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Conjur: Bolsonaro pode ter incorrido em crime de responsabilidade, diz Celso
Para o ministro Celso de Mello, Bolsonaro pode ter incorrido em crime previsto pela "lei do impeachment"
O movimento do presidente da República para radicalizar o conflito com o Parlamento não passa despercebido pelo Judiciário. Diante das notícias de que o próprio Jair Bolsonaro compartilhou convocação para um ato hostil ao Congresso, o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, cogitou, na manhã desta quarta-feira (26/2), de possível enquadramento do presidente em crime de responsabilidade.
Leia a nota do decano do STF:
Essa gravíssima conclamação, se realmente confirmada, revela a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato, de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República, traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático!!! O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República!
Preparando terreno
A leitura política dos movimentos de Bolsonaro é que ele quer insuflar parte da população para pretensa justificativa de radicalizar com medidas excepcionais para neutralizar o Congresso e o STF, vistos como "estorvos" pelo bolsonarismo.
A manifestação de apoio a Bolsonaro, contra "os inimigos do Brasil", marcada para o dia 15, destina-se a, segundo a convocação, "mostrar a força da família brasileira". Os termos evocam a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", promovida em março de 1964, véspera do golpe militar que seria deflagrado dia 1º de abril. Veja o primeiro vídeo compartilhado pelo presidente:
"Lei do impeachment"
Os crimes de responsabilidade que podem ser cometidos por Presidente da República — e resultar em sua deposição — constam da lei 1.079/50. Entre outras disposições, seu artigo 4º prevê ser crime atentar contra "o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados".
Afonso Benites: Os acenos de Bolsonaro para colocar Sergio Moro na "gaiola dourada” do STF
Com eventual nomeação de ministro, presidente garante aliado na Corte, elimina adversário em disputa pela reeleição e o afasta de Doria e Huck
Quando foi sabatinado por um grupo de jornalistas no programa Roda Viva, da TV Cultura, o ministro da Justiça, Sergio Moro, foi criticado por bolsonaristas que cobravam uma defesa mais enfática de seu chefe, o presidente ultradireitista Jair Bolsonaro. Uma semana depois, foi a vez de Moro tentar se redimir, quando ainda se especulava o quanto a ameaça de Bolsonaro de fatiar o ministério nas mãos do ministro havia danificado a complexa relação entre os dois. Na rádio Jovem Pan, Moro, entrevistado por jornalistas, fãs e humoristas do programa Pânico, não quis deixar dúvidas a respeito e se declarou fiel ao presidente —uma lealdade tamanha que só falta, nas palavras do próprio ministro, fazer uma tatuagem na testa anunciando que apoiará a candidatura à reeleição de Bolsonaro eem 2022.
“Eu já falei um milhão de vezes. Toda hora me perguntam isso, daqui a pouco eu vou ter que tatuar na testa. Em 2022, o presidente já apontou que pretende ir para reeleição. É uma decisão dele. E, claro, eu sou ministro do Governo, eu vou apoiar o presidente”.
A inflexão do ministro e ex-juiz da Lava Jato é sintomática. No Palácio do Planalto e entre analistas que acompanham o dia a dia da política em Brasília, há quem diga que o cenário está desenhado. Para não alimentar um adversário dentro de sua própria casa, Bolsonaro estaria decidido a indicar Moro para vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal que será aberta em novembro, quando Celso de Mello se aposentará compulsoriamente por fazer 75 anos de idade. Não é só de olho na reeleição que o presidente está. “Se você o nomeia na vaga que se abre neste ano, você prende o Moro numa gaiola dourada. É tudo o que o presidente precisa”, afirmou o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília.
O movimento no xadrez político também garante um apoiador de primeira hora para as causas de interesse do presidente que chegarem à Corte, afasta a aproximação dele com outros presidenciáveis —como o governador paulista João Doria (PSDB) ou o apresentador da TV Globo Luciano Huck (sem partido)— e abriria um espaço para a recriação do ministério da Segurança Pública e consequente loteamento da área por representantes da “bancada da bala”. Na última semana, Bolsonaro articulou para que a cisão do Ministério da Justiça voltasse à pauta. E, oficialmente, secretários da Segurança Pública apresentaram a sugestão ao mandatário, que em um primeiro momento disse que estudaria o tema. Depois, quando atingiu o objetivo de dar uma espécie de castigo ao seu ministro, disse que a ideia estava descartada.
Bolsonaro estava insatisfeito com a ausência de defesa enfática de seu Governo por parte de seu ministro-estrela. Em dado momento do Roda Viva, da TV Cultura, Moro chegou a pedir para não falar sobre o presidente, mas, sim, sobre a gestão dele à frente do ministério. Agora, respondendo de maneira descontraída para o Pânico, da Jovem Pan, Moro se comparou, indiretamente, a Dom Pedro I, que em 1822, quando era príncipe regente decidiu ignorar as ordens de seu pai, Dom João VI, e avisou que ficaria no Brasil, ao invés de retornar a Portugal. “Vai ser o segundo Dia do Fico no Brasil”, disse, ao ser questionado se sairia da pasta da Justiça.
Moro sabe que até a indicação ao STF se concretizar, caso ela de fato ocorra, há um longo caminho. “Ele está sempre de saia justa. Se fizer uma defesa apaixonada do Bolsonaro, vão chamá-lo de bolsominion, o que ele não quer. Se ele criticar, ele perde apoio do presidente. Não pode nem sorrir, nem fazer careta. Hoje, ele ainda está dependente do presidente”, analisou o professor Caldas. E chegar ao Supremo não impede que o ex-juiz abandone a vida política. Nesse cenário, não estaria descartada uma candidatura dele ao Planalto em 2026.
