sustentabilidade
Lula 'toma posse' no exterior em meio a vácuo deixado por Bolsonaro
Laís Alegretti*, BCC News Brasil
Mais de 40 dias antes de assumir o Palácio do Planalto e com Jair Bolsonaro recolhido, Luiz Inácio Lula da Silva é tratado, na prática, como se já fosse presidente em compromissos no exterior e consegue atenção internacional com pauta ambiental.
Após participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), Lula tem encontros em Lisboa, nesta sexta-feira (18/11), com o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o primeiro-ministro, António Costa. Na manhã de sábado (19/11), Lula tem previsto encontro com a comunidade brasileira no Instituto Universitário de Lisboa
Na COP27, no Egito, Lula teve encontros com autoridades de outros países e foi aguardado por um grande público internacional - o que levou a imprensa francesa, por exemplo, a dizer que o brasileiro foi recebido "como uma estrela de rock" (jornal econômico Les Echos) e a descrever que foi "acolhido com um imenso fervor" (Le Monde).
O diplomata Rubens Ricupero avalia que Lula tem dominado a agenda "um pouco pelo acerto dele, um pouco pela omissão de Bolsonaro".
"Para todos os efeitos, é como se (Lula) já fosse presidente, até porque o outro esvaziou. Nunca vi isso antes, é como se não tivesse mais presidente, há não sei quantos dias. A agenda (de Bolsonaro) está completamente abandonada", disse o ex-embaixador e ex-ministro à BBC News Brasil ao comentar a viagem de Lula.
O silêncio de Bolsonaro e a escassez de compromissos oficiais vêm sendo destacados na imprensa brasileira. Além de poucos compromissos na agenda em Brasília e de um ritmo baixo de postagens no Twitter, Bolsonaro também não participou da cúpula do G20, na Indonésia.
'Legitimidade reforçada'
Ricupero diz que o fato de Lula ter conseguido imprimir um tratamento de presidente no exterior antes da posse "reforça a legitimidade em um momento em que aqui há um movimento muito grande de pessoas que contestam as eleições", em referência aos protestos de parte dos apoiadores de Bolsonaro.
O diplomata considera que Lula acertou no momento da viagem, no início do período de transição. Agora, ele diz, "o calendário tende a favorecer o Lula", já que há a Copa do Mundo e as festas de fim de ano até a posse.
"Com a Copa do Mundo, eu acho que boa parte desse sentimento de mobilização política (contra as eleições) vai abrandar. Terminando a Copa do Mundo, entra nas festas de Natal. Aí Ano Novo e posse, e é outra história", diz. "O momento mais crucial era agora."
Ao deixar o Brasil no início do governo de transição, Lula também se distancia, em certa medida, da disputa por espaço entre partidos aliados na formação do novo governo.
Ricupero, que já foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda lembra, ao mencionar viagens de Tancredo Neves e de Juscelino Kubitschek em momentos semelhantes, que "esse período de transição no Brasil é sempre muito carregado de risco, porque há muita intriga, além da chateação dos pedidos de todo tipo, porque todo mundo cai em cima do presidente".
O destaque negativo ficou para a carona que Lula pegou, para chegar ao Egito, no jato do empresário José Seripieri Filho, fundador da Qualicorp e dono da QSaúde, que chegou a ser preso em 2020 em operação que investigava supostas irregularidades na campanha de José Serra (PSDB-SP) ao Senado, em 2014.
"Eles deveriam ter calculado que cairia mal. Não creio que terá desdobramentos maiores, mas foi um descuido", diz Ricupero.
Ao lembrar que viagens de Tancredo foram feitas em aviões comerciais, Ricupero pondera que "naquela época não havia ameaça à segurança que há hoje" e diz que, no atual contexto, "também seria penoso pegar um avião comercial e ser vítima de manifestações de bolsonaristas, como essas contra os ministros do supremo em Nova York".
O diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, diz que não há problema jurídico na carona de Lula no avião particular. "Há um problema ético aí, se você quiser. Um problema ético de você aceitar um oferecimento de um empresário para viajar num avião privado."
Barbosa destaca problemas de segurança em uma eventual viagem em voo comercial e diz que, idealmente, o presidente eleito teria se deslocado de carona em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que tivesse viajado para o Egito.
Lula em Portugal
Ao noticiar a previsão de visita de Lula a Portugal, a imprensa portuguesa destacou que Bolsonaro nunca esteve no país enquanto presidente e que, no Brasil, cancelou um encontro com Marcelo Rebelo de Sousa em julho deste ano porque o português encontraria Lula.
O jornal Expresso escreveu que a visita de Lula "marca uma nova etapa das relações luso-brasileiras, que tinham sido objeto de um distanciamento institucional durante a Presidência de Jair Bolsonaro". O jornal Público disse que há "carga simbólica" na visita de Lula "por decorrer no ano do bicentenário da independência brasileira e por acontecer meses depois de Bolsonaro ter rejeitado receber o chefe de Estado português".
A visita do presidente português ao Brasil no 7 de setembro deste ano, que marcou o bicentenário, também é lembrada.
Rubens Barbosa diz que houve uma "desconsideração" com o presidente português no desfile. "Ele estava ao lado do presidente, o presidente não falava com ele, entrou o cara da Havan (Luciano Hang), ficou no meio... Isso foi uma coisa, diplomaticamente, muito ruim".
Ricupero já havia declarado que considera que o tratamento dado ao presidente de Portugal no governo Bolsonaro foi "inqualificável" e voltou a defender uma reparação.
"Os portugueses fizeram tudo o que nós pedimos, mandaram até aquela coisa do coração de Dom Pedro 1º, com aquele aspecto um pouco lúgubre... Colaboraram em tudo para que se pudesse comemorar o bicentenário, que acabou sendo um fracasso por culpa nossa, não deles".
Ricupero diz que "os portugueses foram maltratados". "Quando houve o 7 de Setembro, ele (Bolsonaro) deixou o presidente Portugal ao lado dele no palanque, mas não deu atenção nenhuma. E fez um tipo de discurso completamente fora do espírito da celebração", diz o diplomata.
E a falta de uma visita de Bolsonaro aos portugueses?
Para Rubens Barbosa, a ausência de uma visita de Bolsonaro a Portugal diz mais sobre a política externa do governo Bolsonaro em geral do que sobre a relação entre os dois países em si.
"Bolsonaro não visitou quase país nenhum, não tem nada de discriminação contra Portugal. Ele tem uma política externa muito complicada", disse. "A relação com Portugal é muito intensa e eu acho que o Lula, passando por lá, vai retomar essa tradição de contato estreito entre os dois países."
Lula na COP27: meio ambiente e a atenção internacional
A atenção internacional que Lula conseguiu logo após sua eleição também tem a ver com o tema central da viagem, já que a pauta ambiental é o maior interesse internacional no Brasil, devido principalmente à Amazônia.
"Lula foi para uma conferência que é, nesse momento, a mais importante da agenda internacional e na qual o Brasil é relevante", destaca Ricupero.
Na COP27, Lula disse que "não medirá esforços para zerar o desmatamento de nossos biomas até 2030" e afirmou que todos os crimes ambientais vão ser combatidos "sem trégua". Ele também propôs que a COP de 2025 ocorra na Amazônia.
Ricupero, que conta ter se filiado à Rede Sustentabilidade, diz que a pauta ambiental "deveria dominar grande parte da política externa" do novo governo Lula. "Tem outros aspectos da política externa do PT que são mais controversos - por exemplo, ele vai ter em algum momento que se posicionar em relação à Nicarágua, Cuba e Venezuela. No passado, sempre teve simpatia ideológica do PT (a governos desses países) e eu não sei o que ele vai fazer", disse.
"(A pauta ambiental) é um assunto que pode render enormes retornos ao Brasil a curto prazo, sem muito custo. O custo que tem é interno, de enfrentar os grileiros, mineradores, garimpeiros ou os madeireiros. De qualquer forma, ele é obrigado a enfrentar, porque são todas atividades criminosas, ilegais", diz.
*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil
Macron apoia proposta de Lula de realizar COP na Amazônia
DW Made for Minds*
O presidente francês, Emmanuel Macron, apoiou nesta quinta-feira (17/11) a proposta do presidente brasileiro eleito Luiz Inácio Lula da Silva de realizar a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) de 2025 na Amazônia.
"Gostaria imensamenente que pudéssemos ter uma COP na Amazônia, portanto apoio totalmente essa iniciativa de Lula", disse Macron, em viagem a Bangkok para uma cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC, na sigla em inglês).
"Apoio o retorno do Brasil a uma estratégia amazônica. Precisamos disso", acrescentou.
"A França é uma potência indo-pacífica e uma potência amazônica. A maior fronteira externa da França e da Europa é a fronteira de nossa Guiana com o Brasil", disse Macron.
