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Bernardo Mello Franco: Investigação parou, mas desgaste continua

Com liminar do Supremo, caso Queiroz se instala de vez na Praça dos Três Poderes. Fux atirou uma boia, mas o filho de Bolsonaro ainda pode se afogar

Não precisou do cabo nem do soldado. Na terceira semana de governo, o Supremo Tribunal Federal forneceu o primeiro alívio à família Bolsonaro. O ministro Luiz Fux mandou parar a investigação sobre Fabrício Queiroz, o motorista de R$ 1,2 milhão.

O pedido foi de Flávio Bolsonaro, o filho mais velho do presidente. Na semana passada, ele disse que não era investigado e que não tinha “nada a ver” com os rolos do ex-assessor. Dias depois, pensou melhor e pediu socorro ao Supremo. Fux matou no peito e chutou a bola para o mato.

Em dezembro, o senador eleito defendia que as suspeitas fossem esclarecidas “para ontem”. Agora apelou a uma manobra jurídica para brecar a investigação. Ele já havia faltado a um depoimento marcado pelo Ministério Público do Rio. Imitou o ex-assessor, que tem usado atestados médicos para adiar o encontro com os promotores.

O caso Queiroz mostra que a chegada ao poder já mudou as convicções da família presidencial. Na campanha, Jair e Flávio gravaram um vídeo contra a blindagem dos políticos com mandato. “Eu não quero essa porcaria de foro privilegiado”, disse o chefe do clã, enquanto o herdeiro concordava com a cabeça. Eleito senador, ele não esperou a posse para reivindicar a proteção. Bastou o primeiro escândalo e o discurso moralista ficou para trás.

Os Bolsonaro não foram os únicos a mudar de ideia. Em novembro, Fux votou a favor da limitação do foro a atos praticados no exercício do mandato. Agora blindou o filho do presidente num caso anterior à eleição. Quando o motorista operava sua caixinha milionária, o futuro senador ainda dava expediente na Assembleia Legislativa do Rio.

A investigação parou, mas o desgaste continua. Com o recurso de Flávio ao Supremo, o caso Queiroz se instala de vez na Praça dos Três Poderes. Em fevereiro, pode ganhar novo impulso ao chegar à mesa do ministro Marco Aurélio Mello. Fux atirou uma boia, mas o primogênito de Bolsonaro ainda corre o risco de se afogar.


El País: Flavio Bolsonaro vai a STF por foro privilegiado e eleva temperatura da crise Queiroz

Defesa de senador eleito pede para que caso mude de instância e barra avanço de investigação sobre ex-assessor. Ação contraria discurso da família sobre prerrogativa e constrange aliados e o ministro da Justiça, Sergio Moro

A investigação envolvendo o ex-assessor dos Bolsonaro Fabrício Queiroz ganhou, nesta quinta-feira, novos contornos que jogam gasolina no constrangimento político provocado pelo caso, em plena estreia do novo Governo. O senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) acionou o Supremo Tribunal Federal para que a corte suspendesse as apurações do Ministério Público do Rio de Janeiro a respeito das movimentações financeiras suspeitas de Queiroz. O pedido foi acatado de forma liminar pelo ministro Luiz Fux. Os advogados do parlamentar argumentam que o MP obteve dados sigilosos de forma ilegal junto ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), e teria “burlado” alguns controles legais no procedimento. Além disso, a defesa do filho do presidente também acena com um pedido para que uma eventual investigação envolvendo Flávio fique com o Supremo devido à prerrogativa de cargo do senador eleito - apesar de o STF ter restringido as regras de foro privilegiado no ano passado para abarcar apenas supostos crimes relacionados com os mandatos federais.

O movimento de Flávio Bolsonaro endossado pelo plantonista Fux, na prática, congelou as investigações pelo menos até 31 de janeiro, quando termina o recesso e o STF volta a funcionar normalmente. O caso, então, deve ser analisado pelo relator Marco Aurélio Mello. O passo provoca desconforto para o clã inteiro, incluindo o presidente da República. Tanto o mandatário quanto seus filhos - além de Flávio, o deputado Eduardo e o vereador Carlos - já se manifestaram no passado de forma contrária ao foro privilegiado, o direito que detentores de certos cargos têm de só serem julgados por determinadas cortes: “Quem precisa do foro privilegiado?”, escreveu Eduardo. "Eu não quero esta porcaria de foro!", afirmou Jair em um vídeo no qual aparece ao lado de um Flávio que concordava com o que ele dizia.

O pedido da defesa também constrange o ministro da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro, que quando esteve à frente da Operação Lava Jato sempre apontou o expediente do foro privilegiado como sendo um fator de morosidade no Judiciário e impunidade. O procurador da República Deltan Dallagnol, que coordena a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, se manifestou no Twitter contra a decisão de Fux. “Com todo o respeito ao ministro Fux, não há como concordar com a decisão, que contraria o precedente do próprio STF. Tratando-se de fato prévio ao mandato, não há foro privilegiado perante o STF. É de se esperar que o ministro Marco Aurélio reverta a liminar”, escreveu. O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot foi mais sintético, e escreveu apenas "Heinnnnnnnn???" no Twitter ao compartilhar uma reportagem sobre a suspensão do processo. Até aliados dos Bolsonaro se manifestaram contra, como a deputada estadual eleita Janaína Paschoal e integrantes do MBL (Movimento Brasil Livre).

Mudança de estratégia

Eduardo Bolsonaro

@BolsonaroSP

Quem precisa de foro privilegiado?https://youtu.be/ny_2x-8Q9FA 

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A solicitação de Flávio também chamou a atenção tendo em vista que desde que o escândalo veio à tona, com informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras(Coaf) de que Queiroz teria movimentado mais de um milhão de reais em sua conta, o parlamentar sempre disse não ser investigado. “Continuo com minha consciência tranquila, pois nada fiz de errado. Não sou investigado”, escreveu em 8 de dezembro no Twitter. Agora uma interrogação paira sobre esta afirmação. Agora, em nota divulgada no Instagram, a assessoria de Flávio afirma que o pedido foi feito "tendo em vista que, ao ter acesso aos autos do procedimento, verificou ser o senador objeto de investigação", e que isso "atrai a competência do STF - única autoridade competente para decidir sobre o foro adequado à continuidade das investigações."

Em sua decisão nesta quinta, Fux escreve que a defesa alegou que “depois de confirmada sua eleição para o cargo de senador da República, o órgão ministerial local [MP-RJ] requereu ao Coaf informações sobre dados sigilosos de sua titularidade, abrangendo o período de abril de 2007 até a data da implementação da diligência, a pretexto de instruir referido procedimento investigativo”. Ainda segundo a defesa, “o procedimento investigatório é baseado em informações obtidas de forma ilegal”. Por fim, Fux afirma que caberá ao relator do caso, o ministro Marco Aurélio, tomar uma decisão definitiva sobre o pedido dos advogados de Flávio.

