sus
Marcus Pestana: O SUS, Eugênio e Mandetta
Tempos nebulosos e sombrios os que estamos vivendo. No exato momento da publicação deste artigo a COVID-19 já terá levado mais de 210 mil vidas em todo o mundo e mais de 6 mil vidas no Brasil. Sem falar na enorme subnotificação que começa a ser desvendada, principalmente nos países emergentes e nos países mais pobres. Os sistemas nacionais de saúde estão sendo testados em seus limites. O mundo inteiro está mergulhado num momento desafiador. A presente crise promove a combinação perversa entre a violenta pandemia do coronavírus e o fantasma de uma crise econômica inédita e devastadora.
Felizmente, na saúde, com todas as mazelas e problemas, o SUS é um sistema nacional unificado e coordenado, com capilaridade e descentralização de ações. Sofre sempre o problema crônico de falta de recursos, mas heroicamente resiste e enfrenta a epidemia. A saúde suplementar complementa as ações publicas cuidando de 47 milhões de brasileiros. Mas o sistema de saúde pode colapsar. O resultado só não é pior graças à correta política de isolamento social liderada pela a antiga equipe do Ministério da Saúde, por Governadores e Prefeitos.
Poderia me dedicar, nessas linhas, a discutir a crise política derivada da saída do Ministro Sérgio Moro, os conflitos permanentes, reavivados nos últimos dias, entre os poderes da República, a falta de rumo, na saúde e na economia, fruto dos problemas internos do Governo Federal, a expansão geométrica da epidemia entre nós. Mas preferi homenagear os milhares de profissionais de saúde e gestores que neste momento defendem, a duras penas e com enormes sacrifícios, as nossas vidas, nas pessoas de dois grandes protagonistas da história do SUS: o grande sanitarista Eugênio Villaça e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. Afinal, a missão do SUS é cuidar das pessoas e suas ações são feitas por pessoas, e entre elas alguns exercem papel destacado de liderança.
Eugênio Villaça completou, no último dia 24, oitenta anos. Vindo lá de sua Pará de Minas e inspirado na experiência de seu pai, que desenvolvia trabalho social num posto de puericultura, assumiu desde cedo o compromisso explicitado nos agradecimentos em seu livro “As Redes de Atenção a Saúde”, uma das suas principais publicações entre outras dezenas: “projetos de saúde exigem amor aos seus sujeitos, especialmente às pessoas mais humildes”. Formou-se em Odontologia na UFMG e se tornou um reconhecido cirurgião em Belo Horizonte e professor da Universidade. Uma virada em sua vida aconteceu a partir do curso que fez na Escola Nacional de Saúde Pública, se especializando em planejamento de saúde. Abandonou sua promissora carreira de cirurgião odontológico, que lhe daria uma vida material muito mais tranquila, para se dedicar de corpo e alma à saúde pública.
A prática sem boa teoria é cega. A teoria sem a ação transformadora é estéril. Eugênio se transformou em um dos mais importantes sanitaristas do Brasil, um dos autores mais lido pelos gestores e profissionais do SUS e atuou em centenas de municípios brasileiros e em experiências marcantes no Paraná, Ceará e Minas Gerais. Eugênio Villaça concentra uma rara combinação de qualidades: rigor e qualidade intelectual, inquietação existencial, espírito público, experiência acumulada, criatividade, integridade pessoal, aguçado senso crítico, compromisso social, espírito militante e capacidade de trabalho e liderança. Sempre foi uma referência para organizações multilaterais como OMS, OPAS, BIRD, BID e de acordos de cooperação internacional. Aos 80 anos, continua militando como principal consultor do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais – CONASS, e contribuindo para a evolução e superação dos gargalos desta política pública de saúde vitoriosa chamada SUS.
Sempre soube que o SUS era uma obra coletiva em permanente construção, como na escolha do poema de João Cabral de Melo Neto para abrir um de seus livros que “um galo sozinho não tece a manhã, ele precisará sempre de outros galos... para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos”. O SUS é obra de milhares e ele influenciou e qualificou muitos deles.
