sus
Alon Feuerwerker: Os desafios políticos no curto prazo. E o inglório boxe da ideologia contra os fatos
As forças políticas estão diante de desafios imediatos. Na oposição, o trágico agravamento da epidemia de Covid-19 é uma oportunidade, talvez a melhor, para tentar enfraquecer decisivamente o governo Jair Bolsonaro. Para removê-lo já, ou ao menos fazê-lo chegar a outubro de 2022 tão emagrecido que se torne incapaz de reunir a maioria do eleitorado no segundo turno presidencial, ou até impossibilitado de ir à rodada final.
A remoção imediata tornou-se mais difícil após a eleição de aliados do presidente para comandar a Câmara dos Deputados e o Senado. Mas a política não é estática, então a pressão também recai sobre os comandantes do Legislativo. Que, entretanto, podem escorar-se nas maiorias ali dispostas a respaldar o núcleo econômico da agenda governamental em troca de espaços de poder, lato sensu.
Daí certa tendência ao “morde e assopra”: uma hora agradam aos críticos, mas nunca faltam ao Planalto.
A janela de oportunidade para enfraquecer o presidente e o governo, ao menos com vistas a 2022, acabou unindo o que estava difícil de juntar: a esquerda com a direita não bolsonarista. Ainda que uma parte desta continue aferrada ao discurso de “luta contra os extremos” e prefira ser chamada de “centro”, ou pelo menos “centro-direita”. Mas tanto faz: uma parte do bloco bolsonarista de 2018 está se deslocando.
O “caminhar juntos” da esquerda com a centro-direita (vamos então caracterizar assim) na luta de momento contra Jair Bolsonaro também se alimenta da grande esperança maximalista desta última: tirar o presidente até do segundo turno. No qual, a esse grupo se apresentaria finalmente uma possibilidade material de aparecer como a tal alternativa viável aos “extremos”. Aliás, o desafio do “centro” é só esse, ir ao segundo turno.
Pois ali estaria em posição excelente para eleger-se com base apenas na rejeição ao oponente. Qualquer um.
Já para a esquerda, a ampla convergência antibolsonarista de agora é chance de ouro para o “reset”, para sair do isolamento. A elegibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva ajuda, na medida em que desenha alguma expectativa de poder, sempre fator de atração. Mas chegará a hora em que esse mesmo “centro” voltará a brandir a “ameaça da volta do lulopetismo”. Pode ser no primeiro ou no segundo turno. É uma narrativa já contratada.
Já no lado do governo, a missão é atravessar o desfiladeiro, à espera de que a curva de vacinação neutralize, ao menos amorteça, a de mortes registradas diariamente pela Covid-19. As informações do Butantã do governador João Doria e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) são moderadamente animadoras. A política é mesmo cheia de contradições misteriosas: bate-boca à parte, o governo de São Paulo está objetivamente ajudando o federal no momento mais difícil deste.
Pois o único trunfo, ou boia, do Planalto nesta hora é a vacinação.
Mais ironias? O governo Bolsonaro faz há dois anos um esforço descomunal para desacoplar o Brasil da lógica Sul-Sul e engatar nosso vagão no que chama de Ocidente, ou “mundo livre”. Mas, no pior aperto sanitário da nossa história, só podemos contar mesmo é com chineses, indianos e, se a Anvisa deixar, russos. Ideologia é agradável, mas quando ela sobe ao ringue para bater de frente com os fatos nunca tem muita chance.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Luiz Carlos Azedo: É autoritarismo mesmo
Não se trata de uma guinada populista à vista, mas de um comportamento típico de governantes em apuros, que começam a recorrer à força do Estado contra a opinião pública
O professor e historiador Alberto Aggio é um estudioso da política latino-americana, seu livro Um lugar no mundo (Fundação Astrojildo Pereira/ Fondazione Instituto Gramsci) dedica especial atenção à discussão do conceito de populismo. É um crítico tanto de sua “banalização”, como um termo que expressa estilos políticos de caráter depreciável, quanto do seu uso como “teoria explicativa” do desastrado percurso histórico latino- americano rumo à modernidade, “na qual a presença do Estado na vida social e econômica se fixa como seu elemento mais negativo e que necessita ser superado ou destruído”. Na sua avaliação, o populismo emergiu num cenário de crise do liberalismo, buscava a construção de uma sociedade industrial e moderna, politicamente orientada pelo Estado, incorporando as massas à cidadania pela via dos direitos sociais. Foi “uma fuga para frente”.
Tratava-se de promover transformações sem rupturas violentas, revolucionárias, como em outros processos de industrialização. Interditou a via clássica de passagem à modernidade, caracterizada pela incorporação dos trabalhadores à democracia liberal. No caso brasileiro, o populismo emergiu após a Revolução de 1930, com Getúlio Vargas, e ganhou feições democráticas em seu segundo governo, na década de 1950. Caracterizou-se como um Estado de bem-estar social incompleto, com programa nacionalista que estatizava alguns setores da economia e legislação trabalhista e corporativista, que organizou e concedeu direitos sociais aos trabalhadores, mas também lhes retirou a autonomia.
O que isso tem a ver com o governo Bolsonaro? Nada! Por isso mesmo, não tem sentido as preocupações com uma possível “guinada populista” do atual governo. O risco é outro: a transformação de um governo bonapartista, com clara hegemonia de um determinado grupo de militares, num governo autoritário que confronta os demais Poderes e, de certa forma, o regime democrático no qual se instalou e funciona. O presidente Jair Bolsonaro não esconde de ninguém que seu espelho é o regime militar instalado após o golpe de 1964, que fará aniversário no último dia deste mês, cujas comemorações estão sendo preparadas por seus aliados, dentro e fora dos quartéis.
Desastre sanitário
No momento mais dramático da pandemia de covid-19, Bolsonaro insiste em suas teses negacionista, apesar de forçado a substituir o general Eduardo Pazuello no comando do Ministério da Saúde, em razão do seu fracasso. Colocou no cargo o médico cardiologista Marcelo Queiroga, que ainda não substituiu os militares neófitos em saúde pública corresponsáveis pelo desastre sanitário que estamos vivendo. Sua mais recente decisão sobre a pandemia foi entrar com uma ação contra governadores e prefeitos que adotaram o “toque de recolher”, que são medidas de restrição de circulação noturna dos habitantes das cidades nas quais a pandemia está fora de controle, preconizadas por sanitaristas, não se compara a um “estado de sítio”. Bolsonaro sabe que está afrontando o pacto federativo, a autonomia de estados e municípios. Sua intenção é responsabilizar o Supremo pela crise econômica provocada pela pandemia. Prefeitos e governadores também não são responsáveis pelo colapso sanitário e a crise econômica, a grande responsabilidade é do presidente da República, pessoal e indivisível.
Há outros fatos ainda mais graves em relação aos impulsos autoritários de Bolsonaro, como as ações da Advocacia-Geral da União (AGU), do Ministério da Justiça e da Polícia Federal com intuito de processar, investigar e prender oposicionistas. O uso político e abusivo desses aparatos de coerção do Estado para intimidar àqueles que criticam seu governo e sua atuação, com base numa anacrônica Lei de Segurança Nacional herdada da ditadura, é muito preocupante. Não, não se trata de uma guinada populista à vista, mas de um comportamento típico de governantes autoritários em apuros, que começam a recorrer à força do Estado para exercer o poder contra a opinião pública, sem considerar os direitos das minorias e a legitimidade do dissenso numa ordem democrática.
