Tasso Jereissati
O Estado de S. Paulo: Tasso admite disputar prévias no PSDB
'Se meu nome servir para unir, vamos trabalhar nessa direção', diz senador tucano sobre candidatura à Presidência, em 2022
Vera Rosa e Andreza Matais, O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Pela primeira vez desde que foi incentivado a entrar na disputa de 2022, o senador Tasso Jereissati (CE) admitiu participar de prévias do PSDB para a escolha do candidato à Presidência e construir uma terceira via, diante da polarização entre a esquerda e a extrema direita. “Se meu nome servir para unir, em algum momento, vamos trabalhar nessa direção”, disse o senador ao Estadão.
Integrante da CPI da Covid, Tasso gostou de ser chamado de “Biden brasileiro” por um grupo do PSDB que se refere a ele como o único político capaz de agregar forças no campo de centro. Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden, de 78 anos, teve esse papel. “Vejo nele um cara que está mudando a história do mundo”, afirmou o tucano, que tem 72 anos.
As prévias do PSDB estão marcadas para outubro, mas Tasso acha melhor adiá-las para 2022. “Ainda tem muita água para rolar debaixo da ponte”, previu. Até hoje, o PSDB tinha três pré-candidatos à sucessão de Jair Bolsonaro: os governadores João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul), além do ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. Agora Tasso, ex-governador do Ceará, também entrou no páreo.
O presidente do PSDB, Bruno Araújo, lançou sua candidatura à sucessão de Jair Bolsonaro. O sr. pode ser a terceira via?
Ser candidato à Presidência não está ainda nos meus planos. Eu falo “ainda”. Eu defendo a ideia de uma união do centro. Quando eu digo união é porque vejo espaço, nas próximas eleições, para um candidato entre Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) e Bolsonaro, que não seja nem de esquerda, nem de extrema esquerda, nem de extrema direita. Com certeza eu não acho bom para o País mais quatro anos de Bolsonaro. É um governo desastroso em todos os pontos, da condução da pandemia de covid – levando o Brasil ao maior número de mortes do mundo por dia – à política econômica, que não anda. E também não vejo como repetir o governo do PT. Então, está na hora do equilíbrio. Se dividir muito, ninguém vai ter (apoio para chegar ao segundo turno). Se meu nome servir para unir, em algum momento, vamos trabalhar nessa direção.
O sr. aceitaria disputar uma prévia no partido com João Doria, Eduardo Leite e Arthur Virgílio?
Eu sempre fui defensor de prévias. Mas ponderando que essa prévia seja feita dentro do limite da coerência, de um posicionamento ético. E que sirva para unir, não para desunir. Nunca falei isso, mas acho que as prévias deveriam ficar um pouco para mais tarde, para que nós pudéssemos conversar com os outros partidos. Quando defendo essa união, eu acho que não deve ser só dentro do PSDB.
Mas, com tanta divisão no PSDB, é possível um consenso, sem necessidade de prévia?
As prévias são boas. Eu não sei se são oportunas agora (em outubro). Até o início do ano que vem, muita coisa vai acontecer. Mas isso é minha opinião. Vai prevalecer, evidentemente, a visão do partido, dos dirigentes.
Esse vácuo não beneficia a polarização Bolsonaro-Lula?
Não tem vácuo, não. Tem é candidato demais. Daqui a pouco, um começa a dar cotovelada no outro. Ainda tem muita água para rolar debaixo da ponte. Um exemplo de como as coisas mudam: eu não sabia (em 2018) que tinha uma extrema direita tão radical e tão organizada. Foi uma surpresa gigantesca. E esse movimento se uniu ao antipetismo e à facada (sofrida pelo então candidato Bolsonaro). Ninguém sabia o tamanho dessa direita porque ela estava enrustida há muito tempo. Bolsonaro soube catalisar isso através das redes sociais.
Como ninguém enxergou que a direita estava se estruturando pelas redes sociais?
Desde a redemocratização se criou uma espécie de preconceito contra a direita. Era difícil você encontrar alguém que dissesse que era de direita, mesmo sendo. Significava uma afinidade com o golpe, com a ditadura, com o período autoritário. Quando falavam que o Bolsonaro poderia ganhar, eu desprezava a hipótese, solenemente. Tinha certeza de que não seria possível porque um político que fazia aquele discurso nunca poderia ganhar. Se tem uma coisa do Bolsonaro que nós temos de respeitar é que ele não mudou.
Passados dois anos de governo, Bolsonaro ainda é um candidato competitivo, apesar de todas as crises? O centro se preparou para enfrentá-lo nas redes sociais?
Não. O centro não tem rede social organizada e espalhada. Nenhum desses candidatos que estão aí tem. Vamos precisar ter.
O sr. chegou a dizer que o marqueteiro João Santana, quando estava com o PT, espalhou fake news e derrubou Marina Silva. Agora, ele foi contratado por Ciro Gomes, que é próximo ao sr. e tem conversado com esse campo de centro. Isso preocupa?
Eu não sabia que o Ciro tinha feito essa contratação. Pelo caráter do Ciro, acho muito estranho. Agora, o João Santana pagou tanto pelos seus pecados, indo preso, que talvez tenha mudado e queira se redimir.
Dizem que o sr. é o único que pode convencer Ciro a desistir da candidatura presidencial em nome de uma aliança maior.
Eu acho difícil o Ciro sair (do páreo). Mas não acho muito difícil o Ciro vir. O Ciro já foi de esquerda, mas hoje é de centro. E acredito que ninguém vá mudar o desejo dele de tentar a Presidência. Ele tem esse objetivo na vida.
O manifesto assinado por seis presidenciáveis, em defesa da democracia, é um caminho para construir a terceira via, em 2022?
Acho que foi um primeiro passo. Como diz o poeta, “você começa o caminho caminhando”. Mas a abertura de diálogo entre todos esses candidatáveis é fundamental. Eu posso ajudar, acho até que tenho uma facilidade de diálogo. Isso não indica que seja eu o candidato. Tenho enorme admiração pelo governador Eduardo Leite.
O que falta, na sua opinião? É um programa para unificar esse grupo ou deixar as vaidades de lado para montar uma aliança?
A palavra principal é desprendimento. Mas alguns pontos são relevantes para uma agenda comum, como meio ambiente, respeito à ciência e não desprezar a questão fiscal.
O sr. tem sido chamado por algumas alas do PSDB de ‘Biden brasileiro’ por ter um perfil capaz de unir diferentes correntes. O que acha dessa comparação?
Fico extremamente lisonjeado, mas acho que é por causa da idade (risos). Vejo nele um cara que está mudando a história do mundo. Eu meço, hoje, a responsabilidade do Bolsonaro na nossa pandemia através dos Estados Unidos. Prestem atenção na mudança que houve lá no combate à pandemia depois da eleição. E agora Biden está colocando a questão do meio ambiente na agenda do planeta.
O PSDB passou por várias crises e não conseguiu chegar nem ao segundo turno da eleição de 2018. Como o partido pode se reposicionar no jogo?
Todos os partidos sofreram crises. O PSDB, o PT, o MDB... De uma maneira geral, os partidos estão bastante desmoralizados. Nessas eleições agora, vamos ter de nos reconstruir com um programa claro e, ao mesmo tempo, restabelecer a questão da ética.
Além do sr., quais outros nomes podem furar a polarização na campanha presidencial?
Tem o Mandetta (ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta) pelo DEM. O PSDB tem aí tanto o Eduardo Leite quanto o Doria. Tem o Ciro pelo PDT. Luciano Huck é o que tem mais popularidade e está com meio caminho andado. Tem um grupo grande muito consciente dos riscos que o Brasil corre e se dispõe a conversar.
Quais riscos?
Se nós tivermos mais quatro anos de Bolsonaro, vamos ser um pária internacional, isolado do mundo. E com a economia no caos. O primeiro governo do Lula foi bom, mas ele teve como formulador de política econômica o Marcos Lisboa. Se ele vier com a política do Guido Mantega, do descontrole fiscal, nós também iremos por um caminho equivocado. Temos de reconstruir credibilidade.
A CPI da Covid pode desembocar em um processo de impeachment contra o presidente?
Não é o objetivo. Com certeza, a CPI vai levantar responsabilidades sobre esse drama que o País vive. Agora, eu acho que nós não devemos chegar a impeachment. Além de ser outra crise, é inócua porque uma CPI demora seis meses. E depois, se começar um processo de impeachment, vão no mínimo mais seis meses. O País ficaria parado e sem rumo, já chegando às eleições do ano que vem. Agora é trincar os dentes.
O ex-secretário de Comunicação Social Fábio Wajngarten disse à Veja que o Brasil não comprou antes vacinas da Pfizer por culpa do então ministro da Saúde Eduardo Pazuello. É crível que o presidente não soubesse de nada?
