supremo
William Waack: Suprema perplexidade
Torna-se claro também que a desmoralização das instituições chegou ao STF
Vamos em primeiro lugar ao que não resta dúvidas. Qualquer decisão do Supremo Tribunal Federal sobre prisões após 2.ª instância causaria imenso descontentamento. A causa é simples: o STF deixou há tempos de ser um colegiado e se transformou num aglomerado de 11 ministros que já nem se dão ao trabalho de disfarçar que algumas de suas principais decisões obedecem a critérios políticos. Inclusive de última hora, subordinados ao “clamor popular” ou “sentimento da sociedade”.
Tornou-se claro também que a desmoralização de instituições políticas chegou ao Supremo – hoje percebido como causa de notável insegurança jurídica. A politização da Justiça e o ativismo (ou o “neopunitivismo”, como preferem alguns) de integrantes de algumas instâncias judiciais, além do Ministério Público, já são até conceitos acadêmicos examinados em eventos e seminários.
Vamos então ao que se tornou a grande dúvida. Se a política tomou conta do STF, cujas decisões impactam violentamente a política, como entender a formação de maiorias entre os 11 ministros? Apenas para comparação, não é difícil antecipar como votarão integrantes da mais alta corte americana, por exemplo, em função de biografia política e obra acadêmica de cada um deles. No Supremo brasileiro já não mais existem essas “certezas”.
Precisamos entender como os ministros captam, percebem, interpretam o que um deles chamou de “sentimento da sociedade”. E aí a confusão é tão grande e a desorientação tão completa como as que se registram no debate político brasileiro. Na hipótese mais benigna, eles entendem a política brasileira hoje como um choque de forças alinhadas a princípios como a estrita separação dos poderes (e respeito total à letra da Constituição) em oposição a doutrinas como a evolução do direito em função de demandas sociais (portanto políticas) e à necessidade de “flexibilizar” garantias, ou de reinterpretá-las, para favorecer a regeneração da política (via combate à corrupção).
Na hipótese mais realista, o choque de princípios foi ofuscado há muito por rivalidades e antipatias pessoais, lealdades políticas, prestação de favores e aquilo que alguns especialistas apontam como pura e simples incapacidade técnica de alguns integrantes da mais alta Corte. Usando linguagem dos economistas, as artimanhas para pautar ou não pautar votações ignoram a lei das consequências não intencionais (obtém-se até o contrário do que se pretende). E pioram uma atmosfera ainda mais exacerbada, à qual os ministros julgam que tem de responder sem parecer que estão respondendo.
O resultado, quando se observa as voláteis maiorias no STF, é a sensação de orfandade provocada pela falta de lideranças articuladas e que comandem respeito – o mesmo preocupante fenômeno que se registra “lá fora”. A bagunça política atual, com autoritários dizendo que imporão liberalismo a pontapés, e não autoritários dispostos a aceitar o arbítrio e o desrespeito a princípios consagrados contanto que alguém vá para a cadeia, tornou o STF um curioso espelho do que vai se espalhando depressa como atitudes frente às decisões políticas e eleitorais diante de todos nós.
Atitudes, em outras palavras, relativas a um “sentimento”. Que, no momento, se manifesta nas pesquisas qualitativas atentamente estudadas por marqueteiros em insatisfação (sobretudo entre os jovens), impotência frente à situação, insegurança, descrédito nas principais instituições, baixa autoestima e ainda grande dificuldade em descrever o perfil ideal do próximo presidente, contanto que ele seja ficha limpa. Não serve de consolo nem para justificar qualquer decisão do Supremo, mas os ministros parecem tão perplexos como todos nós.
Samuel Pessôa: Prisão em segunda instância
Quanto maior for o número de recursos possíveis, e quanto maior for o número de instâncias recursais em seguida à Justiça de primeiro grau, menor será a probabilidade de condenar um inocente. Consequentemente maior será a probabilidade de inocentar um culpado.
Fernando Gabeira: O ovo da serpente
Há um declínio da experiência democrática das três últimas décadas. A radicalização pode levar país a uma saída messiânica
Diogo castor: O decreto do insulto
O decreto parece ter sido feito sob encomenda para os condenados da Lava-Jato e criminosos da elite
Na última semana, causou polêmica a publicação do tradicional decreto de indulto natalino pelo presidente Temer.
A controvérsia recaiu na generosidade dos requisitos para concessão do indulto para crimes cometidos sem violência. Diferentemente dos textos publicados nos outros anos, que fixavam penas máximas para o condenado fazer jus ao benefício, o atual decreto não fixou pena máxima.
Além disso, também inovando, o perdão da pena pode ser concedido àqueles presos que cumpriram o mísero percentual de 20% da sanção aplicada na sentença, estando dispensados expressamente do pagamento de qualquer condenação pecuniária para obtenção do perdão do resto da condenação.
Segundo o ministro da Justiça, a adoção de uma postura mais liberal nos requisitos do indulto foi uma “decisão política” de Temer, que teria sido alertado que afrouxamento da punição contava com manifestações contrárias do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério Público, da força-tarefa da Lava Jato e até da Transparência Internacional.