Dorrit Harazim: Medos cruzados
Curioso como, em meio ao horror nosso de cada dia, um mero tuíte — quase banal de tão singelo — foi capaz de acionar meus sensores semianestesiados por um ano de pandemia. “Confesso que estou exausta. Já escrevendo errado e com muita angústia do que está por vir. É a primeira vez que tenho medo do que está acontecendo”, dizia a postagem de Ethel Maciel, que eu nem sequer conhecia. Ela é, entre outras qualificações, epidemiologista e professora da Federal do Espírito Santo e dizia sentir tristeza pela falta de empatia geral no país.“O pior está por vir. Se cuidem! Estamos à deriva”, concluiu sem se alongar.
O medo, como se sabe, é desde sempre a mais primal e potente emoção a mover todas as espécies, inclusive a humana. Estudiosos ensinam que os gregos da Antiguidade tinham tantas variantes para a palavra “medo” quanto são múltiplas as designações dos povos inuit para “neve”. Felizmente, Freud simplificou as coisas. Com ele aprendemos a distinguir o medo real (nossa resposta racional e compreensível à percepção de um perigo concreto), do medo neurótico (nossa expectativa movida a ansiedade, desencadeada por coisas tão inofensivas como uma sombra na calçada). O medo real, como o da professora Maciel, exige algum tipo de ação, seja fugir para se proteger, seja combater o perigo com as armas que tiver. O medo imaginário — aquele que interpreta coincidências como sinais letais e constrói cenários catastróficos — costuma resultar em paralisia.
Pois Jair Bolsonaro, em sua cavalgada de presidente em precipício, se dedica a inverter os sinais. Declara imaginária e neurótica a mortandade por Covid-19 que, de Norte a Sul, esvazia de vida o Brasil, enquanto acredita em suas próprias insânias com medo real de perder o poder. Nada pior para um país do que ser governado por um celerado em tempos de pandemia. Em todas as unidades da Federação, o estoque de 11 medicamentos recomendados para a entubação de pacientes (derradeiro recurso, antes do óbito) está minguando. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, uma falha na distribuição de oxigênio causou a morte de 6 doentes num só dia. No cemitério de uma cidade pernambucana de 140 mil habitantes (Vitória de Santo Antão), corpos em decomposição amontoados a céu aberto prenunciam o amanhã coletivo. Em São Paulo, a prefeitura inaugura três “hospitais de catástrofe” para estancar a hemorragia de vidas — mais de 20 mil na capital. De Teresina, chega a foto de um idoso esquálido que morreu no chão de uma UPA não mais por falta de leito de UTI, ou de leito de enfermaria, mas por falta de simples maca ou cadeira de plástico para “morrer na contramão”, como diz a canção de Chico Buarque. São as entranhas do país expostas por um presidente perverso e vigarista, que necessita de caos e fúria para existir. Quanto maior o descontrole, mais cresce seu flerte obsessivo com a exumação do “estado de sítio”.
Chefes de Estado negacionistas houve vários no planeta infectado, com gradações múltiplas de conveniência política, porém só Bolsonaro arrosta até hoje, passado um ano de horror pandêmico, seu descrédito presidencial quanto ao número de óbitos por Covid-19 no país. Segundo o colunista Lauro Jardim, a insânia já contaminou o futuro ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, antes mesmo de sua posse. Em conversa privada com pelo menos um colega médico, Queiroga teria manifestado a intenção de fazer blitzes em hospitais para aferir se as UTIs estão realmente lotadas, se tem essa gente toda morrendo de Covid-19.
Então cabem algumas perguntas: como não condenar um presidente que prega “desobediência civil” a seus fiéis, para que resistam a medidas de isolamento capazes de salvar suas vidas? Como não condenar um chefe do Executivo que finge ameaçar o Judiciário com “ação dura” caso não consiga impedir governadores de decretar lockdown? Como não condenar o presidente de um regime ainda democrático que chama o Exército de seu? “O MEU exército não vai para a rua para cumprir decreto de governador. Não vai”, garantiu Bolsonaro em tom exaltado na sexta-feira. “Se o povo começar a sair de casa, entrar na desobediência civil, não adianta chamar o Exército, porque MEU exército não vai.”
Uma última pergunta, talvez ainda mais pertinente, fica no ar: e se Bolsonaro não estiver completamente celerado ao chamar o Exército brasileiro de seu?
Daí a conveniência de a sociedade manter seu justificado medo no âmbito do perigo real — aquele que demanda de cada um uma reação. No caso, seja para se proteger, seja para combater o sombrio conluio do presidente da República com o óbito do Brasil.
Alexandre Sampaio Ferraz: A escalada dos impostos e o 1% mais rico do Brasil
Não resta dúvida que os mais ricos são taxados proporcionalmente menos, e não mais, como receita a teoria. E até aqui foram eficientes em imprimir sua agenda pelo fim da tributação.
Ao contrário do que diz o senso comum, o Brasil é um país pobre. A décima economia do mundo é apenas o centésimo país em renda per capita, segundo ranking de 2019 do Banco Mundial. Faturamos em média um pouco menos do que US$ 15 mil ao ano, o que mal chega a um terço da renda per capita da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O brasileiro médio, no entanto, não passa perto dessa grana. De acordo com a Rais (Relação Anual de Informações Sociais), só 10% dos brasileiros trabalhando no mercado formal (CLT) recebem salário mais alto que este, o equivalente a R$ 5.000 por mês. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta ainda que cerca de 70% dos brasileiros dispostos a trabalhar mal ganham dois salários mínimos mensalmente no trabalho principal, o que equivale a R$ 2.200 em 2021.
Os baixos salários não livram o brasileiro de pagar um dos mais altos impostos sobre o consumo do mundo, mas os livra de pagar o IRPF (Imposto de Renda de Pessoa Física) — o Brasil é o 8° país que proporcionalmente mais taxa o consumo no mundo, dos 61 países analisados pela OCDE. Não existe cidadão que não queira ganhar mais do que R$ 1.900 por mês, ou ter mais de R$ 300 mil em bens e direitos e, assim, poder pagar o IRPF. Mas nada menos do que 70% dos brasileiros estão fora do seleto grupo dos declarantes; são os isentos da Receita.
Os declarantes no Brasil se dividem em cinco faixas de renda, correspondentes às cinco alíquotas existentes. São poucas quando comparamos com os países desenvolvidos, que tendem a ter mais faixas/alíquotas de forma a maximizar a progressividade. Também temos uma das menores alíquotas máximas do mundo civilizado, 27,5%, contra uma média de 41% entre os países da OCDE. A discussão sobre a proporcionalidade das alíquotas é antiga e remonta a Adam Smith, que, no livro “A riqueza das nações”, argumentava que os cidadãos (súditos, para a época) deveriam “contribuir o máximo possível para a manutenção do Governo (...) em proporção ao rendimento de que cada um desfruta, sob a proteção do Estado”.
