supremo

Vera Magalhães: Moro dá adeus?

A designação para o Supremo Tribunal Federal é a ambição natural e justa de alguém com a carreira do juiz federal

Quando precisou negar que seria candidato a presidente, diante de inúmeras especulações a respeito, Sérgio Moro foi direto. Disse, em diversas ocasiões, que a política não era um caminho vislumbrado por ele, e que continuaria fazendo seu trabalho de juiz.

Ao agradecer a menção pública a seu nome feita por Jair Bolsonaro, sem que haja sequer um convite oficial para o Ministério da Justiça ou para o Supremo Tribunal Federal, Moro muda radicalmente essa diretriz. Quando admite que analisará qualquer um dos convites, o coordenador da Lava Jato, numa tacada só: 1) encoraja Bolsonaro a fazê-lo oficialmente; 2) deixa antever que pode aceitar o ministério e, dali, esperar placidamente pela aposentadoria de Celso de Mello do STF, em 2020.

Os convites incluídos no mesmo pacotão por Bolsonaro e Moro são de natureza diversa. O Ministério da Justiça é um posto político, não jurídico. Aceitá-lo fará com que Moro deixe não só a Lava Jato, mas sua carreira de juiz. Mais: contribuirá para a narrativa (falsa) do PT de que o juiz agiu com intenção política ao ajudar a desnudar o petrolão e condenar Lula e outros próceres petistas.

Ele precisa disso? Certamente não. Precisa pagar este “pedágio” para ser ministro do Supremo? Tampouco.

Já a designação para a Corte é a ambição natural e justa de alguém com a carreira de Moro. Ele já teve uma passagem pelo Supremo, como juiz auxiliar de Rosa Weber, e certamente reúne os atributos de notório saber jurídico e reputação ilibada para substituir o decano.

A interlocutores, Moro tem descartado o argumento de que seu eventual aceite a um ou outro convite de Bolsonaro enfraquece a Lava Jato ou joga água no moinho da queixa petista.

Integrantes da força-tarefa da operação dizem que outro juiz assumirá as funções de Moro caso ele, de fato, deixe a 13.ª Vara da Justiça Federal em Curitiba, sem prejuízo para os trabalhos.

Resta, por fim, um argumento bem esgrimido por Marcelo de Moraes no BR18: cabem dois “mitos” num governo logo em seu nascedouro? Moro não é grande demais para ser um “soldado” de Bolsonaro? O fato é que o juiz não parece ter levado nada disso em consideração ao se assanhar diante de um convite nem sequer formulado. Para um enxadrista como ele, foi um lance bastante precipitado.

PREVIDÊNCIA

Bolsonaro pede contagem de votos de projeto de Temer

Na reunião com a equipe que atuou na campanha e vai estar na transição, Jair Bolsonaro pediu a Onyx Lorenzoni (DEM) que promova uma contagem dos votos com os quais poderá contar caso decida pôr em marcha o plano de votar ainda neste ano a proposta de reforma da Previdência de Michel Temer. Aliados do presidente eleito negam que haja ruídos entre o futuro ocupante da Casa Civil e o czar da área econômica, Paulo Guedes.

PRÓXIMO ROUND

Márcio França deve disputar Prefeitura de São Paulo

O bom desempenho na disputa do 2.º turno para o governo de São Paulo, que o tirou da condição de governador-tampão desconhecido para a quase vitória, deve selar a candidatura de Márcio França (PSB) à Prefeitura de São Paulo em 2020. Para ter espaço a partir do qual fazer política e não cair no esquecimento, França está sendo lançado por aliados para a presidência nacional do PSB, com a missão de fazer a ponte entre a bancada e os governos da sigla.


El País: Teste para as instituições às vésperas do voto, batidas nas universidades alarmam o STF

Ministros e procuradora-geral demonstram alarme com medidas das autoridades eleitorais que retiraram faixas "contra o fascismo" e interromperam aulas considerando haver propaganda política irregular. Especialistas apontam violação de liberdades

As ações ordenadas por Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) para fiscalizar supostos casos de campanha irregular em ao menos 35 universidades no país desencadearam uma dura reação da cúpula do sistema de Justiça, num embate institucional que acirra os ânimos às vésperas da eleição presidencial mais polarizada da história recente. Integrantes do Supremo Tribunal Federal, incluindo o presidente Antonio Dias Toffoli, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, condenaram, com mais ou menos ênfase, as batidas nos campi, dizendo que as ações, que chegaram a interromper aulas e retiraram frases "contra o fascismo" sem referência direta a candidatos, podem ter desrespeitado os princípios da liberdade acadêmica e de expressão.

Dodge entrou com um pedido de liminar no Supremo para garantir tanto a liberdade acadêmica como de reunião dos estudantes. Para a procuradora-geral, as ações dos TREs "abstraíram desenganadamente os limites de fiscalização de lisura do processo eleitoral e afrontaram os preceitos fundamentais" da Constituição. O (TSE), responsável por supervisionar o processo eleitoral, teve uma reação inusual e enérgica: em nota, disse que vai coibir "eventuais excessos" e que "a atuação do poder de polícia —que compete única e exclusivamente à Justiça Eleitoral— há de se fazer com respeito aos princípios regentes do Estado Democrático de Direito". A corregedoria da instituição abrirá procedimentos para analisar as decisões localizadas e deve esclarecer se houve coordenação entre elas ou não.

As batidas em série, que afetaram especialmente as manifestações contra o fascismo lidas como referência ao candidato ultradireitista Jair Bolsonaro (opositores e alguns acadêmicos veem em seu discurso traços fascistóides), provocaram uma onda de mal-estar. "Diversos atores do sistema de Justiça tiveram a compreensão de que não havia propaganda eleitoral e de que os atos estão ou estavam no campo da liberdade de expressão e de cátedra, como fica claro na ação da PGR", disse ao EL PAÍS a subprocuradora-geral da República, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen.

O desconforto ficou evidente nas declarações de vários ministros do Supremo. As ações acabaram por simular uma espécie de primeiro "teste de estresse" democrático para a instituições num país que pode eleger um candidato de extrema direita no domingo. Poderia a polarização política ter contaminado também os integrantes das principais instituições? Se sim, até que ponto?

Nesta sexta, a Folha de S. Paulo destacava que o juiz eleitoral Rubens Witzel Filho, autor da proibição da aula pública sobre o fascismo na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), no Mato Grosso do Sul, critica frequentemente o PT em suas redes sociais, por exemplo. No entanto, dois policiais federais, dois procuradores e um juiz ouvidos pela reportagem –em condição de anonimato– disseram ao EL PAÍS não ver um componente político claro nas operações em massa contra atos em universidades públicas, ainda que avaliem que boa parte dos membros de suas instituições atualmente demonstrem simpatia pela candidatura de extrema direita.

Inconsistências

Foram registrados ações de policiais que impediram a realização de aulas ou que retiraram faixas ou cartazes em pelo menos 35 instituições públicas federais em todo o Brasil. No Rio de Janeiro, por exemplo, uma decisão judicial determinou que fosse retirada da fachada da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense uma faixa com os dizeres "Direito UFF Antifascista". O juiz que assinou a ordem afirma que a faixa traz conteúdo negativo a Bolsonaro. Na Paraíba, policiais federais foram à sede da Associação dos Docentes da Universidade Federal da Campina Grande para cumprir um mandado que determinava o recolhimento de exemplares de um "Manifesto em defesa da democracia e da universidade pública", bem como suposto material de campanha em favor de Fernando Haddad, candidato pelo PT ao Palácio do Planalto.

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, considera que as ações registradas nas faculdades violam o princípio de autonomia das universidades. "Elas [as universidades] são contempladas por um artigo constitucional no sentido do pleno gozo de sua autonomia didático-científica, administrativa e financeira", afirmou Ayres Britto à reportagem. "Num contexto normativo que as tornam um típico espaço de elaboração e manifestação do pensamento crítico. Por lógico desdobramento são detentoras da mais ampla liberdade de expressão".