O leitor pode pensar que a medida vai contribuir para desafogar o sistema carcerário brasileiro, que, nas últimas informações divulgadas, possui atualmente 726 mil presos para 358.663 vagas disponíveis. Ledo engano. O indulto só beneficia presos já condenados, enquanto 40% dos encarcerados no Brasil são presos provisórios.
Dos crimes que ocupam os primeiros lugares nas estatísticas de aprisionamento no Brasil, que são tráfico de drogas (28%), roubo (25%), furto (12%) e homicídio (11%), somente os condenados por furto poderão fazer jus ao benefício. Isso porque tráfico de drogas e homicídio não admitem indulto por serem crimes hediondos, enquanto o roubo não se enquadra nos requisitos camaradas do decreto por ser cometido com violência.
Quais os principais crimes que poderão se enquadrar no decreto? Todos os crimes de colarinho branco, como corrupção e lavagem de dinheiro, que, coincidentemente, são os delitos por que Temer e quase toda a sua trupe estão denunciados ou já condenados.
O referido decreto parece ter sido feito sob encomenda para os condenados da Lava-Jato e criminosos da elite, mais ainda, ao dispensar expressamente a reparação do dano para crimes contra a administração, o que tem sido um obstáculo legal para progressão de regime dos condenados na Lava-Jato.
Ou seja, com uma “canetada”, o presidente da República perdoou 80% das penas de réus de colarinho branco no país.
O decreto de indulto natalino de 2017 viola os princípios da proporcionalidade, da individualização da pena e da moralidade administrativa. Ademais, foi editado por um presidente da República que goza do pior índice da popularidade da história e que é diretamente interessado na norma.
Ao editar o decreto, Temer demonstrou onde é capaz de chegar para aniquilar o combate à corrupção e à impunidade no Brasil. Resta aguardar que STF declare a inconstitucionalidade do autoindulto. Do contrário, a luta contra corrupção no Brasil se tornará um mero registro nos livros de História.
Eliane Cantanhêde: Um ano que já vai tarde
2017 é um ano sem marca, com muita notícia, muita espuma e pouco resultado
O ano de 2017 vai acabando sem grandes marcas, ou com marcas mais negativas do que positivas. A três semanas do 31 de dezembro, cadê a reforma da Previdência? No que a Lava Jato andou? Que político com mandato foi julgado pelo Supremo? E o choque de empregos, que ninguém sabe, ninguém viu?
Assim, o ano teve, ou está tendo, muita emoção, muita notícia e muita espuma, mas poucos resultados efetivamente concretos, e o tempo que lhe resta parece pouco para uma surpresa realmente impactante. Tudo sempre pode acontecer, até mesmo nada. Parece o caso.
A reforma empacou por um problema comezinho: falta de votos. O PMDB titubeou, o PSDB está perdido no meio da multidão e ambos serviram de pretexto para os demais partidos da base aliada cruzarem os braços. O novo coordenador político do governo, Carlos Marun, assume na quinta-feira e admite quase candidamente que espera uma “onda positiva”. Ah, bem!
Já a oposição surfa num populismo barato, puxado pelo ex-presidente Lula, que está careca de saber que a reforma é fundamental e que não vai ameaçar as aposentadorias, mas sim garantir que elas sejam mantidas no futuro. Assim como Lula não gastou um tico de sua imensa popularidade para aprovar uma reforma que sabia essencial, agora ele lidera a gritaria da sua “esquerda” contra as mudanças com o único intuito de atrapalhar a vida do presidente Michel Temer, já, e a campanha dos adversários do PT, em 2018. E o interesse nacional? Conta?
Na Lava Jato e seus desdobramentos, tivemos um ano de grandes turbulências com duas denúncias consecutivas da PGR contra o presidente da República. Convenhamos, nada trivial. Mas deu em quê? Num desgaste enorme de Temer, na paralisia do governo, no troca-troca infernal para “convencer” os deputados a votarem contra. No fim, as denúncias foram derrotadas e Temer ficou, mas ficou fraco. E a turma da J&F foi para a cadeia.
Curitiba fez o que tinha de fazer e praticamente esgotou sua parte nesse latifúndio (o da Lava Jato), até mesmo com a transferência de quadros da PF e do MP para outros Estados. Mas a diligência de lá não parece se reproduzir no resto do País, com exceção do Rio, onde toda a cúpula política foi parar em Benfica, e do DF, onde as coisas estão acontecendo.
O nó continua sendo no Supremo. Alguém lembra da “lista do Janot”, que virou “do Fachin”? E as investigações sobre os campeões Renan Calheiros, Romero Jucá e Aécio Neves, por onde andam? E sobre a presidente do PT, Gleisi Hoffmann? Todos disputarão as eleições, lépidos e fagueiros.
Se o Supremo julgou alguma coisa, foram o “caso Aécio”, para os plenários ratificarem ou não medidas cautelares contra parlamentares, e a revisão do foro privilegiado, que joga a responsabilidade para instâncias inferiores, mas não garante que a Justiça seja feita. Aliás, o próprio ministro Luís Roberto Barroso, arauto do fim do foro, já admitiu isso publicamente. E esse julgamento nem acabou...