O pedido de suspensão feito pelo senador eleito também reacende o debate sobre foro privilegiado. Em maio de 2018 os ministros do tribunal alteraram em parte a abrangência deste dispositivo para senadores e deputados federais, restringindo-o para crimes cometidos durante o exercício do mandato. Os fatos investigados pelo Ministério Público do Rio abrangem um período de 2016 a 2017, quando Flávio ainda era deputado estadual, sem direito a foro privilegiado. Os casos envolvendo vereadores e deputados estaduais são de competência do Tribunal de Justiça local.

A defesa de Flávio afirma que, apesar do novo entendimento, a decisão da própria Corte abre uma brecha para a contestação. O advogado do parlamentar cita em seu pedido trecho do próprio acórdão do STF: “A conjugação dos critérios exercício do mandato e em razão da função exigirá que esta Corte continue a se pronunciar, caso a caso, se o crime tem ou não relação com o mandato. E essa análise terá que ser feita pelo próprio STF, a quem compete definir se o processo permanece no tribunal ou desce para a primeira instância”.

Além de Flávio, o caso Queiroz também esbarra no próprio presidente, que possui imunidade inerente ao cargo. O Coaf identificou transferências do ex-assessor para a conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que totalizaram 24.000 reais. O mandatário afirmou que o valor dizia respeito a uma série de empréstimos feitos por ele ao motorista, quitado com cheques de 4.000 reais. A conta da mulher teria sido usada porque ele não teria disponibilidade de ir ao banco em função da rotina de trabalho. O presidente sempre negou qualquer irregularidade, e disse não ter declarado o valor do empréstimo em sua declaração de Imposto de Renda porque os valores eram pequenos e muito parcelados, e acabaram se "avolumando".


O Globo: Toffoli diz que Constituição não impede mudança nas regras para a posse de armas

Para presidente do Supremo, decreto do governo Bolsonaro que pretende flexibilizar acesso a armamento e restrições à progressão de pena não atingem cláusulas pétreas

Por Carolina Brígido, de O Globo

BRASÍLIA — A intenção do governo Bolsonaro de mudar as regras sobre posse de armas e endurecer o sistema de progressão de pena a condenados pode não encontrar resistência no Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, acredita que toda política pública pode ser alvo de mudança, desde que não ofenda cláusula pétrea da Constituição — ou seja, aquelas regras que não podem ser alteradas.

Para Toffoli, é juridicamente possível deixar o preso atrás das grades por mais tempo, como defende o governo Bolsonaro. Hoje, para um condenado trocar o regime fechado pelo semiaberto, por exemplo, precisa cumprir no mínimo um sexto da pena. O Planalto quer aumentar o tempo para essa transição.

Toffoli também explicou que políticas que facilitem o acesso da população a armas podem, em tese, ser alteradas por novas legislações. O governo Bolsonaro planeja editar um decreto sobre o tema, e o texto está sendo analisado na Casa Civil. Toffoli ponderou, no entanto, que não pode haver mudança em cláusulas pétreas e citou como exemplo a pena de morte, que é vedada pela Constituição.

— Qualquer política pública pode ser formatada, desde que não ofenda cláusula pétrea. Por exemplo: alterar regime de progressão de pena é possível, a Constituição não impede. Alterar a política de armamento da população, a Constituição também não impede. Estabelecer pena de morte: aí a Constituição impede, é cláusula pétrea — disse o ministro ao GLOBO.

Como já disse em outras ocasiões, Toffoli quer deixar o protagonismo para os novos Executivo e Legislativo, eleitos pela população. Ficariam na conta do STF só decisões essenciais para garantir a democracia e a liberdade de expressão. Ainda assim, alguns temas serão inevitáveis, como a reforma da Previdência. Se aprovada no Congresso Nacional, certamente será questionada no STF. A recomendação de Toffoli é que seja negociada uma reforma para reduzir regras, e não ampliar, como uma forma de gerar menos contestação judicial.

— Todas as reformas vieram para o STF. Isso é o resultado de uma Constituição muito ampla. Talvez o caso seja de reformas que diminuam o tamanho da Constituição, e não que aumentem. Porque, quanto mais aumenta, mais você dá margem para contestação jurídica, para conflito jurídico. Esse é um dos problemas das nossas reformas: elas geralmente tendem a aumentar o número de dispositivos da Constituição — ponderou.

Toffoli também defendeu a liberdade de imprensa e disse que o STF sabe conviver com as críticas.

— Se você tem uma imprensa manietada, censurada, ou se você tem um Judiciário que não é independente, você vai ter o autoritarismo de alguma forma. E quem garante a imprensa livre no Brasil é o Supremo. Mesmo que muitas vezes o Supremo seja criticado pela imprensa tradicional, ou ministros sejam criticados, é unânime aqui a defesa da liberdade de imprensa e de uma imprensa livre — declarou Toffoli.

CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA NA PAUTA

Ao falar sobre ataques sofridos pelo tribunal nas redes sociais, especialmente no fim do ano, quando foi aprovado um reajuste salarial para juízes da ordem de 16,38%, ou ainda antes, a partir de decisões que levaram à soltura do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e do empresário de ônibus do Rio Jacob Barata, Toffoli diz que as críticas à Corte são do jogo democrático. Mas ele alerta para o fato de que elas não podem resvalar para práticas criminosas:

— É a covardia do anonimato das redes sociais. Tem mentiras, fake news. Temos que nos acostumar: numa sociedade democrática, a crítica também faz parte. A pessoa tem todo o direito de não gostar desta ou daquela pessoa. Isso faz parte da democracia. O que não pode ter é ato violento e ato desrespeitoso, do ponto de vista calunioso.

O presidente do Supremo afirmou ainda compreender quem fica descontente com decisões judiciais, mas não se deve chegar ao ponto de pedir o fechamento de um tribunal por conta da discordância com a decisão proferida.

— Tem que deixar claro que os juízes não acordam de manhã e dizem: “Vou julgar isso aqui”. Vem alguém pedir ao Judiciário. Então fechar o Judiciário é fechar o acesso do exercício da cidadania, é fechar a democracia. Isso nenhum governo autoritário no Brasil fez, em nenhum momento da História — sustenta.

Apesar de ter julgamento sobre as prisões de segunda instância marcado para abril, o STF deve ter o papel penal reduzido este ano. Com a transferência de processos da Lava-Jato para a primeira instância, por causa da mudança na regra do foro especial, o tribunal tende a se ocupar mais de temas constitucionais.

