto, uma quarta-feira, na volta do recesso.

Frustrou-se, assim, a ideia do Planalto de votá-lo a toque de caixa. E, para justificar a derrota, forjou-se a “narrativa” de que quem precisa obter o quórum é a oposição. Mas esta avisa que no dia 2 ficará à espera da bancada da situação.

Na verdade, estava — e continua a estar — correta a avaliação do governo de que, quanto mais o tempo passa, maior o risco de desgaste do presidente.

Há munição de razoável poder destrutivo na PGR. Considera-se, por exemplo, a possibilidade de Rodrigo Janot, procurador-geral até setembro, ainda desfechar pelo menos mais uma denúncia contra Temer. Poderá ser por obstrução da Justiça, comprovada por gestões junto a Josley Batista, do grupo JBS, para comprar o silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, inquilinos da Lava-Jato, nas carceragens de Curitiba.

O assunto é tratado de forma dissimulada na conversa com Temer que o empresário gravou, em horas avançadas de uma noite de março, no porão do Palácio do Jaburu, no qual Batista entrou dando nome falso e sem mostrar documento de identificação.

Os fatos tendem a andar de forma mais lenta na Câmara, na tramitação desta denúncia, a de corrupção. E deve vir por aí a delação premiada de Lúcio Funaro, uma testemunha com potencial de ser tão perigosa quanto Rodrigo Rocha Loures, deputado suplente pelo PMDB do Paraná.

Loures foi indicado pelo próprio Temer a Joesley Bastista, para tratar de “tudo” com ele, representante seu de extrema confiança. Logo depois, Loures foi filmado, em ruas de São Paulo, puxando às pressas a tal maleta com R$ 500 mil. Os indícios são de que seriam para o presidente.

Já Funaro, operador financeiro das sombras de Eduardo Cunha e de outros do PMDB — Temer? — já antecipou em conversas antes da delação propriamente dita que entregava malas de dinheiro a Geddel Vieira, ex-ministro de Temer, outro muito próximo do presidente.

Por sinal, na conversa que Joesley gravou com o presidente, ele reclama que, com Geddel fora do governo e investigado pela Lava-Jato, perdera um intermediário privilegiado para comunicar-se com Temer. O presidente, então, indicou Loures.

O tempo não corre mesmo em favor do Planalto. Um indicador pouco risonho para o governo foi a rodada de pressões e de fisiologismo para trocar 13 deputados na CCJ, e conseguir derrubar o relatório anti-Temer.

A oposição também não deverá conseguir colocar 342 deputados em plenário, em 2 de agosto. Diz, inclusive, que não deseja. Há, então, o perigo de Temer continuar exposto às intempéries.

 


Roberto Freire: A Constituição e a travessia

Mesmo diante do recrudescimento da grave crise política que o Brasil enfrenta, o processo de transição iniciado com o impeachment de Dilma Rousseff, a agenda de reformas necessárias para o país e, sobretudo, o início da retomada da economia após a pior recessão de nossa história não estão ameaçados. Independentemente de quem ocupe a Presidência da República, o mais importante é continuarmos trilhando o caminho da recuperação e seguirmos o que determina a Constituição Federal.

Qualquer que seja o resultado da votação, no plenário da Câmara dos Deputados, sobre a autorização para o prosseguimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer e a eventual abertura de processo no Supremo Tribunal Federal (STF), a travessia democrática e constitucional até as eleições de 2018 seguirá sem interrupção.

Se o pedido da PGR for aprovado, o deputado Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara, assumirá interinamente a Presidência da República por até 180 dias, tal como dispõe a Constituição e exatamente como ocorreu com o próprio Temer quando do afastamento inicial de Dilma. Caso haja uma condenação definitiva pelo STF, haverá eleição indireta para a escolha do próximo presidente – obedecendo rigorosamente àquilo que está expresso na Carta Magna.

É evidente que as sinalizações em relação à pauta de reformas e à política econômica bem sucedida adotada pelo atual governo são as melhores possíveis. Se Temer for afastado, o presidente interino dará continuidade a essa agenda virtuosa e talvez conte até com mais estabilidade política para fazê-la avançar. A garantia da manutenção da equipe econômica reforça a credibilidade do Brasil e a confiança readquirida junto aos agentes econômicos.