No Congresso, idas e vindas, sem chegar a lugar nenhum. De um lado, as dez medidas contra a corrupção viraram um Frankenstein e estão jogadas em alguma gaveta. De outro, a atualização da Lei Contra Abuso de Autoridade fez que ia, mas não foi.
Ok, a economia dá sinais de ânimo, mas, além da Previdência, Temer é obcecado por um choque de empregos. Há um aumento de oferta de vagas, mês a mês, mas muito longe de poder ser chamado de “choque”. A recuperação é lenta, enquanto o País e o presidente têm pressa.
Então, qual a marca de 2017? Nenhuma. Foi, ou está sendo, um ano em que aconteceu tudo, mas não resultou em nada. Vai saindo de fininho, deixando uma enorme interrogação sobre o decisivo 2018.
Merval Pereira: Democracia em crise
O economista Eduardo Giannetti da Fonseca defendeu ontem, em palestra na Academia Brasileira de Letras (ABL), que o patrimonialismo que domina o Estado brasileiro é a principal causa da disfunção de nossa democracia e, por isso, a Operação Lava-Jato tem importância como a principal ação corretiva de uma situação que predomina desde que o Brasil foi descoberto pelos portugueses.
O painel de que ele participou, dentro do ciclo “Brasil, brasis” da ABL, tinha o título genérico de “Crise e metamorfose da democracia” e foi coordenado pela escritora e acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira. Ao apresentar os participantes, Giannetti e o ex-presidente do Supremo Ayres Britto, Rosiska ressaltou a atualidade do tema do debate, já que a democracia estava em xeque em várias partes do mundo, devido à falta de credibilidade dos políticos e à sensação de que eles não representam os cidadãos.
Ela lembrou que nas últimas eleições pelo mundo a radicalização política foi a tônica, levando à eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e ao aumento de votação em partidos extremistas, à esquerda e à direita, em diversos países da Europa. Outro aspecto ressaltado por Rosiska é o fenômeno, disseminado pelo mundo, do voto de protesto, que se reflete no aumento dos votos brancos e nulos e o não voto, com o aumento das abstenções.
São tendências já sentidas no Brasil com o aumento gradativo dos votos brancos e nulos nas últimas eleições, inclusive a mais recente, para governador do Amazonas, quando votos brancos, nulos e abstenções registraram quase 50%.
Para Giannetti da Fonseca, o patrimonialismo brasileiro tem sua origem na formação de nosso país. Ao contrário dos Estados Unidos, país que foi organizado pelos e para os imigrantes que lá chegaram, o Brasil, segundo Giannetti, foi criado para abrigar a Coroa portuguesa, e até hoje o Estado serve aos governantes. Ele vê essa tensão entre o governo e a sociedade num ponto à beira de uma ruptura e disse que não se espantará se chegarmos num momento revolucionário desencadeado por uma fagulha qualquer, como em 2013, quando uma campanha contra o aumento do preço dos ônibus desencadeou um movimento popular que encurralou o governo Dilma.
Outro ponto de quase ruptura, na sua análise, foi a campanha de 2014, quando Marina Silva, a quem apoiava, tornou-se candidata devido à tragédia que matou o ex-governador Eduardo Campos, e quase teve condições de desbancar a polarização entre PT e PSDB, cujos candidatos afinal foram para o segundo turno.
Esse rompimento só não se deu, segundo Eduardo Giannetti, devido a uma campanha de violência inaudita contra Marina, cuja presença na disputa teria uma característica disruptiva, interrompendo uma situação política tradicional que dominava a disputa eleitoral brasileira há 23 anos.
Segundo Giannetti, a Operação Lava-Jato, por si só, não tem condições de alterar essa cultura patrimonialista, mas as eleições de 2018 têm condições para isso, caso a sociedade as utilize para forçar uma mudança de paradigma, que seria consolidada com uma reforma política.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto, outro palestrante do painel, mostrou-se mais otimista na manutenção de nossa democracia, que, segundo ele, está em crise, mas em metamorfose, parafraseando o título geral do debate, que era “Crise e metamorfose da democracia”.
Para Ayres Britto, o ponto de inflexão foi o julgamento do mensalão, que ele presidiu no Supremo. A partir dali, teria sido aberto um caminho para concretizar a máxima de que todos são iguais perante a lei. O ex-presidente do Supremo utilizou-se da Constituição de 1988 para defender uma visão otimista do futuro do país, garantindo que é possível encontrar-se no texto constitucional a solução para todos os problemas que afligem nossa democracia.
Fernando Gabeira: O choro privilegiado
Se a maioria não consegue impor uma decisão, desperta uma certa compaixão...
Há coisas na democracia brasileiro que não entendo bem. Uma delas é essa possibilidade que o Supremo dá ao ministro com voto vencido de pedir vista e adiar a decisão da maioria. Talvez essa dificuldade se explique pelo fato de ter uma experiência parlamentar, na qual defendi causas minoritárias.
