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Brasil vive 'mistura de pandemia com pandemônio', diz Gonzalo Vecina

Para o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, classificar como crime o que está acontecendo no Brasil durante os meses de pandemia não é nenhum tabu

André Biernath / BBC News Brasil

Professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e do mestrado profissional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Vecina Neto ainda é presidente do Conselho Consultivo do Instituto Horas da Vida e traz no currículo o fato de ser fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.

Numa entrevista exclusiva à BBC News Brasil, o médico avaliou o ritmo da vacinação contra a Covid-19, a ameaça das novas variantes do coronavírus e as perspectivas para o fim da pandemia.

Confira os principais trechos a seguir.

BBC News Brasil - Como o senhor vê o avanço da campanha de vacinação contra a covid-19 no Brasil? No que poderíamos estar melhor ou pior?
Gonzalo Vecina Neto - Bom, em primeiro lugar, nós temos uma falta de coordenação. O Ministério da Saúde já passou por várias gestões nesses meses e isso gera uma descontinuidade administrativa e um clima ruim.

Nós estamos fazendo uma vacinação sem uma campanha. Isso é impressionante. É a primeira vez que isso acontece na história do Programa Nacional de Imunizações, o PNI.

O PNI foi fundado em 1973 e, desde então, está bem claro o papel do Ministério da Saúde na definição de muitas questões relacionadas à vacinação. Agora, os Estados e os municípios fazem o que podem, mas sem uma coordenação do Governo Federal. Não há campanha alguma, no sentido de existir a comunicação, a convocação dos grupos, dos dias que as pessoas devem ir aos postos ou quando voltar para a segunda dose.

Veja bem, nós estamos em meio às campanhas de vacinação contra a Covid-19 e contra a gripe. Nós temos cerca de 80 milhões de doses de vacina contra a gripe e só usamos 40% desse total. E qual o motivo? As pessoas não foram convocadas para irem tomar a vacina.

No caso da Covid-19, além da ausência de uma campanha, há todo o despreparo da rede de vacinação. Nós temos 38 mil salas de vacinação no Brasil, com uma capacidade de imunizar 70 milhões de pessoas por mês sem estresse, só aproveitando o horário comercial e os dias úteis. No entanto, estamos com dificuldade em vacinar 15 ou 20 milhões de pessoas por mês.

Isso é causado pela descoordenação e pelo fato de não termos doses suficientes. A compra dos lotes foi tardia demais. Somente em março deste ano o [ex-ministro da Saúde e general Eduardo] Pazuello fechou alguns contratos, no que foi seguido pelo [atual ministro Marcelo] Queiroga.

Nós estamos desde o início do ano com uma lentidão na vacinação justamente pela falta de doses e pelo desarranjo estrutural do governo.



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Paciente de Covid-19 internado em UTI no Distrito Federal. Foto: Breno Esaki/Agência Saúde
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BBC News Brasil - Nos últimos dias, diversas cidades brasileiras alcançaram a marca de quase 100% da população acima de 18 anos vacinada com a primeira dose. Como isso deve ser encarado? Há motivo para comemorar e celebrar o feito?
Vecina Neto - A primeira dose ajuda a proteger, mas a proteção de verdade só é obtida após a segunda dose. Eu acho auspicioso qualquer tipo de conquista que tivermos no meio dessa desgraça. Afinal, o Brasil vive a mistura de pandemia com pandemônio.

Mas, infelizmente, os nossos problemas vão muito além disso. Nós ainda temos que vacinar toda a população adulta com as duas doses. Falamos de cerca de 160 milhões de brasileiros. Logo, são 320 milhões de vacinas.

Se o Brasil tivesse vacinado 70 milhões de pessoas por mês a partir de janeiro, pois tínhamos essa capacidade, teríamos terminado essa primeira etapa no mês de maio. Nós estamos em agosto e só agora chegamos a essa marca.

É auspicioso aplicar a primeira dose em toda a população adulta? Claro que é. Mas é pouco pra quem podia fazer muito mais.

BBC News Brasil - Com todos os adultos vacinados com a primeira dose, temos agora três possíveis frentes. Um, garantir a segundo dose a esse monte de gente. Dois, aplicar uma terceira dose em grupos vulneráveis, como idosos e profissionais da saúde. E três, começar a imunizar os adolescentes. Na visão do senhor, a quais dessas frentes precisamos dar prioridade?
Vecina Neto - Bom, a primeira questão que devemos focar é na segunda dose. E necessitamos pensar nos casos específicos, como as gestantes que tomaram a primeira dose da AstraZeneca e agora precisarão tomar a da Pfizer. Outro ponto é avaliar a intercambialidade de vacinas. Alguns países europeus deram a primeira dose da AstraZeneca e a segunda da Pfizer e viram que a mistura traz um aumento da eficácia e uma proteção melhor.

Ainda nessa seara, precisamos definir melhor os intervalos. Na vacina da Pfizer, o tempo entre a primeira e a segunda dose é de 21 dias, e nós no Brasil recomendamos 90 dias, até para conseguirmos vacinar mais gente.

Agora está na hora de voltar atrás dessa política. Já no caso da AstraZeneca, o ideal é manter mesmo essa espera de 90 dias. Em relação à segunda dose, apesar dos pequenos ajustes, o que precisamos é vacinar e pronto.

Já no caso dos menores de 18 anos, penso que vamos vaciná-los assim que todos os grupos de maior risco estiverem protegidos. Mas é óbvio que precisamos proteger também os adolescentes, e a vacina que temos aprovada no Brasil para essa faixa etária, de 12 a 17 anos, é a da Pfizer.



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Mas, mesmo nesse grupo, temos que pensar também em priorizar os jovens com comorbidades, porque eles têm um risco maior. Por isso, indivíduos com síndrome de Down, doenças raras, câncer, obesidade e asma deveriam ser vacinados antes.

Já sobre a terceira dose, me parece estar claro para o mundo inteiro que precisaremos disso. É lógico, vamos começar com os grupos de maior risco, como os mais idosos.

Mas eu acredito que essa dose de reforço deveria ser dada só depois de terminarmos a vacinação dos outros grupos. Não adianta deixar tudo pela metade, pelo meio do caminho. Daqui a pouco isso vai ser ruim para nós mesmos.

Temos que terminar a vacinação com a primeira dose, convocar as pessoas para a segunda dose e aí iniciar a revacinação pelos grupos prioritários. Muito provavelmente teremos a terceira e até a quarta dose da vacina contra a Covid-19, inclusive.

O grande problema é que o mundo está produzindo pouco em relação à demanda que temos. Precisaríamos de 14 bilhões de doses de vacina agora. Se pensarmos em terceira dose, são 21 bilhões. No entanto, estamos produzindo entre 3 e 4 bilhões neste ano.

Como sempre diz o Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, se nós não vacinarmos os países pobres da África e do Sudeste Asiático, o vírus vai continuar circulando. E, enquanto o vírus circula, aparecerão mutações que podem ser resistentes às vacinas já disponíveis.

Nós temos que deixar esse egoísmo de lado, essa história do "eu primeiro e depois o resto". A prioridade deveria ser vacinar toda a população mundial. Mas os países mais desenvolvidos, e mesmo aqueles em desenvolvimento, como o Brasil, estão mais preocupados com o próprio umbigo. Como se a pandemia começasse e terminasse em seus próprios territórios.

BBC News Brasil - E o que justificaria a necessidade de uma terceira dose agora? A queda dos anticorpos? A circulação de variantes de preocupação, como a Delta? Ou uma mistura desses fatores?
Vecina Neto - O primeiro ponto é que temos vacinas diferentes, com eficácias variáveis. A CoronaVac tem 50%, a Pfizer chega a 95% e por aí vai. Se eu pudesse priorizar uma vacina, é claro que eu escolheria a de maior eficácia para toda a população. Mas o problema é que a demanda está muito mais alta que a oferta. Com isso, eu tenho que usar todas as opções disponíveis.

Isso não significa que eu não usaria a CoronaVac, até porque ela tem uma grande serventia. Falamos de uma vacina que é menos eficaz, mas que, mesmo assim, derruba o risco de mortalidade por Covid-19 em mais de 90%.

A terceira dose deveria começar pelas pessoas mais idosas. Nas idades mais avançadas, nós sabemos que existe um fenômeno chamado imunossenescência. É o envelhecimento do próprio sistema imunológico, que não funciona como anteriormente.

O segundo ponto que justificaria a terceira dose é a queda na produção de anticorpos com o passar dos meses.

Não temos muitos estudos sobre isso, mas, no caso da vacina da Pfizer, verificou-se uma diminuição após algum tempo. Até quando essa proteção cai? Não sabemos, até porque não tivemos tempo suficiente para aprender isso.

Gonzalo Vecina Neto
Gonzalo Vecina Neto foi presidente da Anvisa e é professor da Faculdade de Saúde Pública da USP. Foto: Arquivo pessoal

De uma forma ou de outra, o vírus vai continuar circulando pela falta de uma imunidade coletiva, até porque os países estão com taxas de vacinação muito diferentes. E é normal que precisemos de reforços de tempos em tempos.

Veja o caso da febre amarela. Há alguns anos, a recomendação era que se tomasse uma nova dose a cada dez anos. De repente, diante de um surto e de uma escassez, os cientistas estudaram melhor o assunto e descobriram que não havia essa necessidade de reforço. Houve também um fracionamento das doses, o que permitiu levar a proteção a um maior número de pessoas.

Isso também está acontecendo com os imunizantes contra a Covid-19. Uma cidade do Espírito Santo está estudando a aplicação de meia dose da AstraZeneca, para ver se ela confere uma boa proteção. Se isso der certo, nossa capacidade de vacinação duplicaria.

Essa pandemia está nos mostrando que é preciso ter um pouco de humildade e aceitar os aprendizados que aparecem pelo caminho.

