taxa selic

Economia: moeda Real, dinheiro e calculadora | Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Revista online | Muito além da Selic

Henrique Mendes Dau*, economista, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição)

A recente animosidade entre o presidente Lula e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, despertou um velho e mal resolvido debate na sociedade brasileira: o papel da taxa de juros. As principais instituições de excelência e os mais renomados economistas entendem que a política monetária tem efeito neutro sobre a economia no longo prazo. Ainda assim, há um ruidoso debate sobre o assunto. O objetivo deste artigo não é fazer uma defesa de qualquer uma das duas posições defendidas, nem mesmo opinar sobre as decisões de política monetária que observamos no Brasil de hoje. O intuito é chamar atenção para o fato de que esta discussão sobre política monetária é desnecessariamente barulhenta e estamos negligenciando discussões muito mais urgentes.

Essencialmente, a riqueza de um país é a soma da produtividade de cada indivíduo. A produtividade é uma função de muitas variáveis, como regras tributárias, qualificação da mão de obra e investimentos. A discussão sobre a taxa de juros é ambígua, pois juros menores estimulam investimentos, mas tendem a desvalorizar o câmbio e prejudicar a importação de bens intermediários, fundamentais para o desenvolvimento das atividades econômicas domésticas. Nos países desenvolvidos, observamos juros baixíssimos. Seria esse um argumento contra a elevação da Selic? Não, pois o fato de que os países ricos tendem a ter juros baixos não implica que sejam ricos por esse motivo. O Brasil tem inflação alta, e a elevação da Selic é o principal instrumento de contenção das pressões inflacionárias, que, dentre outros males, agrava a desigualdade e gera estagnação econômica. Entretanto, a apreciação cambial subsequente pode reduzir a competitividade das exportações nacionais.

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Fica evidente que todos os caminhos possíveis apresentam pesos e contrapesos, explicitando a complexidade do assunto. É claro que os bancos centrais utilizam sofisticados modelos econômicos para estimar os efeitos da política monetária e tomar decisões ótimas. Ainda assim, não é um exercício trivial e está sujeito a muitas imprecisões, além de envolver preferências subjetivas que podem gerar conflitos políticos. Diante das ambiguidades inerentes à política monetária, devemos nos concentrar em soluções estruturais para elevar a produtividade e combater a inflação. Como dito antes, a produtividade depende de fatores que vão além da taxa de juros. Precisamos lembrar que a economia é formada por indivíduos, os quais dedicam tempo para trabalhar. Se pagar impostos for uma tarefa árdua, tempo e energia que poderiam ser ocupados com atividades produtivas são desperdiçados com tarefas que não geram riqueza. Da mesma maneira, se a educação vai mal, os indivíduos produzem menos e assim por diante. Além disso, se a elevação da taxa de juros é um instrumento de combate à inflação, devemos buscar entender os motivos para que o país padeça desse mal e como resolvê-lo.

Os problemas econômicos do Brasil são de natureza estrutural e exigem reformas profundas em diversas áreas. Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil é um dos países com maior complexidade tributária do mundo, o que além de desperdiçar tempo e recursos, leva à distorção dos preços relativos. Tornou-se corriqueiro para o Estado conceder benefícios tributários a grupos de interesse sob o pretexto de contribuir para o desenvolvimento de um determinado setor. Nesse processo, cria-se a sensação de que a atividade desonerada é mais atraente do que de fato é, induzindo os agentes a empreenderem de forma ineficiente e tornando o país mais pobre no longo prazo. 

ICMS o que é como funciona e o que muda com a nova regra | Foto: QuoteInspector
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Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, preside sessão que analisa veto sobre orçamento impositivo
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Como a queda da bolsa de valores afeta o Brasil
Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, preside sessão que analisa veto sobre orçamento impositivo
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A complexidade tributária também é responsável pelo oceano de contencioso tributário e infindáveis disputas judiciais entre empresas e governo sobre a interpretação dos valores devidos, algo que afeta substancialmente a segurança jurídica brasileira. Com relação à educação, o Brasil não vai nada bem. Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), o país ocupa a 63ª posição em leitura, a 66ª em matemática e a 59ª em ciências, em um ranking com 77 países. Como consequência desse cenário, enquanto um trabalhador americano produz 74 dólares por hora trabalhada e um francês, 66 dólares, em 2020, a produtividade brasileira foi de 28 dólares. A irresponsabilidade fiscal agrava esse cenário. Gastos excessivos e medidas inconsequentes, como a PEC dos Precatórios, contribuem tanto para a elevação artificial da demanda, como para a desvalorização cambial, ambos causadores de inflação. Até mesmo políticas sociais mal calibradas podem prejudicar justamente os mais pobres, como é o caso do Auxílio Emergencial, cujo elevado valor levou a aumentos de preços nos locais onde havia maior concentração de beneficiários. 