No Parlamento, depois que a maioria se manifesta, o resultado é proclamado e só resta ao perdedor fazer uma declaração de votos, o direito de espernear, como dizíamos no plenário. Daí não entendo por que o ministro Dias Toffoli pode adiar a proclamação de um resultado indiscutível numericamente. Tenho a impressão de que, se me fosse dada a chance de bloquear uma decisão majoritária, hesitaria.
De certa forma, eu me sentiria numa brincadeira que perdeu a graça. Se a maioria não consegue impor uma decisão majoritária, acaba despertando certa compaixão pela sua fragilidade.
Os defensores do foro privilegiado já perderam a batalha. Deveriam contentar-se com o choro e abrir mão de manobras protelatórias. Adiar a decisão apenas atrasa uma experiência que já foi decidida, no debate pela imprensa, nas redes sociais, nos movimentos cívicos e nas pesquisas de opinião.
Um grupo minoritário de ministros do Supremo não pode decidir o que é melhor para nossa experiência democrática. No Brasil, o atraso é tão entranhado nos costumes que se consagra até o direito de atrasar, que agora está sendo exercido pelo ministro Toffoli.
Mas não é só desejo de voto mais pensado. Ele tem algo articulado com os políticos, os principais interessados em manter o foro privilegiado.
Enquanto o STF pisa no freio, a Câmara se apressa a votar um projeto no mesmo sentido, restringindo o foro privilegiado.
Aí pode entrar um gato: a extensão do foro privilegiado aos ex-presidentes, algo que favorece Temer, Lula e Dilma, até Collor, quando deixar o mandato de senador. É realmente algo inédito no mundo: o País que derrubou dois presidentes no período de democratização conclui que devem ser protegidos também depois do mandato.
Durante o mandato presidencial, já são de certa forma blindados. Só podem ser processados por crimes posteriores à sua posse. Assim mesmo, quando são acusados por crimes cometidos durante o mandato, a investigação é submetida à Câmara, onde a maioria é hostil à Lava Jato.
Estamos todos atentos, embora a atenção nem sempre baste para inibir os políticos desesperados. Eles nem se importam mais com as consequências para a democracia.
As coisas podem não ser tão simples como se pensa. Num programa de televisão, Gustavo Franco, ao lançar seu livro sobre a história monetária no Brasil, afirmou que o mercado acha que qualquer dos candidatos favoritos no momento continuará a reconstruir o País.
No caso do PT, o mercado tem esperanças de que, vitoriosa, a esquerda volte a se encontrar com a classe média e abrande sua linha. Não tem sido esse o discurso do PT. Lula afirmou várias vezes que vai estabelecer o controle social da imprensa. Em quase todas as análises, a esquerda conclui que foi derrubada porque não soube radicalizar.
Pelo menos no discurso, o caminho aponta para a Venezuela. Além do mais, tenho minhas dúvidas quanto à reconciliação com a classe média. Acho, sinceramente, muito improvável, mesmo com a ampla admissão dos erros e das trapaças.
No caso de Bolsonaro, tudo indica que caminha para uma visão liberal na economia, dura na repressão ao crime e conservadora nos costumes. É formula que tenta conciliar o avanço do capitalismo com as tradições que ele, naturalmente, dissolve na sua expansão global.
Tanto para os eleitores de Trump como para os de Bolsonaro, há uma força nostálgica em movimento. Voltar atrás, no caso americano, explorando carvão, tentando ressuscitar áreas industriais arruinadas. No caso brasileiro, voltar aos tempos do regime militar, durante o qual não houve escândalos de corrupção nem a violência urbana.
O Brasil de hoje é muito diferente do País dos anos 1960. E também não é o mesmo dos anos 1990, quando o PT chegou ao poder.
O economista Paulo Guedes, que deverá ser o homem da economia na campanha Bolsonaro, afirmou que, ao se encontrarem os dois, uniram-se ordem e progresso. Se entendemos por ordem o combate à corrupção e uma política de segurança eficaz, tudo bem. Mas a eficácia não se mede pelo número de mortos, e sim pelas mortes evitadas. E o progresso? Assim como está no lema da Bandeira, é bastante vago. Muitos o associam ao crescimento econômico.
Mas tanto os marxistas como os liberais tendem a uma visão religiosa do mundo, abstraem a limitação dos recursos naturais, algo que envolve todas as espécies. Num contexto de campanha radicalizada, qualquer das hipóteses terá muita dificuldade em governar um País dividido. E no processo de reconstrução será preciso encontrar alguns pontos que unam a Nação para além de sua clivagem ideológica.
Na sua entrevista ao Roda Viva, Gustavo Franco deu uma pista que me pareceu interessante: ao invés de falarmos tanto em reformas, sempre empurradas com a barriga, por que não buscar uma sociedade de inovação? Essa história de deixar as coisas apodrecendo, mas só mexer nelas em reformas, tem de ser substituída por uma ideia de inovação permanente.
É esse o mundo em que vivemos. Se não nos adaptamos a ele, seremos, de certa forma, engolidos.