BBC News Brasil - Ainda sobre as variantes, já está provado que a Delta circula pelo Brasil e dados da vigilância genômica do Rio de Janeiro mostram que ela representa mais da metade das amostras analisadas no Estado recentemente. Como o senhor vê o avanço dessa linhagem no país? O que poderíamos ter feito para evitar isso e o que deveríamos fazer agora?
Vecina Neto - Primeiro, me parece que a Delta está evoluindo aparentemente mais devagar no Brasil do que ela fez na Europa e na Ásia.

Quando você analisa o que aconteceu nessas duas regiões, é algo muito surpreendente. Essa variante dominou a cena com muita rapidez. Em países com 80% de cobertura vacinal, como Israel, foi necessário fazer lockdown de novo.

Aqui no Brasil, nós tivemos notícias sobre a chegada dela já faz um bom tempo. E, claro, o que nós temos de informação pode ser muito menos do que aquilo que está ocorrendo de fato. Até porque não tivemos controle nenhum.

Parece que nós desaprendemos totalmente a lição milenar de que o isolamento é uma das melhores estratégias para lidar com uma doença infectocontagiosa. Mesmo quando a humanidade não sabia o que provocar a peste bubônica, a varíola e a sífilis, o isolamento sempre fez o número de casos diminuir.

E nós aqui no Brasil não usamos esse conhecimento milenar. Não fizemos nada daquilo que o mundo apontava que era necessário. As pessoas vinham de outros países para cá, estavam com febre, tinham o teste PCR positivo e, mesmo assim, saíam livres, leves e soltas para contaminar todo mundo.

Isso é uma coisa impensável. Nós ignoramos toda a verdade epidemiológica que já conhecíamos.

O que deveríamos fazer com uma pessoa com um PCR positivo? Isolá-la por 14 dias. Por que? Para que ela não espalhe o vírus e produza novos casos. E por que isso é necessário? Para evitarmos as mortes.

O comportamento da vigilância epidemiológica brasileira foi criminoso. Se havia alguma dúvida se podíamos chamar alguém de genocida, isso não existe mais.

Não compramos vacinas. E estamos chegando ao número de 600 mil mortos, com grandes possibilidades de chegarmos aos 800 mil até o final do ano. Isso é criminoso.

Nós permitimos que a variante Delta se espalhasse por aí. E nós temos agora as subvariantes derivadas da Gama, como a Gama Plus, que aparentemente tem mutações semelhantes à Delta e pode ser mais infectante.

Então essa interação das linhagens de coronavírus é algo que precisamos aprender um pouco mais. Será que a Gama e a Gama Plus estão segurando a entrada da Delta?

Essa coisa das mutações é algo muito inteligente. A natureza produz essas modificações que são melhores, ao menos do ponto de vista do vírus. E o uso da palavra melhores aqui não significa que elas são mais mortais, até porque, se o vírus mata o seu hospedeiro muito rápido, ele não consegue se espalhar com tanta rapidez.


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Essa capacidade das variantes do coronavírus de se espalharem com mais facilidade abre até a possibilidade de ele conviver conosco por muito tempo. É provável que ele se transforme num vírus sazonal, como outros que causam gripes e resfriados.

Especificamente sobre a Delta, o que está acontecendo no Rio de Janeiro vai nos mostrar se teremos uma terceira onda e todas as consequências relacionadas a ela.

Até porque estamos agora com uma diminuição do número de casos e óbitos, mas eles ainda estão muito próximos ao que vimos na primeira onda. Ou seja, estamos num platô elevado de 900 mortes por dia.

Na segunda onda, nós chegamos a 4 mil mortes por dia. Depois, tivemos a diminuição em que estamos agora.

Resta saber se as variantes Gama Plus ou Delta levarão a uma nova subida e até que ponto a cobertura vacinal que já temos será capaz de segurar a doença e diminuir os casos graves ou as mortes por covid-19. Sem dúvida, estamos numa situação sanitária perigosa.

BBC News Brasil - De um lado, temos o otimismo pelo avanço da vacinação. Do outro, a apreensão com a variante Delta. No meio, prefeitos e governadores anunciam o relaxamento das medidas, a liberação de público nos estádios de futebol e a realização de festas populares, como o carnaval. Como o senhor vê as políticas públicas em relação ao atual estágio da pandemia no Brasil?
Vecina Neto - O Brasil é muito desigual. Talvez esse seja o principal problema de nosso país. Mas existem outros problemas tão graves quanto. Um deles é a impunidade.

Aqui, as pessoas podem cometer as maiores barbaridades sem sofrer consequências. O presidente [Jair Bolsonaro] fala para as pessoas não usarem máscaras. Daí vem alguém do Ministério Público e diz que as máscaras não estão comprovadas cientificamente, quando temos milhares de trabalhos mostrando a necessidade do uso delas.

O Ministério Público é o guardião das leis. E a lei é um arranjo escrito que permite a conformação da vida em sociedade.

Agora, se o guardião deste código tão importante vem e me diz que as máscaras nem são tão importantes assim, que elas são secundárias, mesmo quando há leis determinando seu uso, isso só reforça o clima de impunidade.

Enquanto isso, os prefeitos e governadores estão prestando atenção nas eleições de 2022. Eles acham que o povo vai esquecer as milhares de mortes, até porque estamos nesse clima de oba-oba da reabertura geral.

Talvez um outro grande problema que nós temos, junto da desigualdade e da impunidade, seja o esquecimento. E muitos apostam que esse clima de otimismo atual fará o povo não lembrar de tudo que aconteceu e não chorar mais as mortes.


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BBC News Brasil - E como essa falta de coordenação entre municípios, Estados e Governo Federal contribuiu para que a pandemia tivesse números tão expressivos em nosso país?
Vecina Neto - Veja os exemplos que temos na Europa. A Alemanha talvez seja o melhor modelo de como um líder faz a diferença.

Na Inglaterra, o primeiro-ministro Boris Johnson começou a crise sanitária da pior maneira possível, no mesmo estilo de Jair Bolsonaro, no Brasil, e Donald Trump, nos Estados Unidos. Mas aí ele teve a doença, foi tratado pelo serviço de saúde pública, o NHS, e pediu desculpas. Em Israel foi a mesma coisa.

Nessas horas, ter um líder é fundamental. É preciso que alguém governe o país. Veja o que aconteceu na Nova Zelândia. Eles tiveram um número de mortes que dá pra contar nos dedos da mão. Por que? Porque tinham um governo com projeto, que fez as intervenções sanitárias.

Temos no Brasil um presidente ensandecido e mal informado, que ainda vê a imunidade de rebanho como a solução.

Ele acredita nisso até hoje. Outro dia fez um discurso reclamando da crise econômica, da inflação, do aumento no preço da gasolina… E botou a culpa nos governadores e prefeitos.

E nós tivemos governadores muito irresponsáveis também, especialmente no Norte.

Os Estados dessa região são aqueles que possuem a maior desigualdade social. A pobreza de uma cidade como Manaus é assustadora. Dentro da exuberância da floresta, com tanta fruta, peixe, água e calor, a pobreza é terrível.

A pandemia foi muito mal administrada por falta de um alinhamento entre os gestores públicos. Eles deveriam estar alinhados com o conhecimento científico e as melhores práticas para diminuir o impacto da pandemia.

A História vai contar tudo o que passamos e colocará no devido lugar todos os patrocinadores do genocídio

BBC News Brasil - Um exemplo recente de briga entre os poderes aconteceu entre o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, por uma discordância no envio de doses das vacinas. Como o senhor vê essa discussão em particular?
Vecina Neto - Doria é candidato à Presidência da República. Então ele está fazendo seu teatro para isso.

Mas, nesse caso em particular, ele até tinha razão, pois o Ministério da Saúde mandou uma quantidade menor de doses de vacina para São Paulo.

Agora, não dá pra saber se esse envio reduzido foi por lapso ou má vontade. Acho que as duas coisas são possíveis.

O Ministério da Saúde errar já é algo absolutamente comum, porque eles são muito incompetentes. Vimos recentemente o próprio ministro, Marcelo Queiroga, falar que as máscaras são apenas um detalhe. E ele é médico!

O fato é que o Ministério da Saúde está acéfalo, assim como o PNI. Não há coordenação do programa de imunizações brasileiro. Um dos últimos coordenadores foi demitido porque se envolveu nessa lambança da compra de vacinas da Índia, com distribuição de dinheiro para corrupção.

BBC News Brasil - Mesmo com a necessidade de manter as medidas restritivas, não podemos ignorar o fato de estarmos há um ano e meio na pandemia e as pessoas estão cansadas. Como manter a população engajada num cenário desses?
Vecina Neto - Essa é uma das questões mais complexas. Realmente as pessoas estão cansadas de usar máscara e manter o distanciamento social. Temos um ano e meio de tensão e todos estamos sofridos. Mas qual o caminho?

Não temos muita saída: precisamos continuar vacinando e exigir o uso de máscaras em ambientes públicos, especialmente nos locais fechados.

O duro é você explicar para as pessoas os detalhes e as particularidades de cada situação. Falamos em aglomeração, mas como definir isso? Três pessoas já formam uma aglomeração? Ou dez?

Praia lotada no RJ
O médico sanitarista entende que flexibilizações podem até acontecer, mas é preciso voltar atrás se os casos e as mortes voltarem a subir. Foto: Reuters

Diante de todas as dificuldades, eu acho que precisamos continuar a dizer que as máscaras são necessárias em qualquer circunstância. Precisamos tomar muito cuidado com lugares fechados, como cinemas e teatros. É necessário pensar na taxa de ocupação e na circulação do ar nesses ambientes.

E no campo de futebol, pode haver aglomeração? Não pode. Mas e se todo mundo estiver vacinado? Talvez.

Nós estamos nesse momento de tensão. Eu acho que podemos pensar em flexibilizações, mas precisamos deixar claro que, se piorar, vamos fechar tudo de novo. Nossa prioridade é ter um sistema de saúde com capacidade de atender os casos que surgirem. Foi isso que fizemos na primeira onda e acabou sendo um fracasso na segunda.