Taxar os cidadãos segundo sua capacidade e não com uma alíquota única tem sido uma máxima da teoria da tributação desde então. O Brasil passou a adotar o imposto de renda em 1922, e logo estabeleceu a progressividade. No ano base de 1988, ainda tínhamos nove faixas com alíquotas que variavam de 10% a 45%. Mas a minoria organizada exerceu eficientemente sua voz no novo período democrático. No ano seguinte passaram a ser apenas duas alíquotas, a maior de 25%. Em 1994, introduziu-se uma nova alíquota e a máxima subiu para 35%
Mas a grita levou a uma nova redução para duas faixas/alíquotas, com a máxima de 25%, que em 1998 passaria aos 27,5% atuais. Sem conseguir implantar a “progressividade para cima”, implantaram a “progressividade para baixo”. Em 1999, criaram as alíquotas de 7,5% e 22,5% ao lado da antiga mínima de 15%, que vigorava desde 1992. Não é simples implementar a progressividade e sobretudo taxar os mais ricos. E este não é um problema só do Brasil, como mostram Gabriel Zucman e Emmanuel Saez no livro “The Triumph of Injustice: How the Rich Dodge Taxes and How to Make Them Pay” (em tradução livre, “O triunfo da injustiça: como os ricos evitam impostos e como fazê-los pagar”), publicado nos Estados Unidos, em 2019.
A alíquota padrão ou de referência não é, na verdade, a alíquota efetiva paga pelos declarantes. A tributação do IRPF varia também por tipo de rendimento auferido no ano, e ainda tem as isenções legais. Ocorre que justamente os mais ricos têm mais rendimentos provenientes de fontes com tributação exclusiva e isentas de imposto.
A REFORMA TRIBUTÁRIA E A ATUAL CRISE ECONÔMICA PODEM TER ABERTO UMA JANELA DE OPORTUNIDADE PARA MUDARMOS ESSE JOGO, EM DIREÇÃO A UM PAÍS MAIS JUSTO
A “alíquota efetiva”, ou o total de tributos pagos em proporção da renda total declarada, tributável ou não, deveria aumentar conforme a renda. Mas isso só ocorre até os contribuintes que declaram em média cerca de R$ 35 mil por mês em rendimentos. A progressividade pode ser vista no gráfico abaixo. O ordenamento e a alíquota efetiva foram calculados sobre a renda RB2, ou a renda tributável bruta + renda de sócio/titular + lucros e dividendos + rendimento sujeito à tributação exclusiva.
O recurso de imaginarmos uma escada com 100 degraus ordenando os contribuintes segundo sua renda anual declarada é sempre conveniente neste momento. Até o 15º degrau a alíquota efetiva é próxima a zero. A receita até recolheu cerca de R$ 5 milhões em impostos com os 7,5 milhões de contribuintes no primeiro quarto da escada — ou seja, com os que estão nos 25 primeiros degraus —, mas é um valor insignificante perto dos R$ 153,8 bilhões arrecadados em 2018.
A partir do 15º degrau a alíquota se eleva de forma progressiva até o 98º, o antepenúltimo. Neste patamar, os declarantes pagam entre 13,4% e 11,8% de imposto, e a alíquota é menor quando incluímos na RB2 as receitas declaradas como “outros rendimentos isentos”. Daí em diante a alíquota efetiva despenca. Os 29,8 mil declarantes no penúltimo degrau pagam em média 10,7% da renda em IRPF. Já o pessoal no clube dos 1% paga apenas 4,7% em média.
Mesmo os 1% mais ricos podem se achar injustiçados, pois enquanto os 10% mais “pobres” deste grupo pagam alíquota de 8,8% sobre a renda, os 10% mais ricos pagam uma alíquota efetiva de apenas 2,5%. A pontinha da cauda é ainda mais cruel: os 2.984 declarantes com maior renda pagaram efetivamente em 2018 apenas 1,6% em imposto sobre a renda total declarada. Não resta dúvida que os mais ricos pagam proporcionalmente menos, e não mais, como receita a teoria. E até aqui foram eficientes em imprimir sua agenda: chega de impostos! Mas a reforma tributária e a atual crise econômica podem ter aberto uma janela de oportunidade para mudarmos esse jogo, em direção a um país mais justo e com menos desigualdade.
Alexandre Sampaio Ferraz é economista, doutor em ciência política e assessor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
José Roberto Mendonça de Barros: Existe futuro para a indústria?
Estamos longe da trajetória de crescimento sustentável, se comparado com o PIB global nas últimas décadas
O Brasil deixou de acompanhar o crescimento global desde 1980. Esse distanciamento se acentuou depois do novo milênio e, em particular, após 2010: nesse período, o PIB global cresceu 31%, enquanto o nosso mal se moveu, expandindo-se até o ano passado pífios 2% na última década.
A pandemia aumentará essa diferença, pois, na estimativa do FMI, o crescimento mundial deste ano será robusto, de 5,5%, e, para o Brasil, de 3,6%. A expectativa da MB é de um crescimento mais fraco, de apenas 2,6%. O cenário está desolador, com recrudescimento da covid, falta de vacinas, recorrentes restrições à mobilidade, piora generalizada nas expectativas, enfraquecimento do mercado de trabalho, fortes pressões inflacionárias e consequente elevação de juros e forte incerteza fiscal. Todos esses elementos dominam completamente a situação, ao contrário do mundo de fantasia que se vive em Brasília.
Mesmo o mais otimista observador do cenário brasileiro há de concordar que estamos muito longe de uma trajetória de crescimento sustentável.
Nos anos mais recentes, observamos uma desaceleração forte e sistemática do crescimento industrial. Isso explica boa parte da perda de dinamismo da economia como um todo. Sugere também que, sem algo novo na indústria, será difícil retomar uma trajetória construtiva.
Ao lado da queda da indústria, observamos uma expansão sistemática da agropecuária, baseada em investimentos e crescimento de produtividade. Esse processo se tornou endógeno e está levando a uma crescente utilização de produtos industriais e serviços no processo de produção (o modelo da agricultura de precisão). Expandem-se cada vez mais a produção de novos energéticos, alimentos e materiais, a partir das matérias-primas agrícolas, gerando uma produção industrial sustentável e biodegradável.
Será possível voltar a crescer sem a participação intensa da indústria? Não creio. Boa parte do progresso tecnológico ainda ocorre no setor. O Brasil ainda não tem maturidade nem massa crítica em ciência e inovação para ser um gerador de tecnologias, de forma a viabilizar a criação de valor sem indústria.
Como, então, explicar sua queda sistemática? Por que o setor agroindustrial tem sustentabilidade em seu crescimento? Existe alguma lição que se possa extrair para a indústria?
Boa parte das análises produzidas pelas lideranças industriais coloca exclusivamente no ambiente externo (o “custo Brasil”) a razão fundamental da perda de dinamismo. Estará aí toda a verdade?
Estamos no momento em que é imperioso debater valores e elementos das estratégias das indústrias para refletirmos a respeito de ações e políticas que possam alavancar seu desenvolvimento.
