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Bernardo Mello Franco: Celso de Mello e a função do Supremo
Em voto contra o obscurantismo, Celso de Mello afirmou que o Supremo não pode se curvar às pressões do tribunal do Facebook. Sua independência ainda fará falta à Corte
Celso de Mello foi o único ministro do Supremo a protestar quando o então comandante do Exército, general Villas Bôas, disparou um tuíte para emparedar o tribunal no ano passado. Ontem o decano voltou a mostrar por que a sua voz é fundamental para afirmar a independência da Corte.
Celso é relator de uma das ações que pedem a criminalização da homofobia. A maioria dos países desenvolvidos tem leis para combater os crimes de ódio contra homossexuais. O novo governo pressiona o Judiciário e o Congresso para manter o Brasil fora do clube.
Na quarta-feira, o presidente disparou dois tuítes sobre o julgamento. Ele elogiou a sustentação do advogado-geral da União, que falou em “estabilidade” e “pacificação social” ao discursar contra as ações. Os ministros entenderam o recado: se a Corte contrariar o Planalto, voltará à mira das falanges governistas.
As posições de Jair Bolsonaro sobre o tema são conhecidas. “Sou homofóbico, sim, com muito orgulho”, informou, num vídeo gravado em 2013. Em outra entrevista, ele disse preferir que um filho “morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”.
Esse tipo de declaração já foi tido como um suicídio político. Hoje em dia, rende votos e curtidas nas redes sociais. A intolerância virou ativo para candidatos que surfaram a onda conservadora em 2018. Agora a turma também quer enquadrar o Supremo. Alguns ministros já indicaram que aceitaram a tutela.
Ontem o decano deixou claro que não está neste grupo. Ele transformou seu voto em libelo contra o avanço do obscurantismo. Lembrou que a Constituição protege os direitos das minorias, atacadas por porta-vozes de “doutrinas fundamentalistas”.
Celso disse saber que será “mantido no índex dos cultores da intolerância, cujas mentes sombrias que rejeitam o pensamento crítico”. Mesmo assim, defendeu que é preciso afirmar a “função contramajoritária” do Supremo — ou seja, sua independência em relação às patrulhas ideológicas e ao tribunal do Facebook.
O ministro se aposentará no fim de 2020, ao completar 75 anos. Fará falta à Corte e ao país.
Elio Gaspari: Os juízes no deserto de juristas
Pesquisa sobre magistrados contou tudo e sua digestão ajudará o debate
Os juízes brasileiros vivem num deserto de jurisconsultos. Isso foi o que revelou a pesquisa da Associação de Magistrados Brasileiros depois de ouvir 4.000 doutores ativos ou aposentados. Diante de um pedido para que citassem três juristas que viam como referências importantes para o direito brasileiro, mencionaram cerca de 3.000 nomes. Os professores Luiz Werneck Vianna, Maria Alice de Carvalho e Marcelo Burgos filtraram os mais citados e disso resultou uma lista de 47 juristas. Apesar de seus 196 anos de existência, o Supremo Tribunal Federal só produziu nove nomes.
Da atual composição da corte entraram quatro: Luís Roberto Barroso, Celso de Mello, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Barroso, com 320 citações entre os juízes de primeiro e segundo graus, só perdeu para o monumental Pontes de Miranda (1892-1979), autor de mais de 300 obras. Entre os ministros de tribunais superiores, teve uma solitária menção, enquanto Pontes de Miranda ganhou cinco. (Conhecendo o tamanho dos egos do meio, os professores listaram as preferências dos juízes por ordem alfabética.)
A cultura jurídica dos magistrados que responderam à pesquisa revela grande respeito por autores que lidam com o lado processual da máquina e, em alguns casos, por advogados que produziram competentes manuais. Exagerando, pode-se dizer que são como pilotos que leem tudo sobre o funcionamento das aeronaves, mas não consideram relevante a autobiografia de Charles Lindbergh, a primeira pessoa a atravessar o Atlântico, num voo solo de 33 horas a bordo de um monomotor. Podem ter razão.
Juristas como Vitor Nunes Leal e Hermes Lima, ex-ministros do STF cassados em 1968, ficaram de fora. Na outra ponta, José Carlos Moreira Alves, procurador-geral do general Emílio Médici, nomeado para a corte em 1975, também não entrou. Alfredo Buzaid, ministro da Justiça da ditadura de 1969 a 1974, teve uma citação, mas Francisco Campos, o grande jurista do Estado Novo, autor do preâmbulo do primeiro Ato Institucional, não se classificou.