Eu não acho crível. Temos de averiguar, mas acho estranho que a compra de vacinas passe pelo secretário de Comunicação, e não pelo presidente. Até porque tem a célebre frase do então ministro da Saúde: “Ele manda, eu obedeço”.
O que se pode esperar da economia com o desemprego em alta e orçamento apertado? O “Posto Ipiranga” do governo corre o risco de incendiar?
Não tem mais gasolina (risos). Existe uma sensação de descontrole. A economia parada, o déficit e a inflação subindo. É o pior dos mundos. Mas há uma coisa para prestar atenção, no ano que vem. É que, em função da inflação, haverá uma bomba fiscal maior. Em 2022, o governo Bolsonaro terá mais dinheiro para gastar. Acho muito difícil o Paulo Guedes (ministro da Economia) avançar em seus planos liberais. Esse choque aconteceria de qualquer forma porque Bolsonaro nunca foi liberal. Ele sempre foi corporativista.
Muitos acreditavam que os militares fossem atuar como freio para o presidente, mas ocorreu o contrário. O sr. acha que eles podem não apoiar o projeto da reeleição?
Eu acho que os militares também ficaram surpresos. Não deveriam ficar porque Bolsonaro foi saído, não digo expulso, do Exército pela hierarquia militar. Eu acho que os militares têm de ficar neutros, como sempre estiveram. Não devemos nos preocupar com eles nas eleições. Eles têm de estar ali, respeitando a Constituição e fazendo o seu papel.
Celso Rocha de Barros: Bolsonaro gostaria de torturar os números, mas no tribunal da ciência não existe anistia
Por qualquer ângulo que se avalie, desastre brasileiro na pandemia é imenso
Com a instauração da CPI, os bolsonaristas aceleraram a produção de mentiras para fazer parecer que a gestão da pandemia por Bolsonaro não foi tão ruim assim. Algumas são pura ficção (“Lulinha é dono da fábrica chinesa de vacina”), e, sinceramente, se você acredita nisso, você é otário.
Mas algumas das mentiras que os bolsonaristas vão contar na CPI são baseadas em dados verdadeiros. O que é sempre falso são as coisas que os governistas tentam dizer com esses dados.
Por exemplo, os governistas gostam de dizer que o número de vacinados no Brasil é alto, se comparado ao de outros países. Até é, mas Bolsonaro não tem nada a ver com isso: 80% dessas vacinas são Coronavac, do Butantan de Doria, que Bolsonaro prometeu não comprar. Tente refazer o ranking só com as vacinas que Bolsonaro importou e veja em que posição estamos.
Note que na hora de olhar para as vacinas aplicadas, os bolsonaristas gostam de usar os números absolutos (quantos foram vacinados), e não os relativos (a porcentagem da população vacinada, que é bem menor no Brasil do que em outros países).
Mas na hora de olhar para o número de mortos, preferem usar os números relativos (mortos por milhão, em geral). Não é por acaso: no número absoluto de mortes, só estamos atrás dos Estados Unidos (que têm 100 milhões a mais de pessoas e muito mais velhos).
Olhemos então para o ranking de mortes por milhão, o mais favorável a Bolsonaro. Mesmo neste ranking, só há 12 países piores do que nós (passamos os Estados Unidos outro dia). Entre eles há países com muito mais velhos do que o Brasil, como o Reino Unido e a Itália, e países pouco populosos (e também velhos) do Leste Europeu (em geral, com menos de 10 milhões de habitantes).
A Covid-19, em especial em sua forma original, matava mais velhos do que jovens; é preciso, portanto, levar isso em conta na comparação entre países.
Em 3 de fevereiro de 2021, o jornal Correio Braziliense publicou um estudo do pesquisador Marcos Hecksher, do Ipea, que calculou a probabilidade de um cidadão morrer de Covid-19 nos diferentes países, levando em conta tanto o tamanho do país quanto as características demográficas (número de idosos) de cada um.
No geral, segundo o estudo, a chance de um brasileiro morrer de Covid-19 é de 3 a 4 vezes maior do que no resto do mundo. Foi o estudo de Hecksher que causou a proibição a pesquisadores do Ipea de discutir suas pesquisas com a imprensa sem autorização do governo.
No ranking de Hecksher, o Brasil só aparecia melhor do que 9 países, a maioria na América Latina. O estudo, entretanto, compara os dados de 2020. A explosão de mortes no Brasil em 2021 foi muito pior do que no ano passado.
Faz um mês que os brasileiros mortos por Covid-19 são cerca de 30% dos mortos pelo vírus no mundo. A população brasileira representa apenas cerca de 2,7% da população do mundo. Na comparação internacional, já devemos estar bem piores do que na medição do estudo censurado.
Enfim, é sempre importante olhar os dados de vários lados, mas não há nenhum ângulo sob o qual o desastre brasileiro na pandemia não pareça imenso. O tamanho desse crime é consenso entre os pesquisadores internacionais. Até por coerência, Bolsonaro gostaria de torturar os dados. Mas no tribunal da ciência não existe anistia.
*Doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
O Globo: 'Começa um movimento de incentivo à candidatura de Tasso Jereissati', diz Bruno Araújo
Ao GLOBO, Bruno Araújo afirma que senador pelo Ceará pode aglutinar nomes do centro político e atrair até mesmo o ex-ministro Ciro Gomes (PDT)
Gustavo Schmitt e Sérgio Roxo, O Globo
SÃO PAULO - Enquanto uma eventual candidatura do governador de São Paulo, João Doria, à Presidência da República não agrada algumas alas do PSDB e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é visto como inexperiente, parlamentares do partido passaram, na última semana, a citar o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) como um nome capaz de unir as forças políticas de centro em 2022.
Em entrevista ao GLOBO, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, convidou Tasso a se colocar como candidato e fez uma série de elogios ao senador, que descreveu como “um nome que transcende o PSDB”. O senador tucano, segundo aliados, poderia atrair até Ciro Gomes (PDT), que foi seu sucessor no governo do Ceará em 1990 quando ainda estava no PSDB, e com quem voltou a conversar.
O PSDB tem prévias marcadas para outubro. No domingo, em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), defendeu o nome de Eduardo Leite.
Os tucanos tentam construir uma aliança de centro para se contrapor ao presidente Jair Bolsonaro e ao ex-presidente Lula. No sábado, Doria, Leite, Ciro, o apresentador Luciano Huck e Fernando Haddad (PT) se uniram em críticas a Bolsonaro no evento virtual Brazil Conference, promovido pelas universidades americanas Harvard e MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
No fim do mês passado, tivemos o manifesto de seis presidenciáveis. É viável a união desse grupo?
Ela é viável, é fundamental. (O manifesto) é o primeiro gesto público de que há diálogo real entre os principais protagonistas. Não vamos reduzir para duas alternativas no campo do centro num jogo de dado. Vamos fazer com diálogo.
Quantos nomes cabem no campo do centro em meio à polarização entre Lula e Bolsonaro?
O sonho que beira a ingenuidade seria um único nome. Algo a partir de três nomes começa a atrapalhar muito essa construção.
A visão econômica do Ciro Gomes pode atrapalhar a união com os demais signatários do manifesto?
É fundamental a participação do Ciro Gomes. Aliás, (a visão econômica) não pode ser tão distinta porque a introdução de Ciro Gomes na sucessão ao governo do Ceará (em 1991), quando era tucano, se deu pela liderança do então governador Tasso Jereissati.
Como poderia ser definido um critério para a escolha do candidato a encabeçar essa união?
É justamente essa construção e os fatores que vão levar a essa definição que serão discutidos. Temos fatos novos todos os dias. Dentro do PSDB, depois da própria provocação do Eduardo Jorge, começa um movimento muito forte de incentivo ao nome do senador Tasso Jereissati (o ex-presidenciável do PV fez uma publicação sugerindo a candidatura de Tasso). Recentemente se intensificaram movimentos no sentido de convencê-lo a aceitar colocar o seu nome. Claro que é um nome que enriquece muito o processo político nacional e transcende de forma definitiva o PSDB.
O senhor já conversou com Tasso sobre isso?
Tem que ser respeitado o tempo de cada um. Fica aqui um convite público, para que ele aceite esse chamamento.
O governador João Doria não decola nas pesquisas e não consegue capitalizar o fato de ter trazido a CoronaVac ao país. A que atribui isso?
O governador Doria tem muito mais ativos do que passivos. O que ele não teve e outros pré-candidatos têm é a possibilidade de ter tido uma exposição de uma eleição nacional. A real definição do eleitor brasileiro se dá na metade do processo eleitoral. Até lá, e neste momento em especial, a população está tentando sobreviver.