Há outras inconsistências nos mandados expedidos pelos tribunais regionais, alertam especialistas. Para Roberta Maia Gresta, professora de Direito Eleitoral da PUC Minas, embora a lei eleitoral proíba que se realize campanha dentro das universidades públicas e privadas no país, a Justiça eleitoral não pode confundir manifestações políticas nesses espaços com propaganda de candidatos.

"A partir do momento em que não há menção específica a um partido ou candidato, torna-se delineado um risco, no sentido de que os atos que foram cerceados não correspondem a proibições da legislação", diz a professora. Ela cita como exemplo a retirada da faixa da Universidade Federal Fluminense: "A nossa Constituição é por si só antifascista. Manifestações que apenas endossem uma conduta antifascista nada mais fazem do que atuar nas diretrizes constitucionais", diz.

Alberto Rollo, professor de direito eleitoral do Mackenzie, tem opinião parecida. Se não há vinculação direta com um candidato ou partido, não pode-se falar em campanha irregular. "Se tem uma faixa lá contra o fascismo, não há conotação eleitoral. Se isso aconteceu só porque estava [escrito] 'não ao fascismo', me parece um abuso, um excesso de zelo. Se houver a vinculação a um candidato específico, como o Bolsonaro, aí não pode", afirma.

Tanto Roberta Gresta, da PUC Minas, quanto Cristiano Vilela, especialista em direito eleitoral, apontam ainda que o alcance dessas ações em diferentes universidades representa um caso "inédito" no país. “São decisões que ferem os princípios constitucionais mais valiosos”, ponderou Vilela.


El País: Repúdio do STF à ameaça de filho de Bolsonaro tenta marcar limite na eleição

Ministros da maior Corte do país e representantes de magistrados se queixam de filho de presidenciável, mas presidente do STJ não vê gravidade no discurso

Ataque à democracia. Discurso golpista. Sinais de crime. Assim reagiram alguns dos ministros do Supremo Tribunal Federal à fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro(PSL-SP) em que sugeriu que a mais alta corte do país poderia ser fechada por “um soldado e um cabo”. Eduardo é filho do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) e foi reeleito como o deputado mais votado do país, com 1,8 milhão de votos. O forte repúdio às declarações por parte de integrantes do Supremo e de outras personalidades, como ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, obrigaram tanto o parlamentar quanto o candidato à Presidência a se retratarem. Foi mais um episódio de idas e vindas na cúpula bolsonarista em relação a declarações autoritárias –depois de prometer "varrer do mapa bandidos vermelhos", Bolsonaro disse nesta segunda respeitar a oposição–  e traz à tona o debate sobre os limites que as instituições podem impor à retórica usada por integrantes da campanha de extrema direita.

José Antônio Dias Toffoli, presidente do STF, foi um dos que cobrou respeito pela corte e pelo regime democrático após as declarações de Eduardo Bolsonaro. “Não há democracia sem um Poder Judiciário independente e autônomo. O país conta com instituições sólidas e todas as autoridades devem respeitar a Constituição. Atacar o Poder Judiciário é atacar a democracia”. Mas a reação mais forte já havia surgido antes na nota que o decano do STF, Celso de Mello, enviou ao jornal Folha de S. Paulo. Disse ele: “Essa declaração, além de inconsequente e golpista, mostra bem o tipo (irresponsável) de parlamentar cuja atuação no Congresso Nacional, mantida essa inaceitável visão autoritária, só comprometerá a integridade da ordem democrática e o respeito indeclinável que se deve ter pela supremacia da Constituição da República!!!! Votações expressivas do eleitorado não legitimam investidas contra a ordem político-jurídica fundada no texto da Constituição!”.

Eduardo Bolsonaro 1720

@BolsonaroSP

Já imaginou milhares de pessoas nas ruas pedindo a volta do STF ou clamando pelo retorno de um ministro do STF que sofreu um impeachment?

“Estas afirmações merecem, por parte da Procuradoria-Geral da República, imediata abertura de investigação porque, em pese se deva analisar o contexto da declaração, isso é crime da Lei de Segurança Nacional, artigo 23 inciso III, incitar a animosidade entre as Forças Armadas e instituições civis. Isso é crime previsto na Lei de Segurança Nacional”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes durante um evento em São Paulo. O ministro Marco Aurélio Mello, também do STF, disse ao jornal O Estado de S. Paulo que nos deparamos com “tempos estranhos” e o conteúdo da declaração denota que “não se tem respeito pelas instituições pátrias”.

Série de desculpas

Com a repercussão negativa de sua fala, o próprio Eduardo tentou minimizá-la e pediu desculpas. “Se fui infeliz e atingi alguém, tranquilamente peço desculpas e digo que não era a minha intenção", declarou em seu perfil das redes sociais. Mais cedo, seu pai, que lidera as pesquisas eleitorais com ampla vantagem sobre Fernando Haddad (PT), disse que “se alguém falou em fechar o STF, precisa consultar um psiquiatra”. E, nesta segunda-feira, em entrevista ao SBT, Jair Bolsonaro disse que já chamou a atenção de seu herdeiro. “Eu já adverti o garoto, o meu filho, a responsabilidade é dele. Ele já se desculpou”. Também repetiu algo semelhante à TV Record e ao Jornal Nacional, da TV Globo - o candidato, que se recupera do atentado a faca, não tem sofrido com o recolhimento na campanha, já que os principais canais fazem minientrevistas exclusivas diárias com ele. Para completar, Bolsonaro ainda mandou uma nota ao decano Celso de Mello.

Essa série de pedidos de desculpas, contudo, também foi alvo de queixas entre os ministros do STF. “Não é possível que simplesmente se afirme isso e diga-se que estava brincando. Não se brinca com democracia, com o Estado de direito, com a estabilidade republicana”, reclamou Alexandre de Moraes.

Entre os representantes de classe, também houve duras reações. A Associação dos Juízes Federais afirmou que espera “dos candidatos e integrantes das campanhas, no mínimo, mais equilíbrio, serenidade e uma postura de respeito institucional. Não há caminho possível fora da democracia e da ordem constitucional”. Enquanto que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) disse que a fala reflete inconformismos momentâneos que não devem afetar o Judiciário. “O Brasil vive uma democracia plena, as instituições estão consolidadas, essas falas não têm o condão de abalar as estruturas, que são muito fortes”, afirmou a presidente em exercício da entidade, a juíza Renata Gil.

O discurso da AMB é semelhante ao da ministra do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Rosa Weber, segundo ela, nenhum juiz se abalará pela fala de Eduardo Bolsonaro. A ministra Rosa Weber, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), disse que a magistratura se mantém firme. “No Brasil, as instituições estão funcionando normalmente. E juiz algum no país, juízes todos no Brasil [que] honram a toga, se deixa abalar por qualquer manifestação que eventualmente possa ser compreendida como conteúdo inadequado”.

A Procuradoria-Geral da República não se manifestou até a conclusão desta reportagem. Os opositores da família Bolsonaro aproveitaram as reações negativas para criticar o presidenciável. O dia também registrou raras notícias positivas para Haddad, com a declaração de apoio de Marina Silva (REDE) e com aproximações com Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati, do PSDB.  Na prática, porém, apenas o partido esquerdista PSOL agiu contra Eduardo Bolsonaro. Os advogados da sigla apresentaram um pedido formal de investigação contra o deputado Eduardo pelos crimes de ameaça e atentado contra a divisão de poderes.

“A declarações são gravíssimas por si só. Fossem elas meras bravatas de um deputado federal já seriam sérias e preocupantes. Mas, colocadas no contexto da eleição presidencial e da reiteração de declarações deste jaez pelo candidato à presidência, por membros da chapa e por coordenadores de campanha, as referências do declarante ganham o contorno preocupante e supostamente criminoso de atentado ou ameaça ao estado de direito e à democracia”, disse Juliano Medeiros, presidente do PSOL, no documento que pede a investigação.