Junto com João Fernando Gomes de Oliveira, elaboramos um pequeno texto no qual, sob o título desta coluna, buscamos resumir nossa visão sobre como chegamos até aqui e o que deveria ser incorporado na formulação de bases para uma nova fase do setor.
Tendo isso como ponto de partida, combinamos com Marcos Lisboa e o Insper a realização de um webinar no dia 6 de abril, quando analisaremos também casos bem-sucedidos, que podem iluminar caminhos futuros. Participarão adicionalmente do evento João Paulo Gualberto da Silva, diretor superintendente da WEG Energia, Eduardo Augusto Ayrosa Galvão Ribeiro, presidente da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), e Paulo Hartung, presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores. (www.insper.edu.br/agenda-de-eventos/existe-futuro-para-industria)
* * * * *
Consolidou-se a percepção de que a escassez de vacinas e a piora na situação da pandemia irão reduzir o crescimento esperado para o ano, levando muitos analistas a diminuir as projeções feitas em janeiro.
Embora não tenhamos alterado nossa previsão de crescimento (2,6%), elevamos a do IPCA para 5%.
Em consequência, agiu bem o Banco Central ao iniciar a normalização da política monetária nesta semana, embora tenha demorado para perceber que a pressão inflacionária é mesmo forte e tem de ser enfrentada.
*ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE
Luiz Sérgio Henriques: Os bárbaros entre nós
Há setores da esquerda dispostos a sacrificar os direitos humanos se as ditaduras são ‘amigas’
Nem mesmo quando a pandemia grassava nos Estados Unidos sem perspectiva de controle, e o então presidente Donald Trump perdia o trunfo de alguns ganhos econômicos que podia alardear, era totalmente certa sua derrota nas urnas. Não importava muito que os democratas houvessem encontrado em Joe Biden uma saída equilibrada e confiável, de resto quase sempre à frente na maioria das pesquisas pré-eleitorais. Na verdade, tão espalhado é o mal-estar difuso nas democracias, tão grande a crise do político, mais além das crises convencionais da política, que o campo aberto à disposição dos demagogos parece inesgotável, possibilitando-lhes passes de mágica e ilusionismos vários até há pouco próprios só do realismo fantástico.
Convém ter isso claro ao analisar o momento atual do presidente Bolsonaro no penúltimo ano de mandato, já se podendo prever, sem margem a dúvida razoável, o quadro catastrófico que se abriria em caso de reeleição. Os números negativos sobre seu desempenho no (não) enfrentamento da pandemia – um evento excepcional – ou na administração regular dos problemas do País podem até subir consistentemente, como parece ser a tendência, mas sempre sobrará para esse tipo de líder a tentação do desatino fatal: o ataque frontal às instituições, iconicamente representado no assalto ao Capitólio.
Além disso, a derrota de Trump ao fim do primeiro mandato – como assinalou Yasha Mounk, que de populismo autoritário entende – não seguiu o padrão habitual. É que, em média, tais líderes tendem a ficar mais tempo no poder do que primeiros-ministros e presidentes comprometidos com as regras da alternância, e os eleitores só os defenestram depois de já seriamente comprometidas as instituições.
Nada simples desvendar o segredo de tal resiliência, mas o fato é que esses dirigentes autoritários expressam e estimulam um contexto em que há imensas falhas tectônicas entre os territórios da política e da economia. A primeira, ainda basicamente vivida e pensada em termos nacionais; a segunda, crescentemente globalizada, sem instituições que a regulem e garantam a correção dos desequilíbrios provocados por seu movimento “cego”. Retomar o controle nacional sobre o movimento da “máquina do mundo”, fechar fronteiras, destruir os fóruns de cooperação mundial e, por certo, acirrar conflitos externos e a guerra interna de classes, eis a substância da distopia que incendiou a imaginação de políticos e ideólogos do novo populismo.
Por isso o léxico de que se valem os nacionalistas autoritários é impressionantemente monótono: a “América primeiro”, de Trump, é o lema que tentaram, ou tentam, retraduzir em suas nações Salvini, Erdogan, Orban, Le Pen. Entre nós, o “Brasil acima de tudo” trouxe em si o aspecto irônico de ser um nacionalismo contraditoriamente dependente de outro, e ademais, com a vitória de Joe Biden, agora órfão na parte ocidental do mundo. E o “Deus acima de todos”, independentemente do que pensarmos sobre a profundidade da vida espiritual de quem nos governa, sintetiza no plano retórico a disposição de usar, sem moderação e a despeito dos processos de secularização que supúnhamos consagrados, a arma do fundamentalismo religioso.
O cardápio envenenado implica a volta aos valores de um passado muitas vezes pré-iluminista, a proposição de uma modernidade reacionária e amputada da dimensão do individualismo democrático, para nada falar do marxismo, seja lá a extensão ou o sentido a ser atribuído a esse termo. O recuo às fronteiras nacionais, por óbvio, tem como consequência abdicar da capacidade de pôr de pé uma ordem mundial minimamente cooperativa e pacificada: até o comércio entre as nações se torna a continuação da guerra por outros meios. Em cada país individualmente considerado, as marcas evidentes são a democracia sem liberalismo, o Führerprinzip como a realidade por trás do slogan do “povo no poder”, bem como o recurso permanente às rançosas lutas culturais, na falta de projeto hegemônico consistente. E naturalmente, com o isolacionismo, a intensificação do racismo e da xenofobia.
Tudo seria simples demais, os campos estariam bem demarcados e só restaria partir para o bom combate do voto e das ideias, não fosse o fato perturbador de que também há setores da esquerda de orientação “soberanista” e antiliberal, dispostos a sacrificar o legado iluminista e até os direitos humanos, quando os ditadores são “nossos” e as ditaduras, amigas. Não se trata só de crasso erro prático, capaz de minar a prática das alianças e das amplas frentes em prol dos valores democráticos. Trata-se, também, de insuficiência teórica que impede ver em toda a sua amplitude os processos de democratização política e social, bem como o papel que neles tiveram os “subalternos”, em geral representados por socialistas em conflito – mas também em colaboração – com liberais e mesmo conservadores.
É essa dinâmica aberta e generosa, historicamente decisiva, que convém restaurar o quanto antes, mesmo porque os bárbaros estão às portas e, ai de nós, em alguns casos já as derrubaram.
*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil
Paulo Fábio Dantas Neto:Democracia como vacina política e as cloroquinas de ocasião
Dedico a coluna de hoje ao Dr. Severino Elias, médico com profundo sentido de missão, que nos deixou ontem, depois de semanas de luta pessoal contra a Covid. Essa foi, porém, apenas a sua batalha final. Antes desse desfecho, chorado por quem perdeu o amigo e a referência profissional, houve um ano de dedicação e bravura cotidianas para não abandonar seus pacientes, apesar dos mais de 70 anos de idade e quase 50 de serviços prestados. Dele é possível dizer, sem exagero, que doou sua vida a uma vocação. Eis a razão desta homenagem, que me vale, também, de estímulo para escrever o que segue.