Para o primeiro semestre de 2019, estão previstos julgamentos importantes para a sociedade, como a obrigatoriedade de o poder público fornecer medicamentos de alto custo para quem não tem condições financeiras e também o processo que trata da criminalização da homofobia. Além de lidar diretamente com os direitos das pessoas, as causas têm em comum o fato de que o Congresso Nacional não legislou sobre os assuntos, por falta de consenso político.


Luiz Carlos Azedo: Caminho aberto para Renan

“Supremo faz um movimento de reaproximação com o Congresso, ante a ameaça de uma hipertrofia da relação com o Executivo”

Cada macaco no seu galho, digamos assim. Esse foi o sentido da decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que ontem negou o pedido para que eleição da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados fosse realizada com votos abertos. O pedido havia sido feito pelo deputado federal eleito Kim Kataguiri (DEM-SP), que se lançou candidato ao comando da Casa, contra seu atual presidente, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). A decisão foi um recado de que o Supremo não pretende interferir em assuntos que são prerrogativas do Congresso.

O voto secreto não é uma garantia de que Maia terá vida mais fácil para ser reconduzido ao comando da Câmara, apesar do apoio de 12 partidos que já contabiliza, entre os quais, a bancada do PSL, a segunda da Casa. O apoio do PT, que tem a maior bancada, subiu no telhado depois que Maia fechou com os governistas. No seu caso, o voto aberto talvez fosse até mais vantajoso, haja vista que seu principal adversário, o deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), tem amplo trânsito no chamado “baixo clero”, que é formado pela maioria dos deputados. Se houver traição, as chances do adversário aumentam muito, porque Maia costurou seus apoios via cúpulas dos partidos.

Por tabela, a decisão de Toffoli beneficia, sobretudo, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que pretende voltar ao comando do Senado. Uma decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello determinava que a votação no Senado fosse aberta, mas acabou derrubada por Dias Toffoli, cuja decisão encerrou um ciclo de intervenções do Supremo em assuntos regimentais do Congresso:

“A escolha da Mesa Diretiva importa, para além de uma seleção do dirigir administrativo da Casa, uma definição de ordem política, intimamente relacionada à natural expressão das forças político-ideológicas que compõe as casas legislativas — que se expressa, por exemplo, na definição das pautas de trabalho e, portanto, no elenco de prioridades do órgão — impactando diretamente na relação do Poder Legislativo com o Poder Executivo. Essa atuação, portanto, deve ser resguardada de qualquer influência externa, especialmente de interferências entre Poderes”, sustenta o presidente do STF.

Regras do jogo
Toffoli esclareceu que o sigilo também faz parte das regras do jogo democrático, ao contrário do senso comum: “Por se tratar de ato de condução interna dos trabalhos, ou seja, interna corporis, o sigilo dessa espécie de votação, também no âmbito do Poder Judiciário, se realiza sem necessidade de que os votos sejam publicamente declarados”. Trocando em miúdos, ao reestabelecer o paradigma da independência e harmonia entre os Poderes, sinalizou que o Supremo faz um movimento de reaproximação com o Congresso, ante a ameaça de uma hipertrofia da relação com o Executivo. Há uma grande diferença entre um governo desgastado por denúncias que é formado a partir de um processo de impeachment, como o de Michel Temer, e o novo governo de Jair Bolsonaro, recém-eleito, hegemonizado por generais do Exército e predisposto a governar por decretos e medidas provisórias.

Nesse aspecto, as mesas do Congresso terão um papel decisivo, a da Câmara por ser o ponto de partida para a aprovação dos projetos do Executivo; a do Senado, por ser a Casa revisora, com importante papel em assuntos de Estado e federativos, como a indicação de ministros de tribunais superiores, integrantes de agências reguladoras, autoridades monetárias e diplomatas. Há um jogo de bastidor entre os Poderes, no qual a bola já está rolando.

Renan entrou em campo discretamente, embora diga que não decidiu ainda se será candidato. Na verdade, já tem maioria de votos, mas somente assumirá essa condição no fim do mês, quando a bancada do MDB no Senado formalizar seu apoio. A senadora Simone Tebet (MDB-MT) também pleiteia indicação. A oposição mais forte a Renan vem dos senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Esperidião Amin(PP-SC), que defendem a remoção do MDB do comando da Casa. No Senado, a maior bancada quase sempre ocupa a Presidência, mas o critério da proporcionalidade para a composição da Mesa e das comissões, como na Câmara, não impede o surgimento de candidaturas de oposição.

Troca de comando
Amanhã, o general Eduardo Vilas Boas passará o comando do Exército para o general Leal Pujol, o mais antigo, encerrando o ciclo de transição de comando das Forças Armadas. Na cerimônia desta quarta, o almirante Ilques Barbosa Junior assumiu a Marinha no lugar do também almirante Eduardo Leal Ferreira. Na sexta passada, o brigadeiro Antonio Carlos Moretti Bermudez assumiu o cargo de Comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), no lugar do brigadeiro Nivaldo Luiz Rossato. Bolsonaro foi a todas as trocas de comando. Na de ontem, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, defendeu o regime previdenciário diferenciado dos militares. Essa parece ser uma posição consolidada no governo.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-caminho-aberto-para-renan/

 


Bernardo Mello Franco: Um país em tempos bicudos

Em novo livro, Oscar Vilhena Vieira diz que o Brasil vive uma fase de ‘mal-estar constitucional’. Ele defende que o STF seja mais ‘colegiado, imparcial e discreto’

O Brasil chega ao fim de 2018 em tempos bicudos. A polarização politica se aprofundou, e a sociedade ficou mais dividida e intolerante. O país passou a viver uma situação de “mal-estar constitucional”, com ameaças à democracia e ao equilíbrio entre os poderes. O diagnóstico é do professor Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV Direito em São Paulo.

Em “A Batalha dos Poderes” (Companhia das Letras), ele situa o início da crise nas manifestações de 2013, que “colocaram em xeque a estabilidade de um sistema político que parecia consolidado”. De lá para cá, passaram-se cinco anos de turbulências. É difícil acreditar que estejam perto do fim.

O livro sustenta que a eleição de 2014 mudou para pior os padrões da disputa política. A petista Dilma Rousseff admitiu que poderia “fazer o diabo” para vencer, e produziu uma crise fiscal que acabou em recessão. O tucano Aécio Neves não aceitou a derrota, e contestou o resultado para “encher o saco”.