Lutou e luta pela primazia da atenção primária como centro de gravidade ordenador das redes de atenção integral à saúde e alertava, não por veleidade teórica ou preciosismo, para a imprecisão de alguns conceitos, como baixa, média e alta complexidade ou atenção básica, como se o nível primário de atenção não fosse central e pudesse ser desqualificado como uma coisa trivial, simples, sem importância. Lembro bem dele questionando nossa equipe em Minas Gerais: “O que é mais complexo um transplante ou fazer uma pessoas parar de fumar ou beber exageradamente?” E completava: “Nenhum dos dois, são ambos complexos. Um denso em tecnologia, outro em cognição e relacionamento humano”.
Em seu centrado otimismo cunhou uma frase que virou um mantra no CONASS: “O SUS é uma solução com problemas e não um problema sem solução”. Nos oitenta anos de Eugênio Villaça, a homenagem a todos os sanitaristas que impulsionaram com suas ideias a construção do sistema público de saúde brasileiro, que heroicamente nos defende da COVID-19.
Luiz Henrique Mandetta é médico ortopedista, nascido no Mato Grosso do Sul, com formação em ortopedia pediátrica nos EUA. Foi secretário municipal de Campo Grande, dirigente da UNIMED lá, deputado federal de 2011 a 2018. Compartilhei com ele durante oito anos as manhãs das quartas-feiras na Comissão de Seguridade Social, Saúde e Família da Câmara dos Deputados. Ele era o mais “caxias” da turma toda, e olha que eu era muito aplicado também. Mas ele era o único, o único mesmo, que estudava na véspera todos os projetos em pauta. Sério, dedicado, inteligente, experiente, estudioso, competente e entusiasmado pelas lutas em favor da saúde. Aos 54 anos, em 2019, foi nomeado Ministro da Saúde.
Tivemos grandes ministros da saúde como Adib Jatene José Serra, entre outros. Mandetta passou a integrar a lista dos melhores ministros de toda nossa história. As crises forjam os grandes líderes. Durante o enfrentamento do coronavírus, Mandetta transformou-se em uma referência para a população brasileira. Com seu carisma, profissionalismo, seriedade e capacidade de comunicação conseguiu mobilizar o país em torno da única estratégia disponível para o enfrentamento da pandemia: o isolamento social. Ganhou a confiança e a admiração de milhões de brasileiros. Deixou um vácuo enorme com a sua saída.
Não há saídas simples para problemas complexos. Erguer um sistema público de acesso universal e atenção integral à saúde não é nada fácil num país que tem um investimento público per capita três vezes menor que Portugal, quatro vezes menor que a Espanha, de sete a nove vezes menor que Itália, Canadá, Reino Unido e França. Se é verdade que o SUS tem graves limitações, principalmente financeiras, seria impossível imaginar a defesa da vida diante da agressiva pandemia da COVID-19 sem a existência do SUS. Esses 31 anos de construção do SUS é obra de milhares de gestores, profissionais de saúde, conselheiros de saúde, espalhados anonimamente por cada um dos municípios brasileiros. Mas o seu sucesso relativo deve-se em grande parte às ideias e ações de pessoas com Eugênio Villaça Mendes e Luiz Henrique Mandetta. A eles nossa homenagem e gratidão.
El País: Governo evita medidas mais restritivas contra coronavírus e foca na preparação do SUS
Especialistas alertam que país vive a iminência de entrar numa fase mais aguda de contágio. Virologista pede ação imediata enquanto esfera privada adota ações de distanciamento social
Enquanto a esfera privada já se movimenta para suspender eventos e evitar aglomerados de pessoas por conta da expansão do coronavírus no Brasil, o poder público ainda não considera a adoção de medidas de distanciamento social para conter a incidência da covid-19. A avaliação do Governo Federal é de que o país ―com mais de 100 casos confirmados, se considerado o balanço oficial da pasta, mas também a confirmação de hospitais― enfrenta um cenário ainda controlado, embora admita que ações mais enérgicas podem ser adotadas caso haja um aumento exponencial no número de infectados, o que poderia sobrecarregar rapidamente o sistema de saúde. Por ora, o Governo decidiu obrigar que pacientes com a doença (assim como pessoas que tiveram contato prolongado com infectados) fiquem em isolamento domiciliar. E determina que, num cenário onde não se sabe muitos detalhes sobre o comportamento do vírus em clima tropical e diante das características assimétricas das regiões de um país continental como o Brasil, caberá aos próprios Estados e municípios decretarem quarentena, um ato formal para impedir o trânsito de pessoas quando a capacidade de assistência aos pacientes estiver comprometida. Especialistas avaliam que o Brasil está na iminência de entrar na fase de transmissão sustentada da doença, com casos que não têm relação com viagens ao exterior e cuja velocidade de contágio é mais aguda, e defendem que Governo precisa estar preparado para impor medidas mais restritivas antes que o sistema de saúde comece a se esgotar.