Peço perdão a Cabral (o João) por passar agora da evocação de uma morte e vida severina, alegórico exemplar do seu poema imortal da humanidade brasileira, para uma alusão à mais abjeta negação de qualquer humanidade. Incluo, a contragosto, entre as reflexões de hoje, as mais recentes agressões psicopáticas do presidente da República à dor infinita do povo que ele deveria defender. Evocar seus ares debochados com as vítimas da falta de ar e o seu incentivo perverso a saques e outras violências incalculáveis é um introito necessário ao argumento que aqui procurarei desenvolver.
O desespero de incontáveis pessoas está fazendo com que se disponham a pagar qualquer preço para que Bolsonaro seja tirado, o quanto antes, do lugar de poder que ele desonra. Compreensível desejo que não pode, contudo, nos distrair da hipótese de que um Putin militar esteja nos aguardando na esquina. O que o Dr. Marcelo Queiroga está prometendo fazer caso assuma mesmo o Ministério da Saúde pode dar ideia do que seria o resultado da substituição do presidente por seu vice, se feita de modo imprudente, sob pressão desse desespero, ou por sua manipulação. Seria cloroquina, nada mais.
Confirmam-se, no MS, sombrias conjecturas. O que era péssimo com o general Pazuello, ensaia piorar. Sua queda banal - que para muitos parecia ser cirurgia providencial, a ponto de se apostar fichas numa CPI de tempestividade e eficácia duvidosas - não diminuiu a premência da vigilância constante da fera, pela comunidade da saúde, imprensa e sociedade, assim como não provou ser medida mais eficaz do que o tratamento paliativo, tópico, atenuante, conservador, com que a atitude prudencial do Congresso e do sistema político de um modo geral, contém efeitos dos impulsos de morte emanados do palácio.
O médico que se quer impor ao ministério é mais perigoso do que o general destrambelhado. Ele pode destilar o veneno da dúvida na opinião técnica, dividi-la, isso resultar em maior desorientação ainda da população e essa desorientação, por sua vez, alimentar ainda mais aglomerações e outras atitudes de risco, às quais terão que corresponder atitudes mais duras de polícias estaduais. Tudo isso gera um altíssimo potencial de conflito político entre poderes e de confrontos de rua, inclusive físicos, entre pessoas. Em síntese, o caos social expresso em desordem. Essa é, ao fim e ao cabo, a meta que Bolsonaro persegue, enquanto finge preocupar-se apenas com as urnas. Resistamos ao autoengano: se urnas prometem, cada dia mais, ser um pesadelo para ele, não se deve esperar que marchará para elas como se fosse um líder democrático, porque ele é a antítese disso. É claro que precisamos estar cientes de que o subversivo fará tudo que estiver ao seu alcance para virar a mesa antes disso. E que quem comanda nossas instituições não pode vacilar um só dia na vigília para impedi-lo de tornar seus planos realidade.
Impedir não é, contudo, virar a mesa antes dele, permitindo que o impulso autocrático que ele encarna retorne ao jogo com força. O tratamento conservador, da democracia sem atalhos, continua sendo crucial para a saúde política e social desse paciente em estado crítico que é o nosso país, por mais enervante e angustiante que essa linha de conduta seja. Democracia é a vacina, tudo o mais, cloroquina.
Embora a queda de Pazuello sequer tenha sido consumada na prática, as primeiras pistas oferecidas pelo agente Queiroga, um projeto de Dr. No (personagem de romance de Ian Fleming, popularizado pelo cinema, ao fazê-lo antagonista de James Bond, o agente 007), permite também imaginar o que seria um pós-bolsonaro antecipado sob a batuta salvacionista do ex-general Mourão. Ou mesmo a investidura desse último, como quer a procuradoria do MPF junto ao TCU, na gestão do combate à pandemia. Nenhuma morte já marcada para ocorrer, por falta de remédios, oxigênio, ou leitos, deixaria de ocorrer. Mesmo se um anti-bolsonarista autêntico (que nem de longe é o perfil do ex-general em causa) chegasse ao MS, levaria semanas, talvez meses, para conseguir o que hoje falta para salvar vidas de novas dezenas, talvez centenas, de milhares de brasileiras e brasileiros marcados para morrer anonimamente.
É preciso ver que se torna cada dia mais difícil conter a revolta e a suposição de alívio que a ideia de Bolsonaro ser logo afastado produz. Nessas condições, a solução proposta ao TCU, se considerada, poderá produzir mesmo algum alívio, se for uma tentativa de, ao menos, impedir o prolongamento da atual tragédia seguindo semestre afora, que é a missão dada, pelo visto, ao ministro que consta estar prestes a assumir. Ficam, mesmo assim, dúvidas, que nada têm de laterais, sobre o que ou quem levaria Mourão - caso assumisse a gestão da pandemia e até cancelasse a virtual nomeação de Queiroga - a tirar os militares do Ministério da Saúde e sobre até onde iria o seu poder para tirar, de agências governamentais externas ao MS, outros agentes que poderiam ajudar Bolsonaro a minar uma suposta nova política sanitária para perpetrar a próxima etapa do seu plano macabro. Questões em aberto.
A partir dessas dúvidas, alguém poderá argumentar, com alguma razão, que esse paliativo não resolve, sendo preciso afastar Bolsonaro, não apenas da gestão da pandemia, como do próprio cargo que ocupa. Mas ainda que sigamos esse raciocínio aparentemente pragmático, respaldado pela intensidade da atual tragédia sanitária, é preciso indagar, de saída, em que bases poderia surgir, de fato, um novo governo e não apenas a troca do ex-capitão por um ex-general no comando do mesmo governo. Quem, nessa situação ditada pelo desespero, poderia exigir de Mourão o desmonte do atual governo e do dispositivo paramilitar que foi nele introduzido e, com isso, constituir um governo de transição? Mais provável seria que tomássemos o caminho da Rússia, mudando expectativas e regras, para manter a situação.
Com isso não quero dizer que alternativas intermediárias arriscadas devam ser preliminarmente afastadas, em qualquer hipótese. Algo que se considera provável não é sempre uma fatalidade, claro. A política democrática pode criar caminhos onde parece haver apenas muros e precipícios. Essa é a sua missão legítima, desde que se respeite a Constituição, a premissa que a legitima. Mas o que não se pode é ser afoito, ou ingênuo, diante dos perigos. Para evitar risco de Rússia, o melhor é aguentar as pontas até 2022, no limite máximo do possível. E correr o risco de que tentem invadir, antes, o nosso capitólio. Será custoso defendê-lo, mas igualmente preciso.
O desafio à resiliência democrática já era grande, antes da reentrada de Lula no primeiro plano da cena política. Agora, a situação torna-se ainda mais complexa e precisa ser analisada por ângulos diversos. De um lado, é óbvio que mais gente do topo, do establishment, seja civil ou militar, tende a ser tomada, como se fossem ultra-esquerdistas voluntariosos, por uma súbita e suspeitíssima pressa de livrar logo o país de Bolsonaro e entregá-lo a um guardião que atalhe o caminho até as urnas, não para calar a voz do demos soberano, mas para modular a sua fala. De outro lado, a visibilidade que ganhou, há dez dias, uma primeira alternativa pré-eleitoral concreta a Bolsonaro pode fortalecer e animar democratas de várias orientações políticas a persistirem na aposta na democracia, apesar das tentativas de bloqueio a essa reta visão que, por vezes, tornam sinuoso esse caminho.