BBC News Brasil - Para a maioria da população mundial, a atual pandemia é inédita em escala e impacto. Mas como sairemos dela? Como acaba uma pandemia? E o senhor já vê perspectivas de isso acontecer em algum momento?
Vecina Neto - A gente pensava que a pandemia acabava quando não tivéssemos mais pessoas suscetíveis. Mas nós aprendemos que, com a Covid-19, isso nunca vai acontecer, já que as pessoas podem se reinfectar pelas novas variantes.

Se o coronavírus que saiu de Wuhan, na China, fosse o mesmo hoje em dia, com certeza poderíamos pensar em imunidade de rebanho assim que acabassem as pessoas suscetíveis. Mas daí vieram as variantes Alfa, Beta, Gama e Delta e acabaram com isso.

Bom, se não será pela imunidade de rebanho, é difícil pensar que a pandemia acabará pela vacinação. As vacinas não são 100% eficazes e eventualmente o vírus poderá driblar as doses disponíveis hoje.

Me parece, então, que essa pandemia não vai acabar. Ela será substituída por uma doença que vai conviver conosco a partir de um ou dois anos, ou quando tivermos toda a população vacinada, inclusive jovens e crianças, com a garantia de uma proteção contra os casos mais graves e as mortes.

Isso significa que a Covid-19 se tornará uma doença endêmica e continuará conosco. E talvez precisaremos de novas campanhas de vacinação no futuro para manter a letalidade dessa doença bem baixa.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58276775


CPI da Covid ouve sócio da Precisa, intermediária da Covaxin

A oitiva é marcada por grande expectativa e tida como uma das mais importantes para o colegiado nesta reta final de trabalhos

Victor Fuzeira e Marcelo Montanini / Metrópoles

Senadores que integram a CPI da Covid-19 ouvem, nesta quinta-feira (19/8), o depoimento do empresário Francisco Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos. A oitiva é marcada por grande expectativa e tida como uma das mais importantes para o colegiado nesta reta final de trabalhos.

A Precisa, representada por Maximiano, foi a responsável no Brasil pelas negociações entre o laboratório indiano Bharat Biotech e o Ministério da Saúde em relação à vacina Covaxin. Ele é tido pelos integrantes da comissão como “personagem central” das denúncias envolvendo a compra do imunizante.

Acompanhe:



A expectativa também se deve ao fato de que o depoimento de Maximiano à comissão foi adiado diversas vezes. O empresário também acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) tentando evitar depor à CPI. Não conseguiu, mas obteve um habeas corpus com direito de ficar em silêncio durante o depoimento.

Os senadores esperam que o empresário possa esclarecer uma série de pontos — como a relação dele com o líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), as negociações com o Ministério da Saúde e as suspeitas de adulteração em documentos —, mas, sobretudo, confrontar a versão dele com os documentos já obtidos pela comissão..

Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/cpi-da-covid-ouve-socio-da-precisa-intermediaria-da-covaxin-siga


CPI expõe interesse de militares em faturar com a pandemia

Senadores apontam que carta de intenções do governo poderia abrir oportunidade de negócios para militares que atuaram na gestão Pazuello

Julia Affonso e Vinícius Valfré / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O lobby de militares em favor de empresas duvidosas, utilizando-se do acesso facilitado ao Ministério da Saúde na gestão do general Eduardo Pazuello, está diretamente ligado ao interesse de pessoas na ativa ou na reserva verde-oliva em faturar na pandemia por meio do governo federal. Para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, o surgimento de egressos das Forças Armadas em negociações com firmas intermediárias era baseado no desejo de obter uma Letter of Intent (LOI) — carta de intenções — da Saúde.

A LOI, por si só, não garantiria ao grupo concluir a venda de supostas vacinas ao Ministério, mas tê-la poderia ser decisiva para outros negócios. A credibilidade dada por um documento oficial em que a Saúde manifesta a intenção de compra seria importante para impressionar, por exemplo, prefeituras de cidades menores. Ex-gestores do ministério dizem que o papel tem potencial para credenciar fornecedores junto a indústrias.

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Conforme apurou o Estadão, senadores afirmam que, com a documentação em mãos, o grupo teria respaldo para ir ao mercado financeiro em busca de crédito, comercializar com empresas privadas e, aí sim, conseguir acesso a fabricantes de insumos. Os depoimentos e os documentos recebidos pela CPI apontam a participação direta de pelo menos quatro militares em ações para abrir portas no ministério a supostas vendedoras de vacinas: os coronéis da reserva Glaucio Octaviano Guerra, da Força Aérea Brasileira, Marcelo Blanco da Costa Helcio Bruno de Almeida, ambos do Exército, e o cabo Luiz Paulo Dominghetti, da Polícia Militar de Minas Gerais.


EDUARDO PAZUELLO EM IMAGENS


Coletiva de Imprensa do Ministério da Saúde. Foto: Alan Santos/PR
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Coletiva de Imprensa do Ministério da Saúde. Foto: Alan Santos/PR
Coletiva de Imprensa do Ministério da Saúde. Foto: Alan Santos/PR
Lançamento de campanha de vacinação no Palácio do Planalto. Foto: PR
Ministro Eduardo Pazuello durante coletiva de imprensa. Foto: PR
Ministro Eduardo Pazuello durante coletiva de imprensa. Foto: PR
Pazuello durante cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Presidente Bolsonaro e o ministro Pazuello durante cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Ministro Eduardo Pazuello em cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello participa de motociata com o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil
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Senadores que mapeiam o trabalho dos intermediadores avaliam que todos tinham condições de saber que as ofertas de empresas como a Davati Medical Supply e a World Brands não tinham nenhum lastro. No entanto, as tratativas prosseguiram porque um acerto inicial com o governo brasileiro elevaria o patamar das empresas desconhecidas em seus respectivos mercados e abriria novas possibilidades.

Os egressos das Forças Armadas que surgiram em reuniões com o ministério para tratar de vacinas passam longe da ideia de “oficiais de pijama”. Em comum entre esses militares-empresários, a ida para a reserva na faixa dos 40 anos de idade com aposentadorias superiores a R$ 20 mil mensais e uma formação de alto nível que os capacita para trabalhar normalmente no mercado privado oferecendo serviços de consultoria de segurança e inteligência.

O tenente-coronel Helcio Bruno de Almeida, 63 anos, entrou para a reserva em março de 2000, condição que lhe rende R$ 23 mil por mês. Ele é presidente do Instituto Força Brasil, uma entidade que se propõe a estudar “soluções para os problemas sociais, econômicos e políticos do País”. O instituto, porém, é acusado de disseminar fake news inclusive contra vacinas da covid-19 que o militar tentou vender. Ele também se identifica como consultor de defesa.

O militar reformado atuou para que o reverendo Amilton de Paula, controlador da Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Religioso), conseguisse reunião no Ministério da Saúde. O religioso foi um dos que tentaram emplacar um acordo para a Davati, empresa dos Estados Unidos que não tinha doses em estoque e oferecia imunizantes da AstraZeneca. Ouvido pela CPI, o coronel ficou em silêncio quando perguntado se seu instituto receberia algum valor caso as vacinas fossem vendidas à pasta.

“Como conciliar a imagem do coronel Helcio, negacionista do Instituto Força Brasil, com a imagem do homem experiente de negócios, que depois negou a pandemia, a gravidade, depois nega que negou e, à custa da dor alheia, vai tentar levar vantagem em cima, tentando comercializar vacinas para a iniciativa privada, vacina essa que se recusa a tomar? A única conclusão a que nós podemos chegar é que estava nos dois lados do balcão”, afirmou a senadora Simone Tebet (MDB-MS).

Aos 49 anos, o coronel Marcelo Blanco está aposentado do Exército desde janeiro de 2018, com rendimento mensal bruto de R$ 23 mil mensais. O militar foi assessor do Departamento de Logística (DLOG) do ministério, responsável pelos contratos de vacinas, entre maio do ano passado e janeiro deste ano. Ele também estava nomeado como diretor substituto do setor.

Fora da pasta, abriu uma empresa de consultoria dias antes de ter levado o PM Luiz Paulo Dominghetti, vendedor da Davati, a um jantar com o então diretor do departamento, Roberto Dias. Em 30 dias, trocou mais de 100 ligações com o policial que relata ter ouvido de Dias nesse encontro um pedido de propina de US$ 1. No depoimento à CPI, ele confirmou que mantinha conversas com interlocutores da Davati, mas que todas eram visando negócios no mercado privado, sem relação com o ministério.

Blanco orientava Dominghetti sobre como acessar o DLOG. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Como mostrou o Estadão, Blanco orientava Dominghetti sobre como acessar o DLOG. O militar sustenta que foram orientações despretensiosas. “Eu simplesmente o orientei a enviar para os e-mails institucionais. Não intermediei, não fui com ele lá, não articulei”, disse. Para o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), entretanto, tratava-se de “lobby na perspectiva de ter uma parceria comercial”.

Procurado, Marcelo Blanco disse que a tese “é totalmente desconectado da realidade dos fatos”.

A norte-americana Davati surgiu em Brasília a partir de articulação de outro coronel. Glaucio Octaviano Guerra, de 51 anos, está na reserva da Aeronáutica desde 2016, com pagamento de R$ 25 mil. Na ativa, pilotou aeronaves especiais para autoridades do primeiro e segundo escalões do governo federal e atuou no contrato da compra do avião presidencial. Atualmente, vive nos Estados Unidos, onde foi chefe da Divisão Logística da Comissão Aeronáutica Brasileira em Washington.

Hoje, se apresenta como consultor para empresas americanas que desejam ampliar a área de atuação para a América do Sul, Central, Ásia e Oriente Médio. É amigo de Herman Cárdenas, o dono da Davati, e foi quem colocou o americano em contato com Cristiano Carvalho, que viria a se tornar representante comercial da empresa no Brasil. À CPI, o vendedor disse que Guerra era “um apoio nos EUA” e que já havia intermediado uma negociação de luvas.