Como o senhor vê a ascensão do governador Eduardo Leite no PSDB e as projeções de que ele teria hoje mais simpatia interna do que Doria?
É um dos nomes mais relevantes dessa nova geração. É a juventude e a expectativa de crescimento na sua liderança política que ele leva como um ativo às prévias do partido.
Qual vai ser o papel do PSDB na CPI da Pandemia?
Foi indicado pelo PSDB um dos homens públicos mais respeitados e mais experientes da República, o senador Tasso Jereissati. Será uma apuração com responsabilidade. Mais do que buscar culpados, precisamos apontar caminhos para essa grave crise de saúde e econômica que nós temos.
Tasso Jereissati: 'Não há dúvida da culpa do governo no desastre da pandemia'
Para senador, é difícil que Bolsonaro alegue desconhecimento de decisões equivocadas ou omissões no combate à Covid
Thiago Resende e Renato Machado, Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Indicado para fazer parte da CPI da Covid, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) é crítico da condução do Palácio do Planalto na crise do coronavírus e prevê um cenário árduo para o governo na comissão.
“Não há dúvida nenhuma que um dos principais culpados pela situação a que nós chegamos é o governo federal”, disse o tucano à Folha. Para o senador, o país vive um momento de verdadeiro desastre.
Tasso também acha difícil que eventuais erros e omissões no combate à Covid a serem constatados pela CPI sejam completamente dissociados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Ele cita inclusive a teoria do domínio do fato, usada no mensalão e que prevê que autoridades devem responder por eventuais crimes, mesmo que não cometidos de mão própria, se tiveram conhecimento e controle da situação. No entanto reforça que, antes de apontar culpados, a CPI terá que investigar.
Sobre eleições de 2022, o tucano é otimista e acredita até em coalizão com PDT. Para ele, uma terceira via é “mais do que possível; [é] viável”.
Apesar da aproximação entre PSDB e PT, Tasso acha improvável uma aliança, mas vê um canal de diálogo mais amplo. “Hoje o PT percebe que o grande inimigo dele não somos nós”.
A CPI foi instaurada após determinação do Supremo Tribunal Federal. A decisão, na sua avaliação, foi uma intervenção no Poder Legislativo?
Eu não acho que há interferência nenhuma do Supremo. O Supremo tomou uma decisão em cima de uma provocação feita por nós, pelo Senado. Foi tudo perfeitamente legal, esperado. Tem jurisprudência.
O Senado demorou a abrir a investigação relacionada à pandemia?
O presidente [do Senado, Rodrigo] Pacheco [DEM-MG] é mineiro. E como bom mineiro ele é muito cauteloso nas suas iniciativas e decisões. E ele tinha uma opinião de que era inoportuno, no auge da pandemia, se instalar uma CPI porque poderia tirar o foco das discussões no Congresso e criar uma nova crise. Posição que discordo frontalmente dele.
A CPI foi ampliada e vai investigar a atuação do governo federal e os repasses federais a estados e municípios. Isso vai acabar desviando o foco da comissão? A estratégia do governo de tumultuar as apurações deve dar certo?
Vejo essa inclusão como uma maneira de tirar o presidente e o governo federal do foco e colocar todo mundo no mesmo balaio. Não há a menor possibilidade de que uma CPI de 11 membros possa investigar 27 governadores e mais de 5.000 prefeitos.
O espírito dessa CPI desde o início foi de investigar fatos e omissões na condução da pandemia, quais as razões que fizeram que o país chegasse ao ponto em que nós estamos hoje, esse verdadeiro desastre [foram registradas mais de 365 mil mortes]. O mundo nos está tratando como ameaça global. E [a CPI] começaria evidentemente pelo governo federal, que é o coordenador de uma situação nacional como essa. E não especificamente procurar um ato de desvio de recursos pontual aqui e ali.
Na sua avaliação, a responsabilidade pela situação atual da pandemia é dividida entre governo federal, estadual e municipal ou a gestão federal tem uma responsabilidade maior?
Olha o que aconteceu nos Estados Unidos simplesmente com a mudança de liderança nacional. Eles eram, até o fim do governo [do ex-presidente Donald] Trump, um grande fiasco em função dos números da pandemia em relação à potência que são.
Em semanas, com outra liderança [a de Joe Biden], com outra postura, isso mudou. O líder é sempre uma referência, é aquele que conduz e dá rumo aos seus governados. Então, não há dúvida nenhuma que um dos principais culpados pela situação a que nós chegamos é o governo federal. Isso foi constatado por organizações mundiais. É quase unanimidade.
O senhor acha que a CPI pode mudar a atuação de Bolsonaro diante da pandemia?
Com certeza, alguma mudança eu vejo. Só com a perspectiva de que haveria uma CPI, o governo Bolsonaro tomou duas atitudes importantes. Uma foi a troca do [ex-ministro da Saúde Eduardo] Pazuello. A outra foi a substituição de Ernesto Araújo no Ministério de Relações Exteriores.
Acho que ele [Ernesto] foi o pior ministro da história do Brasil. O que não mudou ainda para melhor? O próprio Bolsonaro. O presidente parece que mudou em relação à vacina, mas não mudou em relação ao afastamento social. Na vacinação nós estamos avançando, eu reconheço. Mas para o distanciamento social, nós dependemos de uma campanha ampla, como todos os outros países fizeram.
A CPI pode provocar essa mudança. Se no andamento da CPI, por exemplo, houver provas de que a atuação da Presidência da República obstruiu e boicotou um processo de afastamento social, isso pode realmente forçá-lo ou, pelo menos, pensar duas vezes para se portar de maneira diferente.
Em caso de comprovação de falhas e omissões do Ministério da Saúde ou de outras pastas do governo, é possível separar isso da atuação de Bolsonaro ou não tem como dissociar a responsabilidade do governo e a do presidente?
Isso só os juristas podem responder. Mas me lembro que no julgamento do mensalão, houve uma teoria nesse sentido: mesmo que ele não seja o mandante, ele tinha provavelmente —isso vai ter que ser discutido— o domínio do fato.
Mas é difícil para ele alegar desconhecimento de decisões equivocadas ou omissões em áreas do governo no combate à pandemia?
Dificílimo. Os fatos estão aí.
Qual deve ser o foco inicial da CPI? O atraso da vacinação, por exemplo?
O relator vai apresentar o plano de trabalho. Eu começaria pelo início, que é o tema mais recorrente até agora que é o distanciamento social. O [ex] ministro [da Saúde Luiz Henrique] Mandetta já falava sobre isso e do uso da máscara. E o Bolsonaro quase que de uma maneira ostensiva ia para rua com manifestantes, se misturando à multidão sem máscara e contradizendo o Mandetta. Aquele período foi de intensa confusão na cabeça dos brasileiros. Bolsonaro disse que era uma gripezinha. Então nós já começamos errado.
Aí depois entrou um ministro [Pazuello] que disse: “Um manda e o outro obedece”. Assim, não dá para dizer que ele [Bolsonaro] não sabia [das decisões do Ministério da Saúde], porque o próprio ministro Pazuello disse isso. Depois chegou a questão de desacreditar a vacina. Eu tentaria fazer uma cronologia das omissões e erros até chegar aqui.
Na CPI, o governo terá a minoria das cadeiras. Isso retrata um enfraquecimento político do governo no Senado?
Se não fizermos as investigações de maneira muito técnica e imparcial, não estaremos fazendo nosso papel. Eu acho que quem está mais preocupado que a CPI seja política é o próprio presidente Bolsonaro. A maioria dos senadores não está vendo isso com perspectiva eleitoral. Temos que enfrentar e olhar para a história; qual julgamento que a história vai fazer desse episódio que é o maior morticínio da história do Brasil.
A CPI pode servir de base para a abertura de um processo de impeachment?
Eu sou contra o impeachment. É um processo demorado e perderíamos o foco completamente do combate à pandemia. Se ficar comprovado, de uma maneira bastante técnica, a influência dessas atitudes do presidente [como gerando aglomerações e desincentivando o uso de máscaras] no aumento do número de mortes, esse seria o único fundamento que poderia levar a um pedido de impeachment. Até a CPI concluir os trabalhos e, se um processo desses for aberto, aí já é quase eleição de 2022. Essa CPI não pode ter caráter eleitoreiro, porque ela perde a credibilidade.
As eleições de 2022 se aproximam. O senhor acha possível uma terceira via?
Eu acho perfeitamente possível; mais do que possível, viável. O que devemos fazer é ter o menor número de candidatos possível disputando esse espaço. Isso depende da nossa habilidade política e do nosso desprendimento.
Qual a aliança possível? O PDT entraria?