A campanha eleitoral ainda nem começou. Fala-se num candidato de centro. De fato, suas chances serão boas. No entanto, na política não se trabalha apenas com chances, mas também com a encarnação da proposta, o candidato.
O PSDB, com Alckmin, fala em choque de capitalismo, algo que vi e ouvi em 98. De choque em choque, vai acabar a energia. Um mesmo empresário alemão levou 56 dias para abrir uma empresa em São Paulo e apenas 24 horas para abrir outra nos EUA. Que tal segurar os fios e experimentar o choque antes de aplicá-lo no País?
Eliane Cantanhêde: Aécio, uma batata quente
Aécio não está livre, Senado não resolveu problema, e Supremo tem muito o que julgar
O senador Aécio Neves, presidente licenciado do PSDB, virou uma batata quente para o Judiciário e o Legislativo. Por ora, deixou de ser um problema imediato do Supremo para ser o principal problema do próprio Senado, que, ao dizer “não” ao seu afastamento e à Primeira Turma do STF, na próxima terça-feira, estará obrigado a ter sua própria solução para Aécio. No Conselho de Ética? O histórico das decisões ali é claramente corporativo.
A manobra para transformar a votação no plenário do Senado nem parece uma tentativa desesperada de mudar o resultado, mas apenas para “proteger” os senadores dos seus próprios votos. Vão deixar as evidências contra Aécio por isso mesmo? Eles se acertam entre eles e não querem que seus eleitores fiquem sabendo como votam?
Apesar disso, a roda continua girando: Aécio sobrevive agora, mas tem um encontro inexorável com a Justiça; o Senado está livre da acusação de confrontar o Supremo, mas é justamente a casa dos três campeões de inquéritos com foro privilegiado; e o Supremo rachou ao meio para resolver o impasse com o Senado, mas, mais cedo ou mais tarde, vai ter de julgar não só Renan Calheiros, Romero Jucá e Aécio Neves, mas os demais parlamentares investigados.
O que esteve, e está, em discussão no Supremo é se os fins justificam os meios. Há ministros que, como a sociedade em geral, cansaram da confusão entre imunidade parlamentar e impunidade – como disse o relator da Lava Jato, Edson Fachin – e da velha tradição brasileira de “prender os miúdos e proteger os graúdos” – como acrescentou, em bom e claro português, o ministro Luís Roberto Barroso. De certa forma, tentam um atalho rápido para punir quem eles julgam que deva ser punido. No caso de Aécio, o atalho é o artigo 319 do Código de Processo Penal.
Do outro lado, há ministros “garantistas”, como o novato Alexandre de Moraes, defendendo que as leis se submetem à Constituição, não o contrário. Ela, a Carta Magna, só prevê prisão de parlamentares em caso de flagrante delito inafiançável, como o Supremo julgou e o Senado acatou quando o senador Delcídio Amaral foi gravado acertando dinheiro e alternativas de fuga para potenciais delatores. Para esses ministros, a ordem jurídica está acima de tudo. Não há atalhos, há o caminho constitucional.
É uma discussão importante, num País que efetivamente vive um eterno “pacto oligárquico” (outra expressão de Barroso) que se ramifica por todas as regiões, Estados, cidades e setores e está na mente de cada um. Aos poderosos, tudo; aos pobres e desvalidos, a lei – e as prisões fétidas, as humilhações, as condições vis, a renda precária, a pior educação, a pior saúde.
A Lava Jato, porém, já tem quebrado esse pacto, ao desvendar a corrupção e investigar presidentes da República, líderes dos principais partidos, banqueiros, donos das maiores empreiteiras e produtoras de carne, altos executivos de estatais e empresas privadas. É um avanço, uma herança e tanto para as futuras gerações, desde que não se use o bom pretexto de acabar com a impunidade dos poderosos para “dar um jeitinho” na Constituição e nas leis, “quando necessário”.
Mal comparando, quando se acha que “um pouquinho de inflação não faz mal a ninguém”, a inflação dispara, implode os indicadores macroeconômicos e quem acaba pagando o maior preço é o mais fraco. Achar que atalhos jurídicos fazem bem à sociedade e mal aos corruptos pode ter um efeito oposto: favorecer os corruptos e prejudicar a sociedade, com efeito danoso sobre todo o fantástico trabalho da Lava Jato. Aécio não é santo, mas precisa ser investigado e julgado à luz da Constituição. Os fins, por mais nobres que sejam, não justificam os meios.
Merval Pereira: Choque de visões
Não cabe ao Senado desacatar uma decisão do STF. O caso do senador tucano Aécio Neves, que coloca em xeque uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e ameaça o país com uma crise institucional grave, é consequência de um embate que vem se desenvolvendo desde o julgamento do mensalão em 2011, às vezes sub-reptício, às vezes escancarado.
Naquela ocasião, vários políticos do governo em exercício e empresários foram condenados e presos, fato raro na História do país que deu início a um novo paradigma de interpretação da legislação penal e da própria Constituição.