A explicação para que os países desenvolvidos gozem de baixas taxas de juros está relacionada à instituições fortes, que não cedem a pressões de grupos de interesse, e à qualificação da mão de obra. Isso proporciona um ambiente fértil para a alocação eficiente de recursos em atividades econômicas altamente produtivas, exercidas por indivíduos qualificados. Além disso, o controle fiscal garante que não haja inflação, evitando a necessidade de taxas de juros que atrapalhem o surgimento de novos investimentos no país. O Brasil precisa de reformas em questões como a tributária, a fiscal e a educacional. Essas são as discussões que deveriam tomar as capas dos jornais e o debate público, em vez do excessivo debate sobre política monetária, que embora seja importante, certamente não é a solução para os nossos desafios.

Saiba mais sobre o autor

*Henrique Mendes Dau é economista pelo Insper, diretor executivo da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da revista.

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Míriam Leitão: O freio dos juros

O Banco Central reduziu a Selic e liberou o depósito compulsório, o que em mercados dinâmicos ajudaria a aumentar o acesso ao crédito, baratear os financiamentos e impulsionar a atividade. Os dados do sistema financeiro, no entanto, mostram uma realidade distinta. A concessão de crédito às empresas ficou quase estável nos últimos 12 meses, com alta de 0,4%. Até rolar dívidas está difícil.

Para a pessoa física tem havido mais flexibilidade. As concessões saltaram 10,3% em 12 meses. Nesse mesmo período, o estoque de créditos corporativos caiu 6,7%. O BC se esforça para esquentar a economia, mas os bancos não têm cumprido o papel que lhes cabe nessa retomada.

O descolamento entre os juros cobrados pelos bancos e a Selic é evidente. Na contramão do BC, os bancos vêm aumentando desde dezembro a taxa cobrada no crédito livre, que chegou a 42,2% ao ano em fevereiro. Esse padrão é visto há muito tempo. De outubro de 2016, quando a Selic estava em 14,25%, até aqui o BC cortou a taxa a menos da metade, para os atuais 6,5%. Ou seja, o recuo foi de 54%. A queda da taxa do crédito livre, no entanto, foi, na média, de 21%.

Em modalidades com risco mais baixo, a taxa praticada não faz sentido. No crédito consignado, por exemplo, cujo pagamento é o desconto automático na folha de pagamentos ou no benefício previdenciário, os juros médios ao ano chegaram a 26,3% em fevereiro, o terceiro mês seguido de alta. Em 12 meses, mesmo com a forte queda da Selic, a taxa média do consignado recuou apenas 3,2 pontos.

Em alguns segmentos do mercado e para certos tipos de crédito, há queda do custo do dinheiro. Um empresário do setor de autopeças conta que sentiu isso, na oferta feita pela instituição financeira. Apesar disso, a empresa não tomou todos os recursos oferecidos. Prefere se endividar pouco, o que, no país dos juros altos, parece prudente.

— É sempre assim. Quando a empresa não precisa de financiamento, o banco bate à porta e oferece dinheiro mais barato. Quando é a empresa que está precisando, a taxa é bem mais alta. Nos momentos em que eu preciso de financiamento para comprar uma máquina, negocio com o fornecedor. Eu pago em parcelas e ele entrega em etapas, por exemplo — diz o empresário.

Nessa crise, muitas empresas pequenas e médias têm buscado as cooperativas de crédito. É uma opção com um custo menor. Em 2017, enquanto os bancos reduziram as liberações, as cooperativas emprestaram 15% a mais. Algumas tiveram resultados melhores que a média. Na Sicredi, por exemplo, a carteira de crédito saltou 21% no ano passado. Muito identificadas com o agronegócio, as cooperativas se expandem agora para as cidades. A Sicoob do Espírito Santo destacou em 2017 esse avanço no crédito comercial, após os anos de seca no campo.

Cobrando caro dos clientes, os bancos aumentam inclusive o risco do próprio negócio. A recuperação da economia não acelera e o tomador fica espremido entre as margens mais modestas do negócio e as taxas ainda altas dos empréstimos.

No financiamento de veículos, que movimenta um setor que gera bastante emprego, a taxa média em fevereiro estava em 22,5%, pouco abaixo dos 25% do final de 2016. Outro setor que emprega muita gente é o da construção. Os juros do crédito imobiliário, na modalidade “taxas de mercado”, tampouco acompanharam a intensidade com a qual caiu a Selic. Na média, a redução no período foi de apenas um ponto percentual, a taxa saiu de 12,98% em outubro de 2016 para 11,94%. No PIB, a construção civil encolheu 5% no ano passado e acumula resultados negativos desde 2014.

Uma parte da explicação dos juros altos está na concentração bancária. Caixa, BB, Itaú e Bradesco eram responsáveis por 78,5% das operações de crédito ao final de 2017. Esse é o mesmo nível de 2016. Mas 10 anos antes, em 2007, a participação do quarteto era bem inferior, de 59,3%, pelos dados do BC.

Os bancos dizem que nem só de Selic é feita a taxa de juros e, portanto, não faz sentido querer que a queda dos juros bancários seja na mesma proporção. É verdade. Mas mesmo quando se tenta entender a composição do spread, os juros brasileiros parecem ser o que são: anormais. E desta forma o sistema bancário acaba sendo um freio à retomada, até num período de relaxamento monetário.