O PDT tem exceções, mas, de maneira geral, é um partido que está mais para o centro. Eu chamaria de centro-esquerda. E com esse espectro todo cabem alianças.
Sobre a aproximação entre PSDB e PT, qual deve ser o resultado? Alianças em eleições estaduais ou até mesmo uma nacional?
Ainda no primeiro governo Lula, eu mesmo fui jantar com ele ao menos duas vezes para discutir política econômica. Com a chegada do [ex-ministro da Fazenda Guido] Mantega, começou a haver um distanciamento cada vez maior, e maior, até que chegou o governo Dilma [Rousseff].
Hoje o PT percebe que o grande inimigo dele não somos nós. O grande inimigo dele é a extrema direita. E há uma mudança de percepção. Isso virar uma aliança agora e ainda em 2022? Eu acho quase que impossível. Mas uma abertura maior de diálogo eu acho perfeitamente possível.
Quando acuado, Bolsonaro dá declarações que às vezes são vistas como uma ameaça à democracia. O senhor acredita que, se ele se ver contra as cordas, ele pode tomar uma medida autoritária?
Eu sempre tive medo disso. Ele sempre teve essa tendência, revelada durante anos de atuação na Câmara. Hoje eu tenho menos medo dessas frases de efeito dele e acho mais que são bravatas. Estão perdendo credibilidade essas ameaças que ele faz.
*Tasso Jereissati, 72, é empresário, formado em administração de empresa, já foi governador do Ceará por três vezes. Foi senador de 2003 a 2010 e retornou ao Senado em 2015. É um dos principais líderes do PSDB.
Tasso Jereissati: ‘Pacheco terá teste com CPI da covid’
Senador tucano cobra do presidente da Casa a instalação de comissão para apurar a conduta do governo na pandemia
Daniel Weterman, O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) pressiona o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a conduta do presidente Jair Bolsonaro na crise de covid-19. O senador é um dos autores do pedido para abertura da investigação no Congresso que vai apurar a condução do combate à pandemia por autoridades públicas, incluindo o chefe do Planalto.
A instalação depende de Pacheco, apoiado por Bolsonaro na eleição para o comando da Casa e também pela oposição. “Esse vai ser o grande teste do Rodrigo, se ele realmente é independente como está dizendo ou se para ganhar se comprometeu até à alma com o Bolsonaro” afirmou o tucano em entrevista ao Estadão.
Na sexta-feira passada, Bolsonaro visitou as obras de duplicação da BR-222, em Caucaia (CE), e, mais uma vez, cumprimentou simpatizantes sem respeitar as medidas de contenção da covid-19, na semana em o que País atingiu novo recorde diário de mortes pela doença. “É preciso parar esse cara”, disse Tasso. A aglomeração ocorreu após o governador do Estado, Camilo Santana (PT), decretar toque de recolher e reduzir o funcionamento de atividades em função do avanço do novo coronavírus. Confira os principais trechos da entrevista:
Como o senhor avalia a recente visita do presidente Jair Bolsonaro ao Ceará?
Dois dias antes, o governador e o secretário da saúde anunciaram toque de recolher e outras medidas. Tudo isso porque estamos pertinho do colapso e com tendência de crescimento da pandemia muito grande. Chega o presidente aqui e vai a um município, junta gente, aglomera gente sem máscara, depois vai para outro e conclama a população a sair de casa. Além de conclamar, joga uma ameaça: aquele governador que fechar agora tem que pagar o auxílio emergencial. É um esforço enorme para conscientizar a população e o cara vem e conclama o contrário.
Por que o senhor defende a instalação da CPI no Senado?
Estou pedindo ao Senado, com receio de que teremos dificuldade porque não sei qual vai ser a posição do presidente Rodrigo Pacheco, que instale a CPI da covid-19. Ele colocou meio na gaveta, fez aquela audiência com Pazuello, que foi um desastre, para empurrar com a barriga. É preciso parar esse cara (Bolsonaro). O intuito da instalação da CPI não é nem para punir, mas é para pelo menos parar essa insanidade. Por ser presidente da República, não pode conclamar a população inteira a correr risco de morte sem nenhum tipo de punição.
Que medida prática a CPI faria? Pode encaminhar uma denúncia ao Ministério Público?
Denúncia ao Ministério Público. Primeiro, há crime contra a saúde pública, isso é claro. Segundo, há crime contra a federação, porque está conclamando a população a fazer o contrário do decreto de um governador do Estado e ainda ameaçando governadores que fizerem isso.
O senhor advoga a tese do impeachment?
Eu só quero parar com isso, que o presidente caia em si. Acho que impeachment vai criar uma crise sem tamanho. E, outra coisa, ele tem seguidores. Vai piorar a coisa. Temos que conscientizar o presidente pelos seus puxa-sacos que isso tem consequências legais e ele vai ter que pagar por isso um dia. Não é assim. Dentro da CPI da covid-19, vamos levantar quem é responsável.
O presidente do Senado está segurando a CPI. Qual é a viabilidade de ele autorizar?
O pedido de CPI está na mesa do presidente do Senado com as assinaturas. O que eles podem fazer é pedir que senadores retirem assinaturas. Se não, vai ser mais cedo ou mais tarde obrigado a implantar. Esse vai ser o grande teste do Rodrigo, se ele realmente é independente como está dizendo – e eu espero que seja – ou se para ganhar se comprometeu até à alma com o Bolsonaro.
O senhor acredita que Pacheco será independente? A comissão de acompanhamento que ele autorizou é para empurrar com a barriga?
Estamos com a possibilidade enorme de ter um caos no Brasil inteiro. Eu acredito que o presidente do Senado é um homem que tem consciência disso. A comissão de acompanhamento funciona bem, mas não tem consequência nenhuma. CPI é que mostra que tem consequência. O objetivo da CPI não é criar crise, é mostrar que o presidente da República não pode fazer e dizer o que quer, que tem consequências e que vai ser responsabilizado.
O funcionamento remoto do Senado em função da covid-19 pode servir como justificativa para não instalar a CPI?
Justificativa não, pode servir de desculpa. Vai ter argumentação de que é difícil fazer virtualmente. A instalação tem de ser já, mesmo remotamente. Não podemos ficar quietos. Não estamos funcionando remotamente para outras coisas de muita responsabilidade? Não tá a PEC Emergencial aí agora? Não tá a PEC da imunidade na Câmara?
Guilherme Amado: Senadores de oito partidos falam em impeachment de Bolsonaro por Covid, Veja prints
Em grupo de WhatsApp, conclamados por Tasso Jereissati, senadores de diferentes partidos concordaram sobre a necessidade uma CPI da Covid e de responsabilização de Jair Bolsonaro
Senadores de oito partidos, inclusive integrantes da base aliada, criticaram a postura de Jair Bolsonaro e defenderam a necessidade criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar e responsabilizar a atuação do presidente durante a pandemia.
A coluna teve acesso a prints de mensagens trocadas no sábado 27 no grupo de WhatsApp que reúne os 81 senadores, em que, conclamados por Tasso Jereissati, do PSDB do Ceará, senadores de PSD, MDB, PT, Cidadania, Rede, PROS, Podemos e Republicanos concoradaram com a necessidade de responsabilizar Bolsonaro.
Escreveu Jereissati, às 14h27 deste sábado:
"Senadoras e senadores, o presidente Bolsonaro esteve no Ceará, ontem, sexta-feira, quando cometeu pelo menos dois crimes contra a saúde pública, ao promover aglomerações sem proteção e ao convocar a população a não ficar em casa, desafiando a orientação do governo do estado e ainda ameacando o governo de não receber o auxílio emergencial. Desta maneira a instalação da CPI no Senado tornou-se inadiável. Não podemos ficar omissos diante dessas irresponsabilidades que colocam em risco a vida de todos brasileiros".
A partir daí, começaram os apoios.
"Toda razão amigo Tasso, o PR (Bolsonaro) afronta os governadores que estão na ponta cuidando da saúde nos estados, cabe ao Senado, a Casa da federação, contestar essa ação equivocada do PR JB, que leva a quebra de protocolos e leva à expansão da doença no país", escreveu Otto Alencar (BA), do governista PSD, acrescentando: "O PR receitou cloroquina, depois reconheceu que era placebo, muitos usaram. Aqui na Bahia alguns morreram por parada cardíaca, inclusive um médico morreu, Dr Moisés, de Ilhéus, por parada cardíaca".
"Isto, mestre Tasso. Dói na alma estas coisas. Ainda bem que temos governadores e prefeitos que cumprem seus deveres", criticou Confúcio Moura, do MDB de Roraima.
"Concordo 100%", escreveu Alessandro Vieira, do Cidadania do Sergipe.