Aparentemente, o movimento feito por Bolsonaro também serviu aos interesses do Governo no Legislativo. Nesta semana, emissários do Planalto se reuniram com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para discutir uma pauta comum para o primeiro semestre legislativo, que se inicia na próxima semana. “Quando Bolsonaro sinalizou que daria a Segurança para o Alberto Fraga, ele queria agradar ao Maia. Como a reação negativa foi forte, ele voltou atrás. Mas o Maia não pode alegar que Bolsonaro não tentou”, afirmou o especialista. O presidente da Câmara era um dos entusiastas da separação dos ministérios.
Para Caldas, se Moro for nomeado para o STF, já há quem o substitua para ajudar Bolsonaro a angariar apoio popular, a atriz Regina Duarte, que está prestes a assumir a Secretaria Nacional de Cultura. Sai uma celebridade do Judiciário, entra uma celebridade da TV. “O presidente precisa de alguém com credenciais conservadoras impecáveis para dividir essa atenção com ele”, disse.
El País: Fux suspende juiz de garantias e instala batalha no Supremo e com Congresso
"Transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa”, argumenta o ministro do STF. Presidente da Câmara lamenta decisão “desrespeitosa”
Após ser aprovada, sancionada e adiada, a criação do juiz de garantias foi, enfim, suspensa por tempo indeterminado nesta quarta-feira. O ministro Luiz Fux, atualmente vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu paralisar a implantação da inovação, revogando decisão liminar da semana passada do presidente da Corte, Antonio Dias Toffoli, que havia dado seis meses de prazo para a entrada em vigor da medida. “Observo que se deixaram lacunas tão consideráveis na legislação, que o próprio Poder Judiciário sequer sabe como as novas medidas deverão ser adequadamente implementadas", argumentou o ministro. Sua decisão agradou o ministro da Justiça, Sergio Moro, mas contrariou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e reaviva a tensão entre os poderes Legislativo e Judiciário.
O despacho de Fux, que é relator de quatro ações que tratam do assunto, foi expedido dias após ele ter assumido o comando interino do Supremo —que está em recesso— no lugar de Toffoli. O vice-presidente do Supremo derrubou liminar que havia sido concedida pelo presidente da Corte sobre o tema. "O resultado prático dessas violações constitucionais [como o ministro classifica as medidas aprovadas pelo Congresso Nacional] é lamentável, mas clarividente: transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa”, escreve Fux em sua decisão.
A figura do juiz de garantias está prevista no pacote anticrime aprovado pelo Congresso Nacional ―recentemente sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro― apesar de sugestão em contrário do ministro da Justiça, Sergio Moro, que já tinha se posicionado contra a medida. Ela estabelece que o juiz responsável por instruir e conduzir um inquérito criminal não será o mesmo que julgará o processo criminal do mesmo caso. “Sempre disse que era, com todo respeito, contra a introdução do juiz de garantias no projeto anticrime”, escreveu Moro nesta quarta em seu perfil no Twitter.
“Cumpre, portanto", segue o ministro, "elogiar a decisão do Min Fux suspendendo, no ponto, a Lei 13.964/2019. Não se trata simplesmente de ser contra ou a favor do juiz de garantias. Uma mudança estrutural da Justiça brasileira demanda grande estudo e reflexão. Não pode ser feita de inopino. Complicado ainda exigir que o Judiciário corrija omissões ou imperfeições de texto recém-aprovado, como se fosse legislador positivo. Excelente ainda a ideia de realização de audiências públicas na ação perante o STF, o que na prática convida a todos para melhor debate”, finalizou Moro, destacando como Fux pretende reabrir o debate legislativo, desta vez no âmbito jurídico.
“Desnecessária e desrespeitosa”
Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, protestou. “Acho que a decisão do ministro Fux é desnecessária e desrespeitosa com o Parlamento brasileiro e com o Governo brasileiro, com os outros Poderes”, disse ao jornal Folha de S.Paulo. “Não podemos entrar em fevereiro com uma boa expectativa de crescimento, com o STF dando uma sinalização muito ruim para o Brasil e para os investidores estrangeiros no nosso país”, reclamou o presidente da Câmara. Segundo Maia, contudo, “o principal atacado hoje” pela decisão de Fux foi Dias Toffoli. “Eu confio no STF, confio nos seus ministros e confio principalmente na presidência do presidente Dias Toffoli, que na sua volta [do recesso] eu tenho certeza de que vai restabelecer a normalidade na relação de equilíbrio entre os Poderes”, finalizou Maia.
Na decisão em que derrubou a liminar de Toffoli, Fux disse que é preciso esperar uma análise do plenário do Supremo sobre o caso. “Nesse ponto, salvo em hipóteses excepcionais, a medida cautelar deve ser faticamente reversível, não podendo produzir, ainda que despropositadamente, fato consumado que crie dificuldades de ordem prática para a implementação da futura decisão de mérito a ser adotada pelo tribunal, qualquer que seja ela”, escreveu. “A essência desta corte repousa na colegialidade de seus julgamentos, na construção coletiva da decisão judicial e na interação entre as diversas perspectivas morais e empíricas oferecidas pelos juízes que tomam parte das deliberações. Por isso mesmo, entendo que a atuação monocrática do relator deve preservar e valorizar, tanto quanto possível, a atuação do órgão colegiado”, completou.
Não é a primeira vez que o STF suspende e se debruça sobre uma legislação aprovada pelo Congresso Nacional, mas a nova tensão vem em um momento em que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário iam conseguindo pacificar uma relação bastante conturbada nos último meses. Maia lembrou nesta quarta-feira que foi Toffoli o responsável por essa pacificação.
Carlos Pereira: Candidatura avulsa: ter ou não ter?
Potencial ganho de representatividade pode gerar perdas expressivas de governabilidade
A convite do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso participei no último dia 09/12 de audiência pública para debater a constitucionalidade da candidatura avulsa no sistema político brasileiro.
Ficou evidente uma grande polarização de preferências entre os convidados. Os partidos políticos e colegas cientistas políticos presentes se posicionaram enfaticamente contrários a adoção de candidaturas avulsas. Acreditam que os partidos políticos seriam os verdadeiros veículos da representação em uma democracia e, portanto, deveriam ter o monopólio do acesso ao sistema político. Candidatos avulsos colocariam em risco a própria democracia, já que seriam representantes deles mesmos.