Ao contrário do que querem fazer crer aqueles que integram uma oposição que se diz progressista, mas é essencialmente reacionária e está cada vez mais isolada, a elevada temperatura da crise política não comprometeu a retomada da economia nem tirou o país dos trilhos. Um estudo divulgado pela Tendências Consultoria e publicado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” mostra que, com ou sem o presidente Temer, não há receio no mercado de que haja qualquer tipo de retrocesso. Segundo o levantamento, que considerou 28 indicadores, há uma clara tendência de recuperação desde o final do ano passado, algo que não se restringe a resultados pontuais.

Dados como massa de renda do trabalho, crédito para pessoas físicas, venda de automóveis e produção de bens duráveis vêm experimentando uma alta significativa desde novembro de 2016. Com exceção do nível de ocupação, que apresentou sinais mais concretos de recuperação apenas em abril e maio, os demais indicadores registram crescimento ao menos há quatro meses.

Em junho, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial no país, registrou a taxa mais baixa para o mês nos últimos 19 anos (-0,23%). A produção de veículos, por sua vez, subiu 23,3% nos seis primeiros meses de 2017 em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O resultado foi impulsionado, principalmente, pela alta de nada menos que 57,2% nas exportações.

Mesmo os indicadores econômicos mais sensíveis às instabilidades políticas não sofreram maiores abalos neste momento de forte turbulência. O dólar prossegue em sua trajetória de queda, assim como o risco-país e os juros, enquanto a Bolsa sobe. Em meio às boas notícias na área econômica, é importante destacar a aprovação da reforma trabalhista pelo Senado Federal. Trata-se de uma das principais conquistas do governo de transição e, fundamentalmente, do Brasil.

Como se vê, a crise política que parece se encaminhar rapidamente para um desfecho no Congresso Nacional não impede o avanço das reformas, a recuperação da economia brasileira e o pleno funcionamento da transição iniciada com o impeachment. Este é o momento de termos responsabilidade com o país e concluirmos a travessia constitucional até 2018, quando a população se manifestará nas urnas, em eleições gerais, e escolherá o próximo presidente, governadores e um novo Congresso Nacional.

Até lá, nossa missão é apoiar a transição independentemente de quem ocupe a Presidência da República. Além disso, devemos aglutinar as forças de centro e da esquerda democrática em torno de um movimento político que tenha condições de impedir o retorno de um populismo vinculado a uma esquerda atrasada e reacionária – que recentemente levou o Brasil ao buraco – ou a ascensão de uma extrema-direita autoritária e sem nenhum compromisso com a democracia.

Para tanto, nosso guia será sempre a Carta Magna. Dentro da Constituição, tudo. Fora dela, nada.

* Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS


O Globo: Fragilização de Temer fortalece alternativa Maia

Relatório na CCJ é uma derrota do presidente, que deseja um processo rápido de votação para evitar o aprofundamento do desgaste político contínuo

Já era esperado que o relator do pedido de licença para que o presidente Michel Temer seja julgado no Supremo pelo crime de corrupção passiva, deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ), aprovasse a admissibilidade do processo. Na sessão de ontem da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Zveiter, advogado de profissão, disse que a denúncia encaminhada pela Procuradoria-Geral da República contém “sólidos indícios de práticas delituosas”.

A defesa de Temer, feita por Antonio Cláudio Mariz, seguiu a linha da tentativa de desconstruir a denúncia pela suposta falta de provas. Por exemplo, de que os R$ 500 mil guardados na mala com que Rocha Loures foi filmado nas ruas de São Paulo seriam mesmo para o presidente.

O fato é que começa a se desenhar a saída de Temer, por até 180 dias, com a posse do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para esperar o veredicto do STF, e, se houver a condenação do presidente, convocar uma eleição indireta em 30 dias, à qual o próprio Maia poderia ser candidato de consenso da base do governo.

A rigor, a crise política que desgasta o governo Temer transita em pista dupla: da consolidação do entendimento de que a posição do presidente é indefensável, e pela via das negociações no Congresso em torno de um nome que possa levar o país até as eleições de 2018, daqui a pouco mais de um ano. É neste contexto que se fortalece Rodrigo Maia, também aceito por ter forte compromisso com as reformas. Definido este consenso, Temer terá ainda mais dificuldades políticas.

Por tudo já conhecido até agora — desde a revelação pelo GLOBO da gravação por Joesley Batista de sua conversa nada republicana, em altas horas, com Michel Temer, no porão do Palácio do Jaburu —, as provas e indícios contra o presidente são fortes. Da temática daquela conversa — cuidados pecuniários com Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, para não fecharem acordos de delação — à propina acertada com Loures, indicado por Temer para o empresário tratar de qualquer assunto.