Depois viriam o impeachment de Dilma, que o autor define como “controvertido”, e a posse de Michel Temer, que se salvou de duas denúncias de corrupção e agora enfrenta a terceira.

Vieira afirma que o avanço da Lava-Jato acirrou a disputa entre a classe política e o estamento jurídico. A operação rompeu uma tradição de impunidade dos poderosos, mas abriu espaço a acusações de abuso e parcialidade. O Supremo Tribunal Federal não conseguiu escapar dos mesmos desgastes.

O professor escreve que a Constituição de 1988 deu superpoderes à Corte, abrindo caminho ao que ele chama de “supremocracia”. Na sua visão, o tribunal manteve uma atitude “omissa e reticente” na Era Collor, foi “deferente ao governo e ao Congresso” sob Itamar e FH e se deslocou para o centro da arena política nos anos do PT.

Hoje é chamado para dar a palavra final sobre quase tudo. “Desconheço outro tribunal supremo do mundo que faça plantão judiciário para solucionar quizílias que os parlamentares não são capazes de resolver”, critica.

Para Vieira, a atuação do STF na proteção de direitos fundamentais é “bastante positiva”, mas o tribunal erra ao se meter demais em disputas políticas. Ele critica as decisões que derrubaram a cláusula de barreira e impuseram a perda de mandato por infidelidade partidária, estimulando a criação de novas siglas: “Sob a pretensão de corrigir falhas no sistema político, o STF contribuiu para torná-lo mais ininteligível”.

O professor defende que as decisões monocráticas deveriam ser “reduzidas ao máximo”, e pede uma atuação “mais colegiada, imparcial e com certa discrição”. “A autoridade do STF não pode ser exercida de forma fragmentada por cada um de seus ministros”, escreve. O noticiário dos últimos dias mostra que ele tem razão.

O livro foi concluído antes da eleição, mas o autor registrou sua preocupação com o favoritismo de Jair Bolsonaro, “líder de extrema direita com posições explicitamente contrárias à Constituição”. Em outro trecho, ele deixou um alerta: “O fato de a Constituição ter sobrevivido a esse período de forte turbulência não significa que sairá ilesa do novo ciclo da política brasileira”.

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A coluna volta no dia 1º. Feliz Natal e um 2019 menos bicudo para todos.


Ruy Fabiano: Um Poder sem moderação alguma

São incontáveis as decisões inusitadas

As cortes supremas, nas democracias, garantem, em regra, um insumo indispensável à ordem institucional: a segurança jurídica.

Como intérpretes da Constituição, firmam a jurisprudência e funcionam como poder moderador – mais ou menos o contrário do que tem feito, já há alguns anos, o STF, fator de instabilidade não apenas jurídica, mas sobretudo política e institucional.

São incontáveis as decisões inusitadas, como a desta semana, em que o ministro Marco Aurélio, em decisão monocrática, quis atropelar o próprio plenário da Corte, mandando libertar todos os presos condenados em segunda instância.

Seriam mais de 100 mil, contabilizados, além dos condenados na Lava Jato, criminosos de sangue, perigosos líderes de facções.

Foi uma espécie de Simão Bacamarte, do conto O Alienista, de Machado de Assis, que chegou a prender e, em seguida, soltar toda uma cidade, para no fim internar-se a si mesmo como o único louco das redondezas. Essa sensatez de Simão faltou a Marco Aurélio, que considerou seu ato normal e necessário e estaria pronto a repeti-lo.

O ato insano não se consumou graças ao presidente da Corte, Dias Toffoli, que revogou a liminar. Mas isso não o poupou da suspeita de ter participado de um ato teatral.

Na semana anterior, Toffoli adiou para abril a sessão do plenário que examinaria pela quinta vez (isso mesmo: quinta vez), em dois anos, a jurisprudência a respeito da prisão em segundo grau.

Não houve um motivo objetivo para o adiamento. Diante disso, a canetada de Marco Aurélio pode ter sido – e não falta quem disso suspeite – um balão de ensaio para avaliar a reação social à soltura de Lula. Absurdo? A tanto chegou o conceito do STF.

Jamais um tribunal mobilizou-se tanto em torno de um único personagem – no caso, Lula, condenado em segundo grau, prestes a ter nova condenação em primeiro grau e tornado réu pela sétima vez há duas semanas. Não bastasse, teve ainda seus pedidos de habeas corpus negados nas terceira (STJ) e quarta instâncias (STF).

O ex-ministro e ex-presidente do STF, Carlos Ayres Brito, diz que a Corte Suprema “é uma porta que só se abre por dentro”; ou seja, nem tudo que lá chega deve mobilizá-la. Isso, porém, não funciona para Lula e alguns de seus aliados.

Ter poupado, por exemplo, a ex-presidente Dilma Roussef, quando de seu impeachment, da perda de direitos políticos por oito anos, foi um ato de lesa-Constituição. E foi praticado por ninguém menos que o então presidente da Corte, Ricardo Lewandowski.

Em circunstâncias normais (que inexistem), seu ato seria considerado nulo de pleno direito pela própria Corte, que, no entanto, até hoje não se manifestou a respeito.

O próprio Toffoli até hoje não explicou por que mandou soltar seu ex-patrão, José Dirceu (que, em face de suas relações pessoais, deveria considerar-se suspeito para julgar), condenado em segunda instância a 41 anos de prisão. Dirceu está solto e sem tornezeleira eletrônica, em condições de inclusive deixar o país.

Se é benevolente com esses personagens, o STF não o foi em relação ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, aceitando denúncia de uma procuradora filiada ao PT de que teria incitado o estupro, quando é autor de projeto que inversamente agrava a punição daquele crime, estabelecendo castração química para os reincidentes.

Entre as imprevisibilidades que aguardam o novo governo, há ao menos algo bem previsível: a ação desestabilizadora do STF, adversário explícito do maior fator de unidade nacional – a Operação Lava Jato. Esta semana, não por acaso, a história do cabo e do soldado, como meios suficientes para fechá-lo, foi repetida em todo o país. E não como piada.

*Ruy Fabiano é jornalista


Oscar Vilhena Vieira: A função moderadora

A recomposição da autoridade do STF é essencial para a saúde da democracia

Vem de longe a desconfiança das elites políticas brasileiras na democracia liberal. Nossa primeira Constituição, outorgada por Pedro 1º, inspirada na restauração Francesa de Luís 18, conferiu ao imperador um papel de tutela sobre o sistema político. Além da função de chefia do Executivo, ao imperador caberia o exercício do Poder Moderador, que deveria incessantemente velar imparcialmente pela independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes (artigo 98, Constituição de 1824), o que jamais ocorreu.