Por outro lado, os movimentos sociais se manifestaram com veemência a favor de candidaturas independentes. A despeito do expressivo número de partidos (30 deles têm pelo menos um representante na Câmara dos Deputados), os movimentos sociais ali presentes se disseram não representados por nenhum dos partidos. Argumentaram que as estruturas partidárias são excessivamente hierarquizadas, viciadas e, muitas delas, corrompidas. A presença de candidatos independentes, portanto, iria oxigenar e gerar maior competitividade ao jogo partidário.
Em estudo que investiga os efeitos de candidaturas avulsas na Índia (Independent Candidates and Political Representation in India), publicado em 2018 na revista APSR, os pesquisadores Sasha Kapoor e Arvind Magesan mostram que a presença de candidatos independentes aumenta consideravelmente o número de eleitores participando do processo eleitoral. Por outro lado, diminuem substancialmente a probabilidade de eleição de legisladores que faziam parte da coalizão de governo.
Em que pese a Índia apresentar diferenças institucionais marcantes em relação ao Brasil (parlamentarismo com voto distrital majoritário e não obrigatório), os resultados dessa pesquisa podem ser úteis para se pensar o caso brasileiro, pois sugerem que alterações no sistema eleitoral, como as candidaturas avulsas, também repercutem na governabilidade de um país ao reduzir o tamanho da coalizão que dá suporte ao governo.
Não existe sistema político ideal em nenhuma democracia do mundo, mas sistemas que combinam diferentes elementos que equilibram governabilidade e representação. Sociedades escolhem o que querem privilegiar e qual custo querem arcar. Esses dois elementos se complementam. Um não pode ser pensado sem o outro.
O legislador constituinte de 1988 optou pela inclusão dos mais variados interesses no jogo político, por meio de sistema eleitoral que combina representação proporcional com lista aberta. Esta escolha gerou a formação de muitos partidos, que entretanto são ideologicamente amorfos e fracos na arena eleitoral, o que em grande parte justifica as críticas a eles feitas pelos movimentos sociais.
Para compensar esses elementos de fragmentação, o mesmo legislador constituinte determinou que os partidos teriam o monopólio da representação e delegou muitos poderes (medida provisória, urgência, orçamentário, de agenda etc.) ao Executivo para que tivesse condições de governar. Partidos passaram a ter interesse em apoiar de forma disciplinada esse Executivo para ter acesso a recursos políticos e financeiros controlados pelo presidente.
A presença de candidatos independentes, portanto, tem o potencial de comprometer a governabilidade na medida em que tende a aumentar as dificuldades de coordenação e os custos de transação do presidente nas suas relações com legisladores. Não é racional parlamentares agirem individualmente no Congresso, como também não é racional o Executivo negociar individualmente com cada parlamentar.
A candidatura avulsa é uma inovação institucional que atende as demandas de maior representação. Porém, deve-se pensar em um mecanismo que equilibre a balança em prol da governabilidade do presidencialismo multipartidário.
Érica Gorga: Criminalidade e prisão em segunda instância
Nosso país apresenta cultura jurídica retrógrada, que despreza a análise empírica
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, ao proferir o voto que mudou novamente a cambiante jurisprudência da mais alta Corte, afirmou que não é a prisão após segunda instância que resolve problemas de criminalidade e de impunidade, ou evita a prática de crimes. No entanto, tal argumento retórico, defendido com forte emoção, não é amparado por estudos científicos que fundamentam a política criminal da grande maioria dos países.
Convém lembrar a Toffoli e aos demais ministros do STF, que repetem acriticamente argumentos de advogados criminalistas muito bem remunerados, que a hipótese sobre se a aplicação de punição severa (prisão) de modo mais ágil contribui ou não para a diminuição da criminalidade é empiricamente testável. Ou seja, tal hipótese pode ser considerada válida ou inválida a partir de análise empírica.
Cesare Beccaria e Jeremy Bentham, que lançaram as bases da criminologia nos séculos 18 e 19, respectivamente, entendiam o crime como produto de decisão de cálculo racional. Infratores avaliam a probabilidade de serem condenados e punidos, e quando ela é baixa se engajarão em mais práticas criminosas. Ambos defenderam a tese de que as leis e as penas devem desestimular indivíduos a cometer infrações, e que a prisão produz efeito preventivo, inibindo comportamentos criminosos em toda a sociedade.
Mas foi o professor Gary Becker, da Universidade de Chicago, que, em 1968, desenhou a análise criminal contemporânea, fomentando o surgimento de literatura abundante que instrui as políticas públicas na Europa, nos Estados Unidos e em outros países. Becker estabeleceu modelo matemático internacionalmente reconhecido para avaliar a criminalidade, contribuição que lhe valeu nada menos que o Prêmio Nobel de Economia em 1992.
O modelo de Becker usa variáveis sobre danos causados pelos crimes, custos de apreensão e condenação dos criminosos, número de crimes e formas de punição, entre outros fatores, para investigar as melhores políticas públicas de combate à delinquência. Atualmente há consenso internacional entre os estudiosos, amparado por estatísticas e metodologia científica, de que, mantidas outras variáveis constantes, o aumento na probabilidade de condenação e punição, em geral, repercute na redução do número de delitos.
Logo, dizer que a prisão após a decisão em segunda instância não contribui para solucionar problemas de criminalidade e impunidade, como fez Dias Toffoli, equivale a sustentar que a quimioterapia não auxilia no tratamento do câncer. Ora, estudos com evidências empíricas comprovaram que a quimioterapia é tratamento eficaz contra a doença, da mesma forma que foi demonstrado que a prisão é solução eficaz contra a criminalidade.