No horizonte está, como é óbvio, uma eleição daqui a um ano e meio. Ainda bem que assim é. Ligada a esse horizonte, sem se prender exclusivamente a ele, é que pode prosperar uma política de unidade democrática. Com o cuidado de não se fazer dela um evangelho oco, desligado da realidade cotidiana das pessoas comuns. Tão importante quanto pregar unidade é deixar claro o que se quer dizer com ela.
Proclama-se a torto e a direito a necessidade de uma “frente única” contra Bolsonaro. Essa frente única não é e nunca foi provável, do ponto de vista eleitoral. O que se pode ter, ou melhor, o que temos tido é uma frente amplíssima em defesa da democracia contra as investidas golpistas e autocráticas do palácio e de suas cercanias espúrias, visíveis e invisíveis. E mais recentemente nota-se também a formação de uma frente política e social igualmente ampla, em prol de vacinas, de vacinação e do provimento, na contramão da desorientação deliberada que Bolsonaro dá ao governo federal, de mínimas condições de governabilidade e de amparo médico, hospitalar e social nesse instante crítico da pandemia.
Mas isso é uma coisa e a questão pré-eleitoral é outra. Não há como juntar as forças políticas democráticas, de direita, centro e esquerda em torno de uma única candidatura já no primeiro turno das eleições presidenciais. Se pensarmos bem, isso nem seria desejável, pois anteciparia o segundo turno para o primeiro sem que os eleitores pudessem captar o posicionamento atual de cada força política. Essa visão turva tenderia a reeditar o script de 2018 e o resultado dele, como sabemos, é o desastre que vivemos hoje. Lula e o PT podem até ser protagonistas no novo cenário, sem que isso signifique flertar com a tragédia. Flertar com a tragédia será, sim, repetir, não tanto os atores, mas aquele script. Entre a proliferação de candidaturas ao centro e à esquerda (como houve em 2018) e a antecipação de um segundo turno ainda durante o primeiro, um meio termo é desejável e possível.
Dois processos de agregação oposicionistas podem ocorrer, um na centro-direita, outro na centro-esquerda e ambos tenderem ao centro, com seus candidatos evitando, ao máximo, trocar farpas e assim prepararem terreno a uma aliança no segundo turno. A agregação da esquerda ao centro dificilmente se fará em torno de outro nome que não Lula e de outro partido que não o PT. Já a que pode ir da centro-direita ao centro é só incerteza se o critério for a intenção de voto, cuja medição, hoje, só pode refletir o recall de 2018. Se o critério for o capital político estimado como potencial de voto, a incerteza diminui e sobressai, como já comentei aqui na semana passada, o nome ex-ministro Luiz Mandetta.
A possibilidade de uma saída desse tormento por uma via democrática torna legitimo que se fale, sim, abertamente, de política, em plena pandemia. Sei que o preço em vidas para manter a democracia está sendo muito alto. Mas os países que conhecem o seu valor, pagam, porque sabem que ela, a democracia, é a única vacina disponível e que, fora dela, não há solução melhor e mais sustentável do que as lentas e penosas soluções que, através dela, a política pode construir. Essa convicção - sem a qual uma sociedade se torna escrava – é que impede elites políticas e sociedade civil de alienarem a condução do país a autocratas, cloroquinas que estão sempre de plantão. Saber recusar, no meio de uma tragédia social, esse barato que afinal sairá mais caro, é teste definitivo de maturidade democrática. A sociedade que passa por esse teste não só se livra do inimigo - ainda que tarde e chore muitas perdas severinas - como submete à justa punição, na devida hora, quem a ele se aliou na hora de batalhas decisivas.
*Cientista político e professor da UFBA
Cristovam Buarque: Turno único
Democracia em risco
Diversos candidatos se propõem a impedir a reeleição do atual presidente. Na medida que a eleição se aproxime, disputarão mais entre eles do que contra o opositor deles. Porque vão concentrar a disputa na busca de chegar ao segundo turno. Seus adversários serão seus aliados. Ao concentrarem a disputa entre eles, os candidatos criarão antagonismos que serão levados até o segundo turno, por eles próprios e por seus eleitores.
Vimos isto em 2018, quando os candidatos que perderam no primeiro turno não se empenharam na campanha de Haddad, quando este chegou ao segundo turno. Muitos dos eleitores preferiram votar nulo ou branco ou simplesmente se ausentarem. Isto ocorre em qualquer tempo, muito mais em momentos de confrontos e acusações radicalizadas, como atualmente. Apesar de que Bolsonaro hoje assusta e indigna mais do que em 2018, depois de tantas acusações, será o envolvimento pleno dos perdedores, apoiando quem chegar no segundo turno.
Os candidatos democratas que percebem este risco têm a obrigação de evitar um segundo turno e consequentemente o risco de um novo mandato para o presidente atual. Devem perceber também que o papel desempenhado pelas Forças Armadas nestes dois anos e a farta disseminação de armas entre bolsonarista podem levar a um “terceiro turno” nas ruas, caso ele perca por uma margem estreita no segundo turno. As afirmações de que não acredita nas urnas eletrônicas e de que prevê fraudes indica uma possibilidade de se manter no poder, usando milícias para invadir Congresso e Tribunal Eleitoral, prender ou eliminar adversários.
As forças democráticas devem evitar este risco: construir uma aliança que una os partidos e os candidatos para vencerem logo no primeiro turno, por uma diferença indiscutível, e em função disto estruturarem um governo de concertação nacional, sem o qual será difícil levar adiante o novo governo diante das sequelas das epidemias e malditos que afligem o país.
É preciso colocar o país na frente dos interesses e posições de cada partido e de seus líderes, seus programas e ambições. Construírem uma unidade vencedora e capaz de conduzir o país. Para tanto, é preciso reconhecer os erros cometidos no passado, aceitar que não foi dada a devida prioridade para reformas estruturais que servissem às necessidades das camadas pobres, nem aquelas necessárias para ajustar o Brasil ao futuro, além de que foram mantidas indecentes mordomias e privilégios. Sobretudo, houve aparelhamento partidário da máquina do Estado que permitiram a corrupção avassaladora sobre as estatais.
Nada disto pode ser ignorado, e a Justiça deve ser feita. Cumprida a Justiça em relação aos crimes do passado, a Política precisa olhar o futuro. Os juízes devem prender quem for preciso prender, os políticos devem dialogar com quem for preciso para salvar o País. Em busca de vencer Bolsonaro no primeiro turno, por uma margem que acalme seus fanáticos desarmados e constranja suas milícias armadas.
Se não for possível o impeachment antes, ainda é tempo de construir-se um turno único contra Bolsonaro em 2022.
*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro
Saiba o que a tecnologia de vacinas contra Covid pode fazer por outros pacientes graves
Revista mensal da FAP mostra que técnicas científicas para produção de imunizantes lançam luz sobre tratamento de pacientes com câncer e esclerose múltipla
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Reportagem especial da revista Política Democrática Online de março mostra que a pressão da pandemia da Covid-19 impõe um iminente risco de colapso hospitalar em boa parte dos hospitais pelo mundo, mas também mostra o avanço da ciência para abrir um leque de esperança até para pacientes com outras moléstias.