"Concordo, Tasso", respondeu a senadora Zenaide Maia, do PROS do Rio Grande do Norte.
"Registrei imediatamente as inconsequentes posturas presidenciais, com o respeito cabível e exigível, ao fazer carreata no dia que se verificara o maior número de óbitos de nacionais", concordou Veneziano Vital do Rêgo, do MDB da Paraíba.
"Esse negacionismo já passou do limite. O Brasil já ultrapassou os 250 mil mortos e vamos ter lamentavelmente próximos dias muito graves em mortes e colapso da rede pública em vários estados", criticou Eduardo Braga, do MDB do Amazonas.PUBLICIDADE
"Concordo e apoio a iniciativa do senador Tasso! Nosso PR tem tido um comportamento totalmente errado em relação a como cuidar dos brasileiros no que diz respeito à pandemia. Desde o início, tudo errado. Não é razoável que depois de tudo o que aconteceu no mundo ele continue nagacionista", escreveu Oriovisto Guimarães, senador pelo Podemos do Paraná.
"Um depoimento que contrapõe a insensatez e dureza de coração de muitos", comentou Mecias de Jesus, líder do Republicanos e eleitor por Roraima, em cima de um vídeo em que o secretário de Saúde de Rondônia critica as aglomerações e faz um apelo pela conscientização.
"Concordo com Tasso Jereissati. Agora mais do que nunca sobejam razões para instalar a CPI", escreveu Randolfe Rodrigues, da Rede do Amapá.
"Uma grande verdade, Tasso! Está na hora", concordou Eliziane Gama, do Cidadania do Maranhão.
"Concordo plenamente. Não há outro caminho", acompanhou Humberto Costa, do PT de Pernambuco.
"Concordo 100% (II). Aqui em Natal, há 'discípulos' até hoje: o prefeito", escreveu Jean Paul Prates, do MDB do Rio Grande do Norte, compartilhando um vídeo em que o prefeito de Natal, Álvaro Costa Dias (PSDB), recomenda o uso de ivermectina, medicamento sem comprovação científica para o combate à Covid-19.
Tasso Jereissati: 'Partidos foram triturados no Congresso'
Tucano atribui o racha em sua legenda às eleições na Câmara e no Senado, marcadas, segundo ele, pela ‘captação individual de votos’
Julia Lindner, O Globo
BRASÍLIA - O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) afirmou, em entrevista ao GLOBO, que seu partido, assim como os demais, foi “triturado” durante a eleição para as presidências da Câmara e do Senado e agora tem a oportunidade de se reconstruir.
Para ele, o melhor nome para disputar a eleição de 2022 será aquele que conseguir unir as legendas de centro, da esquerda à direita, a fim de evitar a polarização como a que ocorreu no segundo turno do último pleito, entre Jair Bolsonaro e petista Fernando Haddad.
Como o senhor avalia o cenário atual do PSDB? O partido está rachado?
O PSDB está num momento de transição, de reconstrução, procurando manter os seus princípios iniciais e fundamentais. Ao mesmo tempo, esse período agora é diferente, em que todos os partidos, todos, foram triturados ou tratorados pelo processo eleitoral de Senado e Câmara. Em uma olhada panorâmica, o DEM rachou, PSDB trincou, PSD teve problemas... Isso porque o processo que se instalou nas duas Casas do Congresso foi na base da captação de votos individual.
Sempre teve isso, mas os partidos também tinham um grande peso. Agora os partidos foram ignorados como se não existissem. Isso fez com que pessoas, de bolsonaristas a petistas, votassem nos mesmos candidatos. Essa questão de não haver uma coesão absurda não é privilégio do PSDB, todos os partidos estão vivendo problemas.
É possível encontrar uma saída?
É um bom momento para o PSDB se reconstruir, estávamos vivendo isso... Tínhamos uma candidatura natural (à Presidência da República) do governador de São Paulo (João Doria), que só pelo fato de ser governador de São Paulo já o torna presidenciável, e se abre uma nova perspectiva trazendo ao cenário mais um outro candidato de uma parcela do PSDB, o Eduardo Leite (RS), que traz uma perspectiva extremamente democrática para voltarmos às discussões dos nossos ideais, dos nossos princípios. E vai prevalecer aquele que se identificar mais com esses princípios. Tem que ser um princípio que junte mais os partidos de centro.
Considerando os nomes de Doria e Leite, qual deles tem o melhor perfil hoje para unificar o centro? Avalia que Doria tenderia mais para a direita do que para o centro?
Eu acho que antes de definirmos o nome, temos que definir o que queremos. Estamos vivendo um momento que, além dos partidos, vivemos uma crise de valores, uma crise sanitária, econômica e social. Então, eu acho que aquele que tiver capacidade de unir desde o centro mais à direita até o mais à esquerda, com o propósito de acabar a polarização em que (entre) a extremíssima esquerda e a extremíssima direita, o ódio é que está prevalecendo... Esse que tiver mais capacidade de fazer essa união será o candidato ideal.
Mas ainda não está na hora de definir (um nome), e sim o que queremos e conversar com outros partidos, inclusive com a possibilidade de aparecer outro nome com poder de agregação.
O senhor vê Luciano Huck com uma dessas alternativas?
Tem essa possibilidade. Não estou dizendo que seja ele, estou colocando. É um rapaz novo, não vejo problema no fato de não ser político, existem vantagens e desvantagens. Ele tem feito um esforço enorme de aprender, captar soluções e ideias que estão pairando pelo mundo. É um rapaz de centro.
A situação na Câmara e no Senado mostrou a bancada dividida e em parte apoiando o nome de Bolsonaro à presidência das Casas. Não é um sinal de que é difícil unir o partido e fazer oposição?
Essa definição de oposição em relação ao governo está tomada. É uma definição que está sendo reforçada com a ratificação do nome de Bruno Araújo (ao comando do PSDB). A diferença que houve durante as eleições não é um desafio só nosso, e sim de todos os partidos e democratas. Houve uma manipulação profunda que dizimou a unidade dos partidos.
O PSDB tem um alinhamento na área econômica com o governo. Como fazer essa diferenciação em relação a outras pautas?
Olhando em uma visão geral nós temos, sim, uma identidade muito grande, não total, na área econômica, mas nas outras questões temos uma distância enorme. Se for para falar de política externa, é o oposto da apresentada pelo ministro de Relações Exteriores, que é incompreensível. Se formos falar de tendência ao autoritarismo, somos um partido que nasceu da redemocratização. Enfrentamento da pandemia, coronavírus e Ministério da Saúde... É um desastre que chega a ser quase criminoso. As coisas que aconteceram e estão acontecendo beiram a irresponsabilidade total.
A nossa identidade é nessa questão da pauta econômica mais liberal, porém não é 100%. Nada nos impede quando as pautas econômicas chegam no Congresso de apoiarmos o governo. Fomos oposição ao (ex-presidente) Lula e à (ex-presidente) Dilma e nunca fizemos o quanto pior melhor. Se vier, por exemplo, uma proposta muito boa para a Saúde vamos aprovar.
Pensando em 2022, o senhor teme um cenário como o da última eleição, com Bolsonaro e o candidato do PT no segundo turno? Isso colocaria o PSDB numa situação difícil?
O Bolsonaro ganhou as eleições porque havia um forte sentimento antipetista na população brasileira. Eu costumo dizer que o Bolsonaro nasceu do PT. Quando o PT começou a dividir o Brasil entre nós e eles, dividiu o Brasil e acabou levando para a radicalização. Isso se transformou na extrema direita. Isso (cenário de 2018) só vai se repetir se nós, do centro, centro-direita, centro-esquerda, formos muito divididos novamente para a eleição. Porque você tem um nicho certo de eleitores na extrema esquerda e na extrema direita.
Se esse centro que é a maioria ficar todo subdividido, pode ser, como aconteceu, que a subdivisão leve a uma reedição de uma maneira piorada dessa polarização que só gerou ódio, dividiu a população. As pessoas não querem saber de argumentos. Tenho grande esperança de que possamos construir uma candidatura de centro mais sólida.
Como o senhor vê a sinalização, por exemplo, do ACM Neto não descartar um apoio a Bolsonaro lá na frente?
Eu acredito que o Neto disse isso mais como uma figura de linguagem, tipo “não estou descartando algum cenário”. Porque todas as vezes em que eu conversei com ele, além de negar de maneira muito veemente qualquer aproximação com Bolsonaro, não é da índole dele, da criação dele, qualquer aliança maior com um governo com esses defeitos.
O senhor falou do antipetismo. Avalia que a oposição do PSDB ao PT e especialmente a postura na eleição de 2014 de questionar o resultado contribuiu para esse ambiente?