Lula: oportunidade para o mundo conhecer a Amazônia
Durante a COP27, realizada atualmente no Egito, Lula expressou nesta quarta-feira a vontade de que a COP30 seja sediada por um estado da Amazônia, ecossistema essencial para o equilíbrio do clima global.
"Seremos cada vez mais afirmativos diante do desafio de enfrentar a mudança do clima, alinhados com os compromissos acordados em Paris e orientados pela busca da descarbonização da economia global", discursou Lula, reafirmando que a conferência seria a oportunidade de o mundo conhecer de perto esse bioma que seu governo promete proteger.
Em sua fala de aproximadamente meia hora, o presidente eleito repetiu para a audiência internacional a promessa de colocar o combate à crise climática no topo da agenda. A mensagem frisada é a de que o Brasil "está de volta" e que o isolamento internacional provocado por Jair Bolsonaro chegou ao fim.
O Brasil deveria ter sediado a COP25, em 2019, mas o governo Bolsonaro, então recém-eleito e em transição, retirou a oferta, alegando restrições orçamentárias.
Reaproximação entre Brasil e França
A vitória eleitoral de Lula no mês passado abriu caminho para uma aproximação entre Paris e Brasília, após relações tensas sob Bolsonaro.
Uma violenta polêmica estremeceu as relações entre Bolsonaro e Macron em 2019, em meio a incêndios florestais na Amazônia, cujo desmatamento aumentou acentuadamente sob Bolsonaro. Em meio a troca de farpas, o presidente ultradireitista brasileiro chegou a criticar Brigitte Macron, esposa do presidente francês, por seu aspecto físico.
Em telefonema com Lula após ao segundo turno, Macron afirmou que a eleição do petista é "uma excelente notícia" para a França. "Devo dizer que esperava com muita impaciência por este momento para que possamos reativar uma colaboração estratégica à altura de nossa história e dos desafios que temos pela frente", disse Macron, que foi um dos primeiros líderes estrangeiros a parabenizar o petista após a vitória.
Há exatamente um ano, Lula foi recebido por Macron em Paris com honras de chefe de Estado.
Nesta terça-feira, o secretário de Estado francês para Assuntos Europeus, Laurence Boone, afirmou que Paris vê o Brasil como um "parceiro essencial na América Latina".
lf (AFP, DW)
*Texto publicado originalmente no site DW Made for Minds
Eliziane Gama participa da COP-27 no Egito com o presidente eleito Lula
Cidadania23*
A líder do Cidadania no Senado e da Bancada Feminina, Eliziane Gama (MA), participou nesta terça-feira (15) de reunião, no Egito, com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e senadores que participam da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas.
“Encontro produtivo na COP27 com o presidente Lula. Depois de anos de desmonte na governança ambiental, o Brasil voltará a ter uma posição de destaque na preservação do meio ambiente e no desenvolvimento sustentável. O mundo quer voltar a negociar com o Brasil”, destacou a senadora.
Em evento no Brazil Action Hub da COP27 (Conferência do Clima), nesta segunda-feira (14), Eliziane Gama destacou que o Brasil terá anos melhores e um governo mais preocupado com o meio ambiente.
Para a senadora, os últimos quatro anos foram ‘sombrios’ e ‘tristes’ no que diz respeito à proteção ambiental.
“O governo trabalhou o tempo todo para destruir as políticas de proteção e fiscalização do setor”, disse.
Eliziane Gama ressaltou que as ameaças desse governo ao meio ambiente podem não ter acabado.
“Precisamos estar atentos para não deixar passar, nesses últimos 40 dias de governo Bolsonaro, decisões de última hora que agridam ainda mais o meio ambiente. Como projetos do pacote do veneno que representam mais retrocesso”, avaliou a parlamentar.
Ela afirmou que parlamentares do Congresso Nacional e membros da sociedade civil irão se reunir na próxima semana para discutir projetos nocivos ao meio ambiente.
Na avaliação da senadora, o Brasil vai retomar nos anos que virão o protagonismo histórico na proteção dos recursos naturais e das nossas riquezas. Para ela, a expectativa é muito grande de retomada do protagonismo brasileiro no setor e os dias de desmonte ficarão para trás. (Assessoria da parlamentar)
COP27: o que significa 'perdas e danos' nas discussões sobre as mudanças climáticas
Navin Singh Khadka*, BBC News Brasil
As negociações até agora se concentraram em pautas sobre como reduzir os gases de efeito estufa e como lidar com os impactos das mudanças climáticas. Mas há a expectativa de que outra questão ganhe importância: se os países altamente industrializados, que mais contribuíram para causar problemas climáticos e ambientais, deveriam reparar financeiramente os países que sofrem os impactos mais diretamente.
Desastres como enchentes, secas, furacões, deslizamentos de terra e incêndios florestais estão se tornando mais frequentes e intensos como resultado das mudanças climáticas, e os países mais afetados pedem ajuda financeira há anos para lidar com as consequências.
Isto é o que as palavras "perdas e danos" ("loss and damage", em inglês) significam. O termo abrange tanto as perdas econômicas (casas, terras, fazendas ou empresas) quanto não econômicas (mortes de pessoas, locais culturalmente importantes ou biodiversidade).
Após intensas negociações durante dois dias e a apenas uma noite da abertura da COP27, os delegados concordaram em incluir a questão das "perdas e danos" na agenda oficial.
O dinheiro que os países mais pobres estão exigindo ultrapassam os US$ 100 bilhões por ano que os países mais ricos já concordaram em transferir para os países mais pobres, visando ajudar estes a:
• reduzir os gases de efeito estufa, algo conhecido como "mitigação" nas negociações climáticas;
• tomar medidas para lidar com os impactos das mudanças climáticas, a "adaptação".
"As pessoas estão sofrendo perdas e danos causados por tempestades potencializadas, inundações devastadoras e derretimento de geleiras, e os países em desenvolvimento têm pouco apoio para se reconstruir e se recuperar antes do próximo desastre", diz Harjeet Singh, chefe de estratégia global da ONG Climate Action Network International.
"São as comunidades que menos contribuíram para causar a crise que agora estão na linha de frente dos piores impactos."
Quão grande é a fatura por perdas e danos?
Um relatório publicado pela Loss and Damage Collaboration, um grupo de mais de 100 pesquisadores e formuladores de políticas de todo o mundo, revelou que 55 das economias mais vulneráveis ao clima sofreram perdas econômicas de mais de US$ 500 bilhões entre 2000 e 2020. E isso poderia aumentar em mais US$ 500 bilhões na próxima década.
"Cada fração de aquecimento a mais significa mais impactos climáticos, com perdas nos países em desenvolvimento estimadas entre US$ 290 bilhões e US$ 580 bilhões até 2030", escreveram os autores.
O documento destaca que o nível do mar nas Américas tem subido a um ritmo mais rápido do que no resto do mundo, especialmente ao longo da costa atlântica da América do Sul, no Atlântico Norte subtropical e no Golfo do México.
"A grande seca no centro do Chile já dura 13 anos. Essa é a seca mais longa na região em pelo menos mil anos, agravando uma tendência mortal e colocando o Chile na vanguarda da crise hídrica."
O ano passado também registrou o terceiro maior número de tempestades nomeadas no Atlântico. Foram 21, incluindo sete furacões.
O Banco Mundial estima que entre 150 mil e 2,1 milhões de pessoas são a cada ano empurradas para a pobreza extrema na América Latina devido a desastres, incluindo aqueles causados pelas mudanças climáticas; e que cerca de 1,7% do PIB da região é perdido a cada ano devido a desastres relacionados ao clima.
"Vários países estão passando por secas mais profundas e prolongadas, por tempestades e inundações mais intensas que estão atrapalhando as atividades econômicas e afetando os meios de subsistência", diz o banco.
"No Uruguai, por exemplo, os choques relacionados ao clima tornaram-se mais frequentes e intensos. As secas de 2017-18 e as perdas na agropecuária custaram cerca de 0,8% do PIB somente em 2018."
O planeta viu um aumento médio da temperatura global de 1,1°C em comparação com o período pré-industrial.
Os países mais pobres e menos industrializados defendem que o impacto do clima extremo prejudica qualquer progresso que façam em termos de desenvolvimento econômico. Alguns apontam que se encheram de dívidas ao tomar empréstimos para reconstruir o que foi danificado e perdido.
Desde quando se discute o pagamento de perdas e danos?
Sete anos atrás, o inovador Acordo de Paris reconheceu a importância de "evitar, minimizar e lidar com perdas e danos associados aos efeitos adversos das mudanças climáticas". Mas nunca foi decidido como fazer isso.
"Perdas e danos continuam sendo um tópico bastante tóxico e tivemos discussões muito, muito acaloradas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento", diz Jochen Flasbarth, secretário do Ministério de Cooperação e Desenvolvimento Econômico da Alemanha.
"Havia preocupação entre os países desenvolvidos de que isso pudesse se tornar uma obrigação legal para grandes emissores (de poluentes). Isso sempre foi uma linha vermelha para a maioria dos países desenvolvidos."