O tempo corre contra Temer, à medida que as informações decantam na opinião pública. Daí o Planalto querer que as votações ocorram logo na Câmara — na CCJ e, depois, no plenário. Quebra-se, também, uma espécie de encanto que se tentou criar em torno de Temer, vendido no mercado das esperanças como o único capaz de garantir as reformas. Quando, na verdade, passou a ser o contrário, à medida que o inquilino do Planalto, fragilizado, deixou de ter condições de aprová-las, a não ser negociando-as no balcão do toma lá dá cá. E assim, tornando-as inócuas. Uma aprovação de fantasia.

Haja vista o exemplo da reforma trabalhista, em que o Planalto emite sinais de recuar no fim do imposto sindical, tornando-o uma contribuição espontânea, mas por etapas. Assim, será perdida chance preciosa de se moralizar a vida sindical, tornando as agremiações de fato representativas, inclusive as patronais, sem espertalhões acostumados ao acesso fácil do dinheiro público, arrecadado pelo imposto que precisa ser extinto.

Fica cada vez mais evidente, na prática, que a Constituição tem o mapa do caminho para a saída da crise, por definir de maneira clara o rito para a saída de Temer ou a sua permanência.

 


Folha de São Paulo: Relator dá parecer favorável à denúncia contra Temer

O deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ) frustrou a base governista e deu parecer favorável à denúncia contra o presidente Michel Temer nesta segunda-feira (10) na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.

DANIEL CARVALHO
ANGELA BOLDRINI
Da Folha de São Paulo
DE BRASÍLIA

O relator entendeu haver elementos para a chamada "admissibilidade" da acusação formal da PGR (Procuradoria-Geral da República), segundo a qual o presidente cometeu crime de corrupção passiva.

"Por ora, o que temos são indícios de autoria que ao meu sentir, ensejam o deferimento da autorização", afirmou Zveiter em seu voto. A leitura do parecer e voto do deputado durou exatamente 59 minutos.

Para o relator, "a denúncia não é inepta".

"No mínimo, existem fortes indícios da prática delituosa", disse o relator, salientando: "Por tudo que vimos e ouvimos, não é fantasiosa a acusação".

Em diversos momentos, o relator lembrou que a Câmara faz um juízo "predominantemente político" e que cabe ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma avaliação mais técnica.

"Aqui não condenamos ou absolvemos os denunciados. Apenas admitimos ou não [a denúncia]", pontuou Zveiter, salientando que tramitação do caso na Câmara, até o momento, foi "regular".

"Limitei-me a examinar se há indícios suficientes para recebimento da denúncia", disse o relator, salientando que "as provas concretas e necessárias para uma condenação são obritatórias apenas ao final do processo".

Zveiter disse que é preciso apurar o envolvimento de Michel Temer e que é preciso descortinar o conteúdo das gravações envolvendo Temer, assessores e a cúpula do grupo J&F, do empresário Joesley Batista.

"A presente acusação contra o presidente Michel Temer é grave", afirmou. O relator também afirmou que não houve violação da intimidade do presidente na gravação de Joesley Batista, e cita princípio jurídico de "in dubio pro societate", ou seja, que caso haja dúvida deve-se interpretar a norma em favor da sociedade, e não do réu.

"O princípio nos ensina e orienta de que em deter fase do processo penal, deve se inverter o principio de que a duvida deve favorecer o réu", afirmou. "Não podemos ignorar a sociedade."

O relator foi aplaudido pela oposição ao recomendar os colegas o deferimento da acusação e salientando que isso não representa "qualquer risco ao Estado Democrático de Direito".

"Não restam dúvidas que qualquer decisão contrária ao recebimento da denúncia implicaria prematura interrupção do curso de um processo do qual os elementos trazidos aos autos evidenciam a necessidade de uma resposta das instituições brasileiras", afirmou.

Do lado de fora do plenário da comissão, manifestantes começaram a gritar "fora Temer" após o final da leitura.

Após a leitura do parecer, o advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira, responsável pela defesa de Temer, começou a sustentação oral para rebater a denúncia.

Apesar de esse procedimento estar definido, depois da leitura irrompeu bate-boca entre deputados da oposição e da base, que se colocaram contrários à fala de Mariz na comissão.