Uma das poucas autoridades que não viu gravidade na fala do parlamentar foi o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha. “Nitidamente não vi nenhuma intenção de ameaça. Estão exagerando na dimensão do que ele falou. Ele respondeu a uma pergunta: 'e se o Supremo não deixar alguém legitimamente eleito assumir?' O Supremo não faria isso”, disse à Agência Brasil após um evento no Rio de Janeiro. Antes de presidir o STJ, Noronha foi o corregedor-geral do Conselho Nacional de Justiça e decidiu, no ano passado, dar andamento aos processos disciplinares apenas contra os magistrados que se manifestaram contrários ao impeachment de Dilma Rousseff (PT), mas não aos que foram favoráveis à queda dela.


O Estado de S. Paulo: Primeira Turma entende que restrição do foro também se aplica a ministros de Estado

Entendimento foi firmado pelos ministros em julgamento que decidiu enviar para a primeira instância da Justiça inquérito contra o ministro da Agricultura e senador licenciado Blairo Maggi

Por Amanda Pupo e Rafael Moraes Moura, de O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta terça-feira (12), entendeu que a restrição do foro por prerrogativa também vale para ministros de Estado, julgados pela Suprema Corte. O entendimento foi firmado ao decidirem enviar para a primeira instância da Justiça inquérito contra o ministro da Agricultura e senador licenciado Blairo Maggi, a partir de uma questão de ordem apresentada pelo ministro Luiz Fux.

Blairo e Sérgio Ricardo de Almeida, que é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso, foram denunciados por supostos crimes cometidos enquanto os dois ocupavam, respectivamente, os cargos governador e deputado estadual. “O elemento persuasivo não decorre das partes, mas dos elementos crimes cometidos no cargo em razão do cargo. Não cabe cogitar manter (o inquérito no STF) uma vez que hoje o senador e ministro de estado não praticou crimes em razão dos cargos”, afirmou Fux, aplicando o entendimento definido pelo plenário no início de maio, quando restringiram o foro para parlamentares federais.

No caso analisado hoje, a restrição também se estendeu ao caso de conselheiros de tribunal de contas de Estados, que são julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

“A razão de decidir do julgamento (da questão de ordem que restringiu o foro para parlamentares federais) se aplica indistintamente em relação a qualquer hipótese de prerrogativa de função”, também disse Fux, enviando a denúncia para a Justiça Estadual do Mato Grosso, acompanhado por Rosa, Barroso e Marco Aurélio.

Como o caso foi decidido na Primeira Turma, e não no plenário, e com a particularidade de Maggi ser senador licenciado, é possível que o plenário da Corte ainda tenha que se manifestar sobre os outros casos de ministros de Estado investigados no STF.

Conselheiro. No julgamento, ficou vencido o ministro Alexandre de Moraes, que entendeu que ainda não há previsão de restrição do foro para o caso de conselheiros de tribunal de contas de estado. Ao falar sobre a questão, Barroso avaliou que o STF iria se pronunciar caso a caso, oportunidade que surgiu durante a sessão da Primeira Turma.

“Nós nos pronunciamos apenas sobre parlamentares, e ficou subentendido que analisaríamos as outras hipóteses na medida em que surgissem os outros casos, como aconteceu agora com o conselheiro de tribunal de contas de estado”, afirmou Barroso.

Os ministros acabaram acompanhando o entendimento da Procuradoria-geral da República (PGR), que durante a sessão se manifestou para que o inquérito fosse encaminhado para a primeira instância da justiça.

COM A PALAVRA, FÁBIO MEDINA, QUE DEFENDE BLAIRO

“O ministro Blairo já havia decidido há muito tempo largar a vida política. E defende o fim da prerrogativa de foro. Logo, entende que nenhuma autoridade neste país deve gozar desse privilégio. Nem mesmo os juízes. Aceita com total tranquilidade a decisão do STF e as questões técnicas estão a cargo de seus advogados”.

 

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/primeira-turma-entende-que-restricao-do-foro-tambem-se-aplica-a-ministros-de-estado/


O Globo: STF mandará a outras instâncias 29 inquéritos ligados à Odebrecht

Toffoli já enviou 7 processos para cortes inferiores, após mudança no foro

Por André de Souza e Eduardo Bresciani, de O Globo

BRASÍLIA — Dos 74 inquéritos da delação da Odebrecht abertos no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar parlamentares, ao menos 29 deverão ser enviados para outras instâncias. Isso porque eles tratam de crimes sem relação com o mandato dos congressistas investigados. A redistribuição de processos é consequência do julgamento do STF que definiu, na quinta-feira, restringir o foro privilegiado para deputados e senadores. Até a edição da nova regra, todo crime relacionado a parlamentares federais era obrigatoriamente analisado pela mais alta Corte do país.

Ontem, o ministro Dias Toffoli mandou para instâncias inferiores seis ações penais e um inquérito envolvendo sete deputados. Em todos os casos, os supostos crimes ocorreram antes do mandato ou não têm relação com o exercício do cargo. Toffoli determinou o envio de processos de crimes supostamente cometidos por parlamentares quando eles ocupavam, por exemplo, cargos de prefeito e deputado estadual.

O envio dos processos para outras instâncias não será automático. Vai depender da análise, caso a caso, de cada ministro encarregado de relatar processos contra congressistas no Supremo. Dos 74 casos analisados pelo GLOBO, sete devem continuar no tribunal. Eles dizem respeito à atividade parlamentar, como a atuação de deputados e senadores pela aprovação de projetos de interesse da Odebrecht. Há ainda 38 inquéritos restantes que levantam dúvidas: dependendo da avaliação particular de cada ministro, podem ou não permanecer na Corte.

As ações penais dos deputados federais Takayama (PSC-PR) e Helder Salomão (PT-ES) foram enviadas respectivamente para a primeira instância em Curitiba e Cariacica (ES). Mas as constituições paranaense e capixaba dizem que cabe ao Tribunal de Justiça (TJ) local julgar crime de deputados estaduais e prefeitos. Assim, ao não enviar os processos para o TJ, Toffoli indicou que tudo deverá ser encaminhado para a primeira instância, mesmo que o investigado ou réu tenha passado por um cargo que garanta foro em alguma corte. Toffoli também mandou ações penais dos deputados Alberto Fraga (DEM-DF), Roberto Góes (PDT-AP), Marcos Reategui (PSD-AP) e Cícero Almeida (PHS-AL) para a primeira instância, assim como o inquérito contra o deputado Wladimir Costa (SD-PA).

No julgamento do STF, prevaleceu a proposta do ministro Luís Roberto Barroso: manter no tribunal apenas os processos de parlamentares abertos em decorrência de crimes cometidos durante o mandato e, ainda assim, se tiverem relação direta com o exercício da função. O próprio Barroso, no entanto, reconheceu que em alguns casos será difícil definir se essa relação existe ou não. Ele disse não haver decisão sobre o que ocorre, por exemplo, com deputados e senadores que cometeram crimes em mandatos anteriores e foram reeleitos. Há vários inquéritos da Odebrecht nessa situação.

VÁRIOS PARTIDOS

Os 29 inquéritos da Odebrecht que devem ser mandados para outras instâncias investigam parlamentares de vários partidos: DEM, PCdoB, PMDB, PP, PR, PRB, PSD, PSDB, PT e SD. Dois deles apuram irregularidades envolvendo o senador Aécio Neves (PSDB-MG) quando não era parlamentar. Um investiga, por exemplo, se houve pagamento de propina ao tucano por contratos da obra da Cidade Administrativa, quando Aécio era governador de Minas Gerais.

O senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE) também tem dois inquéritos que devem descer para a primeira instância. Eles tratam de crimes que teriam ocorrido em 2008 e 2010, quando não era parlamentar.

Alguns casos não devem ir para a primeira instância, mas para outros tribunais, porque envolvem outras pessoas com foro. Há um inquérito, por exemplo, aberto para investigar o senador Jorge Viana (PT-AC) e seu irmão, o governador Tião Viana (PT-AC). Sem foro para o parlamentar, vai prevalecer a regra de que cabe ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisar processos envolvendo governadores. A decisão do STF atingiu apenas senadores e deputados federais, mas não outras autoridades.