O resultado do julgamento do STF do dia 7/11 coloca o Brasil em posição isolada no mundo, conforme apontou estudo da subprocuradora-geral Luiza Frischeisen, já que 193 dos 194 países da ONU adotam o início da execução da pena de prisão após decisão judicial de primeiro ou de segundo grau.
Pesquisas de Steven Levitt, da Universidade de Chicago, demonstram que a prisão impacta o crime em razão do efeito dissuasório sobre potenciais agentes criminosos. Levitt e Daniel Kessler testaram os efeitos de mudanças legais com incremento de penas de prisão para diversos crimes na Califórnia e concluíram que elas acarretaram a diminuição de ilícitos nos anos posteriores. Estudo de Siddhartha Bandyopadhyay analisou o impacto de condenações e prisões na Inglaterra e no País de Gales e concluiu que as prisões, no geral, fazem decrescer a criminalidade.
Becker também expôs que a probabilidade de condenação e punição é relacionada à renda do criminoso. Ao reconhecer o poder econômico de alguns litigantes, a literatura jurídica americana trata, cientificamente, de temas que entre nós ainda são verdadeiros tabus.
Por exemplo, artigo de John Goodman no Journal of Legal Studies já em 1978 argumentava que juízes podem ser persuadidos com os esforços financeiros das partes ao defenderem as suas causas, por meio de investimentos em pesquisa jurídica, contratação de advogados talentosos e argumentação mais bem formulada. Goodman apresentou modelo matemático em que a probabilidade de uma parte vir a ganhar um processo judicial dependerá do quantum em dinheiro que cada parte gasta para usufruir a melhor defesa.
O autor identificou que o Direito pode evoluir de maneira ineficiente para a sociedade quando os interesses da parte não refletirem os custos e os benefícios sociais agregados que decorrem da norma jurídica que está sendo questionada. Isso ocorre quando o resultado é bom para a parte, mas ruim para a sociedade.
Paul Rubin e Martin Bailey argumentaram que advogados têm interesse de longo prazo na jurisprudência resultante e exercerão pressão contínua para que ela evolua a favor de teses jurídicas que beneficiem seus clientes, atuando como grupo de interesses organizado. Os autores citam o caso da evolução da jurisprudência criminal que enfatiza questões processuais, assegurando a demanda por serviços advocatícios. Tal análise auxilia na compreensão do resultado do julgamento histórico do STF, já que uma das ações que suscitou a mudança jurisprudencial foi impetrada pela própria OAB.
Portanto, é de esperar que, dentre os cerca de 5 mil presos que se podem beneficiar da decisão do STF, os que têm mais recursos financeiros para despender na sua defesa perante o Judiciário sairão mais rapidamente da prisão, como já se vem verificando. Nosso país apresenta cultura jurídica retrógrada, que despreza análise empírica, embora ela explique a certeza da impunidade para alguns e a insegurança jurídica em que vive a maior parte da sociedade.
Nosso país apresenta cultura jurídica retrógrada, que despreza a análise empírica
*DOUTORA EM DIREITO PELA USP, COM PÓS-DOUTORAMENTO NA UNIVERSIDADE DO TEXAS, FOI PROFESSORA NAS UNIVERSIDADES DO TEXAS, CORNELL E VANDERBILT, DIRETORA DO CENTRO DE DIREITO EMPRESARIAL DA YALE LAW SCHOOL E PESQUISADORA EM STANFORD E YALE
Adib Abdouni: O trânsito em julgado é cláusula pétrea
A discussão acerca da prisão em segunda instância antes mesmo do trânsito em julgado da sentença penal condenatória — festejada por uns e repudiada por outros — pode até soar casuísta à primeira vista caso se leve em conta que sua motivação gravita exclusivamente em torno da figura do ex-presidente Lula. Na verdade, não há casuísmo.
Em essência, cuida-se de temática penal de índole constitucional da mais elevada importância, tendo em vista que a eliminação definitiva dessa controvérsia afetará a vida de milhares de cidadãos brasileiros que se encontram em iguais condições processuais às de Lula.
Sabemos que em fevereiro de 2016 o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), ao rejeitar por maioria de votos o Habeas Corpus n. 126.292, alterou drasticamente sua jurisprudência para afirmar que a partir de então seria possível a execução provisória da pena após a confirmação em segunda instância da sentença penal condenatória, mesmo antes de seu trânsito em julgado.
Além do placar ter sido de 7 a 4 (acompanharam o saudoso ministro relator Teori Zavascki pelo indeferimento do HC, os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, vencidos os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski), o julgamento atingiu somente as partes envolvidas naquele processo criminal, à míngua de efeito vinculante da decisão.
Daí a importância maior do desate final, havido dia 7 de novembro de 2019 por meio do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44 pelo Plenário do STF — palco próprio para aquilatações de questões dessa magnitude e impacto social — cujo resultado proclamado, por decisão majoritária de votos (6 a 5), deu pela constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal. Este afirma que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado, em exata harmonização com o artigo 5º., inciso LVII, da Carta da República, a prestigiar o princípio da inocência ou da não culpabilidade.
Vale dizer, a maioria dos membros da mais alta corte de justiça do país, enquanto guardiões da Carta Magna, nada mais fizeram do que, no estrito cumprimento do dever judicante, decidir pela procedência dos pedidos formulados nas ações diretas de controle constitucional. Estes que ambicionavam o reconhecimento expresso da constitucionalidade do referido dispositivo processual penal que, em tudo e por tudo, replica, às inteiras, o postulado da presunção de inocência e rechaça a hipótese de execução provisória da pena para resguardar, com grau de definitividade e segurança jurídica, um dos maiores direitos da pessoa humana, qual seja, o direito à liberdade e o de recorrer, até final deslinde da controvérsia penal, a fim de reverter eventual injustiça ou antijuridicidade cometida em primeira ou segunda instância de julgamento.