Alguns negociadores da COP27 disseram que os países ricos queriam deixar claro que não aceitariam qualquer responsabilidade ou obrigação de pagar indenização por perdas e danos, algo a que os países em desenvolvimento se opuseram fortemente. Finalmente, foi acordado que o tema será apenas discutido na conferência atual. No próximo ano, na COP28 em Abu Dhabi, espera-se uma decisão provisória e, em 2024, uma decisão conclusiva sobre a questão.
"Exigimos financiamento regular, previsível e sustentável para lidar com as crises que algum país em desenvolvimento sofre quase todos os dias", defendeu Alpha Oumar Kaloga, negociador-chefe do Grupo Africano, em uma reunião nas Nações Unidas.
Singh, da Climate Action Network, demonstra reprovar a postura dos países ricos.
"Na verdade, é uma traição à confiança a forma como os países ricos encurralaram os países em desenvolvimento para aceitar uma linguagem que mantém os poluidores históricos a salvo de compensações e responsabilidades, sem oferecer qualquer compromisso concreto de apoiar as pessoas e os países vulneráveis", afirma.
Os países desenvolvidos apontam que já existem mecanismos previstos por convenções do clima anteriores que contemplam as demandas dos países em desenvolvimento — enquanto estes consideram que nenhum organismo e convenção existente hoje é apropriado.
Representantes do Grupo Africano e da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis) têm pressionado para a criação de uma nova agência dedicada à reparação financeira, mas Jochen Flasbarth, da Alemanha, afirma que essa proposta talvez não consiga apoio suficiente.
Na prática, já houve problemas tanto com as instituições financeiras que liberam o financiamento climático quanto com os países que o recebem. A burocracia das agências financeiras internacionais faz com que os fundos demorem muito para serem disponibilizados. E, em alguns dos países receptores, há problemas de má governança e corrupção.
Houve algum progresso no período anterior à COP27?
Durante a COP26, a Escócia prometeu pouco mais de £ 1 milhão em fundos para perdas e danos. No mês passado, a Dinamarca anunciou que contribuiria com US$ 13 milhões.
E na semana passada, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução pedindo foco no pagamento a países em desenvolvimento e a priorização de doações sobre empréstimos.
Além disso, o G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos) e o V20, um grupo de 55 países vulneráveis, concordaram recentemente em lançar uma iniciativa chamada Escudo Global contra os Desastres Climáticos, que pretende arcar com perdas e danos por meio de um sistema de seguro.
A Aosis demonstrou desconfiança em relação à iniciativa, argumentando que o V20 não tem nem metade dos membros da Aosis.
https://www.bbc.com/ws/av-embeds/cps/portuguese/geral-63593520/p0dfgsg1/pt-BRLegenda do vídeo,
Perdas e danos: a 'conta climática' que pode recair sobre países ricos
"O G7 deve falar com todos nós, e não apenas com os países que selecionou", disse o principal negociador de finanças climáticas do grupo, Michai Robertson.
*Texto publicado originalmente no site da BBC News Brasil
Noruega anuncia que vai desbloquear Fundo Amazônia após vitória de Lula
Redação | Deutsche Welle
Após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa pela Presidência do Brasil, a Noruega afirmou nesta segunda-feira (31/10) que irá reativar o Fundo Amazônia, que foi suspenso pelo país em 2019, depois do aumento no desmatamento e de mudanças promovidas no governo do presidente Jair Bolsonaro.
"Tivemos uma colaboração muito boa e próxima com o governo antes de Bolsonaro, e o desmatamento no Brasil caiu muito sob a presidência de Lula. Depois tivemos a colisão frontal com Bolsonaro, cuja abordagem era diametralmente oposta em termos de desmatamento", explicou o ministro norueguês do Meio Ambiente, Espen Barth Eide.
A Noruega era a maior doadora do fundo, tendo, entre 2008 e 2018, repassado 1,2 bilhão de dólares para a iniciativa, que paga para o Brasil prevenir, monitorar e combater o desmatamento. A Alemanha era o segundo maior doador e também suspendeu os repasses.
Sob o governo de extrema direita de Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia cresceu 70%, um nível que Eide descreveu como "escandaloso". Ele destacou ainda que a Noruega considerou a ênfase dada por Lula à proteção da floresta e dos povos indígenas.
Segundo o ministro norueguês, o fundo tem hoje cerca de R$ 2,5 bilhões não utilizados. Ele anunciou que pretende entrar em contato com a equipe de Lula o mais rapidamente possível para preparar a retomada da cooperação.
Fundo está paralisado desde agosto de 2019
A Noruega suspendeu os repasses à iniciativa em agosto de 2019, após o governo Bolsonaro extinguir unilateralmente dois comitês que eram responsáveis pela gestão do fundo, rompendo o acordo entre os países que definia as regras do projeto. A verba era administrada por uma equipe montada para cumprir essa tarefa dentro do BNDES.
O então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez na ocasião críticas à gestão do fundo e acusações genéricas de irregularidades em organizações não-governamentais, rechaçadas pela Noruega. Salles também desejava usar parte dos recursos para indenizar proprietários que vivem em áreas incluídas em unidades de conservação da Amazônia, o que hoje não é permitido.
A interrupção dos repasses ocorreu em meio à alta do desmatamento da Amazônia, que o governo norueguês entendeu como falta de interesse de Brasília em conter o desmate ilegal da floresta.
Planos para o futuro do fundo
Se o Fundo Amazônia for retomado, as verbas poderiam ser usadas para restaurar estruturas de governança ambiental enfraquecidas durante o governo Bolsonaro, afirmou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, que representa 65 organizações não-governamentais ambientalistas do Brasil.
Por exemplo, "o dinheiro deveria ser usado para financiar operações de campo das polícias local e federal para combater crimes ambientais", como a mineração ilegal e o corte de madeira, disse Astrini.
Em seguindo, as transferências de recursos para o fundo devem voltar a ser vinculadas aos resultados apresentados pelo Brasil no combate ao desmatamento, para funcionarem como incentivo para proteger a Amazônia, afirmou Anders Haug Larsen, chefe de políticas públicas da organização Rainforest Foundation Norway.
Matéria publicada originalmente no Brasil de Fato
Dia Mundial das Cidades promove mais verde, igualdade e sustentabilidade
ONU News*
A ONU comemora, neste 31 de outubro, o Dia Mundial das Cidades. Desde 2014, a celebração global é realizada em uma cidade diferente a cada ano. Em 2022, Xangai, na China, acolhe as celebrações com o tema "Aja localmente para se tornar global".
O objetivo é compartilhar experiências e abordagens à ação local, o que funcionou e o que é necessário para capacitar os governos locais e regionais a criar cidades mais verdes, mais equitativas e sustentáveis. A ação local é fundamental para alcançar as metas de desenvolvimento sustentável até 2030.
ONU News/Ana Carmo
Jardim Constantino, em Lisboa, Portugal.
Cidades resilientes
Em mensagem, o secretário-geral da ONU afirma que mais da metade de todas as pessoas vivem atualmente em áreas urbanas, e que até 2050, serão mais de dois terços de habitantes. António Guterres destaca que as cidades geram mais de 80% do PIB global e respondem por mais de 70% das emissões de carbono.
Ele ressalta que “muitas cidades já estão liderando a transição para energia renovável, estabelecendo metas líquidas credíveis e construindo infraestrutura resiliente ao clima”.
O chefe das Nações Unidas lembra que o próximo ano marca a metade do prazo para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS. Mas que, apesar disso, no lugar do progresso há retrocessos da pobreza e fome à igualdade de gênero e na educação.
Guterres afirma que “as consequências são dramáticas: caos climático crescente, pobreza crescente, desigualdades crescentes e muito mais.”
Ações nas cidades
Conforme o tema deste ano, o secretário-geral relembra que “as metas são globais em escopo, mas a implementação é local”. Ele disse que encoraja a todos “a trabalhar com seus governos e cidades irmãs em todo o mundo para compartilhar experiências e ajudar a aumentar a ambição.”
Para o secretário-geral, as ações que as cidades realizam localmente para criar um mundo sustentável repercutirão globalmente. E as políticas transformadoras que lançadas atualmente podem catalisar mudanças que salvarão vidas e meios de subsistência em todos os lugares no futuro.
*Texto publicado originalmente no site ONU News
George Gurgel: “Novo Congresso é retrocesso para a pauta ambiental”
João Rodrigues, da equipe da FAP
Na eleição do último domingo, candidatos que incentivam a destruição do meio ambiente tiveram vantagem em relação aos que combatem a agressões à natureza. Um dos principais exemplos é a eleição do ex-ministro do Ricardo Salles, quinto deputado federal mais votado por São Paulo. Para analisar a correlação de forças no novo Congresso Nacional em relação à pauta ambiental, o podcast Rádio FAP desta semana bate um papo com o professor George Gurgel.