Eles tratam da atuação de parlamentares como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), os senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Renan Calheiros (PMDB-AL). Delatores da Odebrecht disseram ter feito pagamentos a ele em troca de sua ajuda no Congresso, onde havia projetos de interesse da empresa.

Dos cinco inquéritos da Odebrecht que investigam Jucá, por exemplo, quatro devem ficar no STF. Isso inclui um em que a Primeira Turma do STF aceitou denúncia, transformando Jucá em réu. O quinto é um caso em que há dúvida porque trata de supostas irregularidades de 2008, quando ele já era senador, mas em mandato anterior ao atual.

Assim como Jucá, há outros parlamentares nessa mesma situação. É o caso, por exemplo, do senador Fernando Collor (PTC-AL) e de outro processo de Rodrigo Maia. Outros processos que geram dúvidas tratam de pagamento de caixa dois em campanha pela reeleição, como um inquérito do ex-presidente da Câmara Marco Maia (PT-RS).

Dos 80 inquéritos em curso no STF, com base na delação da Odebrecht, seis não dizem respeito a parlamentares. Um investiga um suplente que já exerceu o cargo de deputado, mas ainda não foi enviado para outra instância. É apenas questão de tempo para que isso ocorra. Outros cinco apuram o envolvimento de ministros em irregularidades. Pela decisão do STF, que abrange apenas deputados e senadores, esses casos continuam na Corte.


Merval Pereira: Mais uma tentativa

Começou ontem mais uma ação da defesa do ex-presidente Lula para livrá-lo da cadeia, onde já está há um mês. Os ministros votam, no plenário virtual da Segunda Turma, uma reclamação contra a ordem de prisão que já foi negada pelo ministro Edson Fachin. O agravo regimental questiona determinação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) ao juiz Sergio Moro para decretar a prisão do ex-presidente.

Os advogados de Lula alegam que havia recursos pendentes para análise no TRF-4 e, portanto, a decisão de reclusão foi ilegal, pois contrariaria a tese do Supremo no julgamento de 2016, que fixou a execução provisória da pena após finalizado o processo de condenação em segunda instância.

A defesa se refere aos embargos de declaração e aos “embargos dos embargos”, estes considerados meramente protelatórios, e que nunca são levados em conta pelos desembargadores do TRF-4, por não terem efeito suspensivo.

Criado em 2007 para dar celeridade à Justiça, o plenário virtual usualmente trata de questões sem grande significação, em que já existe uma decisão pacificada pelo Supremo. Não há debate entre ministros, nem sustentações dos advogados, e o conteúdo dos votos só é conhecido após a publicação do acórdão com a decisão final.

Os ministros terão até 10 de maio, próxima quinta-feira, para votar. Os integrantes da Segunda Turma são os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Celso de Mello e, no plenário virtual, não são obrigados a votar. Quem não se pronunciar estará automaticamente apoiando o voto do relator, que já foi apresentado.

Embora não se conheça seu teor, é presumível que sua posição seja a mesma já revelada: contra o agravo dos advogados de Lula, Fachin deve alegar que o recurso está superado porque o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) já julgou e rejeitou os novos recursos do ex-presidente e a instância está exaurida.

Se algum ministro divergir, pode pedir vista e solicitar que o julgamento ocorra no plenário presencial da Corte. Caso isso ocorra, não há prazo para a retomada do julgamento.

A grande discussão nos bastidores do STF é sobre os motivos do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, ter levado o agravo ao plenário virtual, evitando o presencial. A explicação mais plausível é que ele quis dar liberdade aos ministros que votaram a favor do habeas-corpus do presidente Lula, que ficaram em minoria no plenário do STF, mas têm a maioria na Segunda Turma. E indicando também que o assunto já está pacificado no Supremo.

Recentemente, o STF negou habeas corpus ao ex-presidente Lula em decisão tomada por 6 votos a 5, abrindo caminho para que o juiz Sergio Moro seguisse a determinação do TRF-4 de dar início ao cumprimento da pena, mesmo antes de encerrados todos os recursos, pois nenhum deles tem efeito suspensivo, não podendo alterar, portanto, o acórdão do julgamento do TRF-4 que condenou Lula em segunda instância. É improvável juridicamente, portanto, que a Segunda Turma resolva rever uma decisão que foi tomada por maioria no plenário do Supremo Tribunal Federal. Engano Recentemente, cometi um engano em uma coluna em que me referia às últimas tentativas do MDB, depois PMDB, de eleger candidatos à Presidência da República. Na verdade, em 1989, o deputado Ulysses Guimarães, saído da Constituinte como o protagonista da cena política brasileira, chegou em sétimo lugar, mas não atrás de Enéas, que chegou em 14º. Quem foi suplantado por Enéas foi Orestes Quércia, em 1994.


O Globo: Veja o destino de alguns casos que hoje estão no STF, após restrição da prerrogativa

Foro privilegiado: Veja o que acontece com os processos de Aécio, Bolsonaro e outros políticos 

BRASÍLIA — O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na quinta-feira restringir o foro privilegiado para deputados e senadores. Agora, só serão processados na Corte os congressistas investigados por fatos relacionados ao mandato, cometidos durante o exercício do cargo. A decisão, tomada com os votos de sete dos 11 ministros do tribunal, vai provocar a transferência de inquéritos e ações penais para a primeira instância do Judiciário.

Ainda não há um levantamento de quantos processos serão afetados, até porque muitas situações, segundo o próprio autor da proposta, o ministro Luís Roberto Barroso, continuam em aberto. Ele reconheceu que em alguns casos será difícil definir se o crime cometido durante o mandato tem ou não relação com o exercício do cargo. Entre os 21 inquéritos com denúncia e ações penais que integram a Lava-Jato e seus desdobramentos no STF, dez devem permanecer na Corte, dez geram dúvidas sobre qual será seu destino e apenas um deve ser baixado.

Veja aqui o futuro de alguns processos e inquéritos de senadores e deputados que tramitam hoje no STF:

DESCEM PARA A 1ª INSTÂNCIA

Aécio Neves

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A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia retoma o julgamento sobre a restrição ao foro STF reduz foro privilegiado para deputados e senadores
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), no plenário da Câmara, durante sessãoMaia determina instalação de comissão para analisar proposta que restringe foro também no Judiciário
Ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli negou pedido de habeas corpus feito pela defesa de Erton Medeiros Fonseca, executivo da Galvão EngenhariaToffoli altera voto para estender decisão sobre foro para além de parlamentares
O plenário da Câmara dos DeputadosDelação da Odebrecht: saiba quais são os políticos investigados no Supremo que têm foro
Em um dos nove processos a que responde no Supremo, o senador tucano é investigado por ter recebido da Odebrecht propina de R$ 5,2 milhões na construção da Cidade Administrativa, quando era governador de Minas Gerais (2003-2010). Pela tese aprovada no STF, o inquérito deixa a Corte e vai para a primeira instância.

Fernando Bezerra

O senador foi denunciado pela PGR pelo recebimento de R$ 41,5 milhões de propina de empreiteiras que executaram obras na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. À época, ele ocupava cargos no governo estadual. Caberá a Edson Fachin mandar o processo para a primeira instância, como defende a proposta de redução do foro, ou para o TJ.

FICAM NO STF

Quadrilhão do PMDB

Em setembro de 2017, a PGR denunciou um grupo de senadores do PMDB, acusando-os de participar de uma organização criminosa que deviou dinheiro dos cofres públicos. Os alvos foram Edison Lobão (MA), Jader Barbalho (PA), Renan Calheiros (AL), Romero Jucá (RR) e Valdir Raupp (RO). Segundo a denúncia, a atuação criminosa deles é até os "dias atuais", ou seja, já durante o exercício atual do mandato.