É surpreendente que entre os autores das 15 obras acadêmicas e filosóficas mais citadas pelos magistrados estejam apenas dois americanos. Isso numa época em que o direito brasileiro sofre as dores do parto da delação premiada e se discute a introdução de um mecanismo da "plea bargain" sem que haja sequer tradução consolidada para o instituto. (O ministro Sergio Moro diz que é "solução negociada", mas há quem fale em "transação penal") Mais de 80% dos magistrados brasileiros gostam da ideia. É verdade que o direito americano é diferente do brasileiro, mas, se o negócio é importar jeans, rock e leis, a discussão melhorará quando alguém citar Oliver Wendell Holmes (1841-1935), um campeão das liberdades públicas que ainda por cima combateu pelo Norte durante a Guerra da Secessão.
O relatório da pesquisa chama-se "Quem Somos -- A Magistratura que Queremos" e está na rede. Foram 198 questões que produziram cerca de 800 tabelas. É um tesouro em si porque mergulhou na vida dos magistrados e, acima de tudo, porque a equipe de professores fez esse mesmo trabalho há 20 anos. Desta vez, sua realização foi coordenada pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça. Poucos países do mundo puderam fazer a mesma coisa. Sua completa digestão deverá levar algum tempo.
Quem quiser começar a examiná-la partindo de temas atuais, pode ter um auxílio começando pela questão 176, a da "situação de moradia": 70% dos juízes de primeiro grau e 93% daqueles do segundo grau vivem em casa própria.
Bruno Boghossian: Aliados de Bolsonaro tentam dar um golpe do pijama no Supremo
Proposta de antecipar aposentadoria de ministros é truque para emparedar o tribunal
Há 50 anos, os generais da ditadura decidiram mandar para casa três ministros do STF considerados obstáculos ao regime. Victor Nunes Leal tinha 54 anos quando ouviu no rádio a notícia de sua aposentadoria forçada. Ele se virou para um colega que jantava em sua casa e disse: “O senhor já não está falando com um ministro do Supremo”.
Aliados de Jair Bolsonaro querem dar um novo golpe do pijama no tribunal. A ideia é mudar a Constituição para antecipar a idade de aposentadoria dos ministros de 75 para 70 anos e abrir caminho para que o presidente possa indicar, de uma só vez, quatro integrantes para a corte.
A manobra é mais do que oportunista. Em 2015, o Congresso aprovou a PEC da Bengala, que aumentou a idade de aposentadoria no Judiciário para 75 anos —uma malandragem para impedir Dilma Rousseff de fazer novas indicações para o STF. Bolsonaro votou a favor da proposta.
Agora, o casuísmo pode ser duplicado. Numa artimanha para acomodar a lei a seus interesses políticos, os parceiros do governo querem revogar a PEC para tirar da corte Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Mudariam o equilíbrio do tribunal sem precisar chamar um cabo e um soldado.
Bolsonaristas colhem assinaturas de apoio ao projeto. A deputada Bia Kicis (PSL) subiu à tribuna nesta terça (12) para dizer que a proposta atende ao “clamor das redes sociais”. Ela quer presidir a Comissão de Constituição e Justiça, mas começa mal ao tentar torcer a legislação para favorecer seu grupo político.
Em entrevista ao SBT em janeiro, Bolsonaro festejou a PEC de 2015 e disse que não faria “gestões para revogar” a medida. Ele deveria passar essa orientação a seus seguidores.
O novo Congresso decidiu enfrentar o Judiciário, mas flerta com uma crise que pode pulverizar a relação entre as instituições. A popularidade do STF está no buraco, mas um expurgo seria injustificável. Mudar a regra do jogo quando for conveniente é só um truque barato para atropelar desafetos e concentrar poder.
Vera Magalhães: Equilíbrio frágil
Se der certo arranjo que une adversários de antes num suposto pacto pró-superação da crise, aumentam as chances de a reforma da Previdência prosperar
Às vésperas da volta de Jair Bolsonaro, o governo tenta armar o meio de campo da articulação política para que o presidente arbitre, finalmente, a proposta de reforma da Previdência que mandará ao Congresso. No domingo, alertei que esta composição não era mera contagem de base aliada na Câmara e no Senado. A concertação com o Judiciário e o Ministério Público tem um peso crucial para as chances de sucesso da emenda. E os movimentos desta semana demonstram que o Planalto tem consciência disso. Se a composição será bem-sucedida e duradoura é mais complexo de estimar.
O almoço que reuniu o presidente do STF, Dias Toffoli, e o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) forneceu a imagem necessária a passar o recado aos exércitos de lado a lado: a hora é de distensionar as relações entre Executivo e Judiciário. Por isso, nada de marolas.
Alguns fatos aparentemente isolados atendem a esse comando: a Receita veio a público informar que o ministro Gilmar Mendes não é alvo de investigação; no Senado, a CPI da Toga morreu antes de nascer; nas redes sociais, foram silenciados os clamores pela revogação da emenda que esticou a aposentadoria compulsória dos juízes, a chamada “PEC da Bengala”, ideia que estava sendo vendida como forma de “expurgo” dos ministros hostis ao governo.