EXPECTATIVA

Os aliados do presidente da República já esperavam que Zveiter se manifestasse a favor da denúncia, apesar de o deputado ser do mesmo partido de Temer.

Por isso, a base já prepara pareceres paralelos a favor de Temer.

Depois da defesa oral, a expectativa é que haja pedido de vista e, somente na quarta-feira (12), tenha início a fase de mais de 40 horas de debates de deputados a favor e contra a denúncia.

Para acelerar o processo, nem todos os governistas falarão. O Palácio do Planalto tem pressa e se esforça para que a denúncia seja votada em plenário antes do recesso parlamentar, que começa no dia 18.

A oposição trabalha para frustrar os planos do governo, o que obrigaria a suspender o recesso parlamentar ou deixar a votação para agosto.

Em outra frente, o governo está operando para garantir votos suficientes para derrotar o parecer de Zveiter e já promoveu uma série de substituições de membros da comissão que votariam contra o presidente.


PRÓXIMOS PASSOS

Após o pedido de vista, a tramitação é suspensa por duas sessões.

A comissão é retomada à tarde com o início dos debates. Têm direito a falar os 66 membros titulares da CCJ, bem como os 66 suplentes, cada um por 15 minutos.

Também falam 40 não-membros, 20 a favor da denúncia e 20 contra, cada um por 10 minutos.

Além disso, os líderes partidários também podem se manifestar. O tempo de liderança varia de acordo com o tamanho de cada bancada, mas o máximo são dez minutos. Assim, esta fase dos debates deve se alongar por mais de 40 horas.

Passada esta etapa, o relator volta a se manifestar por 20 minutos.

A defesa também tem mais 20 minutos para falar novamente.

Tem início, então, a votação nominal no painel eletrônico. O parecer é aceito ou rejeitado por maioria dos presentes à sessão. A CCJ tem 66 integrantes.

Se o parecer do relator for aprovado, ele é levado para votação no plenário da Câmara.

Se o parecer do relator for rejeitado, o presidente da CCJ designa um novo relator para fazer um parecer de acordo com a vontade da maioria da comissão.

 

 


O Globo: Os ineditismos do presidente Temer

Além de primeiro presidente em exercício denunciado por corrupção, Temer se notabiliza por se cercar de pessoas com problemas na Justiça e Ministério Público

O advogado do presidente Michel Temer, Antônio Cláudio Mariz, protocolou ontem a defesa que fará do cliente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Avança o relógio da tramitação do pedido da Procuradoria-Geral da República para processar Temer no Supremo Tribunal Federal, assunto a ser votado na CCJ, prevê-se, na penúltima semana do mês. Não importa o resultado, a decisão final será do plenário da Casa.

Enquanto isso, o presidente Michel Temer acumula ineditismos. Além de ostentar o posto de primeiro presidente da República em exercício a ser denunciado por corrupção, Temer tem, e teve, ao redor auxiliares e aliados com diversos tipos de problemas com a Justiça e o Ministério Público. Numa dimensão nunca vista pelo menos em passado recente.

O mais novo caso é do ex-ministro Geddel Vieira, preso na segunda-feira, sob a acusação de tentar obstruir o trabalho da Justiça nas investigações sobre tramas de Eduardo Cunha, já trancafiado, Lúcio Funaro, idem, e Fábio Cleto. Em questão, falcatruas com dinheiro do fundo de investimento do FGTS, o FI-FGTS, na Caixa Econômica, com a cobrança de propinas a empresários.

A Caixa, cedida pelo PT, depois da aproximação com o PMDB, para ser feudo deste partido, abrigou o próprio Geddel Vireira como um dos vicepresidentes. No governo Dilma Rousseff, Cunha, um dos chefes da legenda, nomeou Fábio Cleto como dono da chave de cofres do FI-FGTS, e lá instalou um guichê de recolhimento de propinas, confiadas ao doleiro Funaro. Geddel foi ministro da Secretaria de Governo de Temer com este prontuário.

Outro do círculo próximo a Temer fora de circulação é o ex-ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves preso sob a acusação de desvio de verbas na construção da Arena das Dunas, Natal, no Rio Grande do Norte, estado do político.

Dois assessores muito próximos ao presidente, com gabinetes no Planalto, também não escapam desta marca. O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e Moreira Franco, ministro que ocupa a secretaria que foi de Geddel. Padilha e Moreira são investigados pela Lava-Jato.