Com periodicidade mensal, a revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.
De acordo com a reportagem da revista da FAP, estudos sinalizam que a tecnologia genética exclusiva de vacinas contra o coronavírus pode ser aplicada no tratamento de pessoas com doenças graves, como câncer e esclerose múltipla.
Material genético
O texto conta que novas tecnologias para produção de vacinas, notadamente aquelas que usam o material genético do vírus Sars-Cov-2, podem rapidamente ser adaptadas para novos agentes causadores de doenças, de acordo com o médico Alexander Precioso, diretor da Centro Farmacologia, Segurança Clínica e Gestão de Risco do Instituto Butantan.
“A tecnologia genética exclusiva das vacinas Moderna e Pfizer/BioNTech contra a Covid-19 é uma das que podem ser aplicadas no tratamento de outras doenças, incluindo câncer”, diz um trecho. “O método mRNA, usado na imunização, tem o potencial de fornecer grandes avanços médicos em outras áreas, de acordo com a Innovations Origins”, continua
Os pesquisadores da vacina contra a Covid-19 descobriram uma maneira de entregar o RNA mensageiro às células sem ser destruído prontamente pelo sistema imunológico. Eles embrulharam o mRNA em uma armadura protetora de moléculas de gordura para disfarçar o material.
Como é
Funciona da seguinte forma: com é entregue com segurança às células, o mRNA programa o corpo para produzir proteínas do vírus contra o inimigo. Neste caso, é a proteína spike do SARS-CoV-2, o vírus que causa o Covid-19.
Ao receber mensagem genética escrita em uma molécula de RNA, o organismo faz suas próprias células produzirem proteínas de que necessita para imunizar-se, explica o texto jornalístico.
A reportagem especial da revista Política Democrática Online também mostra que o início da vacinação no Brasil levantou muitas dúvidas na população. Todas as vacinas, no entanto, seguem protocolos rígidos até começarem a ser aplicadas nas pessoas.
No caso do Brasil, devem ser aprovadas antes pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No país, por enquanto, apenas a Coronavac e da AstraZeneca/Oxford estão permitidas.
Leia também:
“Bolsonaro não é só um mau soldado. É um fascista incapaz”, afirma Alberto Aggio
“Governo Bolsonaro enfrenta dura realidade de manter regras fiscais importantes”
Brasil corre risco de ter maior número absoluto de mortes por Covid, diz revista da FAP
Face deletéria de Bolsonaro é destaque da Política Democrática Online de março
Veja todas as 29 edições da revista Política Democrática Online
O Globo: Troca no Ministério da Saúde irrita Arthur Lira e provoca insatisfação no Centrão
Escolha de Marcelo Queiroga incomodou o presidente da Câmara, que preferia médica Ludhmila Hajjar ; senador Ciro Nogueira, presidente do PP, atua para conter os ânimos
Bruno Góes, Paulo Cappelli e Natália Portinari, O Globo
BRASÍLIA – A escolha do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, provocou insatisfação no presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e em seus aliados. Eles demonstram desconfiança com o médico, escolhido por sua ligação com Jair Bolsonaro. A preferência pelo seu nome, porém, contou com o aval do presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), que tenta acalmar os ânimos.
Ao concretizar a substituição de Eduardo Pazuello, Bolsonaro rifou a cardiologista Ludhmila Hajjar, apoiada publicamente por Lira. O deputado do PP, segundo interlocutores, ficou "muito chateado".
No partido, Lira havia defendido a indicação de Ludhmila em detrimento do deputado Luizinho (PP-RJ), preferido entre os parlamentares. À bancada, Lira disse que Bolsonaro não aceitaria o nome de um político nesse momento e, então, o ideal era dar apoio a Ludhmila. Quando o presidente mudou de ideia, Lira se irritou.
Em conversa no Palácio do Planalto com o presidente, na tarde de terça-feira, porém, Ciro Nogueira deu aval ao nome do cardiologista. Ao sair do Palácio do Planalto, ele tentou acalmar os ânimos de Lira. Na segunda-feira à noite, após o anúncio de seu nome, Queiroga se reuniu com diversos deputados do PP, como Hiran Gonçalves (RR), Celina Leão (DF), Margarete Coelho (PI) e de outros partidos, como Soraya Santos (PL-RJ).
Parlamentares cobram desde o fim do ano passado o cumprimento de um calendário de vacinação factível e veem como fundamental uma mudança de postura do ministério. Alguns aliados de Lira dizem até mesmo publicamente que não há mais chance para erros.
– O Congresso vai dar o todo apoio. Mas, numa situação grave dessas, o ministro não pode aprender a ser ministro. Tem que ser ministro e colocar em prática o calendário de vacinação – afirma o vice-presidente da Casa, Marcelo Ramos (PL-AM).
Além de condenarem o papel de Pazuello na Saúde, alguns parlamentares esperavam que pudessem ter mais influência no ministério para coordenar as políticas voltadas diretamente para suas bases eleitorais.
Parlamentares do Centrão e aliados de Lira disseram ao GLOBO, em caráter reservado, que a postura de Bolsonaro no episódio poderia incitar retaliações em "votações importantes". Entretanto, essa ainda é uma conjectura diante da insatisfação.
– É um dos ministérios mais delicados de qualquer governo. Não é possível trazer alguém para tentar entender o que está acontecendo. É delicado. Queiroga é uma pessoa que tem capacidade médica, mas não conhece o sistema de saúde. Temos o exemplo do Teich. Quanto tempo ele durou? Um mês. Era extremamente qualificado academicamente, mas o Ministério da Saúde é uma área técnica, mas também política. Em um momento como esse, não dá pra botar pessoa que ainda está tentando entender o que está acontecendo internamente – diz o deputado Hugo Leal (PSD-RJ).
Roberto DaMatta: Viramos jacaré?
Meu senso de antropólogo cultural antigo e de não especialista (hoje, o Brasil é a pátria desses maravilhosos profissionais) prevê que teremos múltiplas vacinas contra o competidor biológico maior, a Covid-19, com suas famílias e linhagens que o governo Bolsonaro incrementa por meio de um pueril negacionismo e por uma adulta e criminosa sabotagem.
O vírus, não custa repetir, além de ser um agente epidêmico mortal e sem intenções (exceto sobreviver), é — tal como as nossas elites, de que somos parte e parcela — um predador invisível e solerte.
Aliás, conforme escreveu um “especialista” chamado Charles Darwin, no mundo natural, além de uma perturbadora ausência de intenção (ou causa final) e de uma óbvia presença de oportunidade, quem melhor se adapta e mais se reproduz triunfa.
O significado dessa desgraçada vitória, devo logo dizer antes que me levem à guilhotina moral, é a grande questão do nosso mundo, já que, de modo claro, ela suprime um outro mundo, uma outra vida e — quem sabe? — engendra uma história alternativa...