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Romero Jucá

O senador é réu no STF por ter recebido R$ 150 mil da Odebrecht em doação eleitoral, em 2014. Em troca, teria usado o mandato para apresentar emendas em projetos que favoreceram a empreiteira. Como o caso é relativo ao mandato, seria mantido no Supremo mesmo com a alteração na regra. Ele é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

DÚVIDA

Quadrilhão do PP

A PGR denunciou um grupo de parlamentares do PP por atuação na organização criminosa investigada na Lava-Jato que desviou dinheiro dos cofres públicos. O grupo, que inclui o presidente do partido, senador Ciro Nogueira (foto), teria atuado até 2014, antes do mandato atual. Casos ocorridos em mandatos anteriores são uma questão em aberto.

Jair Bolsonaro

O deputado responde a processo por ter afirmado, em 2014, que sua colega Maria do Rosário não servia para ser estuprada por ser feia. Sua defesa afirma que sua declaração está protegida pela imunidade parlamentar. Caberá ao Supremo decidir se o caso tem relação com a função e como fica a situação pelo fato ter ocorrido no mandato anterior.

 


El País: STF restringe foro de parlamentares, mas não se manifesta sobre outras 54.400 autoridades

Em decisão unânime, Supremo entendeu que deputados e senadores só podem ser julgados por delitos cometidos durante o mandato ou em função dele

Por Afonso Benites, do El País

O Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quinta-feira restringir a prerrogativa de foro privilegiado aos 594 deputados federais e senadores brasileiros. A decisão, tomada por unanimidade, excluiu outras 54.400 autoridades que têm a prerrogativa de serem julgadas por tribunais, ao invés de terem seus casos analisados em primeira instância. Os ministros decidiram sobre um processo envolvendo um ex-deputado federal do Rio de Janeiro e, por essa razão, entenderam que não era o momento de se debruçar sobre os privilegiados que não são congressistas.

Entre os que ainda permanecem com foro privilegiado nas esferas estadual ou federal estão presidente e vice-presidente da República, ministros de Estado, juízes, membros do Ministério Público, deputados estaduais, governadores, prefeitos, comandantes das Forças Armadas, entre outros.

Apesar de não estar oficialmente em debate, a ampliação da restrição do foro foi discutida intensamente entre os magistrados nas últimas duas sessões do plenário, na quarta e na quinta-feira. “Não dá para fazer distinção. Por que parlamentar não terá mais foro, mas promotor de Justiça que fez concurso público terá? Se isso valerá para deputado, valerá para juízes e comandante do Exército?”, questionou o ministro Gilmar Mendes o último a votar.

Em maio do ano passado, os senadores aprovaram uma proposta de emenda constitucional (PEC) que reduzia a prerrogativa de foro apenas ao presidente e vice-presidente da República, aos presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado e da Câmara dos Deputados. Todos os demais, em caso de cometimento de crimes, seriam julgados por um juiz de primeira instância. A PEC não foi analisada pelos deputados e não a será neste ano porque, com a intervenção federal do Rio de Janeiro, nenhuma alteração constitucional pode ser feita. “Talvez provocado por nós, o Congresso aprovou uma tábua rasa de todas as considerações feitas na Constituição de 1988”, criticou o ministro Ricardo Lewandovski.

A decisão desagradou até deputados que defendem o fim do foro privilegiado, como Daniel Vilela (MDB-GO), presidente da Comissão de Constituição e Justiça. “Tem que ser para todo mundo. Senão, faremos uma carta para os privilegiados. E a ideia é justamente o contrário”, reclamou.

Independentemente das críticas dos magistrados e de parte dos legisladores, a partir de agora os parlamentares só responderão aos crimes no STF caso tenham cometido o delito durante o mandato. Por exemplo, se um deputado empossado em 2019 estiver sendo processado por estelionato cometido em 2018, enquanto ainda não era parlamentar, ele será julgado no primeiro grau.

Apesar de os ministros terem sido unânimes nessa restrição do foro, houve divergências sobre um trecho do relatório do ministro Luís Roberto Barroso. O relator entendeu que os deputados federais e senadores só poderão responder a processos no Supremo caso tenham cometidos delitos relacionados à função. Esta tese prevaleceu pela votação de 6 a 5. Um caso hipotético: um congressista pode ser julgado no STF caso tenha recebido propina para aprovar um projeto de lei. No caso de cometer delitos considerados “comuns”, como o de ter se envolvido em um acidente de trânsito, responderá na primeira instância. Até a data do julgamento, todos os delitos envolvendo deputados e senadores eram julgados na Corte suprema.

“Lenda urbana”
Um dos principais críticos desse trecho do relatório de Barroso foi o ministro Dias Toffoli. Ele refutou a tese de que a prerrogativa de foro seja um benefício aos legisladores. “Não se trata, ao meu ver, uma questão de privilégio. Pelo contrário. Os que detêm a prerrogativa tem diminuídos as instâncias recursais e a redução da possibilidade de prescrição, já que o trânsito em julgado cabe ao Supremo”.

Em seu voto, Toffoli quis acabar com o que ele chamou de “lenda urbana”, que é o senso comum de que o Judiciário era conivente com o crime de corrupção. Segundo ele, apenas em 2001, após uma mudança legislativa, o STF teve condições de julgar diretamente os deputados e senadores. Antes, para qualquer processo tramitar na Corte era necessária a aprovação dos próprios legisladores, algo que jamais ocorrera.

Um levantamento feito junto ao STF mostra que entre 2002 e abril de 2018, entraram na casa 661 ações penais contra políticos. Em uma pesquisa menos ampla, que analisou o período entre 2006 e 2016, uma equipe do projeto Supremo em Números, da Fundação Getúlio Vargas, constatou que 95% dos casos envolvendo esses políticos com foro poderiam ser julgados em primeira instância, se a regra aprovada nesta quinta-feira já estivesse em vigor.

A mesma pesquisa da FGV concluiu também que, caso os processos desses políticos tramitassem em primeira instância, sua conclusão seria mais célere e as chances de prescrição dos crimes seriam menores. Em média, uma denúncia é analisada pelo STF em 591 dias, quando na primeira instância o prazo é de uma semana.

Ainda que o foro tenha sido restringido, nenhum dos casos que hoje tramitam no judiciário seguirá automaticamente para o juiz de primeiro grau. Cada processo será analisado individualmente.


El País: “Não se pode permitir que o Judiciário escolha quem governa e quem pode ser eleito”, diz Eloísa Machado

Para advogada especialista em estudos sobre o Supremo, o STF tem pautado cada vez mais as eleições presidenciais

Por Marina Rossi, do El País

Na última terça-feira, o Supremo Tribunal Federal decidiu retirar das mãos do juiz Sérgio Moro parte das delações da Odebrecht que citam o ex-presidente Lula no caso do sítio de Atibaia. Dois dias depois, Moro desafiou o Supremo, decidindo que a ação deveria permanecer em Curitiba. Para Eloísa Machado de Almeida, especialista em Direitos Humanos e uma das coordenadoras do Supremo em Pauta, é difícil saber o que as decisões, tanto do Supremo, quanto de Moro, podem significar em termos práticos. Mas ela arrisca dizer que o juiz de Curitiba está "inaugurando uma queda de braço" com o STF. "Imagino que muito em breve teremos um novo pronunciamento do Supremo sobre isso", disse, em entrevista ao EL PAÍS.

A especialista também fala sobre os diferentes tratamentos da Justiça diante dos réus políticos. Isso porque, na mesma terça-feira, em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça dava mais passo para a lenta caminhada da condenação do ex-governador mineiro ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo. Por um placar apertado – três a dois – os desembargadores rejeitaram os embargos da defesa de Azeredo e mantiveram a pena de 20 anos de prisão pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro no caso conhecido como mensalão tucano. "O grande desafio que está colocado é a capacidade da Lava Jato ir além de Lula", diz. "Mas que não se trata do mesmo tratamento [entre um político e outro], isso é evidente".

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Pergunta. O que essa decisão mais recente da segunda turma do Supremo, de tirar das mãos de Moro parte das delações que envolvem o processo do sítio de Atibaia, significa?
Resposta. O Moro já decidiu que não vai enviar este caso para a Justiça de São Paulo.