A lista é extensa. Outro dos ex-assessores, preso e solto há pouco, é o deputado suplente pelo PMDB do Paraná Rodrigo Rocha Loures, o qual, na gravação feita por Joesley Batista, Temer indicou para o empresário resolver com ele “tudo”.

Batista gravou uma conversa posterior com Loures sobre o pagamento de uma propina com muitos zeros, para o político ajudar a resolver problemas do grupo JBS no Cade. Para Joesley e o diretor da empresa Ricardo Saud, o destinatário do dinheiro seria Temer.

Falcatruas não são uma exclusividade do PMDB. O mesmo se vê no PT e na cúpula do PSDB. O problema para Temer é que o político da vez a ser julgado no Legislativo é ele. Com assessores com este perfil, o trabalho do advogado Antônio Carlos Mariz fica mais pesado.

Editorial do O Globo

Fonte: https://oglobo.globo.com/opiniao/os-ineditismos-do-presidente-temer-21558157

 


O Estado de São Paulo: Uma Justiça sem obsessões

Editorial

Na segunda-feira passada, foi cumprida a ordem de prisão preventiva do sr. Geddel Vieira Lima, decretada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara Federal do Distrito Federal (DF). Como é de conhecimento público, a biografia do preso não inspira especial confiança. Geddel é alvo de denúncias desde os 25 anos de idade, quando foi acusado de desviar dinheiro do Banco do Estado da Bahia (Baneb). Depois esteve envolvido no escândalo dos anões do orçamento, no qual foi inocentado, e em acusações de mau uso de verbas do Ministério da Integração Nacional. Agora, a Justiça investiga sua atuação como vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal (CEF) durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Segundo a delação do sr. Lúcio Funaro, Geddel teria recebido R$ 20 milhões a título de propina por sua participação em esquema de favorecimento a algumas empresas.

Diante de um caso grave assim, era de esperar um estrito cumprimento do processo penal. No entanto, a leitura da decisão da 10.ª Vara Federal do DF revela uma perigosa interpretação da lei e da delação premiada, que, em última análise, afeta as garantias individuais de todos os cidadãos.

Como motivo fundamental para a decretação da prisão, o juiz indica “o recente fato de Geddel Vieira Lima ter entrado, por diversas vezes, em contato telefônico com a esposa de Lúcio Bolonha Funaro, com o intuito de verificar o ânimo do marido preso em firmar acordo de colaboração premiada (...) o que pode caracterizar um exercício de pressão sobre Lúcio Funaro e sua família”.

Ao aplicar a lei dessa forma, entendendo que uma conversa sobre possível delação de um réu é sinônimo de obstrução da Justiça, o juiz inverte a lógica da delação premiada, como se a obtenção de um acordo de colaboração com a Justiça fosse um direito inexorável do Estado. Se, como é óbvio, não cabe às autoridades exigir a realização de um acordo de delação premiada, não se pode criminalizar toda e qualquer ação que tente impedir uma delação.

A ser correta a aplicação dada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira – e que tem sido pleiteada em diversas esferas pelo Ministério Público –, a opinião de um familiar de um preso para que ele não faça acordo de delação premiada deveria ser considerada obstrução de Justiça, já que estaria dificultando o trabalho das autoridades policiais. Naturalmente, essa interpretação é abusiva e fere as garantias individuais.

Como todo acordo jurídico, o termo de colaboração premiada pressupõe a liberdade entre as partes. E se cada um é livre para ponderar se deve ou não fazer um acordo de delação premiada, também é igualmente livre para receber conselhos, sugestões e ponderações de quem quer que seja. Em sentido estrito, a interpretação da lei que baseia a ordem de prisão de Geddel conduz a uma criminalização da liberdade de expressão.

Logicamente, qualquer tipo de coerção é ilegal. Caracteriza uma violação da liberdade individual, a merecer pronta atuação do Estado. No entanto, as autoridades persecutórias, Polícia Federal e Ministério Público, precisam provar a existência dessa eventual coação. Uma conversa não é, necessária e automaticamente, uma coerção.

No caso em questão, até o juiz admite a falta de provas de uma eventual coação, pois na mesma decisão que manda prender o sr. Geddel autoriza a apreensão dos celulares do político “pela necessidade de buscar elementos quanto à sua atuação (...) no que pertine a contatos com a esposa do réu Lúcio Funaro e investigado na Operação Cui Bono”. Ora, atirar antes e perguntar depois não é uma boa forma de conduzir processo penal.