Se levamos a sério as premissas darwinistas, cabe honrar ao menos “este mundo” de que estamos certos e onde atuamos. Pois o fato inexorável é o seguinte: se tudo ocorreu ao acaso num planeta igualmente singular, posto que ele próprio é “vivo”, o sentido final da existência não precisa ser justificado por uma outra vida. Ela tem que fazer sentido aqui e agora, como demandam o vírus, os sanitaristas e todos os inesperados. Acima de tudo, os inesperados paradoxalmente previstos (e planejados) dos abismos entre quem tem demais e os despossuídos.
Não é preciso ser um sábio para dirimir os abismos sociais do Brasil. Eles saltam aos olhos quando saímos de casa — se casa temos...
Nesta etapa antropocênica — em que a pandemia impede, entre outras dimensões, que se possam disfarçar as imensas desigualdades mundiais, os vergonhosos abismos sociointelectuais nacionais e os transtornos de um planeta agredido por “empreendedores” esquecidos de que são por ele englobados e foram por ele engendrados —, não há a menor dúvida de que a espécie triunfante, o Homo sapiens, é ao mesmo tempo Deus e algoz do mundo que habita e dele mesmo.
Diz um celebrado mestre-pensador (Claude Lévi-Strauss) que, graças à invenção da linguagem articulada e dos costumes, somos um superpredador com um trajeto semelhante ao do câncer, porque conseguimos uma multiplicação além da Bíblia. Hoje somos onipresentes. A onisciência e a onipotência que nos tornariam divinos está em nossa volta e se afirmam nos laboratórios e nas “armas de destruição em massa”, esse eufemismo para artefatos com o poder de simplesmente assassinar o planeta em nome de alguma desavença nacional!
Avaliando com minha óbvia insuficiência essas pressões, tenho, não obstante, um temor de idoso: imagino, conforme confesso ao meu filho Renato, um consumado biólogo, pesquisador e professor universitário, que o vírus pode ter vindo para ficar.
O que significa esse “ficar” quando o ideal de conforto, satisfação e dignidade depende de um rude individualismo (primeiro eu, depois os meus e em seguida quem pensa e faz como eu!) — uma consciência do mundo que convenientemente inibe reciprocidades, interdependências e só imagina o outro como adversário ou inimigo a ser eliminado (ou cancelado, como se diz atualmente)?
Não deixa de ser paradoxal que o lado mais perturbador do vírus seja sua potência de bloquear o que nos tornou humanos: a sociabilidade ancorada na presença do outro. A dialética da costumeiro e do exótico — do encontro interessado ou espontâneo. Enfim, o que originou as grandes descobertas, inclusive a desses bichos invisíveis que existem ao nosso lado e interagem conosco porque são tão antigos quanto nós.
A habitual negação e a sabotagem do vírus no Brasil — cujo maior responsável é uma atitude emocional e irracional do presidente Bolsonaro e de seus seguidores —não são só um ato de desgoverno desses que permeiam e estruturam a admiração nacional desde que nos entendemos como um coletivo; são um risco para a Humanidade.
Certo que Adão não foi criado no Brasil, mas é igualmente verdadeiro que a Humanidade pode ser radicalmente ameaçada a partir de nossa cuidadosa e precisa negligência negacionista. De nossa incapacidade de realizarmos uma leitura mais abrangente de nosso lugar na Terra.
Enfim, se não nos conscientizarmos do perigo que estamos causando a todo o planeta; se não nos dermos conta de que o vírus impede o comércio, a aliança, a troca em todos os seus níveis que nos fizeram humanos, então vamos virar jacarés.
Cumpriremos um dos mais devastadores vaticínios do mais insensível presidente da nossa história.
Vinicius Torres Freire: Sem vacina e infectado por Bolsonaro, país tem de tomar remédio ruim de juros
BC não tem alternativa no país que Bolsonaro sabota a saúde e a economia
O Banco Central vai aumentar a taxa básica de juros em sua reunião desta quarta-feira (17). Caso não o fizesse, provocaria um tumulto final na economia sob o desgoverno de Jair Bolsonaro. Não importa o que a leitora, que é perspicaz, ache do regime de metas de inflação, da autonomia do BC ou do “neoliberalismo”: haveria tumulto. A curto prazo, não há solução alternativa.
Caso o BC se fingisse de morto, o dólar iria muito além dos R$ 6, de imediato e para começar. A inflação, que já está marcada para ir a perto de 7% anuais lá por junho, por aí ficaria. Esses seriam os primeiros sintomas de coisa ainda pior.
Isto posto, a alta da Selic não vai sair barato, talvez para o crescimento de 2022 e com certeza não para o controle da dívida pública, um problema central do país, qualquer que seja a solução que se imagine para um endividamento ainda sem limite.
Por falta de crédito, taxas de juros de longo prazo muito salgadas, o governo do Brasil se endivida ou rola sua dívida cada vez mais a curto prazo. Uma taxa Selic real (descontada a inflação) em zero ou perto disso até o fim do ano que vem daria um refresco. Não, não é solução. O país está tão arrebentado que dependemos dessas coisas marginais para não afundarmos de vez.
Não, a taxa básica de juros não estaria entre os determinantes da atividade econômica a curtíssimo prazo (menos de um ano), se tanto. O resto de crescimento que se pode salvar em 2021 depende, como é óbvio, de contenção do morticínio, da lotação das UTIs e de vacinas, nada disso à vista antes de meados de abril, se tivermos sorte.
No ritmo atual, em nove dias as UTIs da prefeitura da cidade mais rica do país, São Paulo, estarão lotadas. Se forem abertas mais vagas, em esforço recorde, inédito e talvez limite, lotam em 17 dias.
No mais, o crescimento dependeria da existência de algum governo, com qualquer rumo que fosse. O “teto” de gastos não desabou por um triz neste março. Goste-se ou não desse telhado de vidro já encardido e rachado, entre outros problemas estruturais desde sempre, se o “teto” tivesse desabado agora, sem alternativa bem pensada, estaríamos indo à breca imediata. Bolsonaro tentou derrubar o teto.
O estímulo da política monetária (juros do BC, grosso modo) à retomada econômica será menor. Quão menor? Também dependerá da campanha de alta de juros que o BC levará adiante. Há quem diga que a Selic deve ir apenas dos 2% atuais para 4% no fim do ano. Já seria forte. Na média de opiniões reputadas e preços de mercado, imagina-se que vá a 5,5% ao ano. Uma paulada.
Tanto maior será a paulada quanto maior o desgoverno. As altas do dólar e das commodities são os fatores dominantes da inflação, determinados majoritariamente por motivos externos. A pressão do exterior poderia ser em parte contrabalançada por um governo que tratasse da epidemia e tivesse rumo, qualquer rumo, na economia. Mas Bolsonaro agora tenta sabotar com mais frequência até as últimas proteções contra o caos: vide patada no Banco do Brasil, na Petrobras, a tentativa de sabotar o teto de gastos na votação de PEC Emergencial.
Afora os fatores externos, o dólar está ainda mais alto por causa do endividamento sem limite, porque o Brasil não cresce, porque Bolsonaro seca o chão onde pisa ou cospe seus vitupérios idióticos, facinorosos e autoritários.
Ah, tratávamos do Banco Central. O BC se tornou um barquinho nesse mar de imundície tormentosa. Está sendo levado, não tem o que fazer a não ser atenuar o pior.