Não foi nem a oposição do PSDB ao PT. Quando o PT fez o ‘nós e eles’ visou principalmente o PSDB, demonizou os nossos governos, neoliberalistas, os nossos candidatos, todo o primeiro governo do Lula tinha o negócio da herança maldita. Tudo era feito para demonizar o PSDB. Isso fez com que os eleitores do PSDB acabassem nas mãos da extrema direita, que criou o Bolsonaro.
Aécio Neves (MG) influênciou na eleição da Câmara no apoio ao candidato de Bolsonaro. A permanência dele atrapalha a imagem do PSDB?
Esse assunto está morto. O Aécio não está influindo, está calado lá. Ele não é mais uma liderança do partido, não tem relevância dentro das discussões. É um assunto morto e não tem por que abrir essa ferida. Temos outros assuntos tão importantes agora que isso seria sair do foco.
O que achou das explicações de Eduardo Pazuello ao Congresso? Ainda vê necessidade da CPI da Covid?
A grande maioria do PSDB assinou a CPI da Pandemia e estamos defendendo principalmente depois do depoimento do ministro da Saúde, que não respondeu as questões fundamentais. Alguém de governo tem que ser responsabilizado para que isso não volte a se repetir.
A situação em Manaus evidenciou mais a crítica que se faz ao governo na pandemia?
Claro. Aquilo foi um caos, um conjunto de crimes em relação à total falta de sensibilidade com o que estava acontecendo em Manaus, pessoas morrendo asfixiadas no meio da rua e o governo distribuindo cloroquina. E não só em Manaus. Cidades estão parando de vacinar por falta de vacina. É um conjunto de crimes, e alguém precisa ser responsável por isso. Não é possível que centenas de milhares venham a falecer e essa negligência fique impune. Até para que não volte a acontecer.
Elio Gaspari: Tasso avisa: trinquem os dentes
Bolsonaro sonha com um problema na eleição presidencial
Na sua entrevista aos repórteres Renan Truffi e Vandson Lima, o senador Tasso Jereissati deu um aviso, coisa de quem conhece a política brasileira: “As instituições precisarão ser fortes, trincar os dentes”. Há uma semana vê-se o espetáculo da partida de Donald Trump num país de instituições fortes. Depois de um sobressalto inédito, Joe Biden assumirá a Presidência dos Estados Unidos. As instituições brasileiras não têm a força das americanas, e nos próximos dois anos elas passarão por um teste de estresse.
Jair Bolsonaro, com sua opção preferencial pelo apocalipse, já deu a pista: “Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”. O inesquecível Chacrinha dizia que “não vim aqui para explicar, eu vim aqui para confundir”.
Ao confundir, Bolsonaro explicou: ele sonha com um problema na eleição presidencial. Ele já sonhou com saques na pandemia e com uma intervenção no Supremo Tribunal Federal. Um apocalipse viria do andar de baixo. O outro talvez viesse daquilo que ele chamou de “as minhas Forças Armadas”. Nenhum dos dois se materializou. Sabe-se lá o que Donald Trump tinha na cabeça, mas no dia 6 de janeiro os seus milicianos (“we love you”) bateram num muro e agora estão sendo recolhidos pela polícia.
A pandemia e os problemas sociais dela decorrentes não foram produzidos pelo governo de Bolsonaro, mas sua barafunda agravou-os. Outros, contudo, saíram dele e, se isso fosse pouco, não têm origem racional.
Bolsonaro já encrencou com os três maiores parceiros comerciais do Brasil. Ganha a fritada de morcego do mercado de Wuhan quem for capaz de dizer o que o Brasil tinha a ganhar metendo-se no processo eleitoral americano ou no argentino. Ganha duas fritadas quem encontrar uma razão plausível para as caneladas que dá no governo chinês.
Não se sabe de outro presidente brasileiro que tenha encrencado com qualquer um dos três sem motivo razoável. Isso acontece numa época em que poderosas empresas industriais como Ford e Mercedes-Benz vão embora do Brasil. Nenhuma das duas faz as malas por causa de Bolsonaro. As montadoras perderam dinamismo, e quem ganhou vitalidade foi o agronegócio. Sem ter tomado medidas relevantes para estimulá-lo, Bolsonaro associou-se aos agrotrogloditas e tisnou a marca das exportações nacionais.
O senador Jereissati mostrou o tamanho do problema e apontou uma conduta: “Temos que trincar os dentes e termos instituições bem fortes: Congresso, Supremo, imprensa”.
Serão dois anos de sobressaltos, mas não há caminho melhor.
Seripieri
Num artigo, o reputado empresário José Seripieri Júnior reclamou de um texto do signatário relacionado com a delação que fez à Procuradoria-Geral da República depois de passar alguns dias na cadeia e de ter pagado uma multa de R$ 200 milhões por suas práticas. A delação desse bem-sucedido conhecedor do mercado de planos de saúde privados poderá, ou não, jogar luz sobre as relações promíscuas de empresas com burocratas e políticos.
Homologadas em dezembro, as confissões de Seripieri ainda estão sob sigilo. Quando se tornarem públicas, seus confessos malfeitos poderão ser devidamente avaliados.
Elena Landau: Juntos e misturados
É fundamental melhorar a qualidade dos gastos sociais no País
O senador Tasso Jereissati acaba de propor uma Lei de Responsabilidade Social (LRS). O PL 5.343/2020 é a etapa final de um trabalho de advocacy, que reuniu a academia, o Livres, o Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) e um grupo de parlamentares envolvidos com o tema da renda cidadã, infância e educação. A sociedade civil se organizou e ocupou o vácuo deixado pelo Executivo em assunto da maior importância.
Algumas ideias já vinham sendo estudadas desde o início da pandemia. Várias propostas circulavam em seminários e artigos, incluindo desde a ampliação do programa Bolsa Família até a criação de uma renda mínima universal.
Muitas delas esbarraram na falta de fontes de financiamentos. Era preciso buscar uma solução que melhorasse a qualidade das despesas, respeitando os limites fiscais. O Brasil não gasta pouco com social, quando incluídos no total os programas de transferência e aposentadorias – priorizando mais idosos que crianças.
O auxílio emergencial foi feito às pressas para atender aos efeitos humanitários, econômicos e sociais da covid-19. Seu redesenho se apresenta como uma oportunidade para a criação de um projeto permanente, mais eficaz no combate à pobreza.
Em maio, o Livres, do qual sou presidente do Conselho Acadêmico, realizou um debate com dois de nossos conselheiros, Ricardo Paes e Barros e André Portela, especialistas em políticas sociais. O Livres é um movimento suprapartidário e defende uma agenda liberal, que vai além da pauta econômica. É conhecido como “liberal por inteiro”, porque entre seus princípios estão a busca de igualdade de oportunidades e inclusão, o que abarca tanto o combate à pobreza quanto a redução de desigualdades e maior mobilidade social.
Desse encontro, surgiu a ideia de montar uma proposta de unificação de diferentes políticas de transferência, com melhor focalização dos gastos sociais. Hoje, se reconhece que se desembolsou mais do que o necessário com o auxílio emergencial, o que, de um lado, permitiu relativa recuperação de certos setores da economia, mas gerou uma piora dramática nas contas públicas.
Para sugerir uma alternativa, o Livres buscou outros especialistas, que sugeriram um trabalho em três dimensões. A primeira, a focalização e a unificação de benefícios. A segunda, uma atenção ao mercado informal de trabalho, cujo problema não é tanto de baixa renda, mas de volatilidade da renda. E, por fim, um projeto que respeitasse os limites fiscais do teto de gastos. Vinicius Botelho, Fernando Veloso e Marcos Mendes aceitaram o desafio.
Bom lembrar que, no início dos trabalhos, o presidente já havia interditado qualquer ideia de unificação de benefícios, que previa revisão do salário família e abono salarial, com a frase populista e de grande impacto político: “Não vou tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”.
Independentemente da decisão do governo, a proposta foi levada ao CDPP, que, através de seu diretor e sócio fundador, Ilan Goldfajn, abraçou a ideia de imediato e deu todo apoio financeiro e logístico. Uma contribuição fundamental para a viabilização do projeto. Foi então desenhada uma proposta de Lei de Responsabilidade Social.
Para isso, foram realizados debates preliminares com outros especialistas da área social, que trouxeram boas contribuições. Reuniões mais amplas se seguiram até a versão final. O trabalho completo pode ser encontrado no site do CDPP. Ele traz também sugestões legislativas para sua implementação.
Foi organizado com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, uma apresentação a alguns parlamentares, que já se empenhavam na busca de uma política de transferência de renda nova e permanente, entre eles o senador Tasso Jereissati, autor do PL da Lei Responsabilidade Social.