Por fim, o ministro Luiz Fux suspendeu duas ações penais contra Bolsonaro. Ora, dirão, a Constituição determina que presidentes não podem ser processados por fatos anteriores ao mandato. Verdade. Mas não custa lembrar que ainda ontem Michel Temer era presidente e isso não foi óbice para que enfrentasse inquéritos que escrutinavam sua vida e a da família.
Toffoli tem feito vários acenos a um suposto “pacto” para que o País supere suas múltiplas crises. Isso, no entanto, não impede sinais trocados, como a liminar concedida por ele mesmo na madrugada de um sábado enfiando a colher de pau na eleição para a presidência do Senado.
É frágil esse arranjo que une adversários de antes num suposto pacto pró-superação da crise. Se der certo, aumentam as chances de a reforma da Previdência prosperar. Falta chamar um ator para o baile do entendimento: o Ministério Público, que organiza um indecente piquete contra a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pela perda de privilégios. E que vai tentar inviabilizar a reforma, pela mesma razão.
MEIO AMBIENTE
Brumadinho não mudou dogmas do governo para política ambiental. Mais do que a falsa polêmica sobre o que Ricardo Salles acha ou deixa de achar de Chico Mendes, a entrevista do ministro do Meio Ambiente ao Roda Viva foi ilustrativa de que a tragédia de Brumadinho, que resultou na morte de mais de 300 pessoas, não alterou a forma como ele e o governo Jair Bolsonaro enxergam a questão ambiental.
Nas palavras de Salles, fiscalização, regulamentação, licenciamento, preservação e metas são sempre sinônimos de estorvo ao desenvolvimento econômico, e não preocupação real que tem impacto na vida das pessoas e no futuro do País.
O ministro despreza estatísticas em nome de “causos” exóticos evocados para demonstrar a ineficiência da fiscalização e das normas.
O que colocará no lugar não fica claro. Mesmo depois de Brumadinho, segue falando em termos como autolicenciamento. Entope de ideologia o debate que pretensamente quer desideologizar. Nesse contexto, o que Salles acha de Chico Mendes é o menor dos problemas.
El País: Supremo se livra de CPI no Senado, mas segue na mira em Brasília e nas redes
Requerimento de CPI da ‘Lava Toga’ foi arquivado. Advogado promete apresentar pedidos de impeachment de ministros do STF que testarão nova composição da Câmara Alta
O Senado estava prestes a tensionar ainda mais a conturbada relação com o Poder Judiciário quando deu um passo atrás nesta segunda-feira. Em apenas um dia da semana passada, um senador novato, o ex-delegado da Polícia Civil Alessandro Vieira (PPS-SE), conseguiu obter as 27 assinaturas necessárias, ou nada menos que um terço da Casa, para abrir a Comissão Parlamentar de Inquérito apelidada de “Lava Toga”, uma CPI para investigar a atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Era o passo mais forte no contra-ataque desenhado pelos senadores, muitos investigados pelo próprio Supremo e incomodados com a decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, de referendar a eleição com voto secreto para presidente do Senado, no dia 2. Porém, depois do vazamento da informação de que o ministro do STF Gilmar Mendes estava sendo investigado pela Receita Federal e de uma série de articulações no fim de semana, três senadores retiraram o apoio à apuração: Tasso Jereissatti (PSDB-CE), Kátia Abreu (PDT-TO) e Eduardo Gomes (MDB-TO). O movimento obrigou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a arquivar o pedido de investigação.
“Em relação ao mal-estar, eu acho que o Parlamento é um Poder e precisa estar em harmonia com o Judiciário, assim como com o Executivo. Nada mais justo que as instituições funcionem”, ponderou Alcolumbre, instado a comentar se havia alguma animosidade com a Justiça.
O arquivamento, contudo, significa uma espécie de trégua temporária. O senador Vieira informou que estuda outras maneiras de obter apoio a investigação, se apresentando um novo pedido com outras 27 assinaturas ou apenas substituindo as que foram retiradas. “Essa não é uma demanda de um ou outro senador, mas de toda a sociedade. Não pode haver democracia se um poder for imune ao debate, críticas e fiscalizações”, afirmou ao EL PAÍS.
A ação do senador vem na esteira de uma série de manifestações nas redes sociais, principalmente entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que tenta minar a credibilidade das altas cortes e especialmente do STF. Há ao menos outras duas ofensivas em curso, que vão testar seu poder de fogo nas próximas semanas e meses. Movimentos sociais e ativistas prometem apresentar mais uma série de pedidos de impeachment de ministros do STF, que tramitam pelo Senado. Enquanto isso, na Câmara, há um movimento incipiente para derrubar a Proposta de Emenda à Constituição que aumentou de 70 para 75 anos a idade da aposentadoria compulsória dos ministros do STF e de tribunais superiores. Se revogada a chamada PEC da Bengala, o Governo Bolsonaro poderia indicar até quatro nomes para o STF até o fim do mandato –uma das agitadoras da campanha é a deputada Bia Kicis (PSL-DF).