Guerra nega ter qualquer relação profissional com Cárdenas, embora seja admirador da ética e dos resultados do amigo. Também afirma não ser verdadeira a informação de Cristiano, de que teria intermediado a venda de uma aeronave para o empresário. Diz ter conhecido o compatriota em grupo de WhatsApp composto por representantes de empresas que lidam com “produtos referentes à covid”.

Contudo, Guerra reconhece que o fato de ter conectado Cárdenas a Cristiano Carvalho poderia ter motivado o americano a lhe “dar alguma coisa”. O coronel nega ter feito a ponte entre ambos por interesse em negócios futuros. “Minha relação com ele é só de amizade mesmo. Não tenho contrato com ele”, frisou. “Talvez ele (Cárdenas) ia me dar alguma coisa, mas não pedi.”

A atuação do grupo, que não tinha vacinas disponíveis para vender, é vista por senadores da CPI como semelhante a de estelionatários. Membros da comissão compartilham a suspeita de que, ao negociar produtos que não existiam e obter a LOI, militares e outros intermediários poderiam levar prefeituras a erro, obter algum tipo de vantagem ilícita e causar prejuízo a clientes.

A menção ao crime de estelionato tem sido recorrente nas sessões da CPI. No dia 4 de agosto, o senador Humberto Costa (PT-PE) classificou a "operação Davati/Ministério da Saúde" como "uma das coisas mais tragicômicas” na vida pública brasileira.

"De um lado, um grupo de estelionatários comandados por um estelionatário mor lá dos Estados Unidos, não é?. Tentaram vender terreno no céu, porque não tinham vacina. Encontram do outro lado do balcão uma meia dúzia de maus funcionários, de pessoas que nem são funcionárias do Ministério da Saúde, mas que viram também um espaço para se locupletarem", afirmou Costa.

Em outra sessão, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que o coronel Helcio Bruno abriu as portas do Ministério da Saúde “para estelionatários”. “É uma tristeza, é mais um vexame.”

Procurada, a defesa de Helcio Bruno afirmou que o militar, “imbuído de boa-fé, limitou-se a aceitar compartilhar uma reunião que já estava pré-agendada com uma empresa que anunciava uma relevante possibilidade de vacinação ao país”. Ressaltou ainda que no único encontro, com mais de dez pessoas, “todos os assuntos foram devidamente registrados em ata oficial, comprovando a absoluta transparência, lisura e regularidade com que toda a matéria foi tratada”.

Tensão com militares

A menção rotineira a militares na CPI deixa tensionada a relação dos senadores com a cúpula das Forças Armadas. Além dos indícios de interesses escusos por parte de alguns oficiais aposentados, existem as fortes críticas e suspeitas de incompetência na gestão da pandemia pelo Ministério da Saúde, em especial na gestão Pazuello.

Ao chegar ao fim, a comissão deve indiciar, por exemplo, o ex-ministro Eduardo Pazuello, general da ativa do Exército, e o ex-secretário-executivo da pasta, coronel Elcio Franco.

Uma ala da CPI quer avançar as apurações sobre a responsabilidade do atual ministro da Defesa, general Walter Braga Netto. Quando chefiou a Casa Civil, até o fim de março, ele coordenou o comitê de crise para enfrentamento à pandemia. Há uma série de críticas a omissões, lançadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

No entanto, a CPI tem adiado votar o requerimento de convocação do ministro por receio de que a relação fique ainda mais tensa. Até agora, julho viu o pior momento da crise entre a comissão e Braga Netto. Em uma das sessões, o senador Omar Aziz disse que os homens bons do Exército, da Marinha e da Aeronáutica deveriam estar envergonhados porque há anos o Brasil não via o “lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatruas dentro do governo”.

Apesar de o comentário ter sido pontual, Braga Netto reagiu de forma considerada intimidatória. Assinada pelo ministro e pelos três comandantes, uma nota divulgada no mesmo dia das declarações de Aziz salientava que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.

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Luiz Carlos Trabuco Cappi: Constituição, democracia e economia

A porta de saída para mazelas como o desemprego é mais democracia, e não menos

Luiz Carlos Trabuco Cappi, O Estado de S. Paulo

A Constituição de 1988 completará 33 anos no dia 5 de outubro. É a sétima da nossa história. Caminha a passo resiliente e marca uma das fases de maior tranquilidade institucional e relações democráticas em nosso País. Ela é o resultado de um desses momentos de união nacional tão valiosos em nossa história, nos quais os conflitos e as polarizações são superados pelo senso de compromisso com o bem comum. Nenhuma de nossas Constituições anteriores foi tão aberta e tão sensível às preocupações e aos anseios da sociedade, e esta foi uma das razões de a Carta de 1988 ter sido denominada como Constituição Cidadã.

Ao garantir equilíbrio institucional e segurança jurídica, criou a base para saltos formidáveis na economia e nos indicadores de qualidade de vida. Quando seu texto foi promulgado, o PIB per capita brasileiro era de US$ 6,7 mil, ajustados pela paridade do poder de compra. Em 2019, antes da pandemia, estava em US$ 15,4 mil. O comércio exterior saltou de US$ 48 bilhões para US$ 368,9 bilhões (2020). As reservas cambiais, de US$ 9,1 bilhões para US$ 355,6 bilhões, no período.

A Constituição de 1988, viva e orgânica, tem sido um fator de coesão social. Ao ser respeitada, é um fator de pacificação em qualquer tempo. 

Embora a democracia seja uma herança da Grécia Antiga, os regimes democráticos ocidentais somente surgiram por caminhos tortuosos, após as revoluções Inglesa (1640-1688), Americana (1775-1786) e Francesa (1789-1999).

Hoje, as leis fundamentais das repúblicas e das monarquias constitucionais correspondem às aspirações nacionais, legitimam a organização social e protegem o cidadão de arbitrariedades – são uma das conquistas humanas mais importantes.

A Carta Magna inglesa, de 1215, com a qual os barões instituíram limites para o poder do rei, inaugurou esse processo. E a Constituição americana, elaborada em 1787, alguns anos depois da independência dos Estados Unidos, é outro paradigma. Sua carta de direitos, que são as dez primeiras emendas à Constituição, impôs restrições ao poder do governo federal.

Ao produzir consensos, essas cartas abriram em definitivo as portas para o desenvolvimento capitalista. Seus povos passaram a buscar o progresso dentro dos mesmos princípios, respeitando-os e sendo por eles respeitados.

O Brasil sofreu influência de todos esses movimentos, ao sair do período da Monarquia para o da República, mas a primeira Constituição democrática somente foi promulgada em 1946.

Com o voto direto, secreto e seguro, somos a terceira maior democracia representativa do mundo e temos o décimo terceiro PIB em termos globais. Nosso Parlamento atende à diversidade da sociedade. O Executivo representa a maioria, mas os processos decisórios são complexos, pois envolvem também a opinião das minorias. Juízes, desembargadores, os ministros dos tribunais superiores, compõem o Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF) zela pelo cumprimento da Constituição. O Ministério Público, por sua vez, atua com autonomia na ordem jurídica do Estado.

E a Constituição é o instrumento que estabelece as regras do jogo para esse processo decisório, no qual os Poderes e entes federados têm autonomia no âmbito de suas competências. 

Mais democracia, e não menos, é a porta de saída para mazelas como o desemprego e a baixa atividade.

A Carta de 1988 garante um regime econômico liberal, com atuação normativa e reguladora do Estado. Fundamenta-se na livre iniciativa e na concorrência, com expansão de direitos sociais e disciplina da ordem. Preservá-la é reduzir desigualdades e garantir o crescimento econômico duradouro.

Na semana passada, seu sistema de freios e contrapesos regulou a relação entre os Poderes, que exercem controle um sobre o outro sem perder a independência. Testado em clima de tensão na definição do sistema de votação, prevaleceu a vontade do Legislativo. Sem traumas, rupturas ou transgressões, dentro das regras da Constituição, com clareza, transparência e o respeito de todos.

A democracia brasileira sai fortalecida.

PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,constituicao-democracia-e-economia,70003811905


Curso Gestão Cidadã terá formatura on-line neste sábado (31/7)

Solenidade será realizada por meio do aplicativo Zoom a partir das 11h, com transmissão na página da FAP no Facebook e no canal da entidade no Youtube

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

Concluintes da primeira turma do curso Gestão Cidadã participam, no dia 31 de julho, das 11h às 11h50, da Solenidade de Formatura On-line da capacitação realizada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP). O evento terá transmissão em tempo real no site da entidade, em sua página no Facebook e em seu canal no Youtube.

Além de alunos dos 26 estados e do Distrito Federal, participam do evento virtual o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire; o presidente do Conselho Curador da FAP e coordenador do curso Gestão Cidadã, Luciano Rezende; o diretor-geral da FAP, Caetano Araújo; e Marco Marrafon, um dos professores mais bem avaliados pelos estudantes.


Ao vivo!




 A formatura On-line também terá a participação especial da Senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).

Cerca de 300 alunos já concluíram o curso Gestão Cidadã, destinado à formação política on-line e gratuita de novos líderes, prefeitos, vereadores e demais gestores filiados ao Cidadania, segundo levantamento preliminar. A capacitação continua disponível na plataforma de educação a distância Somos Cidadania, lançada em maio.

Curso em números

Total de inscritos: 1.236
Média de alunos que acompanharam as aulas: 387
Concluintes do curso que podem emitir certificado via plataforma: 279
Nota média dos alunos para o curso: 9,4

“Sucesso”

O coordenador e ex-prefeito de Vitória (ES) por dois mandatos (2013 a 2020), Luciano Rezende, destaca o interesse dos novos líderes pelo curso, que começou com mais de 1.200 inscritos. “O curso é um sucesso absoluto”, comemora.