O pleito de 2022 também trouxe um alento aos defensores do meio ambiente, com a votação recorde do deputado Amom Mandel, do Cidadania de Amazonas. Ele teve 288.555 e tem na pauta ambiental uma das suas principais bandeiras. Na entrevista, Gurgel, professor da Universidade Federal da Bahia e pesquisador da Unesco, também fala sobre a importância da renovação política na Câmara Federal.
Políticas públicas para a Amazônia, preservação de recursos hídricos e os desafios da Bancada do Cocar também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do SBT News, TV Brasil, CNN Brasil e TV Cultura.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Anchor, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.
RÁDIO FAP
Nova obra destaca propostas para desenvolvimento com inclusão social
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP, com atualização no dia 13/9/2022
Propostas econômicas para o governo brasileiro estão reunidas na obra Retomada do Desenvolvimento: reflexões econômicas para um modelo de crescimento com inclusão social (356 páginas), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), em Brasília. Em formato de coletânea de artigos de 27 economistas, pesquisadores e nomes do mercado, a publicação será lançada, na quinta-feira (15), a partir das 18h, em evento presencial no Espaço Arildo Dória, na Biblioteca Salomão Malina, no Conic, região central de Brasília.
Mais nova edição temática da revista Política Democrática, a obra terá, em Brasília, o seu segundo lançamento presencial, depois de ser realizado em Uberlândia (MG). Os autores também fizeram debate on-line sobre a obra no dia 28 de agosto, com transmissão no portal da FAP, no canal da fundação no Youtube e na página da entidade no Facebook, onde o vídeo do lançamento da obra também está disponível para os interessados.
Veja, a seguir, vídeo de lançamento em Brasília:
Estadão | Pesquisadores lançam propostas para retomada do desenvolvimento com inclusão social
Correio Braziliense | Livro debate desenvolvimento em várias frentes técnicas e ideológicas
Neste novo lançamento, o debate será realizado pelos organizadores da 60ª edição da revista, os economistas Benito Salomão e José Luis Oreiro, que também publicaram suas análises na obra. Eles vão discutir o assunto com a economista Vilma Pinto e o ex-senador Cristovam Buarque. O jornalista Luiz Carlos Azedo mediará o evento, que contará com a presença de outros autores.
De acordo com a obra, o Brasil passa neste ano por um momento crucial de sua recente vida democrática. As eleições de outubro serão, ainda, permeadas por um componente adicional de incertezas advindas da economia. Após praticamente uma década perdida, em que a economia brasileira apresentou em 2020 um PIB per capita inferior ao que tinha em 2010, o país ainda segue com dois desafios às vésperas de a população ir às urnas.
Confira, abaixo, fotos do lançamento presencial em Brasília:
Desafios
O primeiro desafio é, de acordo com os organizadores, a capacidade de o Brasil reafirmar sua democracia restabelecendo uma convivência sadia entre as instituições que o governa. Além disso, o país deverá encontrar um caminho para restabelecer as bases mínimas para o crescimento sustentado nesta década em curso e na próxima.
“Há poucos meses de uma eleição crucial para a sociedade brasileira, o debate público está concentrado em leitura de pesquisas de intenção de votos, em polêmicas inúteis e em questões puramente identitárias. Aos poucos, a opinião pública brasileira vai se distanciando de uma concepção utópica de desenvolvimento”, diz um trecho da obra.
A mais nova edição da revista Política Democrática visa mostrar para a opinião pública que, embora o crescimento com distribuição de renda tenha se tornado distante na última década, este é um caminho que pode ser retomado com ideias e empenho político. Segundo a publicação, “o país precisa parar de desperdiçar energias com embates inúteis, crises institucionais sem sentido e acirramentos a troco de nada”.
Com análises científicas, a obra defende uma mobilização para que o país tenha população devidamente educada, economia diversificada e integrada ao novo padrão tecnológico, serviços públicos universais e de boa qualidade, além de infraestrutura capaz de integrar as muitas regiões do país. A revista sinaliza, ainda, como conquistar crescimento perene do PIB per capita a longo prazo somado à melhoria do padrão distributivo desta riqueza.
Pluralidade
Baseadas em análises sustentadas em concepção plural, de acordo com os autores, a publicação ficou “ainda mais rica e diferente dos demais esforços acadêmicos no sentido de propor uma agenda para o país”. Isto porque, normalmente, os livros de ensaios organizados para propor alguma agenda econômica são de iniciativa de grupos de estudo, ou clubes acadêmicos, muitos já conhecidos da opinião pública e que têm muito pouca abertura para incorporar ideias divergentes.
Assista ao vídeo do lançamento virtual da revista sobre a retomada do desenvolvimento:
“Aqui, até pela pluralidade do grupo de desenvolvimento que organizou esta publicação, onde convivem economistas, engenheiros, cientistas políticos, juristas, não seria viável que esta edição tivesse a feição específica de alguma bolha teórica, ou acadêmica”, afirmam os organizadores, na apresentação.
Veja mais lançamentos de revistas impressas da FAP:
Veja, abaixo, lançamento virtual da revista:
Serviço
Lançamento da revista Retomada do Desenvolvimento: reflexões econômicas para um modelo de crescimento com inclusão social
Data: Quinta-feira (15/9)
Horário: 18 horas
Realização: Fundação Astrojildo Pereira
Onde: Espaço Arildo Dória, na Biblioteca Salomão Malina, no Conic, em Brasília
*Título editado
Aos 200 anos de Independência, Brasil cobra um projeto democrático e sustentável para o século XXI
Texto produzido por integrantes do Conselho Curador e da Diretoria Executiva da FAP
O Brasil que completa 200 anos como Nação independente em setembro de 2022 é um espaço geopolítico notável, consolidado como Estado nacional, sem tensões territoriais importantes, com uma sociedade plural e dinâmica, que se vê como uma mesma comunidade imaginária, reunida sob o sentimento de sermos todos brasileiros.
O momento de comemoração é também um momento de reflexão – e propostas de ação - sobre um país que, ao tornar-se independente, permaneceu escravocrata; e que, apesar do senso de comunidade, carrega ainda traços estruturais que permitem a sobrevivência de um racismo com o qual a sociedade brasileira não pode mais conviver, e que deve ser combatido como prioridade em qualquer projeto nacional a ser levado à frente.
Entramos no século XXI com uma população dez vezes maior e com mais de cem vezes a riqueza nacional - medida pelo Produto Interno Bruto – que tínhamos no começo do século XX. Mas somos, também, um país profundamente desigual.
Segundo o relatório de 2003 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Brasil tinha, ao fim do ano 2000, a sexta pior distribuição de renda do mundo, só melhor que as de países muito pobres, prejudicados pelo passado colonial europeu. Enquanto não resolvermos essa imensa e persistente desigualdade – e seu corolário, causa e efeito: o absoluto fracasso na educação de massa – seremos, cada vez mais, uma sociedade dividida e pouco competitiva, condenada a ver se ampliar o golfo crescente que nos separa das nações mais prósperas.
Também no combate à desigualdade e na inclusão pela educação, atenção especial deve ser dada ao enfrentamento do racismo estrutural na sociedade, herança do período escravocrata que ainda repercute em diversas instâncias da vida social, política e econômica dos brasileiros, cujas consequências particularmente perversas se refletem nos índices de renda, emprego, escolaridade e violência policial. As políticas afirmativas e a aplicação da lei contra o preconceito e discriminação devem ser prioridade do governo.
É importante lembrar que a busca por igualdade, em uma sociedade democrática, não significa homogeneidade como objetivo; que a justiça social deve assegurar a todos os direitos universais, além de tratar cada um de acordo com suas necessidades específicas, em razão de sua identidade de gênero e como indígena, como negro, ou como pertencente a qualquer outro grupo humano.
A solução deste e de outros problemas brasileiros depende, ainda, de uma forte reação contrária às recentes ameaças à democracia, do repúdio ao golpismo e a todo projeto autoritário de poder, e da defesa intransigente do Estado de Direito, do pluralismo e da liberdade, com a garantia de eleições livres, a salvo de tentativas de interferência de atores políticos sem qualificação para tal.
Em um país com cerca de três quartos de sua população ocupada trabalhando no mercado informal ou em empresas de nano, micro ou pequeno porte, estas últimas responsáveis por cerca de 29% do PIB brasileiro, o combate à desigualdade requer, também, políticas de fomento à produtividade e qualificação para esses empreendimentos, como parte do projeto de um país mais próspero em seu terceiro século como nação independente.
Reduzir a desigualdade, meta nacional prioritária
Num mundo onde o avanço tecnológico é acelerado e abrangente, nossa precariedade educacional nos é fatal. Os problemas graves enfrentados pelo Brasil têm, na falta de projeto nacional e consistente para a educação, uma face particularmente perversa e danosa. O acesso universal e em condições de igualdade a bens públicos como educação, saúde e segurança é condição essencial para o exercício da cidadania e a consolidação da democracia no país. Ainda estamos longe dessa meta, e não faltaram recuos nesse campo nos últimos anos.