"Ativismo judicial" e Gilmar Mendes
Em seu requerimento que solicitava a abertura da CPI, o senador Vieira ressaltava quatro razões para investigar as Cortes, que ele as definiu como distorções do funcionamento dos tribunais: 1) uso abusivo de pedidos de vista para retardar ou inviabilizar decisões do plenário; 2) o frequente desrespeito ao princípio do colegiado; 3) a distinção entre o lapso de tramitação de pedidos, a depender do interessado e; 4) a participação de ministros em atividades econômicas incompatíveis com a Lei Orgânica da Magistratura. “Temos até ministros empresários. E isso não pode, o magistrado só pode ser juiz ou professor, qualquer atividade fora disso é irregular”, disse o senador.
Há 20 anos, uma CPI do Judiciário foi a responsável por ajudar a polícia a desvendar os desvios de 169 milhões de reais da construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. O caso resultou na futura condenação do então senador Luiz Estevão e do juiz Nicolau dos Santos Neto, que ficou nacionalmente conhecido como Lalau.
Na frente dos movimentos sociais e ativistas, o primeiro alvo de pedidos de impeachment deve ser Gilmar Mendes, que já teve cinco requerimentos do tipo arquivados pelo Senado em anos anteriores. Uma reportagem da revista Veja publicada na semana passada mostrou que Mendes e sua esposa, a advogada Guiomar Mendes, são investigados por auditores da Receita Federal por delitos como corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência. O documento obtido pela revista mostra que os fiscais da Receita afirmam, de forma genérica que “o tráfico de influência normalmente se dá pelo julgamento de ações advocatícias de escritórios ligados ao contribuinte ou seus parentes, onde o próprio magistrado ou um de seus pares facilita o julgamento”.
Assim que a informação vazou, Mendes pediu que o Supremo tomasse providências. No mesmo dia, o Ministério da Economia determinou a abertura de uma sindicância para investigar os investigadores. Em nota, a Receita negou que haja provas contra Mendes e a mulher. Em sua defesa, o ministro negou qualquer irregularidade, afirmou que a Receita não pode se transformar na Gestapo (a polícia política do nazista alemão Adolf Hitler), reclamou de abuso de poder e que é alvo de ataques de sua reputação. “Causa enorme estranhamento e merece ponto de repúdio o abuso de poder por agentes públicos para fins escusos, concretizado por meio de uma estratégia deliberada de ataque ‘reputacional’ a alvos pré-determinados”, reclamou o magistrado ao presidente do STF, Antonio Dias Toffoli.
Outros pedidos devem ser apresentados contra os ministros Toffoli e Ricardo Lewandowski. O anúncio foi feito pelo advogado e jurista Modesto Carvalhosa em sua conta no Twitter. A reportagem não conseguiu entrar em contato com esse advogado. Ele é autor de outros dois pedidos que acabaram arquivados. Dos 11 ministros da atual composição do Senado, oito já foram alvos de 20 pedidos de impeachment desde o ano de 2008, todos arquivados pelo presidente da ocasião. Além de Mendes, Toffoli e Lewandowski, já houve tentativas de destituição de Roberto Barroso, Luiz Fux, Marco Aurélio Mello, Edson Fachin e Rosa Weber. Apenas Celso de Mello, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes não responderam a nenhuma representação. O principal argumento para o arquivamento era "inépcia da inicial", ou seja, que não havia a comprovação de delitos cometidos pelos denunciados.
O Globo: Receita Federal vai investigar auditores que investigam Gilmar
Ao saber de devassa feita por auditores fiscais, ministro do STF pediu providências ao presidente da Corte; Toffoli enviou ofícios à Fazenda e à procuradora-geral da República para adoção de ‘providências cabíveis’
Gilmar tem foro privilegiado e só pode ser investigado pelo próprio Supremo
Bela Megale, Daniel Gullino e Carolina Brígido, de O Globo
O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, determinou que a Corregedoria do órgão apure em que circunstância auditores da instituição instauraram investigação sobre o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão foi ratificada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Ontem, a revista “Veja” revelou que a Receita trabalha para identificar “focos de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” por parte de Gilmar e de Guiomar Mendes, mulher do magistrado.
Um relatório de maio de 2018 apontou uma variação patrimonial de R$ 696.396 do ministro em 2015, considerada sem explicação. O documento afirma que Guiomar “possui indícios de lavagem de dinheiro”. Em 2016, o casal movimentou R$ 17,3 milhões.
O documento diz ainda que o “tráfico de influência normalmente se dá pelo julgamento de ações advocatícias de escritórios ligados ao contribuinte e seus parentes, onde o próprio magistrado ou um de seus pares facilita o julgamento”.
Ao tomar conhecimento da notícia, Gilmar Mendes pediu providências ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli. Toffoli, por sua vez, enviou ofícios a Cintra, Guedes, e à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitando a “devida apuração e adoção das providências cabíveis”.