“Tivemos uma grande média de participação nas aulas, professores experientes, destaques em nível nacional nas suas áreas”, afirma Rezende, ressaltando o ótimo desempenho dos primeiros alunos que concluíram todas as etapas.


Confira o podcast com Luciano Rezede

https://open.spotify.com/episode/3aZwAxD4z9njpXZ0Chmofr

Na avaliação do coordenador, a formação política oferecida a distância pela FAP tem função social muito importante para a democracia. “O curso cumpre sua missão por inclusive ter a participação de alunos de todos os 26 estados e do DF, formando novas lideranças para, através da boa gestão, poderem desenvolver a boa política, de que o Brasil mais precisa”, diz.

O diretor-geral da FAP, o sociólogo e consultor do Senado Caetano Araújo, avalia que “o curso é uma experiência bastante rica não só para os alunos”, mas, segundo ele, também para os organizadores.

“Tivemos excelente desempenho dos alunos que já concluíram o curso, que continua disponível na plataforma Somos Cidadania. Portanto, novos alunos vão poder conclui-lo e obter todo os benefícios que os concluintes já tiveram”, afirma, ressaltando que a fundação planeja avançar ainda mais em cursos de formação política a distância.


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Qualidade atestada

Ex-candidato a prefeito de Campo Belo, a 210 quilômetros de Belo Horizonte (MG), o doutor em ciência política e professor universitário Christopher Mendonça é um dos que já concluíram o curso e confirma a excelência da formação a distância oferecida pela FAP.

“Essa troca de experiências com pessoas que conhecem a área política, testadas no campo da política, é muito bom para a nossa formação. Uma das aulas que me chamaram muita atenção foi do senador Antonio Anastasia, que tem longa carreira política. Isso foi muito bom para enriquecer meu conhecimento”, diz.

Mendonça, que já participou de outros cursos de formação de outras instituições, diz que o diferencial do Gestão Cidadã é o alto nível dos professores e o planejamento de conteúdos oferecidos, estrategicamente, para conciliar teoria e prática. “A escolha dos professores é de um nível muito alto. A fundação escolheu muito bem cada um deles, tanto na área de comunicação política quanto sobre a política em si”, observa.

Mais preparo

Doutora em direito e desenvolvimento sustentável, Isabella Pearce de Carvalho Monteiro, que já concorreu ao cargo de vereadora de São Luís do Maranhão, agora se sente ainda mais preparada para enfrentar nova disputa eleitoral. Ela também é uma das concluintes do curso Gestão Cidadã.

Segundo Isabella, formação nunca é demais. “Por mais bem reparada que uma pessoa seja, ela precisa e qualificar continuamente, principalmente as que ocupam ou que pretendem ocupar um cargo público”, assevera, reforçando a sua ótima avaliação sobre a qualidade do curso.

“Destaco a aula de gestão tributária, com Everardo Maciel, especialmente porque essa área não faz parte da minha formação. A visão que ele trouxe sobre gestão tributária pode contribuir para quem quer ocupar cargos de poder ou de gestão pública no país, mas todas as aulas trouxeram uma ampliação de visão para quem pretende ser ou é um líder”, acentua.


A seguir, veja a relação de todos os professores do curso Gestão Cidadã

Novos interessados ainda podem ter acesso ao curso depois de se cadastrarem na plataforma. Ao final das 14 videoaulas, os líderes recebem um certificado de formação política, com total de 36 horas de atividade, assinado pelo presidente do Conselho Curador, Luciano Rezende, e pelo diretor-geral da FAP, Caetano Araújo.

Para receber o certificado de conclusão, os alunos precisam clicar no link específico no canto superior esquerdo da página e fazer a solicitação. Em seguida, após checar as informações, o sistema emite o documento on-line. Além disso, os concluintes receberão kit com caneca, bloco de notas e caneta, depois de confirmarem endereço com CEP para o envio da cortesia pelos Correios.


CONFIRA O PASSO A PASSO PARA FAZER SUA INSCRIÇÃO

https://youtu.be/3uvJw16Oook

No total, segundo a organização do curso, 103 concluintes já confirmaram seus dados até o momento na plataforma. Uma equipe do curso está à disposição para sanar dúvidas ou repassar mais informações por meio do WhatsApp (61 9 8279-3005). (Clique no número para abrir o WhatsApp Web).


Crescimento cíclico ou retomada sustentada - parte 2

A última década foi terrivelmente frustrante em termos de crescimento econômico

José Roberto Mendonça de Barros / O Estado de S. Paulo
Foto: Agência Brasil

O crescimento econômico é uma construção de longo prazo. O Brasil tem crescido pouco desde 1980. Imaginamos que o controle da inflação, desde o Plano Real, pudesse abrir as portas para uma nova era. Entretanto, a última década foi terrivelmente frustrante. Paramos de vez. 

Para sair de um buraco, primeiro é preciso parar de cavar. Por isso, para voltar a crescer, antes de tudo precisamos deixar de apostar em ações fracassadas.

Não é possível crescer com base em recursos derivados de atividades ilegais. O maior exemplo atual é o que ocorre na Amazônia: grilagem de terras, extração e exportação de madeira vinda de áreas públicas ou com documentos ilegais ou garimpos em áreas invadidas. A Região Norte não crescerá com essa base. 

Transferências para segmentos e regiões mais pobres têm mesmo de ocorrer, mas têm de ter propósito: bolsa-escola, médico de família, desenvolvimento da bioeconomia, recuperação florestal, pagamentos por serviços ambientais, pagamentos por serviços comunitários e tantos outros. 

Não é possível crescer com projetos inviáveis técnica e economicamente. A lista aqui é enorme. Um exemplo é a indústria naval. Outra é a obrigatoriedade de construir gasodutos e térmicas a gás em regiões sem o gás e sem grande consumo de energia (como está na atual lei sobre a Eletrobrás). Os experimentos fracassados de Ceitec e Unitec, que deveriam fabricar chips, são ilustrativos também. 

Também é evidente que projetos decorrentes de voluntarismo político e corrupção emperram o crescimento. As refinarias Abreu e Lima e Comperj torraram mais de US$ 30 bilhões sem retorno. Ao mesmo tempo, o Tribunal de Contas da União apontou a existência de algumas milhares de obras públicas federais inacabadas. O atual sistema de “emendas do relator” é mais um passo para gastar recursos em projetos paroquiais, no mais das vezes sem contribuição relevante para o crescimento ou com retornos sociais modestos. O processo de construção de um Orçamento com propósitos sensatos foi totalmente destruído na atual gestão. 

Não se cresce com instituições fracas e capturadas por lobbies e outros grupos de interesse, como é largamente comprovado na literatura econômica. O nome da Codevasf, que agora cuida até do Amapá, vem imediatamente à mente. 

Na mesma direção, inúmeras representações empresariais acabaram por se transformar em instrumentos de obtenção de vantagens do governo federal e do Congresso, com pouca preocupação com a evolução da inovação, produtividade e competitividade das empresas. 

Precisamos nos concentrar em desenvolvimento, reformas e ações que possam, de fato, trazer de volta o crescimento econômico.

Infelizmente, a política econômica atual pouco avança nesses quesitos, e é por isso que as projeções de crescimento para 2022 e adiante não passam de medíocres 2%. 

A desarticulada proposta da atual reforma tributária é mais um exemplo do que não deve ser feito: foi jogada no Congresso, e é seguro que sairá algo desfigurado, mantendo nosso sistema tributário complexo, caro e confuso.

A competitividade e viabilidade da economia têm de ser construídas passo a passo, numa perspectiva de longo prazo, partindo da criação de conhecimento, instituições e desenvolvimento tecnológico. O exemplo do agronegócio é o mais evidente à mão. Já está largamente comprovado que o setor vai adiante com duas bases muito sólidas: constante desenvolvimento tecnológico, base de sua competitividade, e uma participação intensa nas cadeias internacionais de suprimento agrícola. O investimento em educação especializada, técnica e superior, a força do sistema cooperativo e do crédito especializado também têm sido fatores relevantes. 

Por outro lado, nossa indústria está encolhendo, fechada em seu protecionismo e é cada vez menos competitiva. Ao mesmo tempo, é possível conhecer muitas empresas bem-sucedidas nestes últimos anos. Na maioria dos casos que conheço ocorreu algo muito semelhante ao já observado sobre o agronegócio: são empresas antes de tudo preocupadas com inovação e produtividade e, ao mesmo tempo, que buscam se colocar no mundo, participando das cadeias globais, criando músculos para superar as deficiências do custo Brasil. 

Só voltaremos a crescer de forma sustentada se esses sucessos forem mais generalizados.

*Economista e sócio da MB Associados.


Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,crescimento-ciclico-ou-retomada-sustentada-parte-2,70003788828


Foto: Beto Barata\PR

Para onde queremos ir?

Além de zelar pela democracia, é preciso fazer com que ela funcione melhor

Armínio Fraga
Foto: Beto Barata\PR

Neném Prancha foi um olheiro e treinador de futebol no Rio de Janeiro, famoso por suas frases: “pênalti é uma coisa tão importante que quem devia bater é o presidente do clube”; “quem pede, tem preferência; quem se desloca, recebe”; “o importante é o principal; o resto é secundário”.

Yogi Berra foi o seu equivalente norte-americano, do mundo do baseball. Falando sobre um restaurante em Nova York, disse: “ninguém mais vai lá, está sempre muito cheio”. Minha favorita é: “se você não sabe para onde vai, em geral não chega lá”.

Essa última lição tem tudo a ver com o momento de grande incerteza e ansiedade que vivemos no Brasil. O quadro geral não é bom. Cenários os mais variados se descortinam, muitos a evitar. Faz falta uma visão de longo prazo que sirva de bússola para cada passo do caminho.

Que visão? No topo da lista, preservar a democracia, hoje ameaçada. Me refiro sobretudo à preservação do Estado de Direito, o Império da Lei. Alguns ainda preferem tapar o sol com a peneira. Ignoram que estamos vivendo um momento de estresse nessa área. Manifestações públicas do Executivo contra o Congresso.