Com a proclamação da República, a função moderadora, como propunha Rui Barbosa, deveria passar a ser exercida não mais por uma pessoa, mas pelo império do Direito. Ao garantir a supremacia da Constituição, o Supremo Tribunal Federal limitaria os poderes políticos, "contra os excessos do mandonismo em todas as suas violências ou trapaças".

Como sabemos, o transplante do modelo constitucional norte-americano não triunfou. Para Raymundo Faoro, "a missão política que [o Supremo Tribunal Federal] deveria representar estava destinada a outras mãos, alimentadas de forças reais e não de papel". Foram os militares e não o Supremo que, de fato, se ocuparam de dar a última palavra na solução de nossas crises políticas ao longo da República.

Alfred Stepan, emérito estudioso de nossos militares, aponta nada menos do que nove intervenções entre 1889 e 1964. Esse "intervencionismo patológico", nas palavras de Stepan, indicam para a consolidação de um novo "padrão moderador", pelo qual as elites civis, quando incapazes de resolver seus próprios conflitos no marco da institucionalidade constitucional, buscavam apoio de setores militares para desestabilizar adversários ou manter-se no poder. Foi assim em 1889, 1910, 1922, 1930, 1945, 1954, 1955, 1961 e, finalmente, 1964, quando os militares decidiram não mais se limitar a arbitrar disputas e se lançaram ao exercício do poder, sem intermediários.

Com a debacle do regime militar, marcado por uma forte crise econômica, hiperinflação, escândalos e descontrole na administração das estatais, além da mácula dos crimes contra a humanidade, o país se reconstitucionalizou. A eterna desconfiança entre as elites políticas levou, no entanto, à adoção de uma Constituição extensa e detalhista. Ao estamento jurídico e especialmente ao Supremo Tribunal Federal foram transferidos enormes poderes para zelar pela integridade da Constituição e pela estabilidade do regime.

A transferência da função moderadora dos militares para o Supremo, de fato, começou ainda no processo de transição, quando os ministros do tribunal foram chamados a decidir —informalmente— quem deveria tomar posse como Presidente da República, em face do impedimento de Tancredo Neves ("História Oral do Supremo", FGV).

Nos últimos 30 anos o Supremo paulatinamente consolidou sua posição de guardião da Constituição, exercendo também, em diversas ocasiões, a função moderadora, como nos impeachments de Collor e Dilma.

Com o acirramento dos conflitos políticos, a partir de 2013, o Supremo foi tragado para o centro da crise. Sua fragmentação, conflitos internos e outras idiossincrasias têm contribuído para que as "vivandeiras alvoroçadas" se voltem novamente para os militares, para que reassumam a função moderadora. A recomposição da autoridade do Supremo é mais do que nunca essencial para a saúde de nossa democracia constitucional; só cabe aos próprios ministros restabelecê-la.

*Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.


Luiz Carlos Azedo: O “poder moderador”

“A grande imprensa e o Ministério Público emulam com o Supremo como “contrapeso” aos poderes Executivo e Legislativo”

Quando tentou revogar por liminar a jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina a execução imediata de pena após condenação em segunda instância, o ministro Marco Aurélio Mello, com toda a sua experiência, colocou em xeque o presidente da Corte, Dias Toffoli, que se viu obrigado a sustar a liminar tão logo isso foi solicitado pelo Ministério Público Federal (MPF). A decisão representaria a libertação imediata do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de mais 169 mil presos, entre os quais outros notórios autores de crimes de colarinho branco e alguns milhares de estupradores e assassinos.

Era meio óbvio que a liminar monocrática, no último dia antes do recesso do judiciário, iria provocar uma comoção popular e grande estresse político. A repercussão foi tanta que a questão chegou a entrar na pauta da reunião do Alto Comando do Exército, que já estava agendada. Esse não é um assunto sobre o qual cabe aos militares deliberar, mas os desdobramentos políticos e sociais possíveis, ao se imaginar o circo que seria armado em torno da libertação de Lula e seu deslocamento até São Bernardo do Campo, em São Paulo, não poderiam ser subestimados. Seria o primeiro ato da campanha eleitoral de 2022, iniciada antes mesmo de o presidente eleito tomar posse. Fora do poder, Lula não sabe fazer outra coisa.

Digamos que o papel de “poder moderador” que o STF avocou para si, a partir do princípio de que é o guardião da Constituição de 1988, provavelmente entraria em colapso, tamanha a escalada da tensão entre os poderes, ainda mais às vésperas da posse do novo presidente da República, Jair Bolsonaro, e diante do fato de que Marco Aurélio, em outra decisão, também invadiu as atribuições do Senado. O ministro do STF determinou que eleição do presidente do Senado seja feita com voto aberto, quando o regimento daquela Casa diz que o voto deve ser secreto, exatamente para impedir a interferência de outros poderes.

No Brasil, com suas peculiaridades políticas, o “poder moderador” é uma herança do Império. Foi incorporado à Constituição de 1824 por Dom Pedro I, inspirado no esquema clássico de separação de poderes. Montesquieu, que os dividiu em Executivo, Legislativo e Judiciário, mas acrescentou mais um: o poder real. Na França, o modelo parlamentarista inglês, no qual o rei não governa, nunca foi adotado. Nas monarquias constitucionais, em tese, o soberano deveria moderar as disputas entre os poderes, buscando a conciliação; na prática, o que acontecia era exatamente o contrário.

“Quarto Poder”
Em 1889, com a proclamação da República, o Poder Moderador foi extinto no Brasil, mas na prática seu papel passou a ser exercido pelos militares, o que provocou uma sucessão infindável de crises políticas. Desde a questão militar, após a Guerra do Paraguai, na década de 1890, até 1988, quando foi promulgada a atual Constituição, militares e políticos se digladiaram em vários momentos (1889, 1920, 1930, 1935, 1937, 1845, 1954, 1958, 1962, 1964, 1968, 1985), com episódios dramáticos. Os militares sempre se acharam moralmente superiores aos políticos civis, porque se consideram os “salvadores da pátria”; e os políticos sempre temeram os militares, porque atuaram na política com a força das armas na maioria das vezes. As exceções foram as eleições de Floriano Peixoto (1891), Hermes da Fonseca (1910) e Eurico Gaspar Dutra (1946), que chegaram ao poder pelo voto e, depois, passaram a Presidência para civis igualmente eleitos: Prudente de Moraes (1898), Venceslau Brás (1914) e Getúlio Vargas (1951), respectivamente.