“O secretário Especial da Receita Federal, Marcos Cintra, tomou conhecimento dos fatos narrados pelo ministro Gilmar Mendes e que foram objeto de comunicação enviada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, recebida nesta data. O secretário determinou, imediatamente, que a Corregedoria da Receita Federal inicie a devida apuração dos mesmos”, diz a nota do Ministério da Economia divulgada ontem.
“A decisão, tomada pelo secretário especial da Receita Federal, foi ratificada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao tomar conhecimento do Ofício nº 021/ 2019-GP, também encaminhado pelo Presidente do STF e que trata dos mesmos fatos”, concluiu o o texto.
No ofício enviado a Toffolli, Gilmar aponta “abuso de poder” por parte dos fiscais da Receita. “Causa enorme estranhamento e merece ponto de repúdio o abuso de poder por agentes públicos para fins escusos, concretizado por meio de uma estratégia deliberada de ataque reputacional a alvos pré-determinados”.
O ministro do Supremo também pediu a “adoção de providências urgentes" para “apurar a responsabilidade por eventual ilícito” e destacou que “nenhum fato concreto é apresentado” nos documentos publicados pela revista.
Gilmar destaca ainda que iniciativa como essa investigação não é “inovadora”. “Referida casuística, aliás, não é inovadora, nem contra a minha pessoa e nem contra membros do Poder Judiciário, em especial em momentos em que a defesa de direitos individuais e de garantias constitucionais desagrada determinados setores ou agentes”, afirmou. Como ministro do STF, Gilmar tem direito ao foro privilegiado e só pode ser investigado criminalmente pela própria Corte.
Em nota, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) afirmou que “nada há de ilegal ou anormal na existência de investigação na vida fiscal do Ministro Gilmar Mendes” e destacou que as autoridades tributárias devem ter um rigor maior em relação às chamadas pessoas politicamente expostas, grupo que incluiu ministro do STF, porque há “maior risco de se envolverem em casos de corrupção”.
“O que deve ser ressaltado é que não há qualquer justificativa, moral ou legal, portanto, para qualquer nível de indignação do referido ministro do STF ou de qualquer outra autoridade pública quanto à existência da investigação de sua vida fiscal”, diz o texto da Unafisco.
A associação ressaltou que os auditores fiscais têm o dever de manter o sigilo das investigações, e que “eventual quebra de sigilo deve ser rigorosamente apurada e punida”. A nota afirma, no entanto, que a apuração sobre uma eventual quebra de sigilo não pode “causar qualquer prejuízo à continuidade das investigações”.
O Estado de S. Paulo: STF vê digitais de Onyx e retaliação em discussão sobre CPI do Judiciário
Integrantes do STF ouvidos pelo Estadão/Broadcast afirmam que ministro da Casa Civil tem atuado nos bastidores para abrir colegiado e mirar a Suprema Corte
Rafael Moraes Moura e Amanda Pupo, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA – Integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) veem as digitais do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), nas movimentações do senador Delegado Alessandro Vieira (PPS-SE) para abrir uma comissão parlamentar de inquérito(CPI) e investigar o “ativismo judicial” de tribunais superiores do País. O parlamentar já coletou as 27 assinaturas necessárias e, agora, o pedido passará por uma análise da Secretaria-Geral da Casa.
Para integrantes do STF ouvidos pelo Estadão/Broadcast Político sob a condição de anonimato, a “CPI do Judiciário” – voltada em tese para investigar a atuação de tribunais superiores – mira na verdade a Suprema Corte. O STF foi palco de decisões recentes que atingiram os interesses do Congresso Nacional, como a determinação na madrugada do último sábado (2) do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, para que a votação de escolha do novo presidente do Senado fosse fechada, conforme previsto no regimento interno da Casa.
A decisão de Toffoli foi interpretada por senadores como uma forma de favorecer Renan Calheiros (MDB-AL), que acabou desistindo da disputa após parlamentares decidirem abrir o voto e revelar quem escolheram para chefiar a casa.
Ao apresentar o pedido de criação da CPI, o senador Delegado Alessandro Vieira apontou o “uso abusivo de pedidos de vista ou expedientes processuais para retardar ou inviabilizar decisões do plenário” e a “diferença abissal do lapso de tramitação de pedidos, a depender do interessado” – dois pontos que dizem respeito ao funcionamento interno da Corte.
“Não deveria haver lugares para ideologias, paixões ou vontades no Judiciário, contudo, fato é que o País tem testemunhado com preocupante frequência a prevalência de decisões judiciais movidas por indisfarçável ativismo político, muitas vezes ao arrepio da própria Constituição”, diz o pedido de abertura da CPI.
TIMING. Integrantes do STF também apontam o péssimo timing nas movimentações de parte dos senadores para a criação da CPI. Eles destacam que enquanto uma ala dos parlamentares busca retaliar o Poder Judiciário, o presidente Dias Toffoli aposta as fichas em um pacto nacional republicano com os chefes dos demais poderes para construir um caminho que garanta a aprovação de reformas, como a previdenciária.