Essa desigualdade é responsável por gastos extraordinários e desnecessários na segurança pública, na saúde, na assistência social; e desorganiza a formação de um movimento que possa alavancar o conhecimento no país. Ela convive com a insuficiência na capacidade brasileira de garantir a todos seus cidadãos, especialmente às vítimas do racismo e outras formas de preconceito, os direitos humanos básicos. A adoção de um programa de renda mínima universal, e a reformulação, em bases sustentáveis e coerentes, dos programas existentes é uma tarefa inadiável.
Em 2021, segundo o Ministério da Saúde, apenas pouco mais de ¼ das crianças do país faziam três refeições diárias, por exemplo. Conquistas civilizatórias convivem com misérias insuportáveis, que exigem maior compromisso por sua erradicação, tarefa com prioridade sobre todas as outras na gestão pública do Brasil que queremos.
Pobreza e desigualdade não são sinônimos, e a persistência de ambos no país têm a ver com a incapacidade de direcionar nosso sistema educacional para um projeto realmente modernizador e de superar os erros de políticas nacional-desenvolvimentistas ou de soluções pretensamente liberais do passado, que fracassaram na tarefa de ampliar com qualidade a inserção do Brasil no mundo globalizado e interdependente.
É preciso ter a consciência de que não será apenas o aumento do consumo ou do acesso aos bens materiais que fará a desigualdade cair de modo sustentável em qualquer país. Superar a pobreza tem sua relação principal com a capacidade produtiva. Nela se encontram tecnologia e trabalho, entre outros. Já a desigualdade guarda relação íntima com instituições informais e valores morais. Para ir além do combate à pobreza e criar de fato uma política de redução da desigualdade, o Brasil precisa ampliar equitativamente a capacidade de trabalho, educacional e tecnológica de sua população.
Desde a inclusão da educação como direito do cidadão e dever do Estado, pela Constituinte de 1988, o país assistiu a avanços pontuais, porém significativos nesse setor, que devem ser analisados e, na medida do possível, replicados nacionalmente, sem otimismo ingênuo, incentivando experiências de sucesso comprovado na alfabetização e no ensino básico, promovendo a reforma do ensino médio e o ensino integral, que começa a adquirir tração em todo o país.
A ênfase na educação e na cultura deve se justificar não só pelos seus efeitos na produtividade e competitividade econômicas do país, mas também pela necessidade de universalização dos valores e bens imateriais que trazem, fundamentais para um projeto humanista de país, que vença a cultura de violência e exclusão alimentada também pelo racismo estrutural.
Brasil, ator responsável na esfera internacional
A falta de avanços e, pior, os retrocessos nas conquistas sociais no país prejudicam e podem inviabilizar um importante patrimônio histórico que sustentou a relevância do Brasil na região e na sociedade internacional.
Dono do maior e ainda diversificado parque industrial da América do Sul, o país é plural em seus relacionamentos com os grandes atores globais e comprometido, em sua Constituição, com o respeito aos direitos humanos, à autodeterminação dos povos, aos princípios de não intervenção e de Igualdade entre os Estados.
O Brasil deve zelar por sua história diplomática de defesa da paz, da solução pacífica dos conflitos, do repúdio ao terrorismo e ao racismo e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. No caso do racismo, particularmente, é necessário um esforço para superar os erros do passado, e promover com maior ênfase a diversidade e o repúdio ao racismo, não só nas pautas e ações de nossa política externa como na formação do próprio corpo diplomático.
Estes são princípios constitucionais, essenciais. São importante conquista diplomática na conjuntura global em que se desenha um novo mundo multipolar, com o recesso da hegemonia norte-americana; a emergência da China como grande potência global, econômica e bélica; a consolidação do bloco europeu; e o grande ativismo de atores relevantes em busca de protagonismo, como a Rússia e os países do bloco europeu.
País destino de grande parte dos escravizados trazidos do continente africano, o Brasil tem uma dívida histórica com os países da África, e interesses comuns refletidos por sua forte presença com embaixadas na maioria das capitais, sua fronteira marítima, sua experiência de cooperação em diversos setores, como saúde e agricultura, e sua relação comercial, que já foi mais relevante.
Embora tenha reduzido sua atuação diplomática nos tempos recentes, o Brasil não pode resolver sozinho boa parte dos dilemas que enfrenta neste início do século XXI. É preciso ter em vista, permanentemente, que o Brasil se situa num quadro comum de problemas globais, entre eles os desafios permanentes da consolidação da democracia e da inserção ativa do país na globalização, com um propósito irrecusável de defesa e afirmação da sustentabilidade econômica e ecológica.
À complexidade de seus problemas internos, o Brasil soma urgentes desafios na esfera internacional, entre os quais a defesa da paz e do princípio de não-intervenção, que desautoriza e condena ações como a recente invasão russa na Ucrânia, é um dos exemplos. Também recente é o combate à pandemia da COVID-19 (e à recente emergência da chamada Varíola dos Macacos), exemplo, aliás, ligado aos desequilíbrios provocados pela humanidade no meio ambiente, que resultaram no que seja, talvez, o principal e prioritário problema a ser enfrentado em escala global, por ameaçar a própria vida no planeta: o aquecimento global e a perda da biodiversidade terrestre.
Aquecimento global, desafio premente
As emissões de gases de efeito estufa, com suas consequências para a mudança do clima e o aquecimento global, são uma questão mundial que se sobrepõe a qualquer outra. Se não enfrentado imediatamente, esse desafio dará lugar a um cenário de terror, e provocará uma imprevisível mudança civilizacional.
Essa ameaça impõe mudanças de hábitos e valores e, como outros temas que se imaginava mais que estabelecidos pela ciência (a importância das vacinas, entre eles), tem sido recebida com negacionismo alimentado por líderes populistas e grupos mal informados ou mal-intencionados.
Apesar da irresponsabilidade desse “novo reacionarismo”, as manifestações do fenômeno já estão aí: novas endemias e pandemias provocadas pelo deslocamento de animais de seu habitat natural e seu encontro com povoações humanas; eventos climáticos extremos e inéditos, como inundações, secas, ondas recordes de calor, tempestades e derretimento do gelo em regiões polares.
Ainda que com preocupante lentidão, os principais atores globais têm promovido, desde 1992 (ano da Convenção do Clima, na ECO-92), iniciativas que devem ser apoiadas e reforçadas para lidar com esse problema e seus desdobramentos.
Oportunidades na Revolução Verde
Mais importante: em diversos países, o avanço tecnológico aponta para soluções que, somadas e articuladas, podem reduzir os danos já contratados pela população global com o volume de carbono já lançado na atmosfera.
Abrem-se, com isso, enormes oportunidades de buscar uma economia próspera e sustentável com essas iniciativas – do aumento da eficiência da energia renovável (principalmente solar e eólica) à substituição de combustíveis fósseis, adoção de novos materiais, técnicas e processos na construção e na produção global, novos processos de produção de alimentos e métodos de captura do estoque de carbono na atmosfera.
Assim como o investimento em tecnologias militares apoiou revoluções tecnológicas e econômicas, este novo paradigma econômico e tecnológico tende a criar um novo fosso entre os desenvolvedores dessas tecnologias - e de novos setores e processos - e o restante dos países.
Não à toa, a competição por aquisição de capacidades e influência mundial também se dá nesse campo. Nos Estados Unidos, o governo Biden, apesar da equivocada oposição do Partido Republicano, lançou o que chama de New Green Deal; a Europa amplia seus recursos orçamentários em iniciativas para garantir emissão de zero carbono; e a China tornou-se líder em energia fotovoltaica, tecnologias de ponta em transporte ferroviário e no reflorestamento. Busca-se, nessas economias de ponta, aproveitar o que esses avanços trazem de dinamismo e aumento da eficiência. E não é só na disputa pela liderança da Revolução Verde que o cenário internacional vem sendo redesenhado, e exige do Brasil novas estratégias e projetos de parcerias e posicionamento na esfera global.
Desafios da conjuntura de mudanças globais
A unipolaridade ensaiada com a derrubada do muro de Berlim e o colapso do Império Soviético deu lugar a uma nova situação de clara disputa por influência global, especialmente por parte dos Estados Unidos e China, com momentos de tensão, como os incidentes de agosto em torno de Taiwan e ações hostis e de espionagem no ciberespaço. A necessária equidistância do Brasil em relação a seus mais importantes parceiros comerciais e de investimento impõe uma consistente articulação diplomática, inclusive internamente, do Estado brasileiro.
Em relação à África, continente com vários países de tradição importante para a formação cultural brasileira, população total de mais de um bilhão de habitantes, grande número de migrantes brasileiros e mercados que já foram mais significativos para o Brasil, o país precisa retomar o empenho de aproximação e cooperação, que arrefeceu nos últimos anos.