Acusações não comprovadas de fraude em eleições. Ameaças de cancelamento de eleições ou de não aceitação do resultado. Tensões crescentes entre Executivo e Judiciário. Participação de militares da ativa no governo. Fake news para todo lado. São sinais assustadores, especialmente quando se leva em conta que em nossos tempos é exatamente assim que as democracias morrem.

Além de zelar pela democracia, é preciso fazer com que ela funcione melhor. A despeito dos inegáveis avanços ocorridos desde 1985, há bastante espaço para acelerar o ritmo de desenvolvimento do país.

Temos tido dificuldade em avançar. Deixo de lado hoje os detalhes ligados ao necessário aumento da produtividade da economia para focar na importância de uma estratégia responsável e sustentável. Penso na noção de responsabilidade de forma ampla: social, ambiental e fiscal.

Responsabilidade social significa compartilhamento dos frutos e dos riscos do crescimento. Não há desenvolvimento digno do nome sem sucesso nessa área. Vou além: na ausência de políticas inclusivas, não há desenvolvimento possível, posto que a desigualdade compromete a democracia e oferece campo fértil ao populismo e à demagogia.

O Brasil segue imensamente desigual, não apenas sob a ótica da renda, mas também pela reduzida mobilidade social. Temos um longo caminho a percorrer para chegar perto de qualquer noção decente de igualdade de oportunidades. Sem me alongar muito, menciono apenas que nos faltam educação e saúde públicas de qualidade. Temos que reduzir a informalidade (e precariedade) do trabalho e repensar a rede de proteção social. Aspectos regressivos do regime tributário também requerem correção. Uma boa reforma do Estado me parece imprescindível.

No campo ambiental, nos defrontamos com uma questão existencial. O planeta não aguenta o tratamento que vem recebendo da humanidade. Crescimento sem responsabilidade ambiental é uma ilusão. A conta está chegando. Só não vê quem não presta atenção (ou é negacionista).

O Brasil é relevante nessa área. O governo precisa urgentemente dar um cavalo de pau em sua atuação. Somos infelizmente vistos como predadores do planeta, quando deveríamos ser seus defensores. Além do mais, os benefícios de uma mudança de rumo vão além da contribuição para o combate ao aquecimento global: incluiriam melhorias na qualidade de vida da população, tais como águas e ar limpos e saneamento adequado. Temos tudo para ser um paraíso verde, o que elevaria em muito a nossa autoestima.

No campo fiscal, a questão vai muito além da estabilidade macroeconômica que tanta falta nos faz. Uma estratégia de desenvolvimento requer a definição de prioridades para o gasto público. Trata-se de uma questão política e econômica de primeira ordem de grandeza. Um orçamento confuso, opaco, curto-prazista e cronicamente desequilibrado não funciona.


Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/arminio-fraga/2021/07/para-onde-queremos-ir.shtml


A democracia morre no fim deste enredo

Míriam Leitão / O Globo
Foto: Marcos Corrêa/PR

O agressor da democracia não vai parar. É como o agressor da mulher que, após perdoado, volta a atacar e muitas vezes o fim é a morte da vítima. Quem me fez esse raciocínio foi uma autoridade da República. Todos os dias a democracia apanha do presidente Jair Bolsonaro. Os generais e os civis que o cercam reforçam suas atitudes ou tentam justificá-lo. Essa violência só vai parar no fim deste governo, mas deixará cicatrizes. Quando as instituições estão funcionando, ninguém precisa dizer em notas e declarações.

— O presidente fala uma coisa e na hora que aperta ele recua, igualzinho ao homem que agride mulher. O agressor recua, garante que a ama, algumas pessoas asseguram que ele vai mudar e a violência cresce. Um dia ele chegará com um revólver e vai matar a mulher. É dessa certeza que surgiu a Lei Maria da Penha — explicou a pessoa com quem eu conversei sobre as crescentes ameaças do presidente e dos generais que o seguem, da reserva ou da ativa, nessa mesma lógica de agredir e negar que agrediu, prenunciando outro ato que seja ainda mais forte.

Nesse último episódio, revelado pelo “Estadão”, o ministro da Defesa, Braga Netto, enviou um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira, com o seguinte teor: “a quem interessar, se não tiver eleição auditável não terá eleição.” Foi dentro de uma escalada de agressões. Tudo se passou entre os dias 7 e 8 de julho. A nota do ministro da Defesa e dos comandantes militares tentando coagir a CPI do Senado foi no dia 7. No dia 8, Bolsonaro afirmou que ou vai ter o voto impresso ou não vai ter eleição, o general Braga Netto mandou o mesmo recado golpista, e o comandante da Força Aérea deu uma entrevista ao GLOBO elevando o tom da ameaça contida na nota, sendo em seguida apoiado pelo comandante da Marinha. O atentado foi combinado. Eram instituições funcionando. Com o objetivo de destruir a democracia.

O roteiro que se seguiu era previsível. Vieram os desmentidos com palavras ambíguas, as afirmações de que a democracia vai bem, e novo ataque do presidente. A nota de Braga Netto repetiu a ingerência em assuntos sobre os quais as Forças Armadas não têm que se pronunciar, ao defender o voto impresso que eles apelidaram de “auditável”. A quem disse que o ministro da Defesa estava invadindo a esfera política, Bolsonaro respondeu. “Quando vejo algumas autoridades tuitarem que isso é uma questão política, que certas pessoas não devem se meter nisso, quero dizer a vocês que isso é uma questão de segurança nacional. Eleições são uma questão de segurança nacional”, disse o presidente fechando aquele dia de debate sobre o recado do general. Isso autoriza as intervenções militares no tema que o presidente elegeu como pretexto. Todo golpe autoritário inventa seu pretexto. Esse é o de Bolsonaro. O de Donald Trump foram as acusações mentirosas de fraude. Ao fim, os trumpistas invadiram o Capitólio.

O agressor da democracia brasileira instalou cúmplices em postos estratégicos. Braga Netto é da reserva, mas a carreira militar é usada para ele sempre falar escudado nas Forças Armadas. Os atuais comandantes assumiram com o mandato de mostrar que os militares defendem o projeto político de Bolsonaro. Foram escolhidos para apoiar o agressor. O general Luiz Eduardo Ramos quando foi para o governo era da ativa e estava no comando do II Exército. Ele fez parte do canal dessa bolsonarização dos militares. O Almirante Flavio Rocha, da SAE, está ainda na ativa. O projeto é deixar sempre a impressão de que as Forças Armadas vão agir para proteger Bolsonaro.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, e seus auxiliares diretos agiram várias vezes de forma contrária ao papel constitucional da PGR. O ministro André Mendonça teve atitudes e defendeu teses que feriam a Constituição. A Polícia Federal colocou seus documentos sob sigilo quando a publicidade tem que ser a regra numa República. Aras foi reconduzido, Mendonça foi indicado para a corte constitucional, um delegado da Polícia Federal é o ministro da Justiça. As agressões à democracia deixam cicatrizes. Algumas delas podem ser permanentes.

A democracia está sendo agredida. O agressor é o presidente da República. Ele tem ajudantes militares e civis. O maior risco é não ver o perigo, porque, como nos casos de violência contra a mulher, o fim pode ser a morte.


Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/democracia-morre-no-fim-deste-enredo.html


Instituições funcionando

Bernardo Mello Franco / O Globo
Foto: Alan Santos/PR

Millôr Fernandes tinha uma boa frase para ilustrar os perigos do otimismo em excesso. Para ele, o otimista era o sujeito que se atirava do décimo andar e, ao passar pelo oitavo, comemorava: “Até aqui, tudo bem!”. A imagem parece descrever os brasileiros que não veem ou fingem não ver as ameaças de golpe contra a democracia.

Há duas semanas, Jair Bolsonaro deu um ultimato: ou o Congresso ressuscita o voto impresso ou “corremos o risco de não ter eleição no ano que vem”. A chantagem foi tratada com condescendência. Em vez de ser processado por crime de responsabilidade, o capitão foi convidado para um cafezinho no Supremo.

Nesta quinta, o jornal O Estado de S. Paulo informou que o ministro da Defesa aderiu ao complô para tumultuar a sucessão presidencial. Braga Netto mandou dizer ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que só haverá eleição com as regras impostas pelo governo. Usou o coturno de general para intimidar o poder civil.

Seguiram-se negativas pouco convincentes. O deputado Lira desconversou sobre o assunto. “A despeito do que sai ou não sai na imprensa”, disse, vamos todos à urnas em 2022. O general bolsonarista optou pelo cinismo. Tentou desqualificar a reportagem, mas reforçou, em papel timbrado, a pressão indevida pelo voto impresso.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, limitou sua reação a um tuíte. Disse que conversou com os envolvidos, e os dois “desmentiram, enfaticamente, qualquer episódio de ameaça às eleições”. O ministro acrescentou que o país tem “instituições funcionando”. Lembrou o otimista de Millôr antes de se esborrachar na calçada.

Desde que assumiu a chefia do Executivo, Bolsonaro submete os outros Poderes a uma rotina de intimidações e chantagens. Até aqui, a tática tem funcionado. O Supremo impede o avanço das investigações sobre o primeiro-filho, acusado de desviar verba de gabinete. A Câmara não toca na pilha de pedidos de impeachment do presidente, recordista de crimes de responsabilidade. Agora a impunidade se estende a Braga Netto, que se comporta como chefe de guarda pretoriana.

O general é reincidente em ameaças golpistas. Há pouco mais de duas semanas, atacou o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz. Queria interromper as investigações sobre corrupção na compra de vacinas, que atingem militares aboletados no Ministério da Saúde. Em nota assinada com os comandantes das três armas, o ministro insinuou uma quartelada contra o Senado. Como o arreganho não foi punido, ele se sentiu à vontade para repetir a dose.