No Estado democrático de direito, o papel das Forças Armadas como garantidor da lei e da ordem é subordinado inteiramente aos demais poderes. É o que acontece nas democracias ocidentais. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte funciona como guardiã dos direitos dos cidadãos, tendo por base o “Bill of Rights” (Carta de Direitos), como são chamadas as dez primeiras emendas da Constituição, que oferecem proteções específicas de liberdade individual, religiosa e de justiça, além de restringir os poderes do governo, com a grande imprensa americana no papel de “Quarto Poder”. Essa expressão tem origem na tradição liberal britânica, na qual o papel da imprensa é servir aos propósitos dos cidadãos contra os abusos de poder. Para cumprir esse papel, é necessário que a imprensa adote uma postura independente em relação aos grupos dominantes.

Aqui no nosso país, após a redemocratização, a grande imprensa e o Ministério Público, muitas vezes em dobradinha, passaram a reivindicar e disputar esse papel de “Quarto Poder”, emulando com o Supremo Tribunal Federal como “contrapeso” aos poderes Executivo e Legislativo, principalmente em relação aos costumes políticos e à gestão dos recursos públicos. Essa tensão, própria dos regimes democráticos, porém, com o novo protagonismo das redes sociais, chegou ao ápice com a Operação Lava-Jato e a crise dos partidos políticos tradicionais no país. A eleição de Jair Bolsonaro, de certa forma, vira uma página desse processo, mas abre outra: a volta dos militares ao poder político, pelo voto. De quem será o papel de “poder moderador”?

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Míriam Leitão: Os truques do último dia

Usando truque do último dia, Marco Aurélio tentou impor sua vontade aos demais ministros do STF sobre a prisão em 2ª instância

O que houve ontem no Supremo apequena a Justiça. Não faz sentido o ministro Marco Aurélio tomar uma decisão monocrática sobre assunto controverso faltando uma hora para começar o recesso. Felizmente, o ministro Dias Toffoli cassou a liminar. Esse truque do último dia foi usado ontem por dois ministros. Em uma de suas liminares, Marco Aurélio quis impor sua vontade aos demais no caso da prisão em segunda instância, tema que divide a corte e será apreciado em abril. Em outra, interferiu no programa de desinvestimento da Petrobras. O ministro Ricardo Lewandowski usou a mesma artimanha do ano passado para impor o aumento de salário dos servidores. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, aproveitou uma viagem do presidente Temer para sancionar uma lei polêmica que a área econômica sugerira vetar. Que fase!

Ninguém no país desconhece que a questão do início do cumprimento da pena é polêmica e sobre ela o STF está dividido. Portanto, uma decisão monocrática não caberia por mais arraigadas que sejam as convicções do ministro. O que está valendo é ainda a última decisão tomada pela corte, que permitiu a prisão após a segunda instância. A data para rediscussão está marcada para 10 de abril. Sendo assim, por que o ministro Marco Aurélio tomou uma decisão de último dia? “Aguardei o crivo do tribunal e nada. Encerrou-se o ano e, então, surgiu campo para a decisão individual”, me disse ele. O presidente do STF no fim do dia restabeleceu a normalidade. Agora é aguardar a decisão do colegiado.

O ministro Ricardo Lewandowski repetiu o mesmo truque de 2017. No último dia do ano jurídico, forçou o reajuste aos servidores públicos. O aumento havia sido dado aos servidores em parcelas anuais até 2019. Não pode ser anulado. Mas pode ser adiado. E foi isso que a área econômica fez. O gasto extra de R$ 6 bi ficaria para 2020. Lewandowski derrubou a decisão do executivo e elevou despesas do Orçamento.

O ministro Marco Aurélio também decidiu suspender os efeitos do decreto do presidente Temer que facilitava a venda de ativos pela Petrobras. Com isso, o plano de desinvestimentos da empresa fica em suspenso. O ministro concordou com a tese do PT de que cabe ao Congresso decidir sobre o assunto. A questão é que o Congresso, há 23 anos, aprovou uma emenda acabando com o monopólio do petróleo, não faz sentido que a empresa tenha que consultar o parlamento em cada compra ou venda.

Sobre o momento do início do cumprimento da pena, há uma controvérsia no STF. De um lado, alguns ministros pensam que só após o julgamento do último recurso na última instância o réu pode cumprir a pena. Outro grupo considera que a partir da confirmação da sentença por um órgão colegiado pode haver a execução provisória. Quem conhece o Brasil sabe que se prevalecer esta infinita estrada recursal os beneficiados serão os ricos e poderosos. Por isso, os procuradores da Lava-Jato ontem disseram que se não houver prisão após condenação em segunda instância não há punição para crime do colarinho branco.

Há dúvida também se uma decisão tomada em 2016 deve ser novamente apreciada em tão pouco tempo. O ministro Marco Aurélio argumentou que o ministro Gilmar Mendes mudou de ideia e a ministra Rosa Weber indicou que votará contra a prisão após a segunda instância. Ora, se ele acha que formou-se nova maioria nada mais normal que espere até abril, em vez de tomar uma medida estouvada. A única frase convincente da sua decisão solitária aplica-se à sua própria liminar: “Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida República.”

Houve outras estranhezas. O deputado Rodrigo Maia esperou sentar-se na cadeira da Presidência para sancionar a possibilidade de que os municípios descumpram a Lei de Responsabilidade Fiscal. Todo mundo sabe que essa interinidade não é para ser usada para tomar decisões dessa envergadura.

Nesse dia, ainda houve mais um fato grave. Fabrício Queiroz, assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro, não foi depor sobre suas movimentações bancárias. O próprio senador havia dito que suas explicações eram plausíveis e não tinham ilegalidade. Foi marcada nova data. Enquanto Queiroz continuar se escondendo, a dúvida permanece depositada no colo dos Bolsonaro.


Vera Magalhães: Supremo como fonte de instabilidade política e jurídica

Não se trata aqui de dizer que a Corte deva se curvar à opinião pública

O factoide produzido nesta quarta-feira, 19, por Marco Aurélio Mello com a breve liminar mandando soltar presos condenados em segunda instância serviu apenas ao propósito de desgastar ainda mais o Supremo Tribunal Federal.

Não se trata aqui de dizer que a Corte deva se curvar à opinião pública. O fato é que, de garantidor da estabilidade jurídica do País, como reza a Constituição, o Supremo tem sido, cada vez mais, a fonte a partir da qual emana toda a insegurança – não só jurídica e judicial, mas, como consequência, política.

O STF se manifestou em três ocasiões pela possibilidade de execução provisória da pena de prisão a partir da condenação em segunda instância: duas em habeas corpus, em 2016, e a terceira em julgamento do plenário virtual, que garantiu repercussão geral àquelas decisões.