Essa disputa de interpretações tem levado o Congresso a diversas tentativas de legislar em causa própria, para refrear o ímpeto dos investigadores, especialmente os procuradores de Curitiba — berço da Operação Lava-Jato, que se espalhou por vários pontos do país encontrando eco generalizado no Ministério Público e em juízes como Sergio Moro, de Curitiba, o juiz natural do caso, Marcelo Bretas, do Rio, ou Vallisney de Souza, de Brasília.
O Brasil vive uma disputa entre os que querem usar a lei para punir as ilegalidades que ocorrem há anos — e nos levaram à situação de degradação político-social em que nos encontramos —, e os que, a pretexto de defender o estado de direito, acabam, com a interpretação restrita da lei, alimentando a percepção da sociedade de que a impunidade é a marca da Justiça brasileira.
A legislação basicamente é a mesma, o que está mudando é sua interpretação. O falecido ministro do Supremo Carlos Alberto Direito cunhou a expressão “jurisprudência evolutiva”, que explica o que está acontecendo: para os tempos atuais, já não servem mais os critérios adotados até então, que, aliás, nos levaram aonde estamos. Uma marca registrada do sistema jurídico nacional era a possibilidade de escapar de uma punição com os vários recursos existentes.
A decisão recente do STF de permitir a prisão depois de uma condenação em segunda instância trouxe um ar renovador para um ambiente jurídico envelhecido, e não é por acaso que já existem dentro do próprio STF movimentos para reverter essa decisão, que tem sido fundamental para barrar a impunidade e, por isso mesmo, incomoda os que não eram expostos à ação da Justiça e agora temem simplesmente ir para a cadeia, situação inimaginável anteriormente.
A prisão preventiva também passou a ser utilizada para impedir a ação do condenado de obstrução da Justiça, especialmente quando ele é poderoso, pelo cargo que exerce ou pela situação social. Desde o mensalão, a interpretação da lei passou a ser feita com o objetivo de punir, e não mais de ser benevolente com os que tinham poder, dinheiro, ou capacidade de influência.
A partir da Lava-Jato, essa situação foi exacerbada, e agora vão para prisão o político, o empresário, o ex-ministro e quem mais tiver de ir. Os antes beneficiados estão revoltados, porque nunca estiveram ao alcance desse tipo de ação na Justiça. Não foi outra a intenção dos que, no Congresso, queriam punir o chamado “crime de hermenêutica”, ou seja, a possibilidade de criminalizar a interpretação que um juiz dê a determinado fato do processo.
No caso dos parlamentares, por exemplo, a interpretação usual da norma constitucional era que só se podia prendê-los em flagrante por crime inafiançável. E, por isso, nunca acontecia nada. O sociólogo e jurista alemão Niklas Luhmann, um dos maiores intérpretes das teorias sociais do século XX, considerava que, para ser efetiva, qualquer medida dependia de três fatores: a tomada de decisão, a implementação dessa decisão e a consequente paz social que ela geraria.
É o caso atual, uma decisão da Primeira Turma do Supremo que corrobora uma anterior, do relator da Lava-Jato, Edson Fachin, derrubada por uma medida monocrática do ministro Marco Aurélio Mello. Como a Constituição trata de prisão de parlamentares, mas não garante a eles a impunidade, a decisão não fere a Constituição, pois a punição dada ao senador foi uma pena alternativa à prisão, que consta como do novo Código de Processo Penal.
Não cabe ao Senado desacatar uma decisão do Supremo, mesmo que alguns ministros do próprio STF, estranhamente, venham a público defender que a decisão majoritária da Primeira Turma deve ser contestada como inconstitucional.
E a paz social só será alcançada se a sociedade passar a acreditar que a lei é para todos.
O Estado de S.Paulo: FHC diz que STF é o guardião da Constituição e tem a 'decisão final'
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) está em Washington, nos EUA
Cláudia Trevisan
Sem mencionar o caso do presidente nacional licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (MG), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou nesta quinta-feira, 28, em Washington, que o Supremo Tribunal Federal (STF) é o guardião da Constituição e tem a "decisão final" no Brasil.
"Ele decide e é isso", declarou, pouco antes de o Senado aprovar regime de urgência para a proposta de rejeição da decisão do STF de afastar Aécio da Casa e submetê-lo a um regime de "recolhimento noturno". A atuação do Supremo foi apresentada por Fernando Henrique como um dos exemplos de fortalecimento das instituições democráticas depois da Constituição de 1988.
"No passado, quando confrontados com uma crise como a atual, os brasileiros estariam especulando sobre a atitude dos generais de quatro estrelas. Hoje, a maioria de nós nem sabe quais são os seus nomes, enquanto os nomes dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal são nomes familiares", afirmou.
"Essa é uma modificação profunda. Como sou velho, eu lembro-me dos tempos antigos", disse. Ele disse que o Supremo Tribunal tem problemas, mas observou que não gostaria de fazer críticas à Corte no exterior. Porém, ressaltou: "É melhor ter problemas para ajustar o Supremo Tribunal Federal do que ter problemas para colocar os militares de lado".