O setor privado, por meio das grandes empresas globais e da movimentação do capital de risco também atua nesse cenário, para além das fronteiras nacionais e até no mundo virtual, tornando mais complexas as decisões e intervenções dos governos e tomada de decisão por agentes econômicos.
O esforço dos governos para constituir instituições multilaterais sofreu retrocessos nos últimos anos; o uso do comércio e das finanças como arma geopolítica ganhou nova dimensão com as disputas entre potências globais; e um enorme poder hoje é prerrogativa de grandes empresas de tecnologia com acesso incalculável e instantâneo a dados minuciosos sobre os cidadãos em todo o planeta.
O Brasil precisa de uma estratégia clara para orientar sua articulação com outros países no gerenciamento desse desafio transnacional.
A facilidade de conexão no universo virtual e a insatisfação com os resultados econômicos e sociais prometidos pelos líderes políticos levou a uma perda de influência dos partidos políticos tradicionais e à ascensão de indivíduos e grupos populistas com discurso antissistema e pouco apreço às instituições encarregadas de preservar a ordem democrática.
Novo federalismo
É nesse contexto em que o Brasil se vê, também internamente, frente a múltiplos desafios. Na esfera política, a enorme fragmentação do sistema partidário e a ascensão de um grupo político pouco respeitoso das instituições e dos mecanismos de comando e controle hoje põe a própria democracia em risco e leva a sociedade civil a sair em sua defesa.
Na economia, os maus resultados das políticas voltadas ao crescimento econômico, a desindustrialização, a predominância de serviços de baixa complexidade e o persistente desemprego impõem um redesenho da atuação do Estado para a promoção da prosperidade, de forma robusta e sustentável.
Do ponto de vista do fortalecimento das políticas públicas, a pandemia da COVID-19 mostrou a relevância do modelo tripartite e integrado entre governos federal, estaduais e municipais, com o SUS. Um modelo que deveria inspirar, também nas ações de educação e assistência social, entre outras, um novo federalismo, com a coordenação mediação de conflitos e financiamento (suplementar, quando for o caso) federal, e maior transparência e articulação entre as esferas estadual e municipal.
Esse novo federalismo deveria levar à rediscussão sobre a divisão de atribuições, dando ao governo federal maior responsabilidade sobre a educação básica, por exemplo. Ao mesmo tempo, esse redesenho institucional deve levar a maior participação dos entes subnacionais de forma a garantir medidas de efetiva redução das desigualdades regionais. A descentralização de poder na organização e atuação do Estado traz, ao lado do aumento de eficiência do setor público, um seguro contra tentações de centralização autoritária, tão comum na nossa História.
A modernização do Estado em bases não autoritárias exige também um debate profundo sobre as instituições democráticas, suas falhas, o exercício das competências dos diversos poderes e a relevância do sistema de pesos e contrapesos entre Executivo, Legislativo e Judiciário, que precisa ser defendido contra pressões ilegítimas e ameaças de retorno do arbítrio.
As tentativas recentes de politizar e trazer as Forças Armadas para esferas que não são de sua competência devem ser repudiadas e rechaçadas veementemente, para que possamos ultrapassar definitivamente essa marca do atraso que é a busca de soluções armadas para divergências na esfera da cidadania.
Redesenho para lidar com as transformações
É preciso e urgente fortalecer e equipar as instituições para lidar com os desafios impostos pelo novo cenário tecnológico, que trouxe facilidades para organização de grupos antidemocráticos e ações de desinformação para promover do ódio e minar a capacidade de formação de consensos na sociedade e de enfrentamento de problemas como a corrupção e a captura do Estado para interesses de indivíduos ou segmentos da sociedade.
O Brasil não pode se furtar a um debate profundo sobre governança pública, inclusão e cidadania digital e limites e garantias da liberdade de expressão nesse contexto. Enfrentamos, como no resto do mundo, uma evidente crise da democracia, anunciada pela perda progressiva de legitimidade das instituições representativas e pela ineficiência das ações públicas, o que tem estimulado a emergência de populismos cibernéticos e de retrocessos autoritários.
O tempo do Estado burocrático se tornou incompatível com o tempo da vida, isto é, não contempla as demandas dos cidadãos na velocidade exigida pelas relações contemporâneas. Por isso, é preciso um redesenho institucional para dar mais celeridade e qualidade às decisões do Estado.
Esse redesenho institucional não pode repetir erros do passado, que mantiveram, para a ação estatal a estrutura burocratizada, centralista – não obstante a pretensa, porém frágil, repactuação do federalismo – que orientou governos tão distintos quanto o de Vargas e os dos militares que impuseram a ditadura ao país.
É preciso evitar que prevaleçam indesejáveis mecanismos de negociação e cooptação entre Executivo e Legislativo e pela captura do Estado por grupos organizados em torno de uma ética que estimula e naturaliza a corrupção. Isso vale para a gestão em todos os seus aspectos, das políticas sociais às decisões de política econômica.
Na economia, o Estado tem dois desafios prementes: retomar o crescimento e a geração de empregos de qualidade, e integrar o Brasil na linha de frente da nova onda de transformação tecnológica, em bases sustentáveis.
É preciso, no entanto, superar a antiga crença na liderança estatal centralizada, burocratizada, protecionista e patrimonialista sobre nosso processo de modernização econômica – equívoco que deu espaço a projetos fracassados de “política industrial” no passado recente. As novas gerações necessitam superar o modus operandi que, no passado, apenas estimulou a aceleração econômica como uma permanente “fuga para frente”.
Está mais do que na hora de se adotar outra orientação, mais universalista, humanista e realista, fundada na autonomia responsável dos sujeitos sociais, individuais e coletivos, na democracia política e em suas instituições, bem como numa economia com novos padrões de sustentabilidade e de valorização do fator humano.
Esta é a lógica do “novo progressismo”, uma chave de interpretação da realidade e da sociedade que nos contrapõe a lógicas tecnocráticas e simplificadoras do capitalismo, da globalização e da revolução tecnológica, num momento em que já não se pode mais diferenciar o destino da humanidade e o da natureza. Trata-se de confrontar e superar as visões corporativas e utilitaristas, além daquelas explicitamente ilusórias e passadistas, para instituir o vetor de um novo reformismo, não mais como expressão de interesses particularistas, mas orientado por valores civilizatórios universais.
O modo como se concebeu nossa industrialização não preparou o setor para enfrentar a abertura comercial e a integração global. Também não foi capaz de promover a diminuição da desigualdade entre as regiões brasileiras. Ao contrário, só as reforçou. E a ascensão do agronegócio nas últimas décadas, que poderá tornar o Brasil o maior exportador de comida do mundo em 2025 e, pouco a pouco, incorpora a preocupação com a sustentabilidade de suas práticas, revela não só a preparação do setor para se integrar à globalização como também a superação de vícios que carregou em sua trajetória, de baixo conteúdo tecnológico e excessiva dependência da baixa remuneração da mão de obra.
As comemorações dos 200 anos de independência do país merecem uma reavaliação profunda tanto das estratégias passadas de enfrentamento dos problemas conjunturais quanto em sua dimensão longa, estrutural. Ao lado das indispensáveis iniciativas para investir em matrizes energéticas mais sustentáveis e não poluentes, esse debate deve tratar da necessidade de reorganização da indústria, de maior e mais eficiente internacionalização da economia, do (re) nascimento da economia primária exportadora como uma oportunidade e não como um retrocesso.
É preciso articular o debate sobre o futuro do agro à questão ambiental. Apesar do conhecido recuo nas políticas ambientais nos últimos anos, o Brasil já foi capaz de mostrar competência e planejamento ao reduzir um dos principais fatores de emissões de gases efeitos estufa, o desmatamento, em escala não atingida por nenhum país na História, no período entre 2004 e 2012, com a queda de 87% na derrubada da floresta, resultando em queda de 67% das emissões do país causadoras de mudança climática.
Essa redução, alcançada com o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), mostrou ser possível articular medidas essenciais de comando e controle, na repressão a ilegalidades, com iniciativas capazes de tornar a floresta em pé mais valiosa do que sua derrubada. Devemos retomar e atualizar as políticas de sucesso, interrompidas por um governo irresponsável e danoso do ponto de vista ambiental.
O avanço do agronegócio deve ser visto como oportunidade e não um retrocesso. Para isso, devemos criar um ambiente político favorável ao predomínio das características virtuosas do setor vistas nas últimas décadas (tecnologia, produtividade, cuidado ambiental e incorporação dos elementos da economia verde), sobre elementos arcaicos que, embora hoje menores, insistem em se perpetuar.