P. Mas ele pode fazer isso?
R. Eu acho que ele está inaugurando uma queda de braço com o Supremo. O que ele diz é que o acórdão sequer foi publicado, o que é verdade, e que não há uma referência direta sobre quais partes do processo devem ser remetidas a São Paulo. Ou seja, Moro está resistindo a essa decisão. Por isso acho que muito em breve teremos um novo pronunciamento do Supremo sobre isso. Talvez explicando quais fatos relativos ao processo de Atibaia não têm conexão com a Petrobras, justificando assim a decisão de tirar da Lava Jato.

P. Na mesma terça-feira, a Justiça de Minas Gerais deu mais um passo para a condenação de Eduardo Azeredo. O processo é sobre um crime que teria ocorrido há 20 anos. Diante de um julgamento que ocorreu em tempo recorde, o do ex-presidente Lula, há dois pesos e duas medidas?
R. O grande desafio que está colocado é a capacidade de a Lava Jato ir além de Lula. Alguns movimentos ocorreram logo após a prisão dele, como o recebimento da denúncia contra Aécio Neves e agora essa nova etapa do caso de Azeredo. Mas não se trata do mesmo tratamento e isso é evidente. Principalmente quando falamos em prisão, porque estamos falando de um símbolo muito forte para uma pessoa que vive da imagem pública como Lula. Tem um efeito simbólico que vai para além da condenação. E até agora não houve nenhuma prisão de alguma figura no mesmo nível de Lula.

P. Nas eleições de 2014, elegemos um Congresso ultraconservador. Naquela época, o Supremo, era visto como uma espécie de boia de salvação no debate de pautas mais progressistas. Discussões como a da descriminalização do uso da maconha e do aborto avançavam na corte, enquanto emperravam na Câmara ou no Senado. De lá para cá as coisas mudaram? Como enxerga os últimos quatro anos de atuação do Supremo?
R. O Supremo mudou. Aquele Supremo que julgou pesquisas com células tronco e ações afirmativas, por exemplo, não é mais o mesmo. Houve uma mudança relevante de composição no tribunal e de fato, agora, o tribunal não tem conseguido avançar em grandes matérias referentes aos direitos humanos. Ainda que algumas matérias tenham sido votadas, como demarcação de terras quilombolas, o reconhecimento de união para pessoas de mesmo sexo, as cotas para negros nos concursos públicos. Houve uma série de algumas ações positivas em relação aos direitos humanos, mas a impressão que a gente tem é que esses casos foram julgados com bastante esforço, sobretudo a demarcação de terras quilombolas. Não foram casos fáceis de passar no Supremo. Havia resistência, foram sessões interrompidas. Não é mais um tribunal que tem na predominância da sua pauta ações de direitos humanos.

P. Isso é só porque a composição mudou? Ou tem outro fator relevante para ser levado em consideração?
R. Tem outras coisas. Um fator, claro, é a composição. Você muda a composição, muda o tribunal. E isso faz diferença. Há também uma agenda que se instalou no Supremo, talvez desde o mensalão, de combate à corrupção. E aí, de certa maneira, as duas grandes operações, o mensalão e a Lava Jato, acabaram por monopolizar ou deixar quase monopolizada a pauta do Supremo para esses temas. E desde 2014, também com a deflagração do processo de impeachment da Dilma, o que a gente vê é o Supremo Tribunal Federal no centro da crise institucional brasileira, não necessariamente ajudando a resolver essa crise, e trazendo questões como por exemplo o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, afastamento de presidente do Senado, ou sobre prisão em flagrante de senador, suspensão de exercício de mandato de senador, prisão em segunda instância... Ou seja, o STF de 2014 para cá é o STF do impeachment, da Operação Lava Jato e o STF que marcou uma nova forma de relação com os demais poderes, impondo o que eu tenho chamado de uma agenda de moralização da política. Ainda que você possa ter, e claro, como tem, a relevância da descoberta de alguns casos de corrupção, o tribunal de certa maneira aproveitou a Operação Lava Jato para impor o que ele considera ser uma visão adequada de Justiça.

P. Você acha que o STF está funcionando como deveria funcionar?
R. Não, não está. Essa agenda de moralização da política é muito perniciosa para o ambiente democrático. Tribunais com agenda são bastante complicados em uma democracia e quando a gente analisa especificamente as ações, todas elas são ações tomadas em momentos de excepcionalidade, o que trouxe uma grande insegurança para o cenário jurídico. O exemplo mais recente, claro, é o da prisão em segunda instância, onde, por conta da excepcionalidade da Operação Lava Jato, se muda o entendimento, depois com votos contados se volta atrás, e em razão da excepcionalidade do caso do Lula não se revisita esse tema. Isso sem mencionar o poder enorme ao qual o Supremo se autoconferiu ao se permitir por exemplo suspender o exercício de mandato de deputados e senadores. Isso não é uma medida prevista na Constituição, foi uma medida adotada no caso do [ex-presidente da Câmara dos Deputados] Eduardo Cunha, agora novamente no caso do senador Aécio Neves [o Senado derrubou mais tarde a decisão do STF] e mostra o grau enorme de interferência do Supremo em relação ao sistema político. Claro, tem muita coisa na Operação Lava Jato que é um processo criminal, que é interpretação, que pode ser mais ou menos dura em relação ao crime de corrupção, que envolve caixa 1, caixa dois, toda essa jurisprudência mais ou menos pesada em relação a essa agenda de combate ao crime. Mas associada à Operação Lava Jato tem também uma proposta de moralização da política que no meu entender é bastante negativa.

P. Como esse superpoder do Supremo pode interferir nessas eleições?
R. Já está interferindo. Eu não tenho dúvida de que essas eleições estão pautadas talvez mais pelo Supremo Tribunal Federal do que pelo próprio sistema político. A gente tem um pré-candidato à presidência que teve seu caso julgado recentemente, que é o Lula, que teve seu caso julgado no Supremo e em razão disso foi preso e está cumprindo provisoriamente a sua pena. Outro pré-candidato à presidência da República muito bem colocado nas pesquisas, o Bolsonaro, já responde a um processo no Supremo, que é o crime de injúria contra a deputada Maria do Rosário [em 2014, Bolsonaro disse à deputada petista que não a "estupraria" porque ela "não merecia], e ele também pode ficar fora da disputa presidencial caso seja condenado, e tem uma nova denúncia agora apresentada pela Procuradoria Geral da República que ainda não foi julgada pelo Supremo [a PGR apresentou no último dia 13 uma denúncia contra Bolsonaro pelo crime de racismo. Em abril de 2017, o deputado disse em uma palestra que quilombolas "não servem nem para procriar"].

P. E são esses dois pré-candidatos que estão liderando as pesquisas.
R. Pois é. É evidente que tem uma relação muito grande do Supremo com as eleições. Há uma terceira figura relevante agora que é o Aécio Neves (PSDB) que se tornou réu. Além de outras várias decisões que mudaram drasticamente a maneira das eleições, como, por exemplo, a proibição do financiamento privado de campanha. São muitas decisões sobre o sistema eleitoral e essas decisões hoje, especificamente as que se referem à Operação Lava Jato, estão pautando o cenário eleitoral.

P. Isso poderia ser o reflexo de uma crise institucional?
R. Sem dúvida. Uma das coisas que foram reveladas durante esse processo é o grau de promiscuidade de parte da nossa classe política, mas isso não pode servir de pretexto para que o direito substitua a política. Claro, todos esses casos devem ser investigados e devidamente punidos, mas não se pode permitir que o judiciário escolha quem governa e quem pode ser eleito. Isso gera problemas muito grandes para a qualidade da nossa democracia. E o que a gente vê hoje é que de fato, com este grau de abrangência do Supremo e da Operação Lava Jato, tudo é decidido no âmbito do Judiciário.