Em que pese revelar-se perfeitamente razoável o reclamo da sociedade leiga acerca do desfecho havido no STF , motivado pelo sentimento de impunidade que se irradia do resultado proferido, o fato jurídico insofismável é que o legislador constituinte originário optou por adotar regra garantista inabalável — no campo dos direitos e garantias fundamentais — segundo a qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Frise-se que o texto constitucional é de clareza solar, e, respeitado entendimento diverso, não comporta — com honestidade intelectual daqueles que se debruçam de forma isenta sobre o tema — qualquer flexibilização em sua interpretação ou aplicação ao caso concreto.
O resultado do julgamento não poderia mesmo ter sido diferente e o STF teve a oportunidade ímpar de reverter a equivocada e anti-republicana posição jurisprudencial dantes adotada em detrimento do Estado Constitucional Democrático de Direito.
É eloquente — e vale ser reproduzida — a irresignação do ministro Celso de Mello: reflete preocupante inflexão hermenêutica de índole regressista no plano sensível dos direitos e garantias individuais, retardando o avanço de uma agenda judiciária concretizadora das liberdades fundamentais. Que se reforme o sistema processual, que se confira mais racionalidade ao modelo recursal, mas sem golpear um dos direitos fundamentais a que fazem jus os cidadãos de uma república.
Agora, vem à baila a proposta de congressistas para alteração do texto constitucional — por intermédio de emenda à Constituição Federal — com o fito de autorizar a prisão em segunda instância.
As propostas, entretanto, não merecem reflexão maior a fim de considerá-las corretas ou inadequadas do ponto de vista jurídico, na medida em que — com todas as vênias necessárias — cuidam-se de iniciativas impróprias, e, sobretudo, inconstitucionais, por vício insanável que as acometem já em seu nascedouro.
Entrementes, o entendimento favorável à execução provisória da pena — presente o atual cenário constitucional — ganha contornos de populismo político em nítida subversão da ordem jurídica, tornando tábula rasa um dos mais fundamentais mandamentos constitucionais de proteção do indivíduo, em combate ao arbítrio e ao abuso do Estado punitivo: a presunção de não culpabilidade.
Com efeito, o indigitado comando constitucional foi erigido à categoria de cláusula pétrea, na forma do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV da Constituição Federal, ao estabelecer que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.
E a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 410/2018, do deputado federal Alex Manente (PPS/SP), que aguarda deliberação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), promove inaceitável tentativa de mitigar a presunção de inocência enquanto condicionante da execução da sentença penal condenatória ao julgamento de segunda instância, por equivaler à completa aniquilação do referido preceito republicano, ou, na letra do texto constitucional, em sua abolição.
Confira-se a proposta legislativa: “Art. 5º. (…) LVII – ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”.
Em igual sentido, vai a PEC 5/2019, em curso no Senado Federal e proposta pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Por via transversa e notória burla à sistematização constitucional, também busca eliminar a presunção de inocência, ao inserir o inciso XVI no art. 93 da Constituição Federal, para positivar a possibilidade de execução provisória da pena, após a condenação por órgão colegiado, sem que o preceito guarde, nesse capítulo, qualquer pertinência temática, já que inserida em passagem resguardada à organização do Poder Judiciário.
Não se desconhece que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, inclusive para alterarem o texto constitucional, a denominar o poder derivado constituinte, tal como previsto nos artigos 1º., parágrafo único e 60, da Constituição Federal.
Contudo, não se pode perder de vista que o exercício desse poder reformador deve observar os termos e limites expressos ou implícitos contidos na Constituição Federal.
O ilustre ministro do STF e doutrinador constitucional Alexandre de Moraes — em que pese ter se pronunciado pela possibilidade da prisão em segunda instância — esgota o tema ao analisar a vedação de alteração das matérias qualificadas como cláusulas pétreas, conforme se extrai do voto proferido na ADI 5058/DF, ao registrar que, “mutatis mutandis”: “O Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional e somente conhece as limitações constitucionais expressas e implícitas.
O poder de o Congresso Nacional alterar a Constituição Federal é derivado porque retira sua força do Poder Constituinte originário; subordinado porque se encontra limitado pelas normas expressas e implícitas do texto constitucional, as quais não poderá contrariar, sob pena de inconstitucionalidade; e, por fim, condicionado porque seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição Federal.
Não há dúvidas, portanto, de que, no exercício do legítimo poder constituinte derivado reformador, denominado por parte da doutrina de competência reformadora, o Congresso Nacional pode alterar o texto constitucional, respeitando-se a regulamentação especial prevista na própria Constituição Federal. Entre as limitações expressamente previstas pelo texto constitucional, estão as `cláusulas pétreas´, pois não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais”.
Assim, mostra-se inescapável concluir que a imutabilidade da não culpabilidade somente poderá ser apreciada, votada e implementada por meio de uma nova Constituição, a fim de alterar tão fundamental direito do cidadão, o que se espera, em verdade, nunca ocorra.
*Adib Abdouni é advogado constitucionalista e criminalista
Oscar Vilhena Vieira: A Constituição não permite atalhos
Fez bem o Supremo Tribunal Federal em rever o seu próprio erro
Ao Supremo Tribunal Federal cumpre a difícil missão de guardar a Constituição. Não é sua atribuição corrigir o poder constituinte, por mais que seus ministros discordem de seus dispositivos. A tarefa de corrigir a Constituição só cabe ao Congresso Nacional e, mesmo assim, dentro dos estritos limites estabelecidos pela própria Constituição.
Nesse sentido, mais do que correta a decisão do STF que declarou constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, uma vez que esse dispositivo, que proíbe a prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, encontra-se em absoluta conformidade com a letra da Constituição, ao determinar que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.
Ainda que tardia, a decisão do Supremo restabelece o direito dos réus, inclusive do ex-presidente Lula, de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos que se encontrem pendentes, pois é isso que determina a Constituição.
Por mais que se discorde da opção de política criminal escolhida pela Constituinte em 1988, o seu significado é simples: enquanto houver a disponibilidade de recursos, a pessoa não dever ser considerada culpada e, salvo em circunstâncias excepcionais, não poderá ser presa. O Supremo apenas confirmou o que está expresso na Constituição.