Neste ano, voltou a se debruçar sobre a questão ao julgar outro HC, do ex-presidente Lula. Já há sessão marcada para abril para tratar da questão, aí sim, de forma definitiva, nas duas ações das quais Marco Aurélio é relator.

Foi a insatisfação com a demora em levar a questão à pauta que fez com que Marco Aurélio se adiantasse e exarasse essa decisão injustificável, à véspera do recesso.

Afrontou o colegiado, o presidente da Corte, a opinião pública e a segurança jurídica, às vésperas do recesso judicial e da posse do novo governo. E forçou Toffoli a, também de forma monocrática, revogar a liminar para evitar consequências mais nefastas.

E não se trata só da eventual soltura de Lula, consequência politicamente mais estridente da decisão, mas de bagunçar todo o sistema judicial do País por birra.

No caso do ex-presidente, Marco Aurélio sabe das implicações sociais e políticas de suscitar de novo esse debate às vésperas da posse de Jair Bolsonaro. Com que propósito, uma vez que o julgamento do mérito das ações das quais é relator já está marcado?

Marco Aurélio termina o dia tendo contribuído, de forma absolutamente desnecessária, para o descrédito da Corte, cujas decisões monocráticas ultrapassam em muito o razoável num tribunal que tem na colegialidade uma das suas razões de ser e não têm paralelo em tribunais superiores de países estáveis jurídica e politicamente.

E são decisões como essas, tomadas muitas vezes por vaidade e por falta de compreensão do fato de que a Corte não é mais um arquipélago de 11 ilhas impermeável ao escrutínio da sociedade, que fazem com que as pessoas considerem que o STF é uma vergonha para o País – como externou recentemente um cidadão que quase levou voz de prisão de Ricardo Lewandowski por isso.


Luiz Carlos Azedo: O barraco no Supremo

“O papel de poder moderador atribuído ao Supremo pela Constituição de 1988 começa a ser solapado pelo desgaste político de decisões intempestivas e polêmicas de seus ministros”

Às vésperas dos recessos legislativo e judiciário e a 11 dias da posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro, duas decisões monocráticas do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello ameaçaram virar o país de pernas para o ar: uma gerou forte reação no Congresso, ao interferir na eleição dos presidentes das duas Casas, acabando com o voto secreto; a outra, revoltou a opinião pública e os integrantes da Operação Lava-Jato, ao revogar as prisões em decorrência de condenações em segunda instância. A liminar abriria as portas dos presídios para 169 mil presos, aproximadamente, entre os quais, condenados por crimes de colarinho branco, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas acabou suspensa pelo ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo.

As decisões de Marco Aurélio desnudaram a fratura que existe no Supremo em relação à Operação Lava-Jato e à execução de penas após a condenação em segunda instância, como é o caso de Lula. Por quatro vezes, nos últimos anos, o Supremo firmou jurisprudência em plenário sobre o tema. Entretanto, houve uma mudança na composição da Corte e o entendimento da nova maioria sobre o chamado “transitado em julgado” é outro. O presidente do Supremo já anunciou que pretende rever essa questão em 2019, mas sinaliza a intenção de encontrar o caminho do meio: uma solução intermediária, que unifique o Supremo, provavelmente restringindo o alcance da aplicação das penas de prisão após condenação em segunda instância.

Ontem, porém, Toffoli foi atropelado por Marco Aurélio, com sua decisão monocrática. O ministro alegou que tentou pautar o tema no plenário do STF durante todo o ano, mas o tribunal não colocou a ação em julgamento. “Achei que não podia encerrar o ano no Judiciário sem tomar uma decisão sobre o assunto”, disse. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu contra a decisão e o presidente do Supremo suspendeu a liminar, antes que o caso virasse uma crise mais grave. Advogados dos presos da Lava-Jato já estavam peticionando a soltura de seus clientes.

Foi uma espécie de batalha de Itararé, mas quem saiu mais desgastado do processo foi o Supremo, onde cada ministro se acha no direito de fazer o que quer e bem entende em termos de interpretação da Constituição. Não há um consenso básico do tribunal sobre temas que exigem um posicionamento claro e unificado de seus integrantes pela repercussão que têm na opinião pública e no processo político. Toffoli tem manifestado a intenção de conciliar as partes no tribunal e preservar o papel de poder moderador atribuído ao Supremo pela Constituição de 1988, mas que começa a ser solapado pelo desgaste político de decisões intempestivas e polêmicas de seus ministros.

Congresso
A outra decisão polêmica de Marco Aurélio foi a interferência na eleição da Mesa do Senado, determinando que seja com base no voto aberto, quando o regimento interno da Casa determina que seja secreto. Houve reação dos presidentes do Senado, Eunício de Oliveira, que não se reelegeu, e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que ontem exercia interinamente a Presidência da República. Nesse caso, a Procuradoria-Geral da República não recorreu, mas o Senado recorrerá. A eleição para presidente da Casa, bem como dos demais cargos diretivos, está prevista para ocorrer no início de fevereiro de 2019, quando o Congresso retomar as atividades.

Marco Aurélio Mello atendeu a pedido feito pelo senador Lasier Martins (PSD-RS), que pleiteou a eleição em votação aberta, com o argumento de que a transparência é exigência para o Poder Público. “Prevalece, como direito inalienável dos cidadãos, a submissão dos atos de exercício de poder, tanto do Executivo como do Judiciário e do Legislativo, à luz meridiana, dogma do regime constitucional democrático. Constitui fator de legitimação das decisões governamentais, indissociável da diretriz que consagra a prática republicana do poder, o permanente exercício da transparência”, disse o ministro.

A decisão tem tudo a ver com a disputa pela Mesa do Senado, na qual é favorito o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que já presidiu aquela Casa por quatro vezes. O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), recém-eleito, se movimentava para construir uma alternativa, mas, desde a descoberta da “caixinha” que havia em seu gabinete da Assembleia Legislativa fluminense, teve que recuar nesse enfrentamento. Marco Aurélio e Renan Calheiros são inimigos figadais.

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Correio Braziliense: Quarta-feira que não acabou

Entenda como o Supremo sacudiu o Brasil em um intervalo de seis horas

Decisão tomada individualmente pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, quase resultou na soltura do ex-presidente Lula e de milhares de outros presos provisórios. Presidente da Corte derrubou a ordem e escancarou tensão entre magistrados

Por Hamilton Ferrari e Renato Souza, do Correio Braziliense

Em um ato inesperado, realizado no último dia antes do recesso do Judiciário, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), causou um verdadeiro alvoroço na Justiça de todo o país. Após a última sessão do ano na Corte, o magistrado decidiu agir sozinho para liberar todos os presos que estão encarcerados em decorrência de condenação em 2ª instância de Justiça. Entre os beneficiados com a decisão, estava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A situação de instabilidade durou seis horas, até o começo da noite de ontem, quando o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, suspendeu a validade da medida. A quarta-feira cheia de suspense não acabou ontem: o assunto voltará a ser discutido em outro meio de semana, no dia 10 de abril de 2019.