Não só os efeitos da pandemia ainda serão sentidos em 2021, como é fundamental melhorar a qualidade dos gastos sociais. O País vem enfrentando há anos as consequências de políticas fiscais irresponsáveis, que geraram recessão, desemprego e aumento da desigualdade.
A mobilidade social no Brasil é muito baixa, filhos de pobres e de pais com baixa escolaridade já nascem com seu destino marcado. Uma das propostas do estudo é incentivar a conclusão do ensino médio com a criação da Poupança Mais Educação. Além disso, é necessário enfrentar questões de desigualdade que começam já na primeira infância, sem abandonar a responsabilidade com as contas públicas.
O PL apresentado por Tasso Jereissati traz, como é natural na busca de viabilização política, algumas modificações. Entre elas, a previsão de redução de 15% nas renúncias tributárias caso as metas de redução da pobreza não sejam atingidas.
A Lei de Responsabilidade Social, com relatoria do senador Antonio Anastasia, se aprovada, mostra a importância da advocacy, um movimento que se inicia na sociedade civil para sugestões de políticas públicas. Foi um trabalho conduzido por muitas mãos.
*ECONOMISTA E ADVOGADA
O Estado de S. Paulo: ‘O sistema político ficou falido, não serve mais’, diz Tasso Jereissati
Senador tucano critica ‘falta de aptidão’ do atual governo e diz que uma administração ruim pode levar ‘à crise institucional’
Naira Trindade, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Um dos parlamentares mais experientes no Congresso, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) afirmou ao Estado não ver saída para a sucessão de crises no atual sistema político, o qual considera “torto e falido”. “Não serve mais. É crise após crise. Não tem clima mais para impeachment, e essas questões de um mau governo ou de um desgoverno levam à crise institucional”, disse.
O tucano, que passou a ser um dos conselheiros do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), aposta no parlamentarismo como alternativa, mas avaliou ser inoportuna uma discussão mais aprofundada do tema neste momento, “porque seria considerado golpe, ilegítimo e irracional”.
Depois de três mandatos como governador do Ceará e 12 anos de experiência no Senado, Tasso demonstrou preocupação com a onda dos colegas de consultar as redes sociaisantes de votar. “A população nem sempre está com a razão e isso começa com o julgamento de Jesus Cristo e Barrabás.”
O sr. tem participado de discussões sobre o parlamentarismo. Isso vai ser analisado pelo Congresso?
Há uma preocupação em relação às crises políticas, desencontros e até antagonismos entre os Poderes. Sem estabilidade, o País não cresce. Pode passar a reforma da Previdência, (mas), se não houver um clima de estabilidade e confiança, vamos continuar com os mesmos problemas. A economia está mal. Todo governo procura estabilidade e a oposição tenta desestabilizar. Mas, aqui, o próprio governo cria crises para desestabilizar e cria um clima que não é propício ao investimento, que é fundamental.
E sobre o parlamentarismo?
Algumas pessoas, inclusive eu, defenderam – não para agora porque seria considerado golpe, ilegítimo e irracional, mas para o futuro –, começar uma discussão sobre parlamentarismo. A minha ideia, e do próprio senador José Serra (PSDB-SP), autor da proposta, é que o sistema político que estamos vivendo ficou torto e falido, não serve mais. É crise após crise. Não tem clima mais para impeachment, e essas questões de um mau governo ou de um desgoverno levam à crise institucional. No parlamentarismo, o Congresso vai ter mais compromisso na hora de votar ou deixar de votar em função de que seu mandato vai estar em jogo também.
E o sr. tem esperança no governo do presidente Jair Bolsonaro?
A área econômica está no rumo certo. Mas pode se tornar um governo extremamente ineficiente em função de outras áreas. É um governo liberal na economia, mas conservador nos costumes e comportamento social. Sou menos pessimista porque acho que a economia está indo na direção correta. Existe uma possibilidade grande de essas reformas serem aprovadas no Congresso. Há uma consciência de que elas são necessárias, apesar dos desacertos do governo, e as reformas vão andar por si só. Ele (Bolsonaro) se complica muito se mantiver essa visão retrógrada em relação à liberdade das pessoas e suas opções de vida e manifestação de opiniões.
O sr. também consulta as redes sociais antes de votar?
Antigamente, eram proibidas manifestações na galeria do Senado, sob o princípio de que os senadores não poderiam votar sob pressão das galerias. As votações eram de acordo com a convicção. Agora, as pessoas votam com medo de apanhar das redes sociais. E a população nem sempre está com a razão, a começar com o julgamento de Jesus Cristo e Barrabás. É preciso ter equilíbrio. As redes sociais devem ser ouvidas, mas tem de seguir as convicções, porque o nível de informações que você tem é maior que a multidão como um todo.
O sr. será o relator da reforma da Previdência no Senado. Como vai conduzi-la?
A reforma é essencial. Só tenho medo porque está se apostando tudo nela. Ela é essencial para evitar que o País não caia no precipício, mas não resolve todos os problemas. Ela vai dar as condições para a gente crescer e tomar iniciativas. Há uma certa visão de que o governo precisa agir e motivar um crescimento econômico mais acelerado. Meu medo é de que fique essa expectativa de que passou e está tudo resolvido. Não está.
E o governo indicou alguma alternativa?
Até agora, não. Estamos na expectativa, mas, concretamente, ainda não. E acho que isso está quebrando o ânimo dos investidores do mercado, porque parece música de uma nota só: Previdência.
E a reforma tributária?
A reforma tributária é mais difícil de aprovar do que a da Previdência. Se ele (Bolsonaro) imagina uma reforma tributária que vai elevar a arrecadação, não é o que a população nem o setor produtivo estão esperando. Se o ministro da Economia (Paulo Guedes) conseguir aprovar isso em três anos, eu dou um beijo na testa dele.
O sr. defendeu o pacto entre os Poderes. É o caminho?
É uma boa iniciativa. No Brasil, está todo mundo contra todo mundo. É preciso, como sociedade, ter alguma visão comum de rumo de Estado, que as pessoas se compreendam e marchem para pontos que são comuns a todos. A iniciativa é boa, mas precisamos muito do saneamento, educação, que está parada, e é importante porque vivemos no mundo do conhecimento. Não adianta ter reforma da Previdência se não tiver uma população preparada para esse mundo novo da internet, da inteligência.
O sr. é um dos conselheiros de Davi Alcolumbre. Vai aconselhá-lo a assinar o acordo?
Não conheço o texto, mas imagino que seja mais de propósitos e intenções do que uma coisa concreta. Acho que vale como um gesto das autoridades. Mas não vejo muito sentido um papel escrito. Existe uma má vontade grande com o governo. Tanto no Senado como na Câmara e isso precisa ser desfeito.
Essa má vontade é normal em início de governo?
Claro que não. Há uma inexperiência enorme, falta de aptidão para governar muito grande e um desconhecimento da coisa pública. Isso é uma coisa inédita. Eu nunca vivi isso. É tão novo para mim quanto para um garoto de 18 anos que está chegando agora. E ainda tem essa influência dos filhos (de Bolsonaro) de uma maneira negativa para o próprio governo, que cria um atrito e desestabiliza, que é contra o governo. Bolsonaro ainda não conseguiu cair a ficha: sou o presidente da República e é preciso estabilidade, que é importante cada coisa que falo e que tem reflexos e consequências. E precisamos ter a condição necessária para fazer as coisas acontecerem. No momento que cair essa ficha, as coisas vão melhorar e (ele pode) até dar umas palmadas nos filhos.
O PSDB já comandou o Ministério da Educação. Como o sr. vê o trabalho do atual ministro?
Eu pensei até que era brincadeira quando vi o ministro (Abraham Weintraub)cantando o musical de Gene Kelly. Isso é uma coisa que leva a uma frustração muito grande a quem está preocupado com o País. Dá um certo desânimo. A sensação que temos é de uma educação parada.
O sr. foi relator da MP do Saneamento, que caducou. Como pretende reverter isso?
O saneamento está entre os problemas mais sérios no Brasil e, infelizmente, não é dada a relevância. Crianças brincam em cima do esgoto. A iniciativa privada precisa ser atraída para investir por uma razão simples: são necessários R$ 550 bilhões nos próximos dez anos para chegar a 80% da cobertura.
O sr. vai apoiar o governador de São Paulo, João Doria, à Presidência em 2022?
É muito cedo. Qualquer governador de São Paulo é um “candidatável” a presidente. Mas minha vida política ensina que temos muita água para rolar embaixo da ponte até lá. Aprendi isso quando FHC era senador, não era lembrado para candidato à reeleição do Senado porque tinham opções mais fortes, e acabou virando presidente da República. Tem muita água para correr ainda.