Seria equívoco não pequeno se o desejo de combater a corrupção e a impunidade levasse a um descarte paulatino da lógica e das garantias do processo penal. A delação premiada deve ser instrumento de auxílio à Justiça, e não uma obsessão que faz inverter o ônus da prova, excluir a presunção de inocência e transigir com as condições para a prisão.

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,uma-justica-sem-obsessoes,70001876968

 


Jose Roberto de Toledo: Temer pega onda

A economia brasileira vai tão bem quanto a política do país. Para quem enxerga com tal ponto de vista, não há motivo para insistir em investigações, afastamentos e tanto menos prisões que coloquem em risco o círculo virtuoso de conquistas e recordes alcançados – em tão pouco tempo – pelo gênio político de Michel Temer e pela austeridade de seus ministros.

Malas, ora, malas. Esses são os críticos, dizem os defensores do presidente. Quanto cabe numa mala? Nada comparado ao valor do resgate da confiança dos agentes econômicos. Se não se almoça picanha grátis, por que as reformas haveriam de sair de graça?

Economistas parecem enfim conformados com o adiamento do crescimento que tinham certeza que aconteceria em 2017, não fosse a realidade – sempre ela – a atrapalhar. Mais certeza ainda têm os empresários que defendem sustentar Temer em nome da estabilidade. Afinal, uma crise sem fim é uma crise estável.

O mercado financeiro emburrou com o resultado do governo central, divulgado semana passada. Tanto mimimi só porque o buraco de R$ 29,4 bilhões das contas federais foi o maior em 20 anos para um mês de maio. Tudo bem que o rombo superou as expectativas mais pessimistas, mas qual a novidade?

Foi o oitavo recorde mensal quebrado pela dupla Temer/Meirelles em apenas um ano. Eles detêm os maiores déficits fiscais para fevereiro, março, maio, junho, julho, agosto, setembro e novembro. Se ajustes metodológicos nem emendas parlamentares aumentarem o número de meses do ano, custará mais que uma visita do Joesley para lhes roubar o recorde de recordes deficitários.

Resta o desafio de quebrarem a própria marca e chegarem ao nono recorde mensal. Bom motivo para segurar o governo até outubro.

Com a ajuda da mão de Deus, é só aguentar mais umas flechadas por três meses e trocar o arqueiro em setembro. Para garantir, convém pedir ao Gilmar para tratorar o bambuzal, com Supremo com tudo. Quem segura o governo até outubro de 2017 segura até outubro de 2018. Aí já emenda com as eleições presidenciais e não se fala mais em malas. Só em caixas.

Todos juntos, vamos
O Datafolha mostrou que Marina Silva é quem mais ganharia se Lula não fosse candidato a presidente. Herdaria, hoje, pelo menos 1 de cada 4 ex-eleitores do petista. Mas e se o ex-presidente pegar jacaré na mesma onda que tenta empurrar Temer até o fim do mandato? Se Lula conseguir se manter na disputa presidencial, qual rival tem mais a ganhar com sua permanência?

O Ibope fez um estudo estatístico dos mais interessantes para tentar responder essa questão. Calculou a razão de possibilidades (“odds ratio”, em inglês) de os eleitores que declaram que não votariam em Lula de jeito nenhum votarem nos demais presidenciáveis. Dos oito nomes testados além do petista, João Doria é quem tem a maior chance de se tornar o anti-Lula.

E não é por pouca diferença. A chance de o prefeito paulistano vir a conquistar a metade que não quer Lula presidente pela terceira vez é 37% maior do que a de Bolsonaro e 40% superior à de Alckmin, segundo o Ibope. De acordo com o estudo, Doria levaria ainda mais vantagem nesse eleitorado anti-Lula sobre Joaquim Barbosa (65% mais), Marina (127% mais) e Ciro (192%).

Em resumo, se Temer ficar e Lula também, a sucessão presidencial tem boas chances de ter um tucano disputando contra um petista pelo quinto segundo turno consecutivo. Estatisticamente, há uma confluência de interesses entre a Turma do Pudim, tucanos e lulistas.

Tanto quanto as matreirices de quem visita Temer escondido no Palácio do Jaburu, essa conjunção pode ajudar o presidente a se segurar mais tempo no cargo do que merece.
* José Roberto de Toledo é jornalista

Fonte: http://politica.estadao.com.br/blogs/vox-publica/temer-pega-onda/