Esse é, de fato, um modelo bastante problemático. O Congresso Nacional perdeu uma oportunidade de ouro de racionalizar nosso sistema de Justiça em 2011, quando o então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cesar Peluso, compareceu ao Senado Federal para propor a chamada PEC dos Recursos.
Como reconhecia o ministro “temos um sistema jurisdicional perverso e ineficiente”, que retarda a prestação de justiça, em função da existência de um modelo recursal irracional.
De um lado, esse sistema prejudica pessoas que, mesmo após terem seus direitos reconhecidos por juízas e tribunais, chegam a aguardar décadas pela manifestação de um tribunal superior ou do próprio Supremo Tribunal Federal, para receber o que lhes é de direito.
De outro lado, o sistema permite que a aplicação da pena daqueles que já foram condenados em primeira e segunda instâncias possa ser procrastinada, favorecendo a percepção de impunidade e muitas vezes incentivando a vingança privada.
Para reverter esse quadro, o ministro Peluso propunha, de maneira engenhosa, reformar a Constituição, transformando recursos especiais e extraordinários em ações constitucionais rescisórias. O efeito dessa mudança seria antecipar a coisa julgada.
Tomada a decisão de segunda instância, a sentença poderia ser executada. A PEC 15/2011 não impediria, no entanto, o direito de acesso aos tribunais superiores ou ao STF, seja por intermédio das novas ações rescisórias ou por remédios constitucionais tradicionais, como o habeas corpus.
A PEC dos Recursos sucumbiu à pressão dos litigantes recorrentes —que fazem do descumprimento da lei e da lentidão da Justiça um bom negócio—, e ao próprio interesse de setores da máquina pública que se viram ameaçados com a possibilidade de ter que cumprir suas obrigações antecipadamente.
O sistema de Justiça brasileiro tem muitas mazelas que precisam ser enfrentadas, mas não se pode aceitar que sejam tomados atalhos constitucionais para sua correção. Por isso, fez bem o Supremo Tribunal Federal em assumir a responsabilidade de rever o seu próprio erro.
*Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
El País: Gilmar Mendes atende Flávio Bolsonaro e reforça veto à investigação do escândalo Queiroz
Ministro acatou o argumento da defesa de que a investigação seguiu, mesmo depois de Toffoli bloquear o uso de informações obtidas pelo Coaf sem autorização judicial
Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o primogênito do clã Bolsonaro, conseguiu mais uma vitória estratégica no Supremo Tribunal Federal (STF). Em decisão da última sexta-feira, que veio à tona nesta segunda, o ministro Gilmar Mendes acatou o pedido do senador carioca e paralisou as investigações contra ele pelo chamado caso Queiroz, que corre na Justiça do Rio. Na sentença, que reforçou o veto às investigações contra o filho do presidente, Mendes reafirma que estão paralisadas as diligências relativas ao caso, que apura a movimentação milionária do ex-assessor da família Bolsonaro captada no ano passado pelo Coaf (Conselho de Controle Atividades Financeiras), e as suspeitas de lavagem de dinheiro do próprio senador.
A decisão de Mendes acata o argumento da defesa de Flávio, que afirma que os investigadores do caso, no Rio, estariam descumprindo uma decisão do presidente da Corte, Antonio Dias Toffoli, tomada em julho. Nessa decisão, Toffoli, também seguindo pedido da defesa do senador, suspendeu todos os inquéritos que usam dados sigilosos de órgãos de controle, entre eles o Coaf, sem autorização judicial. Os advogados do filho do presidente da República afirmam que o sigilo dele já havia sido quebrado antes mesmo de qualquer decisão judicial. E que mesmo com a decisão anterior de Toffoli as investigações contra ele prosseguiram.
Em sua decisão publicada nesta segunda, Mendes afirmou que os fatos "são graves". Ele paralisou o inquérito até que a decisão liminar de Toffoli seja julgada pelo pleno da Corte, em 21 de novembro. E também determinou ao Conselho Nacional do Ministério Público que apure a "responsabilidade funcional" dos membros do Ministério Público do Rio de Janeiro no compartilhamento de dados do Coaf com os promotores do caso. "Ao invés de solicitar autorização judicial para a quebra dos sigilos fiscais e bancários, o Parquet estadual requereu diretamente ao Coaf, por email, informações sigilosas, sem a devida autorização judicial, de modo a nitidamente ultrapassar as balizas objetivas determinadas na decisão [de Toffoli]", destacou ele, no despacho.
A investigação que envolve Flávio começou em dezembro passado com o objetivo de apurar movimentações financeiras de seu ex-assessor Fabrício Queiroz. O Coaf havia identificado uma movimentação suspeita de 1,2 milhão de reais na conta de Queiroz, que trabalhou até 15 de outubro de 2018 no gabinete de Flávio, que era, então, deputado estadual no Rio. Ao abrir a investigação, o Ministério Público Federal havia pedido ao Coaf um pente fino em todas as contas de funcionários e ex-trabalhadores da Assembleia com transações financeiras suspeitas, o que levou dez deputados estaduais à prisão em novembro. Documentos apontam que Flávio também recebeu em sua conta um total de 48 depósitos, todos no valor de 2.000 reais, somando 96.000 no total, que ele afirma que se referem à parcelas da venda de um imóvel.
Nos últimos dias, Flávio, que diminuiu seu protagonismo público desde o início das investigações, voltou aos holofotes, diante de críticas da própria base que elegeu seu pai. Ele se posicionou contrariamente à abertura da CPI da Lava Toga, defendida por lavajatistas, que pretendem apurar supostas irregularidades nas decisões dos ministros do Supremo.
Eugênio Bucci: Censura epidêmica
Ela maculou a reputação do Supremo Tribunal e abalou a expectativa de segurança jurídica...