Tasso Jereissati: Janela de oportunidade
Parlamento tem de entender resultado das urnas
O eleitor brasileiro deu um claro recado de que não suporta mais viver sob o jugo de um Estado dirigista, provedor de privilégios para uns e de privações para outros. Clama por uma política de simplificação tributária, de controle dos gastos públicos e combate permanente à hipertrofia do Estado que levou à bola de neve da estagnação econômica.
No seu dia a dia, o cidadão pode até não saber formular com clareza sua demanda, mas, ao votar na proposta mais distante do establishment político, deixou patente que não suporta mais conviver com a falta de atendimento à saúde, à educação, com o transporte público ineficiente, sem segurança e, principalmente, com os escândalos de corrupção que tomaram conta da cena política.
Para fazer frente a tantos e urgentes desafios, o mundo político não pode fazer de conta que essa mensagem foi dirigida apenas ao Executivo. Trata-se de um recado também ao Legislativo e ao Judiciário.
O mesmo eleitor que votou para presidente votou também, com o mesmo sentimento, para os seus representantes no Congresso, de quem se esperam demonstrações de distanciamento do jogo de toma lá dá cá, que se tornou quase um padrão nas relações com o Executivo.
As grandes reformas estruturantes, da Previdência, fiscal, e trabalhista, assim como tantas outras de não menor importância, são pautas que exigem atitude republicana de deputados e senadores.
Combater o patrimonialismo e o corporativismo, enfrentar a ferida absurda da desigualdade social, ao mesmo tempo criando um ambiente democrático favorável à livre iniciativa e aos negócios, com segurança jurídica, são exigências morais que não podem estar condicionados a jogos de interesses paroquiais. Sem as reformas, ninguém conseguirá governar, seja o presidente, sejam os governadores ou os prefeitos.
Para conseguir obter consenso na reforma da Previdência, a mãe de todas as reformas, o governo terá que lidar com a maior fragmentação partidária da história do Parlamento. Somente no Senado, foram 15 os partidos que obtiveram assentos. Mesmo considerando fusões inevitáveis, o Parlamento brasileiro apresenta-se com uma das maiores fragmentações partidárias do planeta, perdendo apenas para Papua-Nova Guiné.
E não se espere que tamanha fragmentação seja o reflexo do contraste do nosso quebra-cabeça coletivo. Agremiações parecem não ter um autêntico lastro social que resulte no acesso dessa miríade de partidos às cadeiras do Parlamento. A governabilidade já é comprometida na origem pela ausência de uma maioria estável, exigindo tratativas e negociações com uma base tão heterogênea que se traduz em alto custo político do processo decisório.
Em democracias consolidadas e maduras, o partido mais votado alcança em torno de 40% do total dos votos. No Senado, o mais votado, o MDB, alcançou só 14,8%. Vale lembrar que para aprovar uma PEC (proposta de emenda constitucional) são necessários 60% dos votos. Isso indica as dificuldades enormes de articulação política que terá o novo governo. Sem contar o fato de que, das 54 vagas em disputa neste ano, 46 serão ocupadas por novos nomes.
Mas devemos ter presente que o momento que vivemos não é um soluço no tempo. É fruto de camadas de ressentimentos populares contra o que se tornou a imagem da política e dos políticos. A população, pelo voto, não apenas elegeu seus novos representantes, mas definiu uma carta de navegação para a ética política, à qual estamos todos sujeitos, independente do espectro político que ocupemos. Sendo o Legislativo o poder originário, o único em que todos os seus membros se submetem à vontade coletiva, devemos ser também os primeiros a auscultar o ânimo que brota do voto democrático e soberano da cidadania.
Esse quadro torna ainda mais importante a eleição de um presidente do Senado capaz de se constituir de fato como o representante máximo do Parlamento frente à sociedade. Cabe a ele a interlocução com os meios de comunicação, autoridades, sindicatos, empresas e representantes diplomáticos. Estamos numa rara janela de oportunidade para desenhar um novo pacto constitucional entre os Poderes e, para tal, é necessário que o Parlamento, independente e altivo, compreenda o resultado das urnas.
*Tasso Jereissati, senador (PSDB-CE) desde 2015 e de 2003 a 2011; ex-governador do Ceará (1987-1991 e 1995-2002)
PSDB não tem a linha do Bolsonaro e fará oposição a ele ou ao PT, diz Tasso
Tucano diz que 'ventania no Congresso derrubou bons e ruins' e articula 'grupo do bom senso'
Thais Bilenky, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Senador com mais quatro anos de mandato e ex-presidente nacional do PSDB, o cearense Tasso Jereissati afirmou que Jair Bolsonaro (PSL) "não tem a linha" de seu partido, que será oposição no próximo governo, seja o militar o presidente, seja Fernando Haddad (PT).
Para Tasso, "o grupo de Bolsonaro é muito perigoso", e senadores já se articulam em um "grupo do bom senso" para resistir a empreitadas polarizantes. A "ventania no Congresso derrubou bons e ruins", lamentou.
O candidato tucano a governador de São Paulo João Doria "não representa a cara" do PSDB, afirmou Tasso.
Como está o clima no Senado?
Está pesado. Com a quantidade de gente que não se elegeu, está todo mundo para baixo, deprimido. Acho que nunca vi isso. A renovação, nas outras eleições, não era tão grande, e tem gente muito boa [que não se reelegeu]. Cristovam [Buarque (PPS-DF)], Armando Monteiro [(PTB-PE), que tentou o governo de Pernambuco], Ricardo Ferraço (PSDB-ES). É uma pena.
Os eleitos não têm o mesmo preparo?
A minha primeira impressão é que caiu [a qualidade] pelos que saíram. Não estou vendo gente com esse nível, não. Vai ter muita gente nova, pode ter surpresas, mas a primeira impressão é caiu. A ventania derrubou tudo, bons e ruins. Mas foram os bons, que eram poucos.
Essa onda conservadora reconfigurou o Congresso.
Não foi só conservadora, não, porque os líderes conservadores também foram [embora]. Armando, que era candidato ao governo, Ferraço... Quer um senador que tenha tido desempenho melhor que o Ferraço nesses anos na linha de economia liberal? Eu vejo alguns de extrema direita, que não são liberais na economia, são estatizantes até.
Têm às vezes viés autoritário. O sr. se preocupa?
Existe a preocupação aqui de fazer um bloquinho, bloquinho, não, um grupo do bom senso, seja de esquerda ou de direita, que vá se aglutinando para evitar essa polarização, e que o bom senso prevaleça.
Mas vai ser uma minoria, não?
Não sei, não sei quem vem.
Se Bolsonaro ganha, o sr. tem preocupação com a democracia?
O grupo dele é muito perigoso nesse sentido, mas acho que as instituições, pelo quadro que estou vendo aqui no Senado, serão uma coisa bem resistente, um ponto de equilíbrio bem forte. A confirmar, em função dos que estão chegando aí.
No segundo turno, o PSDB deveria tomar que postura?
Isso que foi decidido, nem um nem outro. [Nos estados], cada um nas suas eleições que tome a versão que quiser. Mas o PSDB não vai apoiar nem um nem outro, e a expectativa é que qualquer um que ganhe nós sejamos oposição. É a minha visão.
Como viu a postura do Doria na campanha?
Ele andou anunciando a posição bolsonariana antecipadamente. Não se empenhou [na campanha do Alckmin] e aparentemente participou de grupos com outra linha para a Presidência, mas eu não estava perto. A sensação que nós temos é que isso aconteceu e com intuito claro de se eleger, porque a corrente bolsonariana em São Paulo ficou muito forte, uma onda muito grande. No intuito de não perder voto e ganhar voto, ele foi para essa linha e abandonou o Geraldo.
Isso, politicamente, tem que efeito?
É ruim, claro. Tem consequências.
É uma traição?
Claro, principalmente em São Paulo, em se tratando do Geraldo. Afinal de contas, Geraldo foi quem fez ele de cabo a rabo. E é ali do lado, não é uma coisa de um sujeito lá no Piauí que não conhece o Geraldo e votou no Bolsonaro. É dentro da casa dele mesmo.
Doria tenta ter controle sobre o partido. Como vê esse movimento?
Ele pode ser uma saída para o PSDB neste momento de dificuldades? Não acho que ele seja a saída, não. Claro, se ele se eleger governador de São Paulo, terá peso muito grande. Mas não sei se ele representa a cara do PSDB nacional nem a cara do PSDB paulista.
Qual é a diferença dele para o PSDB? O que não se enquadra no perfil?
Pode ser até que o antipetismo seja mais forte do que tudo isso, mas a linha do Jair Bolsonaro não é a nossa linha.
O PSDB sofreu a pior derrota na eleição presidencial, encolheu a bancada.
É um momento bem difícil.