Neste momento, o Governo tem focado em reforçar o sistema de saúde para atender os infectados. Reabriu 5.811 vagas desocupadas do Mais Médicos e anunciou que garantirá o horário extendido em 40% das equipes de saúde para reforçar o atendimento nos postos de saúde, onde espera resolver 80% dos casos. Também afirmou que dobrará o número de leitos de retaguarda exclusivos para tratar pacientes graves com coronavírus. Ao todo, serão 2.000 leitos que poderão ser alocados conforme necessidade, quando a capacidade de atendimento já disponível nos Estados se esgotar.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tem defendido que medidas mais restritivas não são necessárias neste momento. O Ministério da Saúde contabiliza 77 casos, mas confirmações de Estados e hospitais mostram que o Brasil já tem mais de 100 casos. O secretário executivo da pasta, João Gabbardo, afirma que ―diferente da Itália, cujo sistema de saúde que é referência internacional colapsou diante de um boom de casos― o Brasil tem tido tempo para planejar os passos, caso haja um descontrole da doença, e que o país ainda não discute impor bloqueios sanitários.
“Não existe nenhuma orientação do Ministério da Saúde nesse sentido. Pode vir a acontecer? Não sei”, afirma. O Brasil publicou uma portaria que obriga infectados e pessoas que tiveram contato prolongado com eles, como quem vive na mesma casa, permaneçam em isolamento por 14 dias. Caso apresentem sintomas da doença após esse prazo, o isolamento pode ser prolongado por mais 14 dias. Apesar de ser obrigatório, Gabbardo diz que a permanência dessas pessoas em casa é um “contrato social, de civilidade”. Caso seja identificado o descumprimento, medidas punitivas podem ser determinadas na esfera judicial. Nesta quinta-feira, o ministro da Justiça Sergio Moro pediu “autorresponsabilidade” da população, mas destacou que isolamento e quarentena podem ser impostos compulsoriamente no Brasil. “No isolamento não vai ter ninguém na casa da pessoa dizendo ‘olha, você não pode sair’. É um contrato social, de civilidade. A quarentena é um ato de restrição. É um guarda que vai monitorar a saída. Quando eu restrinjo o ir e vir das pessoas, tenho uma série de medidas a garantir: água, comida, energia", explicou Gabbardo.
Hora de agir?
A avaliação é que o Brasil ainda não está nessa fase, embora especialistas venham alertando a iminência de o país enfrentar uma fase mais aguda da doença. E a necessidade de respostas rápidas. O virologista Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, considera que o prognóstico da pandemia é “tenebroso”. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, ele diz que o coronavírus tem o potencial para matar até 15 milhões de pessoas no mundo (e 257.000 no Brasil) caso não seja contido, segundo um estudo da Universidade Nacional da Austrália. Zanotto avalia que o Brasil tem perdido tempo e vê no distanciamento social o único caminho para evitar a propagação rápida da doença, a exemplo do que outros países vem fazendo.
O momento certo para a implementação de medidas restritivas não é unanimidade entre especialistas ouvidos pelo EL PAÍS, mas há um consenso de que o Governo precisa agir antes que o sistema de saúde comece a colapsar. “Se proibir aglomeração, você freia a transmissão aguda porque diminui o contato entre pessoas, mas também prolonga o tempo em que o microorganismo vai permanecer transmissível”, explica o infectologista Guilherme Henn, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.
Ele diz que reduzir o número de infectados é positivo num primeiro momento, porque a ação ajuda a evitar uma grande quantidade de casos graves da doença ao mesmo tempo, o que contribui para um colapso na capacidade de assistência como o da Itália. No entanto, pondera que medidas como esta devem ser avaliadas com cautela. “Se a gente recomenda medidas mais drásticas quando não são necessárias, não consegue conter o virus e só alimenta pânico e incertezas”, diz. O infectologista também acrescenta que há um efeito colateral de aumentar o tempo de transmissibilidade do vírus, já que a população segue sem contato com ele e não cria defesas naturais. Isso significa que o vírus pode continuar contaminando durante um período maior, ainda que de forma mais lenta. “De qualquer forma, é muito melhor você ter 150 mil casos graves de UTI ao longo de um ano do que em um único mês em termos de saúde pública”, analisa.