P. E neste contexto, temos um ex-presidente do Supremo que nem lançou a sua pré-candidatura e já aparece nas pesquisas com 10% das intenções de voto. Como você enxerga a possível candidatura de Joaquim Barbosa?
R. Ele se tornou uma figura bastante popular em razão talvez desta postura bastante dura na ação penal 430, o mensalão. E isso não é só o caso de Joaquim Barbosa. Se a gente analisar o fenômeno que se desenvolveu em torno da figura de Sérgio Moro é algo muito parecido. E isso é um reflexo deste debate que eu estou trazendo: o judiciário tem uma agenda de moralização da política onde a política passa a ser vista como algo sujo, eminentemente corrupto, onde o próprio sistema presidencialista passa a ser acusado de algo criminoso, onde ações que não são criminosas, mas são políticas, passam a ser enxergadas como algo ruim. E aí tem a substituição da via da política por esses heróis do judiciário. Me parece que é um movimento natural dessa agenda que tem sido encampada pela Procuradoria Geral da República, pelo Ministério Público -e isso é importante que se diga- mas completamente abraçada pelo judiciário.

P. Qual balanço você faz sobre a alteração da jurisprudência para prisão em segunda instância?
R. Eu sou muito crítica a essa posição do Supremo. Primeiro porque a Constituição é bastante clara. Não bastasse a Constituição, há também o Código de Processo Penal que é ainda mais explícito em relação à possibilidade de prisão até o trânsito em julgado. O tribunal que ignora uma garantia que se tem da Constituição em nome de uma suposta necessidade de se realizar justiça é algo inadmissível. Além disso, o nosso sistema de justiça é seletivo. As pessoas pobres e negras são alvos preferenciais e isso faz com que as nossas prisões sejam lugares absolutamente desprovidos de qualquer condição humana de se manter uma pessoa ali. Portanto, não há nenhuma razão para se acreditar que essa medida tomada pelo Supremo também não será afetada pela seletividade. Permitir prisão em segunda instância, inclusive sem aguardar até o habeas corpus, é bastante preocupante. E é evidente que, sendo o nosso sistema de justiça seletivo, essa medida também será aplicada seletivamente.

P. Acha que essa alteração colaborou para superlotar os presídios ou reduzir a corrupção?
R. Não. A gente não pode afirmar que isso especificamente tenha gerado superlotação. A causa principal de superlotação nos presídios ainda está associada à prisão antes de qualquer sentença. Entre 30% e 40% das pessoas que estão nos presídios sequer receberam sentença. Estamos falando de um sistema que funciona muito mal. Você não vai melhorar esse sistema simplesmente antecipando a pena com trânsito em julgado.


El País: STF diante de uma decisão histórica ao julgar foro privilegiado para os políticos

Após um ano, Corte retoma julgamento com maioria favorável a mudança nas regras. 95% dos casos que hoje estão na Corte já poderiam estar na primeira instância

Por Afonso Benites, do El País

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira, dia 2, um julgamento que pode estremecer as estruturas políticas do Brasil: a restrição do foro privilegiado para deputados federais e senadores. Atualmente, os 594 parlamentares federais são julgados diretamente pela Corte Suprema do país. A tese que já obteve 8 votos favoráveis dos 11 ministros prevê que eles só teriam essa sede especial caso cometessem crimes durante o mandato e em razão de sua função. Por exemplo, se um parlamentar for investigado por agressão à sua mulher, ele responderia ao delito na primeira instância. Mas, se o crime fosse negociar propina para a aprovação de algum projeto de lei durante a atual legislatura, o foro seria o Supremo. Com a maioria do STF favorável a restringir o polêmico foro, a decisão deve ser aprovada, a não ser que dois dos ministros que ainda não se pronunciaram voltem a pedir vistas e protelem de novo o processo.

A mudança de paradigma deverá interferir em 95% dos casos que estão no STF e envolvem parlamentares, de acordo com um estudo feito pelo projeto Supremo em Números, da Fundação Getulio Vargas. Hoje, há 431 inquéritos e 101 ações penais contra políticos tramitando na principal Corte brasileira. Um processo pode ter mais de um único denunciado.

O mesmo levantamento da FGV concluiu também que, caso os processos desses políticos tramitassem em primeira instância, sua conclusão seria mais célere. E, possivelmente, as punições ocorreriam com maior frequência. Em duas de cada três ações penais o mérito da acusação contra o parlamentar sequer chega a ser avaliado pelo Supremo, em razão do declínio de competência (63,6% das decisões) ou da prescrição da pena (4,7% das decisões). Esse segundo caso ocorreu em uma ação penal contra o deputado Fernando Giacobo (PR-PR). Acusado pelos crimes de formação de quadrilha e falsificação ideológica, a denúncia levou 11 anos para ser analisada e prescreveu. Para o estudo, foram analisados casos que entraram na Corte entre 2006 e 2016.

Só na Lava Jato, há 80 pessoas com foro privilegiado com processos abertos no STF. Entre elas, o presidente da República, Michel Temer, quatro de seus ministros e ex-ministros (Moreira Franco, Eliseu Padilha, Helder Barbalho, Gilberto Kassab), além de 43 deputados federais, 3 governadores, 28 senadores e um ministro do Tribunal de Contas da União. A maioria delas deverá disputar a eleição. Apesar de a decisão do STF de restringir o foro estar perto da conclusão, em ela se confirmando, todos os casos envolvendo os políticos ainda terão de ser analisados individualmente.

Atualmente, cerca de 55.000 autoridades brasileiras têm a prerrogativa de foro. Entre eles estão juízes, ministros de cortes superiores, membros do ministério público, governadores, prefeitos, entre outros. O processo em análise trata apenas dos deputados federais e senadores. Mas há projetos em tramitação no Congresso Nacional que visam reduzir esses privilégios a apenas os presidentes dos poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

"Provável privilégio pessoal"
Em seu voto como relator do processo, o ministro Luís Roberto Barroso ressaltou que só para receber uma denúncia a Corte leva quase 581 dias (pouco mais de 19 meses), enquanto que um juiz de primeira instância o faz em até uma semana. Disse Barroso: “Parece claro que se o foro privilegiado pretende ser, de fato, um instrumento para garantir o livre exercício de certas funções públicas, e não para acobertar a pessoa ocupante do cargo, não faz sentido estendê-lo aos crimes cometidos antes da investidura nesse cargo e aos que, cometidos após a investidura, sejam estranhos ao exercício de suas funções. Fosse assim, o foro representaria reprovável privilégio pessoal”. Esse entendimento foi acompanhado por sete colegas: Cármen Lúcia, Celso de Mello, Alexandre de Moraes, Rosa Webber, Edson Fachin e Luiz Fux.

O processo que trata da prerrogativa de foro dos parlamentares volta a ser analisado quase um ano depois de ter seu julgamento iniciado. Sua primeira votação ocorreu em 31 de maio de 2017. Depois voltou a ser analisado em novembro passado. Ficou esse tempo paralisado porque o ministro Dias Toffoli pediu vistas, mais tempo para analisar o processo, e só o liberou para julgamento no mês passado. Apesar dessa liberação, ainda há o risco de algum dos outros dois ministros que ainda não votaram, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovski, utilizem-se do mesmo expediente e protelem a conclusão.

O caso concreto analisado está no Judiciário há dez anos. Envolve o atual prefeito de Cabo Frio (RJ), Marcos da Rocha Mendes, conhecido como Marquinho. Em 2008, ele foi acusado de comprar votos na eleição municipal. Como foi eleito prefeito, seu caso subiu para a segunda instância, Tribunal Regional Eleitoral. Esse tribunal levou cinco anos para julgar o caso e Mendes não era mais prefeito. O processo voltou para a primeira instância. Apenas em dezembro de 2014, ele ficou pronto para ser julgado, mas nessa época, o político tinha acabado de ser eleito primeiro suplente de deputado federal. Com o afastamento de políticos eleitos em sua coligação, tornou-se deputado. Ao assumir o cargo, o processo chegou ao STF. Ainda assim, o sobe desce de instâncias não acabou. Em 2016, Mendes renunciou o mandato na Câmara porque foi eleito prefeito. Assim, seu caso deveria retornar ao TRE do Rio.