Num país com instituições funcionando, militar não intimida o Congresso e não opina sobre o sistema eleitoral. Na hipótese mais branda, quem age dessa forma é afastado do cargo que ocupa. No Brasil de 2021, general que afronta a Constituição só corre o risco de ser promovido. E os otimistas continuam a repetir que tudo está sob controle — pelo menos até a próxima ameaça de ruptura.


Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/instituicoes-funcionando.html


A política da destruição

Merval Pereira / O Globo
Foto: Isac Nóbrega/PR

Ao admitir que sempre fez parte do Centrão nos seus anos de Congresso, o presidente Bolsonaro desnuda mais uma das  muitas manobras políticas que engabelaram boa parte de seus eleitores em 2018, em busca de um salvador contra a corrupção dos hábitos políticos. Muitos outros votaram nele sabendo exatamente de quem se tratava, mas interesses pessoais de toda sorte levaram a que aderissem a uma candidatura que só poderia dar no que deu, um governo disfuncional e absolutamente sem rumo. Que tem o único objetivo de destruir o que foi construído desde a redemocratização do país, transformando-o em uma arena  regressiva guiada pela incitação ao ódio.

Acontece que Bolsonaro não tem outra escolha, a não ser se entregar ao Centrão, e a partir daí, corre o risco de perder boa parte do eleitorado. Ele joga com a possibilidade de que o candidato adversário seja o ex-presidente Lula, que não será o escolhido pelo eleitor arrependido ou decepcionado, e nesse ponto tem razão. Vejo aí um caminho aberto para a terceira via, um candidato que não seja do Centrão, nem um governante que desista de combater a corrupção por causa dos apoios eleitorais e da família.

Bolsonaro pode ganhar apoio no Legislativo, mas não entre os eleitores. É verdade que os políticos do Centrão são profissionais, sabem espalhar prefeitos e vereadores pelo país, fazem uma política eficiente de clientelismo à qual Bolsonaro vai aderir, aumentando a abrangência do Bolsa Família, por exemplo. Temos que ver como o eleitorado irá se comportar diante das outras opções. Acossado pela realidade, pode ser que algum dos candidatos já apresentados, ou um nome que surja no decorrer deste ano, se transforme numa saída de emergência para esse eleitorado que está decepcionado com Bolsonaro, e não quer a volta de Lula.
O fato é que o governo Bolsonaro vem se mostrando tão profundamente regressivo, tem feito com que o país retroceda tanto em termos civilizacionais, que se mostrou mais danoso do que qualquer outra experiência na democracia brasileira. Nascido da democracia, o bolsonarismo representa a destruição da própria democracia, e a aula inaugural do Instituto de Pesquisa de Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (IPPUR), com um ensaio sobre a destruição na era bolsonarista, pelo cientista político Renato Lessa, se debruçou sobre esse fenômeno.

No campo da língua, ele cunha o conceito “palavra podre” para definir a linguagem como espaço de intervenção política. O indizível da véspera “passa a ser a dicção regular e quase obrigatória”. Exemplo execrável dessa intervenção destruidora na língua é a definição de uma bolsonarista nas redes sociais: “Nós não conhecemos limites”. Não é uma frase ofensiva, mas destrói uma premissa fundamental que nos conecta na sociedade. A palavra podre, define Lessa, infecta o espaço semântico, e a República passa a usar essa linguagem. A palavra, lembra Lessa, é premissa do ato.

Daí a destruição dos espaços culturais, do arcabouço da educação brasileira. Segundo Hobbes, citado por Renato Lessa, o reconhecimento da centralidade da vida é a justificativa para a existência do Estado, a vida passa a ser uma figura de direito público. “Mortes violentas e precoces são evitáveis”. O que o leva a falar da performance do governo Bolsonaro no combate à pandemia da COVID-19.

A ideia de que o indivíduo tem o direito de não usar máscara, de contaminar os outros, de se contaminar, é uma ressignificação da ideia de liberdade, denotando a impossibilidade de ver a liberdade como um direito público. “Análogo ao direito de desmatar, de expulsar as populações originárias, de tratar homossexuais, mulheres e negros da maneira “como sempre foram tratados”, naturalmente. Seria a “expressão da alma brasileira expontânea”. A mesma lógica, segundo Renato Lessa, se aplica sobre o direito de território, a possibilidade de lidar com a terra fora do direito público, o desmonte dos regramentos legais existentes. Por último, Renato Lessa destaca como um aspecto grave a desfiguração da democracia na desconstituição dos direitos básicos ao trabalho, à educação e à cultura.


Fonte:

O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/


Protestos resgatam bandeira e camisa da seleção, símbolos bolsonaristas

Em SP, no sábado (24), integrantes do grupo chamado Bloco Democrático foram orientados a usar o verde-amarelo com o intuito de ofuscar a prevalência vermelha, cor ligada à esquerda

Roberto de Oliveira, da Folha de S. Paulo

Antes predominantemente vermelha, a quarta rodada de manifestações contra o governo de Jair Bolsonaro ganhou novas cores na tarde de sábado (24), na avenida Paulista. Faixas, bandeiras do Brasil e camisas da seleção, espécie de uniforme bolsonarista, foram resgatadas pelos participantes.

Com duas faixas verdes nas laterais e uma amarela no centro, uma bandeira ocupava meio quarteirão da avenida, via que vem concentrando os atos pró-impeachment.


PROTESTOS CONTRA BOLSONARO EM BRASÍLIA


Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Ela foi estendida logo atrás de um caminhão, estacionado em frente ao Shopping Center 3, que reuniu integrantes de um grupo que se apresenta como Bloco Democrático.

Participam desse grupo representantes de partidos como PSDB, PC do B, Cidadania, PSB, PDT, Rede e Solidariedade, além de organizações estudantis e sindicais assim como movimentos liderados pelo Acredito e pelo Agora!.

Estiveram por lá o deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP) e Bruna Brelaz, primeira presidente negra eleita da UNE (União Nacional dos Estudantes), entre outros.

Vice-presidente municipal do PSB, Helvio Moisés, 66, explica que o uso do verde-amarelo foi uma estratégia para contrapor à predominância vermelha nas manifestações.

“Quem subtraiu a bandeira para si foi a direita durante as manifestações pró-impeachment da ex-presidente Dilma [que ocorreram em 2016]. Nós precisamos retomá-la já.”

Vestindo a camisa da seleção, Rodrigo Marques, 40, do diretório municipal do PSDB, afirmou que a camisa é do povo brasileiro. “Nem a bandeira nem a camisa da seleção pertencem ao bolsonarismo. Essa manifestação é prova disso. Todos aqui somos contra Bolsonaro, em defesa da vacinação e da vida”, disse ele.

Tanto manifestantes ligados a partidos de centro quanto de esquerda ostentavam a bandeira brasileira. Vale registrar, todavia, que a presença da camisa da seleção era mais vista entre integrantes do centro no chamado Bloco Democrático.

“A pauta é a mesma”, disse o analista de sistemas Adriano da Silva, 35. “Não importa a bandeira partidária, mas, sim, a do Brasil”, afirmou.


PROTESTO CONTRA BOLSONARO NA AVENIDA PAULISTA (SÃO PAULO)


Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
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Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
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Filiado ao PT, Silva disse que era a primeira vez que participava de um ato em defesa do impeachment de Bolsonaro. Ele acompanhou o caminhão do Bloco Democrático. “Mesmo porque com ele tem muitos partidos de esquerda.”

Com a bandeira brasileira nas costas, Ana Maria Rodrigues, 74, diretora da CMB (Confederação das Mulheres do Brasil), apostou no uso da peça com o propósito de agregar “uma ampla frente para derrotar Bolsonaro”.

“O uso da bandeira é um resgate dos símbolos nacionais. Precisamos dialogar com todos os setores da sociedade. A bandeira e a camisa podem somar. A luta é uma só: derrubar Bolsonoro e salvar a democracia.”

De camiseta, máscara e bandeira vermelha do CMP (Central de Movimentos Populares), Genilce Gomes, 50, ainda encontrou espaço para encaixar a bandeira brasileira no topo do mastro que carregava.

“A bandeira, a camisa da seleção e o hino são símbolos nacionais que foram sequestrados pela direita radical”, disse.

Simpatizante do PT, Genilce falou que é hora de recuperar esses símbolos, “sequestrados pelo bolsonarismo”, por meio de um gesto democrático “contra a barbárie”.

Mesmo se dizendo “vermelha de corpo e alma”, ela defende a presença da bandeira brasileira em manifestações contra o governo Bolsonaro para “fortalecer outras colorações”.

“Nossa bandeira representa a população. Sua exibição em atos democráticos tem como principal intuito resgatar o país como uma só nação.”

Para Claudia Rodrigues, 49, presidente da UBM (União Brasileira de Mulheres), movimento, segundo ela, apartidário, emancipacionista e não sexista, a esquerda teve papel muito importante nas primeiras manifestações —e segue tendo.

Mas os protestos precisam conquistar “a mente e o coração dos trabalhadores”. Na visão dela, o uso do verde-amarelo pode fortalecer o que ela chama de “alianças táticas.”


FONTE:

Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/07/ato-contra-o-presidente-resgata-bandeira-brasileira-e-camisa-da-selecao-simbolos-bolsonaristas.shtml


Vitórias parciais e novos desafios ao sistema político

Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia Política e novo Reformismo
Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil

Prossigo, como fiz na semana passada, batendo na tecla de que, ao reverso do que ocorreu em 2018, dessa vez a caravana da política precisa passar. A defesa do sistema político que temos é das mais elementares condições para que se produza um desfecho democrático da crise de múltiplas faces que a política brasileira vem enfrentando há quase uma década e se exorcize os fantasmas de metástase que passaram a ameaçar nossa república, desde que, naquele ano, um autocrata extremado chegou, pelas urnas, à sua presidência.