A avaliação é a de que enquanto a cúpula dos poderes está com discurso afinado pró-reformas, senadores “aloprados” – novatos e do baixo clero – buscam tensionar o ambiente e atingir o Supremo Tribunal Federal como um todo.
Procurada, a assessoria da Casa Civil não havia se manifestado até a publicação deste texto.
João Domingos: A ‘CPI da Lava Toga’
Os contrários à votação da pauta econômica e de segurança vão fazer a festa
Fundamentais para o impeachment de Fernando Collor, em 1992, para a descoberta do desvio de verbas do Orçamento da União pelos chamados “anões do Orçamento”, entre 1993 e 1994, e para se chegar ao escândalo do mensalão, em 2005, as CPIs perderam força ou tiveram suas funções invertidas nos últimos anos. De instrumento poderoso de investigação, pois com o auxílio do Ministério Público e Polícia Federal, além de contarem com o poder da publicidade da comunicação parlamentar totalmente despida de censura, muitas CPIs se tornaram instrumento de chantagem, de promoção pessoal e até mesmo de obtenção de vantagens indevidas, conforme investigações internas feitas no Senado e na Câmara e que levaram até à abertura de processos de cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar.
Como as CPIs se banalizaram demais, não foi à toa que oito parlamentares da base do governo de Jair Bolsonaro, seis deles do PSL do presidente, madrugaram na última segunda-feira, 4, para esperar a abertura da porta da Secretaria-Geral da Mesa com um pedido de instalação de uma CPI, todas elas chapa-branca ou para investigar coisas ocorridas nos governos petistas: programa Mais Médicos, Comissão da Verdade, entre outros.
Com a iniciativa, a bancada governista preencheria logo as cinco vagas de funcionamento simultâneo de CPIs, conforme determina o regimento interno da Câmara. Com isso, impediria o PT ou qualquer outro partido de oposição de aparecer com um pedido de investigação indesejável contra o governo de Bolsonaro. Do ponto da luta política, é uma estratégia. Do ponto de vista da investigação parlamentar, a perda de um instrumento que já foi poderoso e que agora tem se prestado a outras coisas, menos à investigação séria.
Se na Câmara o PSL e outros partidos do governo foram mais espertos do que o PT e a oposição, em geral, e entupiram a Mesa da Casa de pedidos de abertura de investigações sobre os petistas, no Senado está se armando uma CPI que tem tudo para nascer torta e se tornar o pior exemplo daquilo em que a investigação parlamentar foi transformada.
Trata-se da CPI que visa a investigar o ativismo judicial dos tribunais superiores. Por trás, desconfia-se que há nela uma vingança de senadores contra o presidente do STF, Dias Toffoli, que há uma semana derrubou manobra do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e determinou que a eleição para a Mesa da Casa tivesse voto secreto e não aberto. Tal CPI ganhou dos senadores o apelido de “Lava Toga”.
Nas circunstâncias em que está sendo criada, e dado o momento político delicado, essa CPI vai servir apenas para causar tumulto e jogar um Poder contra o outro. À sua sombra, os contrários à votação da pauta econômica e de segurança pública do governo vão fazer a festa. Quanto mais confusão nesse momento, melhor para atrapalhar o governo, a votação da reforma da Previdência e o pacote contra os crimes violentos e o crime organizado e o caixa 2 nas campanhas eleitorais.
Se a CPI que visa a investigar o ativismo judicial for levada à frente e concluir que há mesmo um ativismo, o que ela fará? Nada. Vai determinar aos ministros que revejam suas decisões? Na vai. CPIs não têm poder para isso. Ajudará a desmoralizar ainda mais o instrumento de investigação parlamentar. Essa CPI não tem um fato determinado. É carregada de subjetivismo. Diz o pedido de abertura dela que “a atuação dos tribunais superiores tem sido pontuada, na história recente, pelo exacerbado ativismo judicial e por decisões desarrazoadas, desproporcionais e desconexas dos anseios da sociedade”.
Se as CPIs ainda fossem sérias, essa CPI da “Lava Toga” mereceria uma CPI para apurar as circunstâncias em que foi requerida. Até porque o artigo 146 do Regimento do Senado proíbe CPIs sobre o Poder Judiciário. Deixa pra lá.
Bruno Boghossian:Supremo e Congresso se pintam para a guerra
Ministro ameaça barrar mudança em lei e senador propõe CPI contra tribunais
Apesar de apelos a uma convivência pacífica, o Congresso e o Judiciário parecem se pintar para uma guerra. O ano começou com magistrados ameaçando barrar mudanças na lei, propostas de CPI contra tribunais e um terreno fértil para o avanço inédito de pedidos de impeachment de ministros do Supremo.
O recomeço das atividades de parlamentares e juízes indica que os Poderes estão prestes a entrar em choque. Em seu primeiro discurso como presidente do Senado, Davi Alcolumbre desafiou o STF e disse que o Legislativo não se curvará “à intromissão amesquinhada do Judiciário”.