Lúcio Flávio Pinto: Mais um golpe. Na Lava-Jato

A maioria da 2ª turma do Supremo Tribunal Federal começou a estripar os autos do segundo processo contra o ex-presidente Lula, que o juiz Sérgio Moro está instruindo. Por 3 a 2, a turma mandou extrair a participação da Odebrecht na produção de provas que atestam ser de Lula o sítio de Atibaia, em São Paulo.

São testemunhos dados em delação premiada, perícias e outros documentos que revelam, por trás da inexistência de registro imobiliário em nome de Lula, robustas provas indiretas de que o sítio, melhorado à custa de 800 mil reais gastos em obras nele realizadas, constituía, junto com o terreno para o Instituto Lula, um caixa de transações no valor de R$ 12 milhões, em operações de favorecimento à Odebrecht e à OAS.

Não é por outro motivo que as duas empreiteiras executaram as benfeitorias no sítio, tão significativas que não será um despropósito compará-lo à Casa da Dinda, a residência que Collor transformou em atração turística à beira do lago Paranoá, em Brasília, com as melhorias que promoveu, a mais famosa delas sendo uma exuberante cascata.

A decisão de ontem não tira o processo das mãos de Moro, mas enfraquece a sua capacidade de decidir sem o material mais relevante para provar a triangulação: as empreiteiras pagam propina, essa propina é disfarçada em obras, e, em troca, Lula manteve (e Dilma também, apesar da meteórica turbulência de Graça Foster) os diretores da Petrobrás que garantiam as “operações estruturadas” em favor das empreiteiras do cartel batizado de clube das 13.

As peças, desapartadas, serão remetidas para a justiça federal de São Paulo. Obviamente, não terão a mesma serventia que tinham em Curitiba. O prejuízo será duplo. Inviabilizará uma nova condenação de Lula?

Provavelmente, não. Os três patetas (para lembrar a classificação que Ulysses Guimarães deu aos três integrantes da Junta Militar que substituíram o enfermo presidente-general Costa e Silva, em 1969, no período mais negro da ditadura) terão que agir novamente para continuar a desconstrução. Agirão?

Audácia eles têm de sobra. Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli são crias de Lula. O personagem inusitado (e o mais nefando) entre eles, Gilmar Mendes, era execrado pelos petistas como o mensageiro de Fernando Henrique Cardoso, que o nomeou para a corte suprema da justiça brasileira.

Agora que ele é o defensor perpétuo de Lula, os petistas se calaram. Preferem ignorar, por sua utilidade, um fato evidente: Gilmar passou a tutelar Lula para proteger os seus amigos tucanos e empresários, mesmo os de maus bofes, como o dono de ônibus Jacó Barata.

A tríade está naquele plenário para dar um nó na Operação Lava-Jato. Por isso, os fundamentos jurídicos, a coerência e a compostura estão sendo deixados de lado. Seis meses depois que a 2ª turma, à unidade, decidiu manter em Curitiba as provas ligadas à Odebrecht, os três dissentiram e mudaram o entendimento.

A fugacidade é tal que parecem ter decidido tirar as provas do juiz no momento em que ele começa a entrar na fase da sentença, sem sequer olhar para o que dizem os papéis e demais elementos de prova. O relator, Edson Fachin, e o decano, Celso de Mello (cujo voto tem variado, o que o distingue da tríade, arrematada em plenário pelo inefável Marco Aurélio Mello), não tiveram qualquer dúvida: os autos fizeram o nexo entre o sítio, o terreno para o Instituto Lula, a Petrobrás, os diretores corruptos, os favores e as propinas. Logo, a materialidade estava provada.

Para os três paladinos da liberdade de colarinhos brancos, isso não interessa. Lula tem que sair da prisão. Outros têm que sair e vários outros não têm que entrar. A Lava-Jato tem que acabar. Farinha pouca, meu pirão primeiro. E, para rimar: o que fará diante disso o brasileiro?

* Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e do blog Amazônia hoje – a nova colônia mundial. Entre outros, é autor de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).


Míriam Leitão: Transporte de provas

Decisão da 2ª turma ignora engenharia financeira da corrupção. A ação penal que trata do Instituto Lula está na fase das alegações finais, a do sítio de Atibaia está começando a ouvir as testemunhas e agora, por decisão da 2ª turma do STF, os documentos das delações da Odebrecht sobre isso serão enviados para São Paulo. É só o transporte de provas, ou é o começo de algo muito maior que levaria os processos do ex-presidente Lula para longe de Curitiba?

Pode ser muito mais, pode ser apenas um detalhe confuso criado por ministros do Supremo no processo da Lava-Jato. Não será a primeira vez que isso ocorre. Procuradores da Força Tarefa anexaram, ontem, declaração nos processos em que afirmam que não houve discussão sobre a competência, como o próprio ministro Dias Toffoli disse. No voto, ele registrou que não firmaria “em definitivo a competência do juízo". A porta está aberta. O único que se sabe é que isso não afeta, obviamente, o caso do triplex, que já está julgado. Mas dos outros não há certeza.

É curioso o argumento do voto do ministro Toffoli, acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovsky, de que não há ligação entre esses casos investigados nas duas ações penais e as propinas pagas nos negócios escusos com a Petrobras.

É preciso ter estado em Marte nos últimos anos para desconhecer que as empresas corruptas trabalhavam com uma espécie de "caixa geral da propina". Alguns delatores chegaram a usar essa expressão em suas delações. A Odebrecht tinha um departamento secreto no qual estruturava o pagamento de suborno e a distribuição de vantagens. Não havia propinas em compartimentos estanques que, por algum tipo de compliance, não pudessem ser usadas em outra ponta do mesmo negócio de comprar benefícios no setor público. É preciso também ser estrangeiro aos fatos para desconhecer que esses casos começaram a ser investigados em Curitiba e, portanto, pegar alguns papeis e enviá-los para São Paulo, por qualquer minudência jurídica, é uma forma de confundir.

No voto, o ministo Dias Toffoli disse que o empresário Emílio Odebrecht falou em hidrelétricas do Rio Madeira como parte dos benefícios a Lula. Alexandrino Alencar falou em gastos no sítio de Atibaia feitos “como contrapartida pela influência política exercida pelo ex-presidente", e Marcelo Odebrecht disse que os valores para a compra do Instituto Lula sairiam da conta “amigo”, onde foram provisionados R$ 35 milhões, em 2010, “para suportar gastos e despesas do então presidente Lula”.

Diante disso, o ministro concluiu: “não diviso, ao menos por ora, nenhuma imbricação específica dos fatos descritos nos termos de colaboração com desvios de valores operados no âmbito da Petrobras". Como não se pode acusar o ministro, e os que o acompanharam, de ingenuidade, a conclusão é de que eles se esqueceram da forma imbricada como a engenharia financeira da corrupção sempre funcionou. Tirou-se dinheiro de vários negócios com o governo, mas a Petrobras sempre foi ordenhada para financiar o esquema.

Várias investigações de corrupção no passado foram sepultadas por detalhes levantados pelos advogados para se requerer a nulidade das provas. Inúmeras manobras deram certo. O Brasil poderia estar bem mais adiantado na luta contra a corrupção, se os tribunais superiores não tivessem derrubado os processos por questiúnculas.

O ex-senador Demóstenes está livre para se candidatar por uma dessas. O ministro Dias Toffoli suspendeu a inelegibilidade porque houve a nulidade da prova do processo contra ele. A prova foi considerada nula porque um juiz de primeira instância não poderia determinar uma escuta telefônica envolvendo um senador da República, já que ele tem foro privilegiado. Com esse argumento foram invalidadas as interceptações telefônicas das operações Vegas e Monte Carlo. O problema é que ninguém na primeira instância havia autorizado ouvir o senador. Os telefones que estavam sendo gravados eram os de Carlinhos Cachoeira e outros integrantes da quadrilha. O então senador é que tinha relação com eles e só por isso foi ouvido. Mas por este detalhe, as provas obtidas com o esforço de sempre dos investigadores foram anuladas, e o ex-senador poderá limpar sua ficha e se candidatar.

O risco nessa decisão da 2ª turma não é esse transporte de provas, é o que pode vir em consequência disso.