É importante lidar corretamente com as demandas desse setor, sem ceder a pressões voltadas aos ganhos de curto prazo, para garantir a defesa dos interesses nacionais de longo prazo, por exemplo, na incorporação de tecnologias, exercendo o poder de Estado na fiscalização e autorização de produtos e processos, de forma a que as práticas agrícolas se deem de maneira responsável – revertendo medidas que afrouxaram ou desmontaram órgãos e mecanismos de controle no passado recente.
A evolução dos conceitos e práticas na criação de animais para consumo deve ser levada em conta, desde seus aspectos sanitários ao debate contemporâneo sobre o bem-estar dos animais, que traz vantagens em matéria de qualidade e sanidade das criações.
Dessa associação entre economia verde e agronegócio sairão as oportunidades para o país nas próximas décadas. Este avanço pode ser o motor de uma nova indústria nacional, menos amparada em proteção e subsídio, e mais na relação com os setores nos quais temos maiores vantagens produtivas.
Novo paradigma para a Amazônia
Um projeto nacional tem de levar em conta as expectativas de uma vida mais próspera para os quase 30 milhões de brasileiros, 14% da população brasileira, que vivem na Amazônia, o que torna inviável, iníquo e ineficaz tratar toda a floresta como parque intocável.
Ao lado de medidas para impedir a exploração insustentável e pouco produtiva da pecuária e mineração na região, devemos investir em criar tecnologia e conhecimento para aproveitar o potencial incalculável de descobertas farmacológicas e químicas a partir da biodiversidade da floresta amazônica. Trata-se de criar uma economia da floresta, gerando produtos, tecnologias e externalidades.
A Amazônia deve ser vista como oportunidade para o Brasil se inserir no novo paradigma tecnológico que traz a chance de uma eficaz redução da desigualdade de renda, aproveitando, inclusive mecanismos e disposição nas nações mais ricas de remunerar a contribuição do país para mitigar e eliminar o maior problema da humanidade.
A manutenção da floresta atende a pelo menos três objetivos estratégicos: contribuição no combate às mudanças climáticas (que deve ser remunerada pela comunidade internacional); preservação da biodiversidade - com potencial incalculável de produtos a serem desenvolvidos a partir dela; e o futuro do agronegócio e das cidades no Sul e Sudeste (para o quê a umidade criada e transportada pela cobertura de vegetação é vital e indispensável).
Preparar o Brasil para o protagonismo do século XXI
As demandas do século XXI, nesse terceiro século de Brasil independente, são muitas e diversificadas, como se vê acima; e a resposta a elas é crucial para o país como novo ator político, ainda em formação, em busca de seu lugar no mundo.
Há ainda os ajustes e criação de regras necessários para garantir respostas adequadas às mudanças trazidas pelo mundo digital e de alta tecnologia, da proteção à privacidade e novas normas de segurança jurídica à regulação dos usos da robótica, da inteligência artificial, da manipulação genética e da gestão de riscos globais. O uso da tecnologia para avanço e democratização da educação e da saúde também devem constar nos programas a serem executados pelos próximos governos.
Todas essas questões postas para a sociedade brasileira devem ser tratadas sob uma nova orientação federalista, que fortaleça as regiões e entes federativos, com o reequilíbrio entre esses atores políticos e a melhoria das condições econômicas locais. Esta melhoria tem como pilar principal o avanço da educação básica, como já se dá em algumas regiões do país.
Qualquer projeto que pretenda pensar o futuro do Brasil a partir de sua experiência de 200 anos independente, ou de quase 40 de nova República, deverá buscar uma necessária articulação entre a visão de mais longo prazo e o enfrentamento dos desafios conjunturais.
Terá de partir da crítica dos conceitos obsoletos ainda incorporados nossa mentalidade, de equívocos dos diagnósticos passados, resultados bons e ruins de nossas experiências anteriores.
E, principalmente, enfrentar tabus relacionados aos nossos modelos explicativos e nossos parâmetros analíticos, a fim de incentivar um debate mais amplo e arejado em favor de um ambiente econômico e social de real sustentabilidade.
Este documento pretende ser um ponto de partida para esse debate necessário, e um estímulo para que nós, brasileiros, busquemos a via da negociação responsável, do consenso e da ciência na solução de nossos problemas e dos desafios de nossa inserção na comunidade global. Que seja possível avaliar e aprender com nossos equívocos do passado, desde as soluções equivocadas para a economia até a persistência do racismo estrutural, para não repeti-los, e construir uma estrada segura e sustentável para nosso futuro, com maior prosperidade, renda e igualdade.
Luciano Santos Rezende (Presidente)
Bazileu Alves Margarido Neto (Vice-Presidente)
Arlindo Fernandes de Oliveira
Eliana Calmon Alves
Eliseu de Oliveira Neto
George Gurgel de Oliveira
Ivair Augusto Alves dos Santos
Jane Maria Vilas Bôas
Lenise Menezes Loureiro
Ligia Bahia
Luiz Carlos Azedo
Marcus Vinícius Furtado da Silva Oliveira
Maria Terezinha Carrara Lelis
Sergio Besserman
Tibério Canuto de Queiroz Portela
Vinícius de Bragança Müller e Oliveira
Luzia Maria Ferreira
Cezar Rogelio Vasquez
Miguel Arcangelo Ribeiro
Indaiá Griebeler Pacheco
José Maria Quadros de Alencar
Caetano Ernesto Pereira de Araújo (Diretor Geral)
Raimundo Benoni Franco (Diretor Financeiro)
Ana Stela Alves de Lima
Ciro Gondim Leichsenring
Jane Monteiro Neves
Marco Aurelio Marrafon
Daniel Coelho: “Brasil precisa priorizar a economia verde”
João Rodrigues, da equipe da FAP
A economia verde busca aliar o crescimento econômico com justiça social e preservação do meio ambiente. O tema tem ganhado cada vez mais espaço no debate público brasileiro. O conceito de economia verde foi desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio ambiente (Pnuma), em 2008, e refere-se à produção de baixo carbono, ao uso sustentável dos recursos naturais e a inclusão social.
Com o tema “Economia verde e sustentabilidade”, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) desta semana conversa com o deputado federal Daniel Coelho (Cidadania-PE). Ambientalista e administrador, ele foi deputado estadual e vereador do Recife. Integrante do movimento Livres, Daniel Coelho é vice-presidente nacional do Cidadania23.
A Proposta de Emenda à Constituição da Enfermagem (PEC 11/2022), que garante pisos salariais nacionais para enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras, o projeto que autoriza plantio de Cannabis para fins medicinais e a crise econômica do Brasil também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios da DW Brasil, Capital Natural, PlanetaVanguarda, TV Brasil, Jovem Pan News, O POVO Online, Outro lado da História, Jornal da Gazeta e Rádio BandNews FM.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Anchor, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A equipe de Comunicação da FAP é composta por Cleomar Almeida (coordenador de Publicações), Nívia Cerqueira (coordenadora de Mídias Sociais), João Vítor (estagiário) e Luciara Ferreira (estagiária).
RÁDIO FAP
Desmatamento ilegal conecta grileiros, frigoríficos e montadoras de carros
Murilo Pajolla*, Brasil de Fato
A JBS, maior processadora de carnes do mundo, descumpriu acordos internacionais e continuou comprando gado de fazendas envolvidas no desmatamento ilegal da Amazônia paraense. É o que aponta uma investigação divulgada no final de junho pela Global Witness, ONG internacional que fiscaliza impactos socioambientais de grandes empresas ao redor do mundo.
O relatório expõe a existência de uma cadeia de empresas que lucram alto com a exploração ilegal de terras e a violação de direitos humanos. Entre elas, estaria a "dinastia" Seronni, família de fazendeiros do Pará e fornecedora regular da JBS. Segundo a Global Witness, os Seronni são acusados de crimes como uso de trabalho escravo, desmatamento ilegal, grilagem e lavagem de gado.
"Sergio Luiz Xavier Seronni, chefão da dinastia Seronni, tem uma longa e conturbada história de desmatamento ilegal, abusos de direitos humanos e submissão de trabalhadores a condições análogas à escravidão. Essas atividades permitem que Seronni tenha um estilo de vida luxuoso. Ele possui aviões Cessna e Piper 19 e 10 empresas no valor de quase US$ 50 milhões", aponta o relatório da Global Witness.
Em nota, a JBS afirmou que tem uma "política de tolerância zero para desmatamento ilegal, grilagem de terras, trabalho escravo ou desrespeito aos direitos humanos". Mais sobre o posicionamento da empresa está disponível no final deste texto. A reportagem não localizou representantes da família Seronni. O espaço segue aberto para o posicionamento.
Bancos internacionais com agenda verde financiam JBS
A ONG também identificou que as ilegalidades não impediram bancos internacionais e gestores de ativos de financiarem, na casa dos bilhões, as atividades da JBS. O rol de financiadoras inclui instituições bancárias que anunciaram compromissos públicos contra o desmatamento. Entre elas estão Deutsche Bank, HSBC, Barclays, JP Morgan, Santander e BlackRock.