Os magistrados também tiraram a poeira da toga. Ricardo Lewandowski publicou na Folha um artigo em que fala em “limite às reformas” e avisa: se o Congresso mexer em leis para retirar direitos adquiridos, usará a caneta para “recompor a ordem constitucional vulnerada”. Seria um desastre para o ajuste econômico planejado pelo governo e para as mudanças na Previdência.
Nem Sergio Moro deve ter sossego. Integrantes do STF dizem que o pacote de combate ao crime do ministro da Justiça está cheio de buracos e que não permitirão alterações na lei para autorizar prisões após condenação em segunda instância.
O mal-estar cresceu depois que o senador Alessandro Vieira propôs uma CPI para investigar tribunais por uso político de pedidos de vista e conflitos de interesse. Ele diz que o objetivo não é perseguir magistrados, mas jogar luz sobre as cortes. “Se isso acabar mostrando erros e eventuais crimes, paciência”, conclui.
Ricardo Noblat: Com que cara fica Toffoli?
Autoridade desafiada
Responsável pelo plantão do Supremo Tribunal Federal no último fim de semana, o ministro Dias Toffoli soube que trabalharia duro quando o Senado, na noite da sexta-feira, suspendeu a sessão que deveria ter sido concluída com a eleição do seu novo presidente.
Toffoli correu para responder às pressas e de maneira convincente a consulta do MDB sobre eventuais irregularidades cometidas durante a sessão. E pouco antes das 4 horas do sábado, sua decisão estava pronta e foi imediatamente divulgada. Cumpra-se.
Em parte foi cumprida. Mas só em parte. Na sexta-feira, por 50 votos contra 2, o Senado decidira que a eleição se faria por meio do voto aberto e nominal. Quer dizer: no painel eletrônico, apareceria o nome de cada senador e o seu respectivo voto.
Não, nada disso, decretou Toffoli. O voto teria de ser secreto porque o regimento interno do Senado manda que seja assim. E também porque em despacho recente, o próprio Toffoli já estabelecera que o voto fosse secreto. Na Câmara, por exemplo, é secreto.
A ordem de Toffoli foi ignorada por diversos senadores – entre eles, Flávio Bolsonaro, filho de quem é. Meia dúzia ou mais de senadores anunciou em voz alta em quem votaria e, para provar, mostrou a cédula preenchida com o nome do seu candidato.
Foi um escancarado gesto de desrespeito à decisão do presidente da mais alta corte de justiça do país. O desrespeito representa também um desafio a Toffoli: o que ele fará? Deixará tudo por isso mesmo? Fingirá que nada de grave aconteceu? Vida que segue?
Onyx ri à toa
De quem ele ri?
Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil da presidência da República, ri de Paulo Guedes, o todo poderoso ministro de tudo o que tenha a ver com a economia, mais conhecido como o Posto Ipiranga do presidente enfermo Jair Bolsonaro.
Guedes aproximou-se de Renan Calheiros e vice-versa contando com o apoio dele para aprovar no Senado a mãe de todas as reformas – a da Previdência. E tudo o mais que o governo viesse a precisar. Confiava na eleição de Renan para presidente do Senado.
Ao passar a perna em Renan, Onyx, o mentor da candidatura de Davi Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado, passou também a perna em Guedes que nunca lhe conferiu muita importância. Doravante, será obrigado a fazê-lo.
Alcolumbre comerá na mão de Onyx. Como também quem mais venha a precisar da sua ajuda. Ele é a quarta pessoa mais importante da República, só abaixo de Bolsonaro, do vice Mourão e de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados.
Foram subestimar Onyx? Olha o troco aí.
Bruno Boghossian: Flávio Bolsonaro aperta botão do pânico e recebe socorro generoso de Fux
Filho do presidente leva Queiroz de carona na blindagem do foro especial
Flávio Bolsonaro apertou o botão do pânico. Antes de assumir o mandato de senador, ele apelou para uma regalia do cargo e pediu proteção do foro especial na investigação sobre as finanças de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.
O filho do presidente erguia a voz ao dizer que não tinha “nada a ver com isso” e que daria explicações para “ficar longe dessa coisa”. Mas Flávio faltou ao depoimento e pediu que o caso fosse suspenso e levado ao STF. Ele ainda transportou Queiroz de carona na blindagem do foro.
Ao pedir a paralisação, Flávio dá provas de que está muito mais perto “dessa coisa” do que admitia.
O senador eleito contou com uma generosidade notável de Luiz Fux. Os advogados pediram ao STF a suspensão do caso às 15h37 de quarta (16). O ministro deu a liminar às 20h40.
Fux foi tão benevolente que mudou até seu entendimento sobre o foro. Quando o STF restringiu a regalia, o ministro afirmou que o “clamor social de combate à corrupção e à impunidade não se mostra compatível [...] com a prerrogativa”.