Em palestra intitulada "O impacto político da corrupção na América Latina", Fernando Henrique disse que, "certamente", havia corrupção no governo dele, mas afirmou que era de natureza distinta da que caracterizou as administrações do PT que o sucederam.
"Eu não fui informado, eu não era a favor, eu não permitia e essa não era a base em que meu governo se sustentava." A gestão do ex-presidente foi marcada pela suspeita de compra de votos para aprovação da emenda constitucional que permitiu a reeleição, em 1997.
Na época, o deputado Ronivon Santiago disse ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da proposta. De acordo com Santiago, outros quatro parlamentares teriam ganhado pagamento. O caso nunca foi investigado. Numa referência ao período pré-PT, que inclui o mandato dele, FHC declarou que os atos de corrupção eram "individuais" ou um "misto de clientelismo e negligência" e não "um mecanismo fundamental para um governo ganhar e manter o poder".
O ex-presidente acredita que as administrações petistas criaram um sistema de apoio parlamentar sustentado pela corrupção, por meio da cumplicidade de setores da economia e os partidos no poder. FHC acha que essa "conivência" entre interesses públicos e privados foi aceita pela sociedade em geral em razão dos programas de inclusão social do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teriam assegurado a "absolvição de qualquer transgressão - pelo menos por um período". O tucano não respondeu a perguntas da plateia e deixou o Wilson Center sem falar com a imprensa.
O Estado de S. Paulo: Supremo prevê relação menos tensa com nova procuradora
Ministros da Corte avaliam que Raquel Dodge conduzirá a PGR de forma mais incisiva e com menos contratempos do que antecessor
Beatriz Bulla, Breno Pires e Rafael Moraes Moura, de O Estado de S.Paulo
Depois de um desgaste na relação entre Rodrigo Janot, no fim do mandato como procurador-geral da República, e o Supremo Tribunal Federal (STF), a expectativa na Corte é de que sua substituta, Raquel Dodge, titular da PGR a partir desta segunda-feira, 18, foque no papel institucional do Ministério Público Federal, sem descuidar dos rumos da Operação Lava Jato.
A forma como Janot conduziu o episódio do áudio do empresário Joesley Batista, dono do Grupo J&F, e Ricardo Saud, ex-executivo da holding, causou desconforto no STF. Ministros e auxiliares avaliaram que, quando anunciou a descoberta de uma gravação que trazia indícios de omissão de fatos graves por delatores, Janot expôs negativamente o Tribunal por ter revelado, sem explicar o contexto, que havia citações a integrantes da Corte.
Se o perdão judicial concedido por Janot aos executivos da J&F já era alvo de questionamentos, após o episódio da gravação surgiram dúvidas sobre se a PGR se descuidou neste acordo de colaboração.
Ministros do Supremo ouvidos pelo Estado elogiam o perfil da sucessora de Janot e dizem acreditar que, pela experiência na área do direito penal, ela vai atuar de forma firme e rigorosa, sem comprometer os desdobramentos da Lava Jato.
Em um sinal de deferência à Corte, Raquel fez questão de se encontrar com ministros antes de sua posse, apresentando a equipe e entregando pessoalmente convites para a solenidade, que terá a presença do presidente Michel Temer – alvo de duas denúncias de Janot, a mais recente apresentada na quinta-feira passada ao Supremo por organização criminosa e obstrução da Justiça.
Auxiliares da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, apostam em “um novo tempo”, com uma maior harmonização das relações com a PGR.
Único ministro do STF publicamente crítico a Janot, Gilmar Mendes não esconde a expectativa pela substituição do desafeto por Raquel. “Ela é uma pessoa qualificada, tem grande experiência institucional no Ministério Público e enfrenta um grande desafio pela frente: restaurar os laços de credibilidade da Procuradoria-Geral. Tenho a impressão de que ela restaura um quadro de normalidade, de confiança e de decência nos quadros da PGR”, disse.
O ministro – que se encontrou com Temer um dia antes de ele anunciar a escolha de Raquel, segunda mais votada na lista tríplice do Ministério Público – não participou do julgamento em que, por nove a zero, o STF rejeitou afastar Janot das investigações contra Temer no caso J&F.
O procurador-geral, por sua vez, pediu que o ministro fosse afastado dos julgamentos que envolviam o empresário Jacob Barata Filho. Ele apontou “vínculos pessoais que impedem o magistrado de exercer com a mínima isenção suas funções no processo”, como o fato de Gilmar ter sido padrinho de casamento da filha de Jacob. O pedido de suspeição de Gilmar não foi analisado.
Um ministro ouvido reservadamente avaliou que, sob o comando de Raquel, a PGR pode ser mais incisiva na Lava Jato, como forma de demonstrar independência. Esse ministro, entretanto, considerou que a Procuradoria poderá também ampliar sua atuação, mirando em outras áreas, como a defesa de direitos de minorias e ambiente.
Confiança. Para o ministro Luiz Fux, Raquel cumpre bem as “funções institucionais”. “Ela encarna a figura do MP como ele deve ser, é bem equilibrada, discreta, enérgica”, disse.