Marco Aurélio atendeu a um pedido do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e enfrentou a decisão da maioria dos colegas de Tribunal, que, em 2016, entenderam que é constitucional a execução antecipada da pena. Dados levantados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que um total de 169.324 presosestavam encarcerados por conta da execução provisória de suas ações criminais e poderiam ser soltos em todos os estados. Esse dado se refere aos presos em 1ª e 2ª instâncias. O número de presos provisórios representa 23,9% do total de 706 mil detentos do sistema penitenciário nacional. Quem estivesse preso por força de prisão preventiva, ou representasse grave risco à ordem pública, continuaria encarcerado.

Defesa rápida
A decisão atingiria pessoas condenadas por diversos crimes, como roubo, estupro, homicídio e corrupção. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a 12 anos e um mês por corrupção e lavagem de dinheiro — e que ainda recorre aos tribunais superiores — poderia deixar a cadeia. A defesa dele ingressou com um pedido de soltura 43 minutos após a liminar ser deferida por Marco Aurélio. No entanto, a juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela execução da sentença do petista, afirmou que a soltura não ocorreria de forma imediata. Então, solicitou manifestação do Ministério Público.

No recurso — enviado para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli —, solicitando que a validade da liminar fosse suspensa, a procuradora Raquel Dodge classificou a medida como “temerária” e destacou que “desrespeita o princípio da colegialidade, uma vez que o plenário do STF já se manifestou, por diversas vezes, pela constitucionalidade da chamada execução provisória da pena”. Além de Lula, os advogados do ex-governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, solicitaram que o cliente fosse colocado em liberdade.

Ao suspender a medida, Toffoli destacou, no despacho, que o assunto já está na agenda do plenário para o próximo semestre. “Defiro a suspensão de liminar para suspender os efeitos da decisão proferida nesta data, nos autos da ADC nº 54, até que o colegiado maior aprecie a matéria de forma definitiva, já pautada para o dia 10 de abril do próximo ano judiciário, consoante calendário de julgamento”, escreveu.

Reações
Não faltaram críticas contra a decisão do ministro Marco Aurélio no meio jurídico. Rogério Sanches Cunha, promotor de Justiça e professor penal do Cers, classificou a liminar como irresponsável. Ele destacou que a publicação foi tomada no apagar das luzes, na véspera do recesso forense, surpreendendo a todos, inclusive ao próprio Supremo. “O STF não é uma Casa de um juiz e, sim, de um colegiado. A decisão fere de morte o princípio da colegialidade, ainda mais um tema caro como esse, de grande repercussão nacional”, disse. “Independentemente da orientação e da decisão política, nós não podemos negar que o próprio povo deu o recado em 2018 e quer um endurecimento das punições. Essa decisão contrariou o bom senso, o princípio da cordialidade com os colegas e a própria soberania popular”, completou.

Os especialistas citam que a falta de responsabilidade em decisões democráticas tem gerado grande instabilidade na legislação. Hanna Gomes, especialista em direito criminal do escritório Kolbe Advogados, avaliou que a decisão é acertada, mas, pelo contexto, o magistrado colocou o STF em “contradições” e contribuiu para o aumento da insegurança jurídica. “Os textos têm várias interpretações. Acredito que foi uma decisão política a fim de que a Corte se posicione de forma definitiva sobre o tema, mas que afeta todas as camadas da sociedade. A cara do Judiciário fica mais uma vez no chão, numa decisão polêmica, parecendo que caminhou sorrateiramente debaixo do tapete”, disse.

Exército e FHC repercutem
A tensão foi tão elevada em Brasília que o Alto Comando do Exército se reuniu para decidir medidas que poderiam ser tomadas após eventuais manifestações, em razão da soltura do ex-presidente Lula e de outros beneficiados. O encontro, convocado em caráter de emergência, teve como finalidade traçar um plano para o caso de a Força ser acionada por um dos Três Poderes. Já o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) criticou o ministro Marco Aurélio. “A decisão de juiz do STF é como a de líder político: mede-se pelas consequências; liberar condenados em 2ª instância, mesmo em nome da Constituição, tem resultado negativo: aumenta a insegurança e a descrença na Justiça. Que o plenário resolva logo a questão”, disse.

Briga com pares no STF
A decisão do ministro Marco Aurélio acirra o clima entre os integrantes do STF. O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, marcou o julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade (ADCs), que tratam da prisão a partir de condenação em 2ª instância para 10 de abril de 2019. No entanto, ao tomar uma decisão monocrática, ele é acusado, nos bastidores, de passar por cima do presidente do tribunal e do próprio colegiado, que já decidiu sobre o tema em outras ocasiões.

Ações sobre a execução provisória da pena tramitam no Supremo há dois anos. As peças foram liberadas para análise do plenário em dezembro de 2017. No entanto, a então presidente do Tribunal, ministra Cármen Lúcia, disse que o assunto “já estava superado” e não pautou novamente o tema. Mas a Corte julgou um recurso apresentado pela defesa do ex-presidente Lula contra sua prisão. Os advogados ingressaram com um pedido de habeas corpus preventivo, para que ele não fosse preso após condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Na ocasião, por 6 votos a 5, o plenário autorizou a prisão do petista.

A professora Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em direito administrativo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca que Marco Aurélio é o próprio relator das ADCs e cria um clima de tensão ao decidir individualmente. “Haverá uma certa apreensão a partir de agora. Nós já tivemos três precedentes da decisão do plenário da Corte a favor da prisão em segunda Instância. Ele foi muito infeliz em deferir a liminar com julgamento do assunto marcado para abril. Agiu de modo impulsivo. Apesar de se basear na Constituição, ele tem um perfil de tomar decisões assim. Foi um tanto quanto agressivo ao decidir monocraticamente em um posicionamento completamente diferente da maioria”, diz.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Lamachia, defendeu que o assunto seja definido o quanto antes pelos ministros. “O sistema de Justiça deve ter um norte para atuar nos casos penais. Com isso se combate a impunidade e a corrupção a partir de regras claras e da celeridade processual”, disse. Atualmente, tramitam no Supremo duas ADCs que pedem que seja declarada inconstitucional a possibilidade de prisão antes que o processo seja julgado em todas as instâncias de Justiça. A primeira delas foi ajuizada pelo antigo PEN, atual partido Patriota, e a segunda, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).