Essa reflexão é institucional e, também, política. O sistema de governo, o sistema eleitoral e o sistema partidário são partes solidárias de um todo que, bem além de reproduzir um modelo formal de democracia representativa tendente à tolerância e à produção de consensos, pelos freios e contrapesos de poder que o constituem, tem sido, de fato, um ambiente interativo de negociação política refratário às intenções do autocrata de forjar sua autocracia, por meio de uma polarização radical. Nossa ordem política funda-se em boa doutrina e num saldo positivo quanto aos resultados políticos de suas virtudes e mazelas. As primeiras facilitam que, ao lado desse sistema, atue, com razoável autonomia, uma sociedade civil cada vez mais vigilante. Soma-se, então, aos próprios freios e contrapesos formais do sistema, uma opinião pública nada indulgente com as segundas.

Em artigo atual (“Dribles na tirania” – Revista Veja, edição em circulação), a jornalista Dora Kramer apresentou evidências recentes da dinâmica política que produz o saldo positivo. Elas revelam um padrão de conduta, do Congresso e de partidos em geral, em que, ao lado do sempre lembrado “toma-lá-dá-cá”, vigora um geralmente subestimado “chega pra lá”. Desenham-se, assim - lembra Kramer –, a frustração da manobra golpista da exumação do voto impresso para deslegitimar as eleições, bem como contenções legais , tardias e bem vindas, à militarização desmedida do Poder Executivo e da administração pública e ao uso autoritário da LSN, em si mesma entulho autocrático cujos dias parecem estar contados.

Por outro lado, é por esse mesmo Congresso – mais exatamente pela Câmara dos Deputados – que tem encontrado passagem uma boiada reacionária, subversiva de direitos, que emana da agenda do governo. A operação passa graças a espaços pródigos abertos a partidos e parlamentares fisiológicos na composição ministerial, sendo dessa mesma natureza a mudança em curso, nessa composição, cujo sentido é fazer prevalecer, no Senado Federal, a mesma atitude de prevaricação política. Que é do jogo, não se pode negar. Mas não se pode deixar de apontar que, nesses casos, os efeitos são nefastos.

O reconhecimento concomitante das virtudes e das mazelas é indispensável para se avaliar com realismo e a devida ponderação a presente conduta de diferentes facções da elite política no âmbito dos partidos e dos poderes Executivo e Legislativo. Os limites que a política real tem mostrado, no enfrentamento das ameaças à democracia, por omissão ou por ações na contramão da república, precisam ser investigados e iluminados, assim como é necessário considerar como ameaças poderiam ter sucesso se estivesse ausente o muro de contenção que, com seu barro impuro, a política institucional tem erguido à barbárie.  

Essa complexidade exige condução cuidadosa. Daí precisar ser tratada de modo sério e responsável por quem faz e por quem toca a agenda de partidos e de poderes da República. É mesmo uma orientação, digamos, metodológica inescapável da ordem do dia de atores institucionalmente poderosos. Frequentemente a afinação dos instrumentos da orquestra sistêmica soa mal aos ouvidos de uma sociedade que não tem gosto pela partitura da política. Gera-se um contencioso entre estado e sociedade que, se não se contiver em limites razoáveis, por ambas as partes, compromete pacto e consensos que são necessários, entre elas, para defender a república e a democracia dos inimigos comuns.

Veja-se, por exemplo, a questão do fundo financiador da atividade eleitoral dos partidos.   Essa questão é mais complexa e delicada do que parece. A opinião pública reage a todo dispêndio público com partidos e eleições. Mas não podemos esquecer que desde 2018 proibiu-se o financiamento empresarial e por demais pessoas jurídicas, por conta do clima de escândalo reinante sob a operação Lava-Jato. De fato, o financiamento empresarial gerava custos de campanha absurdos e elitizavam a representação. Era preciso conter a farra, parteira de uma promiscuidade entre setor público e empresas privadas. Mas se o STF foi aplaudido quando resolveu dar freio radical naquilo (poderia ter havido fixação de limites, mas sob pressão do clima de faxina, optou-se pela proibição) de algum lugar haverá de sair o dinheiro. Para haver competição democrática não apenas é necessário, mas também desejável, que advenha de recursos públicos. Senão, será candidato com chance real de competir apenas quem tiver recursos próprios para financiar sua campanha, ou – ao se vedar também, ou limitar fortemente, o uso desse tipo de recurso - quem possa dispor de apoiadores individuais abastados, ou quem já tenha mandato e, através dele, acesso privilegiado a meios de comunicação. Seria uma oligarquização ainda maior do que aquela, propiciada pelo financiamento empresarial.   Portanto, é preciso ter como premissa que o fundo público para financiar eleições via partidos não tem nada de espúrio. É legitimo, necessário, democrático, o que se pode e deve discutir é seu montante.

Chega-se aí a outro ponto: é intuitivo e, também, induzido pela experiência da sociedade brasileira em lidar com a ambição e ousadia de interesses corporativos (inclusive, mas não apenas, de agentes estatais e da elite política), que o montante previsto é exagerado. Isso tem de ser avaliado e comprovado com critérios objetivos e comparativos com a eleição de 2018, que foi a mais recente eleição do porte da próxima, que envolverá Presidência da República, Senado, Câmara dos Deputados, governos estaduais e assembleias legislativas. É razoável tomar aquela eleição como parâmetro e fazer naquele valor correções mínimas, tendo em conta o contexto crítico que se atravessa. Mas não é razoável dizer que o fundo é ilegítimo, nem que deva ser depreciado, pois é do financiamento da democracia que se trata. De uma democracia ameaçada, sob fogo cerrado. Se a sociedade não quiser financiar eleições e o setor privado está proibido de fazê-lo legalmente, o dinheiro virá de alguma fonte do submundo. O preço a pagar será maior.

Em resumo: democracia não sai grátis, nem barato. Ela é vital para tudo o mais e o discurso de opor gastos com eleições a, por exemplo, com o auxílio emergencial é de um populismo politicamente esperto, porém, raso e vizinho da demagogia. As duas coisas são essenciais nesse momento. O que falta para o auxílio emergencial e outras políticas sociais inadiáveis precisa ser buscado em rubricas que alimentam posições plutocráticas e não nas que financiam a democracia, desde que estejam razoavelmente dimensionadas.

Enquanto os olhares da sociedade são desfocados para uma cruzada contra o fundo de financiamento das eleições, nova boiada – essa sim, espúria - está prestes a passar no Congresso sem que até mesmo os canais de comunicação estejam lhe dando o merecido destaque. Políticos individuais (negam-se como elite política pela simples razão de que operam para destruí-la) sem outro mister senão a contemplação grosseira e politicamente malsã do auto-interesse, organizam-se para liquidar, de um só golpe, o sistema eleitoral e o sistema partidário, através de o chamado “distritão”, pelo qual se consagra o candidato de si mesmo, mandando às favas o sentido institucional da política.

Os pormenores desse projeto e seus previsíveis efeitos requerem nova coluna.  Mas o mais evidente deles será imediato (os de longo prazo ainda são incomensuráveis) Anulará, na prática, os efeitos do fim das coligações partidárias em eleições proporcionais (para deputados e vereadores), a melhor medida de reforma política que o Congresso anterior aprovou, em 2017. Em vez de fortalecer os partidos e dar consistência maior ao sistema partidário – possibilidades que não são quimeras, como mostraram os resultados eleitorais de 2020, já sob efeito da reforma anterior - a destruição institucional de agora, autonomeada de reforma, pode converter os partidos em entidades fantasma e revogar qualquer traço de sistema partidário digno desse nome, no Brasil.

A aprovação dessa matéria, tida como provável, dá uma medida das sequelas da eleição de 2018, do retrocesso político que o seu resultado causou, ao alterar de modo radical a composição das Casas legislativas entronizando ali contingentes expressivos de pregadores e praticantes de antipolítica. Convém recordar que o Congresso anterior recebeu as críticas moralistas de sempre, de ter aprovado a reforma de 2017 exclusivamente movido pelo interesse de reeleição dos então parlamentares. Essa obviedade foi guindada à condição de descoberta e assim denunciada, sem se considerar que, naquele momento, auto-interesse e aperfeiçoamento do sistema estavam sendo, simultaneamente, contemplados.

Mas havia uma cobrança de dimensão eleitoralmente relevante por parte de um sentimento público, alimentado por uma direita voluntarista, que clamava por "renovação", eufemismo que traduzia o desejo de exterminar a classe política, suposta responsável pelas mazelas da hora e pelas de sempre. A força desse senso comum de inspiração demagógica cegava a maioria das análises para os fatores institucionais e a isso se somava o ressentimento da esquerda para com o então Congresso, que havia votado o impeachment de Dilma Rousseff.  Então, tome pedras, vindas de todos os lados. Mas, na verdade, aquela reforma preservava e aperfeiçoava o sistema no mérito e no modo incremental que, há anos, vinham sendo cobrados pelas mesmas consciências críticas que seguiam, naquele contexto perigoso, apontando o dedo acusador para o "corporativismo" de uma elite parlamentar que apenas lutava para não ser varrida do mapa, a jatos de demagogia. Aí está agora, para que comparemos com a reforma de 2017, essa mixórdia do distritão, que reforçará, exponencialmente, tudo contra o que se batia a lógica da faxina.  Se passar, será a mais nova cria com digitais e DNA da "nova política" vencedora em 2018.

O sistema político brasileiro - em sua ambiguidade tradutora da ambiguidade da própria política que processa - tem diante de si duas possibilidades de afirmação permitidas pela pauta atual do Congresso. A de revisar, sem capitular, os termos em que está posto o fundo eleitoral e a de se recusar a cometer, com o distritão, um haraquiri político num instante em que a democracia da Carta de 88 precisa que seu hardware político sobreviva íntegro a essa crise, para retomar, com reformulações incrementais típicas de democracia em modo gerúndio, a trajetória ascendente e socialmente inclusiva de suas duas primeiras décadas.

*Cientista político e professor da UFBa.


Fonte:
Democracia Política e novo Reformismo

https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/07/paulo-fabio-dantas-neto-vitorias.html