Luís Roberto Barroso disse achar que a nova procuradora-geral manterá a linha de atuação de seus antecessores. “Tenho a confiança de que ela prosseguirá na linha de transformação do Brasil que a Procuradoria-Geral da República tem imprimido em sucessivas gestões que incluem Cláudio Fonteles, Antônio Fernando, Roberto Gurgel e Rodrigo Janot”, afirmou Barroso.
Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, a Operação Lava Jato estará em “boas mãos”. “A alternância (de comando) é sempre salutar. Ela (Raquel) é republicana, ela é democrática. E nós temos quadros excepcionais no Ministério Público Federal. A doutora Raquel é uma pessoa aplicada, é uma pessoa que tem os olhos voltados para os interesses nacionais permanentes”, afirmou.
Míriam Leitão: Dia de ontem derrubou a tese de que acusados são perseguidos
O dia de ontem derrubou o argumento de todos os acusados de que são perseguidos. O presidente Temer foi ao Supremo Tribunal Federal com sua tese de ser alvo de perseguição pelo procurador-geral. E seu agravo não foi acolhido. O ex-presidente Lula e seus seguidores continuam defendendo a teoria da perseguição. Mas o fato é que ontem havia fatos acontecendo contra pessoas em campos opostos na política.
O dia começou com a prisão preventiva de Wesley Batista decretada pela Justiça por insider trading (informação privilegiada). Na mesma ação, seu irmão Joesley passou à prisão sem data para terminar. É a primeira vez que alguém é preso no Brasil por manipulação de mercado, e o fato inicia uma outra frente de combate ao crime no país. Sempre houve rumores de compra e venda de ação por vários agentes quando há uma grande operação de mercado. Investiga-se, mas ou não se chega a nenhum resultado ou o suspeito recebe punição leve. Usar informação privilegiada para manipular o mercado ou ter lucro indevido são crimes punidos pesadamente em países em que o mercado de capitais é levado a sério. A Polícia Federal e o MPF se basearam em relatórios da CVM e da PF que constataram a venda e compra atípica de dólar e ações.
O JBS, dias antes da divulgação da delação dos seus donos, fez uma compra alta de dólar e vendeu ações. O dólar disparou e as ações caíram, o grupo então recomprou as ações a um preço bem menor. Com as operações, eles tiveram um lucro indevido de US$ 100 milhões pelos cálculos da PF e do MPF. Essa foi a primeira suspeita de que eles haviam quebrado as regras do acordo de delação, porque quem assina uma colaboração premiada se compromete e não cometer mais nenhum crime sob pena de perder os benefícios. Enquanto assinavam a colaboração, a empresa já manipulava o mercado usando essas informações. A pena de prisão, por ser inédita, leva a outro patamar a repressão ao crime de insider trading. Eles ainda respondem a processo na CVM e podem ter que pagar multas altas e que foram recentemente majoradas. Mas agora ficou claro para os espertos do mercado que a Polícia Federal pode investigar, e o crime, levar à prisão.
A coincidência do presidente Temer estar no STF pedindo a suspeição de Janot, no mesmo dia em que o ex-presidente Lula está de novo no banco dos réus, mostra que ambos não têm razão de se dizer perseguidos políticos. O que está em andamento desde o começo da Operação Lava-Jato é um processo de combate ao crime de corrupção.
O chefe da delegacia de crime financeiro, Vitor Hugo Alves, explicou que, ao venderem suas ações antes da delação para recomprar por preço menor, os irmãos Batista empurraram o prejuízo para os outros acionistas:
— Os Batista detêm 42% da JBS: a maior parte do prejuízo portanto ficou com outros acionistas. O BNDESpar, inclusive, que detém 30% da JBS. As ações caíram até 37% e houve a maior desvalorização do dólar desde 1999, 9%.
Em Curitiba, o ex-presidente Lula chegou de carro, em vez do avião do ex-ministro Walfrido dos Mares Guia. Seus seguidores acorreram em menor número mas sustentaram a mesma tese de que Lula é um perseguido político. Outro argumento une os defensores de Lula e Temer. No Palácio se diz que as acusações contra o presidente podem atrapalhar a recuperação econômica, em Curitiba um dirigente da CUT sustentou o argumento, não se sabe baseado em que, de que cada prisão da LavaJato leva à perda de 22 mil empregos.
A monótona repetição dos acusados, quaisquer que eles sejam, de que são vítimas de perseguição do Ministério Público, do próprio Rodrigo Janot, dos procuradores de Curitiba, ou do juiz Sérgio Moro, foi sendo desmontada a cada nova etapa das investigações. Hoje a Lava-Jato se expandiu por várias cidades e varas, está nas mãos de outras forçastarefas, decisões são tomadas por outros juízos. Como disse a presidente do STF, Cármen Lúcia, quem conduz as investigações não são as pessoas, mas as instituições.
O dia ontem que levou à prisão o ex-governador Anthony Garotinho mostrou mais uma vez que não se trata de ataque a um partido, a um político, ou a uma empresa, mas do combate à prática que inundou as relações entre o setor público e o setor privado e dominou a política brasileira.