Henn afirma que há varios estudos com projeção de contaminação e propagação da doença, mas considera que as estimativas são “grosseiras”, já que se baseiam na experiência internacional e não há muitas respostas sobre o comportamento do coronavírus em clima tropical. O clima ainda é uma aposta para uma disseminação mais lenta da doença no país, mas especialistas e autoridades já começam a se preocupar com um possível agravamento diante da chegada do outono, no final deste mês. “A evolução da epidemia é tão dinâmica que as autoridades precisam estar atentas para agir assim que os casos evoluírem”, afirma o infectologista. Para ele, as características climáticas de cada região também deverão influenciar no enfrentamento sobre o coronavírus. Henn diz que o aumento exponencial em locais específicos nos últimos dias, como aconteceu em São Paulo e no Rio de Janeiro, não são indicativos de o país inteiro precisa adotar medidas que essas regiões venham adotar.
Já o infectologista Juvêncio Furtado avalia que o Governo age certo ao analisar primeiro o tamanho do problema para depois adotar medidas mais restritivas. Ele avalia que o SUS tem condições de responder rapidamente ao tratamento de infectados pela sua ampla capilaridade, com ressalvas ao caso de a propagação atingir uma “proporção absurda”, o que ele diz que não está previsto. “Se houver bom uso, sem alarme e fluxo de pessoas em grande escala nas unidades de emergência, acho que a rede tem essa capacidade”, defende. A orientação é de que pessoas que apresentem sintomas procurem os postos de saúde para orientações. Os hospitais deverão receber apenas casos mais graves da doença. Nesta sexta-feira, o Ministério da Saúde discute ações para fortalecer a rede de média e alta complexidade.
Rio Janeiro vive desmazelo e incúria, diz Ligia Bahia na revista Política Democrática online
Em publicação da FAP, professora da UFRJ diz que desespero prevalece entre paciente e profissionais da saúde
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O desmonte do SUS (Sistema Único de Saúde) no Rio de Janeiro atinge atendimentos de ambulância na atenção primária e hospitais de emergência, que são recursos estratégicos para salvar vidas de doentes graves e acidentados. O alerta é da médica Ligia Bahia, mestre e doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz, em artigo que ela produziu para a 15ª edição da revista Política Democrática online. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que produz e edita a revista.
» Acesse aqui a 15ª edição da revista Política Democrática online
“Quem for ferido em um acidente de carro e encaminhado para uma emergência municipal estará no mesmo barco do restante da população”, afirma a Ligia Bahia, que também é professora associada da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “A cidade, que, no passado, teve a melhor rede pública do país, tornou-se exemplo de desmazelo e incúria”, lamenta a médica, no artigo produzido exclusivamente para a revista Política Democrática online.
De acordo com Ligia Bahia, profissionais de saúde, contratados por organizações sociais, passaram a não receber salários em dia e a serem demitidos e reconvocados a trabalhar sob novos contratos. “Jovens médicos, expostos diariamente à insatisfação da população com condições de atendimento sempre precárias, estão migrando para cidades nas quais o SUS oferece melhores padrões assistenciais”, alerta a professora da UFRJ.
As reiteradas interpelações do Poder Judiciário, Ministério Público e órgãos de controle, como tribunais de contas são imprescindíveis, mas, conforme escreve a Ligia Bahia, chegam “na ponta”. “O desespero prevalece entre pacientes e profissionais de saúde. Os primeiros não sabem se serão atendidos; os segundos não conseguem aplicar seus conhecimentos porque não dispõem de condições adequadas de trabalho”, conta ela.
Ligia Bahia também tem experiência na área de saúde coletiva, com ênfase em políticas de saúde e planejamento, principalmente nos seguintes temas: sistemas de proteção social e saúde, relações entre público e privado no sistema de saúde brasileiro, mercado de planos e seguros de saúde, financiamento público e privado, regulamentação dos planos de saúde. Entre suas publicações, destaca-se Planos e seguros de saúde: O que todos devem saber sobre a assistência médica suplementar no Brasil (São Paulo: Unesp, 2010) e Saúde, desenvolvimento e inovação (Rio de Janeiro: Cepesc, 2015).
Todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online serão divulgados no site e nas redes sociais da FAP ao longo dos próximos dias. O conselho editorial da publicação é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.
Leia mais:
» Brexit e União Europeia: o que muda? Veja análise de Joan del Alcázar
» Como agir nas eleições 2020? Editorial da Política Democrática online tem a resposta
» Autocrítica de Cristovam Buarque é destaque da nova edição da Política Democrática online
» Acesse aqui todas as edições da revista Política Democrática online
Vinicius Torres Freire: Lula e Bolsonaro no SUS
Gasto per capita em saúde pública cresceu 91% de 2003 a 2017, mas a crise chegou
Quando gente mais rica ou remediada fala do SUS (Sistema Único de Saúde)? Quando um presidente é internado em um grande hospital privado de São Paulo, por exemplo. Então vem a pergunta mesquinha: “Por que não foi para o SUS?”. Vale para Jair Bolsonaro ou Lula da Silva, a depender do ódio político do freguês.
Mas o SUS deve ser a prioridade do presidente na opinião de 40% dos eleitores, segundo pesquisas Datafolha de 2018 (e para 49% dos que ganham até dois salários mínimos). Cerca de 25% dos brasileiros têm acesso à saúde privada, aqueles com renda e empregos melhores. O SUS não é lá assunto para a elite da opinião pública. Precisamos falar sobre o SUS.
Qual o estado do financiamento da saúde pública? Houve desmonte sob Michel Temer? Progrediu, neste século?
A despesa dos governos federal, estaduais e municipais com saúde pública cresceu sem parar entre 2003 e 2014. Caiu então um tanto e se recuperou em 2017. O gasto por brasileiro, per capita, também cresceu nesses anos: 91%.
Essas contas foram baseadas em dados do estudo “Consolidação do Gasto com Ações e Serviços Públicos de Saúde”, dos pesquisadores Sergio Piola, Rodrigo de Sá e Benevides e Fabiola Vieira, do Ipea (Texto para Discussão 2.439, de dezembro de 2018).
O crescimento da despesa não foi pequeno, embora nada comparável ao dos gastos previdenciários federais, que foram de 9,2% do PIB para 11,2% do PIB entre 2007 e 2017. Nesses anos, o gasto federal em saúde passou de 1,6% do PIB para 1,7% do PIB —note a brutal disparidade entre Previdência e saúde.
Se o dinheiro foi suficiente ou se é gasto de modo eficaz, são outros quinhentos.
Para os autores do estudo do Ipea, a estagnação do gasto em saúde é problema sério. A população envelhece, se disseminam doenças crônicas, ainda há desigualdade regional no acesso a serviços e os preços da saúde sobem mais do que a média da inflação. Seria necessário mais dinheiro.
Isto posto, não houve “desmonte” na saúde sob Temer. Em 2017, a despesa federal per capita foi, de fato, 0,6% menor que em 2014 (ano final de Dilma 1). Mas a recessão talhou a receita de impostos e, de resto, o gasto per capita em 2017 ainda era 11,9% maior do que no final de Lula 2 (2010). Em estados e municípios, a despesa caiu mais.
Não é defesa de Temer. É um exemplo de exageros ou alucinações na discussão pública. A universalização da saúde pública (1988) e a vinculação mais efetiva de despesa (2000-2001) foram resultado de longo debate entre pesquisadores, servidores, militantes sociais e parlamentares. O gasto em saúde pública entre 2001 e 2016 foi vinculado à receita de impostos e, em parte, ao crescimento do PIB, grosso modo. No geral, é mais uma política de Estado do que de governo.
Ainda assim, governos podem redirecionar políticas de longo prazo ou avacalhar sua execução.
A despesa federal com saúde deixou de ser vinculada à receita de impostos. Desde 2018, há apenas um piso de gastos, que será reajustado pela inflação. Para elevar a despesa na saúde, será preciso tirar dinheiro de outra área, dado o teto geral de gastos criado sob Temer, em 2016.
O que vai fazer Bolsonaro a respeito do problema prioritário para a população, ainda mais em tempos de estados e municípios sem dinheiro, de mais gente sem saúde privada, afora problemas de longo prazo? Seus economistas querem acabar com o piso de gastos sociais. Dá certo?
A gente não está nem aí.