"Embora os governos do Reino Unido, da União Europeia e dos EUA declarem estar planejando leis para garantir que suas empresas não importem commodities ligadas ao desmatamento, estão deixando de fora o setor financeiro", afirma o autor do relatório e chefe de Investigações Florestais da Global Witness Chris Moye.
"A gente conclui que uma maior regulação desse setor é essencial para reduzir sua contribuição ao desmatamento, sobretudo considerando as repetidas falhas de suas iniciativas voluntárias de não desmatamento", completa Moye.
JBS mantém 144 fornecedores irregulares, aponta a Global Witness
A Global Witness aponta que a JBS é a principal compradora do gado criado na Amazônia. No bioma, 70% da área desmatada é hoje ocupada pela pecuária. Em 2020, a ONG revelou que a gigante do processamento de carnes tinha entre os fornecedores 3.027 fazendas com desmatamento ilegal.
A empresa já havia selado obrigações legais de não desmatamento com o Ministério Público Federal (MPF). Em 2021, a JBS fez uma declaração conjunta de combate à devastação ambiental provocada por seus fornecedores. O compromisso foi assumido na COP 26, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
"Agora nossa nova investigação conclui que, apesar desses compromissos, a JBS continuou comprando de 144 das mesmas fazendas paraenses expostas em nosso relatório anterior, mais uma vez descumprindo seus acordos com o Ministério Público", afirma o integrante da Global Witness.
Por outro lado, a JBS atesta que as compras feitas dessas fazendas foram verificadas e estavam dentro dos "regulamentos estabelecidos".
"Também, contrariando suas obrigações, a empresa não monitorou outras 470 fazendas envolvidas em suas cadeia de abastecimento, chamados fornecedores indiretos, contendo cerca de 40 mil campos de futebol de desmatamento ilegal na Amazônia", prossegue Moye.
Carros de luxo e desmatamento
Segundo a Global Witness, a destruição da Amazônia impulsiona os lucros da indústria automobilística mundial. Os bancos de couro em carros de luxo, símbolos de status para muitos consumidores, integram a cadeia de produção que começa no desmatamento ilegal.
Um dos objetos das investigações da ONG é o Grupo Mastrotto, da Itália, um dos fabricantes de couro mais prestigiadas do mundo. A empresa teria importado couro dos abatedouros irregulares da JBS que recebem gabo criado em áreas desmatadas ilegalmente.
O Grupo Mastrotto "possui um faturamento anual de 400 milhões de euros e fornece para o Grupo Volkswagen, proprietário de Audi, Porsche, Bentley, Lamborghini, Skoda, Seat e Bugatti", diz a Global Witness.
"Alguns dos outros clientes do setor automotivo informados pela Mastrotto incluem a Toyota. A Ikea também foi identificada como cliente regular da Mastrotto. Ela também possui subsidiárias que compram couro no Brasil", expõe a ONG internacional.
Outro Lado
A JBS respondeu que bloqueia fornecedores quando toma conhecimento de práticas ilegais e informou que 15 mil produtores estão de fora da cadeia produtiva por desrespeitarem os critérios socioambientais da empresa.
"No que se refere aos 144 fornecedores da JBS citados no levantamento, a Companhia analisou todas as compras realizadas e comprovou que estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos. No caso do Sr. Seronni, o próprio e seus familiares foram bloqueados assim que as denúncias de práticas ilegais foram informadas à JBS", informou a empresa.
"Além disso, com base na Lei de Acesso à Informação, requisitamos acesso às GTAs [Guias de Trânsito Animal] relacionadas a esses produtores, o que nos daria visibilidade completa sobre as transações realizadas. Porém, ainda não tivemos retorno, apesar de o prazo legal já ter expirado", finalizou a empresa.
Procurado, o Grupo Mastrotto não respondeu aos questionamentos. Caso haja retorno, o texto será atualizado.
*Texto publicado originalmente no Brasil de Fato. Título editado.
Revista online | 10 anos do Código Florestal: retrocessos e pouco a comemorar
Raul Valle*, especial para a revista Política Democrática online (45ª edição: julho/2022)
“Agora temos a lei ambiental mais rigorosa do mundo”, bradou o então deputado federal Paulo Piau (MG) sobre o novo Código Florestal que acabava de ser aprovado pelo Congresso Nacional – com seu voto e atuação proativa. Para a senadora Kátia Abreu (TO), outra fervorosa defensora da nova lei, ao contrário do que as ONGs diziam, o desmatamento ilegal iria cair “drasticamente” nos anos seguintes com a aprovação do novo texto, não havendo, portanto, porque temê-lo.
No último dia 25 de maio completou-se 10 anos da aprovação do novo Código Florestal (Lei Federal 12651/12). Em 2021, o desmatamento na Amazônia foi 200% superior ao do ano anterior ao da aprovação da lei. Mesmo na Mata Atlântica, que havia atingido o estágio de quase “desmatamento zero”, este atingiu patamares maiores do que antes da aprovação da nova lei. No Mato Grosso, capital do agronegócio, o desmatamento não apenas aumentou, mas continuou ilegal: 92% do desmatado até 2019 não tinha qualquer tipo de autorização, embora a quase totalidade dos imóveis rurais já esteja dentro do Cadastro Ambiental Rural – CAR. A promessa vendida à sociedade à época da aprovação da lei era de que, em troca das muitas anistias concedidas aos produtores rurais, estes iriam a partir de então parar de desmatar e começar a restaurar os seus passivos remanescentes, pois ao entrar no CAR seriam vigiados de perto pelos órgãos ambientais, que poderiam enviar as multas “pelo correio” caso verificassem qualquer desmatamento ilegal. Ledo engano.
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Fruto de um longo embate dentro do Congresso Nacional, o qual opôs representantes do agronegócio, de um lado, e ambientalistas, cientistas e pequenos agricultores de outro, a lei foi a primeira vitória maiúscula que a então crescente bancada ruralista obteve na sua guerra contra o que, em sua visão, conformava o “eixo do mal”: as regras de proteção ao ambiente, de reconhecimento de terras indígenas e de garantia de direitos trabalhistas. Até então, desde a redemocratização, o setor havia acumulado apenas “derrotas”, com a aprovação de leis ambientais mais rigorosas, que impunham limites ao uso de recursos naturais em propriedades privadas e aprimoravam a forma de punir o descumprimento das regras estabelecidas. Foi após a aprovação do Decreto Federal 6514, em 2008, que o setor resolveu dar um basta e pressionar por uma mudança na lei, que datava de 1965. Até então era simples descumprir as regras estabelecidas. O decreto, no entanto, fechou lacunas jurídicas há muito usadas e tornou real a possibilidade de que a lei teria que ser cumprida. Confrontado com essa perspectiva, o setor resolveu que era melhor mudar a lei do que se esforçar para cumpri-la.
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O balanço de 10 anos da aprovação da lei não é bom. Embora a maior parte dos imóveis rurais já estejam inscritos no CAR – em alguns estados os números superam os 100%, dentre outras razões porque houve fracionamento artificial de imóveis para aproveitar o máximo as benesses da lei, maiores para pequenas propriedades – é ínfima a quantia dos que foram efetivamente analisados para saber se há passivos e obter do proprietário o compromisso de recupera-los. No Pará, apenas 0,1% chegaram nessa etapa e na maioria dos estados o número é ainda menor. A honrosa exceção é o Espírito Santo, que tem o mais robusto programa de apoio à restauração florestal do país e mais de 70% dos imóveis já analisados.
Quando a lei foi aprovada muitos elogiaram seu suposto equilíbrio. Por não ter agradado nem os ambientalistas, que viam com horror regras que dispensavam a recuperação de 21 milhões de hectares de florestas, nem os representantes do agronegócio, que gostariam de eliminar totalmente qualquer restrição legal ao desmatamento, vendeu-se a ideia de que ela seria justa. Se efetivamente o setor agropecuário tivesse se engajado em sua implementação, cumprindo com a promessa de que dali pra frente a coisa seria diferente, ou seja, que mesmo menos protetiva a lei finalmente sairia do papel, talvez pudéssemos concordar com essa análise.
O que vemos, no entanto, é que a aprovação do novo Código Florestal foi a abertura de uma caixa de pandora. Ao conseguir uma vitória tão maiúscula, o setor agropecuário descobriu que podia fazer muito mais. De alguma forma, normalizou-se a lógica de que, com poder, é melhor mudar a lei que impõe alguma restrição do que cumpri-la. Disso resultaram muitos outros projetos de lei que avançam rapidamente no Congresso Nacional para anistiar grileiros e permitir mais desmatamento. Como podemos perceber, isso tem feito muito mal não apenas ao meio ambiente no país, mas à própria qualidade de nossa democracia.
Sobre o autor
*Raul Valle é advogado, mestre em Direito Econômico e coordenador de incidência política do WWF Brasil.
* Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de julho/2022 (45ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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