Ao trancafiar os cálculos sobre a reforma da Previdência, impedindo jornalistas e, no mais, qualquer brasileiro ou qualquer brasileira de ter acesso aos números, o governo federal ultrapassou (mais uma vez) as imagens mais claustrofóbicas da ficção científica mais pessimista. Nos filmes Blade Runner (baseado num conto de Philip K. Dick) ou Matrix (inspirado no livro Neuromancer, de William Gibson), conhecemos as engrenagens maquínicas de um poder que se desumanizou por inteiro para se converter ele mesmo num ciborgue-leviatã, mas até mesmo ali os seres humanos conseguem, de um jeito ou de outro, fazer contas com dados reais.
As mais famosas distopias do século 20, como 1984, de George Orwell, ou Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, também não nos ajudam nesse campo – embora no livro 1984 exista o Ministério da Verdade, cuja atribuição é construir e instalar as verdades oficiais que são mentiras absolutas. Essa coisa bolsonárica de decretar o sumiço das planilhas em que o governo trabalha para sustentar seu projeto de reforma da Previdência parece conter mais pulsões totalitárias do que o cardápio de expedientes tirânicos imaginado por George Orwell.
Não que o Brasil esteja virando um Blade Runner ou uma Laranja Mecânica (a obra-prima de Stanley Kubrick, cujos fantasmas nos vêm puxar a perna durante estas noites sufocantes de 2019). Não que o totalitarismo se tenha instalado no Brasil. O risco, por enquanto, é mais incipiente, mas é real.
A iniciativa de banir a aritmética do debate político escancara o que vai pela cabeça do comando do Executivo. Se ainda não temos aqui o Ministério da Verdade, e não temos, não é por falta de disposição do poder. Se ainda não viramos uma paródia depressiva de Admirável Mundo Novo, é só porque a malha institucional – um tanto pitimbada, mas efetiva – da nossa democracia tem resistido. Se dependesse dos novos inquilinos da Esplanada, o Ministério da Verdade já estaria em pleno funcionamento.
Nesta hora, a compreensão dos vetores que orientam os atos do poder é tão ou mais decisiva do que a análise do quadro objetivo. A subjetividade instalada no governo conta. As intenções contam – contam porque desnudam o projeto em curso. O governo que aí está pode parecer errático. Nada do que ele propõe dura. As idas e vindas – as tentativas erradas e os erros consumados – se embolam sem que se consiga extrair das condutas destrambelhadas uma linha coerente, lúcida. Para piorar a desorientação randômica das cabeçadas palacianas, há ainda as brigas internas entre facções que, também elas, são desorganizadas e violentas como gangues adolescentes. Num ponto, contudo, esse governo ostenta uma unidade coesa: esse ponto são as investidas contras as liberdades e os direitos. Nisso o impulso essencial da Presidência da República é uno e compacto. Trata-se de um denominador comum que dá uma racionalidade tanática ao desordenamento das aparências. É por isso, enfim, que se tornou essencial entender a subjetividade do delírio autoritário que tomou o poder no Brasil.
A intenção manifesta de reescrever os livros de História do Brasil para limpar a folha corrida da ditadura militar, o revisionismo de afirmar que o nazismo é de esquerda, as ações mais ou menos destrambelhadas para liberar (ainda mais) as armas de fogo se coadunam perfeitamente com essa medida de censurar os números. Vai ver, no entendimento de alguns deles lá em cima, esse negócio de conta de mais e conta de menos também é coisa de comunista. A mentalidade censória agora elegeu uma nova vítima: os algarismos e os sinais da aritmética.
Tudo já seria ruim se a mentalidade censória se restringisse ao Poder Executivo. Mas a situação é pior. O Supremo Tribunal Federal (STF), até ele, agora também enveredou por esse caminho. É sabido desde sempre que, em sua primeira e segunda instâncias, o Poder Judiciário tem cedido, e com frequência, à tentação de impedir que conteúdos jornalísticos alcancem o público. Mas a cúpula do Judiciário, o STF, vinha se pautando por princípios menos antimodernos, resguardando as liberdades e reformando decisões obscurantistas. Este jornal mesmo só se livrou da censura judicial graças ao STF. Em 31 de julho de 2009, o Estado foi proibido de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. A situação só se normalizou 3.327 dias depois, em 8 de novembro de 2018, quando o Supremo desmontou a censura.
De duas semanas para cá, o cenário no STF mudou. A decisão de um de seus ministros de impor censura ao site O Antagonista e à revista eletrônica Crusoé discrepou da linha habitual da Corte sobre a matéria. Pior: o veto foi imposto no âmbito de um inquérito, sem que tivesse sido formalmente solicitado por uma parte que se declarasse prejudicada. O STF agiu de moto-próprio (de ofício). A medida censória foi revogada dias depois pelo ministro Alexandre de Moraes (pois a decisão era um disparate completo), mas a censura à revista Crusoé maculou a reputação da Corte e abalou a expectativa de segurança jurídica quando o que está em jogo é o livre exercício da profissão de jornalista.
Outra vez, aqui, a subjetividade faz toda a diferença. Por que o STF se desviou por esse caminho? O que vai na cabeça dos magistrados? A resposta a essas perguntas passa por uma incompreensão crônica da nossa cultura jurídica (e da nossa cultura política) do instituto da liberdade de imprensa. Já tratei dessa incompreensão em artigos anteriores (como em Não sabem o que é ‘news’ e querem caçar ‘fake news’, de 24 de maio de 2018).
O horizonte, que já era crítico, traz preocupações adicionais. Se o STF se afasta do papel de proteger as garantias fundamentais, de onde virão os freios e contrapesos para estancar os delírios autoritários do Executivo?