Na ocasião, Fux entendeu que o foro só vale em casos ocorridos durante os mandatos e relacionados ao cargo. O ministro concedeu a proteção, embora o dinheiro de Queiroz não tenha ligação com a atividade futura de Flávio no Senado.
A defesa conseguiu que Fux fizesse vista grossa até para o calendário. Os advogados dizem que o Ministério Público cometeu um ato ilegal ao pedir dados financeiros de Flávio ao Coaf em 14 de dezembro, quando sua eleição já estava confirmada —mas ele só foi diplomado no dia 18.
Ao mergulhar de cabeça num processo com o qual dizia não ter “nada a ver”, Flávio transportou a investigação para a vizinhança do Planalto. O caso será repassado em fevereiro ao relator Marco Aurélio Mello, que votou pela restrição do foro. O pedido será julgado na Primeira Turma, na qual os cinco ministros foram favoráveis à limitação do privilégio.
Os próximos passos serão um teste sobre a relação do Supremo com os novos protagonistas do poder.
Eliane Cantanhêde: Fux infla especulações
Se Flávio Bolsonaro nem era investigado, por que tanto medo das investigações?
A liminar do ministro Luiz Fux suspendendo as investigações do Ministério Público do Rio sobre as contas do ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro é daquelas que parecem coisa de amigo, mas só podem ser de inimigo. O filho do presidente nem sequer era investigado, mas se jogou no olho do furacão. E, na sofreguidão de agradar ao presidente da República, Fux acabou dando mais um empurrão.
Em vez de “hay gobierno, soy contra”, Fux é adepto do “hay gobierno, soy a favor”. A liminar de ontem, porém, pode ter um efeito prático oposto ao pretendido pela família Bolsonaro. Em vez de suspender, ampliar e apressar as investigações.
Desde o início, as reações à história levantada pelo Coaf e divulgada pelo Estado têm sido erradas do ponto de vista jurídico, político e midiático. Não é admissível que o policial militar e ex-assessor Fabrício Queiroz, sua mulher e suas filhas não apareçam para depor. É um desrespeito inaceitável com as instituições republicanas. Para piorar, Fabrício alegou questões de saúde para não depor, enquanto aparecia bem serelepe em entrevista à TV. Sem falar na dancinha do hospital...
Em vez de esclarecer, os Bolsonaro trataram de complicar e quem cobrou publicamente explicações não foram o PT, a imprensa, a oposição, foram os generais, à frente o vice-presidente Hamilton Mourão. Se nem assim as explicações vieram, é porque provavelmente os envolvidos não as têm.
Depois de também não atender ao chamado do MP-RJ (no caso dele um mero convite), Flávio Bolsonaro agora parte para uma estratégia de altíssimo risco. Ele havia dito que não tem nada a ver com isso e que o assessor do seu gabinete é quem deveria se explicar. Se não tem nada a ver com isso, por que entrar com pedido de suspensão de investigações junto ao Supremo?
No caso de Luiz Fux, a situação é mais do que apenas constrangedora, como admitem seus colegas no Supremo. Ferrenho defensor do fim do foro privilegiado, ele usou justamente o foro para privilegiar o filho do presidente. E com argumentações questionáveis, segundo seus próprios pares, que passaram o dia ontem trocando telefonemas, informações e impressões.
Em sua decisão, Fux – que responde pelo STF nessa segunda fase do recesso do Judiciário – alegou que Flávio Bolsonaro foi eleito senador e assumirá o mandato e ganhará foro privilegiado em primeiro de fevereiro e, segundo o ministro, cabe ao plenário decidir o que deve ou não se encaixar no foro.
Só que... a decisão do plenário foi clara: o foro no STF para senadores e deputados vale para crimes cometidos durante o mandato e em função do mandato. No caso de Flávio Bolsonaro: 1) até agora, não há crime; 2) se houve algum foi quando ele era deputado estadual no Rio; 3) nada disso tem a ver com o seu futuro mandato no Senado.
Logo, tudo isso demonstra um certo desespero e joga ainda mais suspeitas, intrigas e especulações sobre os envolvidos. Uma delas, que circulava ontem em Brasília, é de que as investigações estariam evoluindo rapidamente e deixando não apenas Flávio como o próprio pai, agora presidente, numa situação delicada. A conta de Fabrício não seria abastecida só pelos funcionários? E seria um “caixa comum” da família?
O fato é que o tema viralizou na internet – um front em que as tropas bolsonaristas venceram a guerra das eleições e vinham ganhando as batalhas de governo. Isso pode mudar e os generais não estão mais sozinhos ao pedir explicações. Seus soldados nas redes também querem entender o que acontecia no gabinete de Flávio, que dinheiro era aquele, de onde vinha e para onde ia. Os Bolsonaro ganharam as eleições, não um habeas corpus para fazerem o que bem entendem. Ninguém está mais acima da lei, lembram?