*Jornalista, é professor da ECA-USP
Luiz Carlos Azedo: O Supremo na berlinda
“As críticas à investigação sobre os vazamentos da Operação Lava-Jato continuam, principalmente de ex-integrantes da Corte, que questionam o inquérito aberto “ex ofício” por Toffoli”
O recuo do ministro Alexandre de Moraes em relação à censura ao site O Antagonista e à revista Crusoé, pressionado pela mídia, pelas redes sociais e pelos próprios pares, não foi bem uma retirada do presidente do Supremo, Dias Toffoli, em relação ao suposto vazamento de informações sigilosas pela força-tarefa da Operação Lava-Jato, que continua sob investigação. Por essa razão, ambos permanecem pressionados pelos pares que divergem da decisão “ex ofício” de Toffoli, que encarregou Moraes de investigar a origem dos ataques e ameaças feitas a ele próprio nas redes sociais e dos vazamentos de informações sigilosas da delação premiada da Odebrecht, que permanecem em segredo de Justiça, em razão do acordo feito com o Ministério Público Federal e o próprio Supremo.
Toffoli, Moraes e o ministro Gilmar Mendes, que desta vez esteve ao largo da crise, são alvos de vários pedidos de impeachment e de CPI para investigar o Judiciário, apelidada de Lava-Toga, no Senado. O nível de solidariedade em relação aos três por parte dos demais ministros não é robusto o suficiente para endossar o contra-ataque arquitetado por Toffoli. A unidade do Supremo só existe em torno de posições de princípio sobre as prerrogativas da magistratura. A Corte está profundamente dividida em relação a alguns temas que estão no centro da disputa com a força-tarefa da Operação Lava-Jato. O melhor exemplo é a jurisprudência sobre a execução da pena após condenação em segunda instância, que já foi referendada três vezes nos últimos anos, mas pode ser revista, em razão da alteração da composição do Supremo, com a chegada de novos ministros e a mudança de posição de Gilmar Mendes, que era a favor e agora é contra.
Logo após o recuo de Moraes, Toffoli suspendeu liminar do ministro Luiz Fux que havia proibido o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ser entrevistado pelo jornal Folha de São Paulo. A decisão é coerente com a de Moraes, mas sinaliza na direção de que o presidente do Supremo pretende pôr em discussão a revisão da jurisprudência sobre execução da pena após condenação em segundo instância e, finalmente, levar ao plenário o pedido de habeas corpus da defesa do petista, cujo julgamento vem sendo adiado. Pelo andar da carruagem, o relaxamento da prisão de Lula não é uma hipótese a ser desconsiderada.
O contexto não é o mesmo do episódio do habeas corpus concedido pelo desembargador federal Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, em julho do ano passado. Lula cumpre pena de 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, numa sala da Superintendência der Polícia Federal do Paraná, em Curitiba (PR). Foi condenado pelo então juiz federal Sérgio Moro e pelo Tribunal Regional Federal da 4a. Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, no processo do triplex de Guarujá, no âmbito da Operação Lava-Jato, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O despacho de Fraveto, suspenso pelo TRF-4, determinava a suspensão da execução provisória da pena e a liberdade de Lula, em pleno curso das eleições, o que provocou o maior reboliço em plena campanha eleitoral.
À época, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, se manifestou publicamente contra a libertação de Lula. Escreveu uma mensagem de “repúdio à impunidade” e que o Exército brasileiro “se mantém atento às suas missões institucionais”. A mensagem, lida no final do Jornal Nacional (TV Globo), soou como uma ameaça de ação militar em caso de soltura do presidente. Mais tarde, em entrevista ao jornalista Igor Gielow, da Folha de São Paulo, comentou: “Eu reconheço que houve um episódio em que nós estivemos realmente no limite, que foi aquele tuíte da véspera da votação no Supremo da questão do Lula. Ali, nós conscientemente trabalhamos sabendo que estávamos no limite. Mas sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse. Porque outras pessoas, militares da reserva e civis identificados conosco, estavam se pronunciando de maneira mais enfática”.
Críticas
A decisão de Moraes ajudou a diminuir o ambiente de desconforto interno entre os ministros da Corte, mas dificilmente o assunto não será decidido em plenário. As críticas à investigação sobre os vazamentos da Operação Lava-Jato continuam, principalmente de ex-integrantes da Corte: “Não se pode obrigar o Ministério Público a formular, formalizar uma denúncia perante o Judiciário. Portanto, a última palavra — embora o Ministério Público não decida; a decisão é do Judiciário — mas essa não propositura da ação cabe ao Ministério Público. E não há o que fazer: é arquivar o processo”, declarou o ex-presidente do STF Ayres Britto.
Para ele, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “não pode ser obrigada a promover a ação penal se assim concluir o inquérito, entre aspas, no Supremo Tribunal Federal. Aí o que vai fazer o Supremo? Se acatar a manifestação final do Ministério Público”.
O ministro Luís Barroso, que estava nos Estados Unidos, qualificou o episódio como um “amadurecimento democrático”. Segundo ele, “o que se extrai é a existência de uma sociedade mais consciente e mobilizada, que se manifesta livremente, não aceita o inaceitável e obriga as instituições a se repensarem e se tornarem mais responsivas”. Barroso, que faz parte do grupo de ministros que defende a execução da pena após condenação em segunda instância, foi mais cauteloso do que seu colega Marco Aurélio Mello, o primeiro a criticar as decisões de Toffoli e Moraes. O Supremo continua na berlinda.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-supremo-na-berlinda/
Bernardo Mello Franco: Toffoli levou uma suprema enquadrada
Ao endossar censura, ministro Dias Toffoli levou uma enquadrada dos ministros mais velhos no STF. Ele ensaiou um recuo, mas sairá enfraquecido
Dias Toffoli foi o ministro mais jovem a assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal. Ao completar sete meses na cadeira, levou uma enquadrada pública dos mais velhos.
O ministro irritou colegas ao instaurar um inquérito à revelia do Ministério Público. Ele alegou que pretendia defender a “honorabilidade” da Corte, mas deixou um clima de desconfiança no ar. Agora ficou claro que o motivo da preocupação era outro.
Toffoli buscava um escudo para proteger a própria imagem. Talvez soubesse que voltaria a ser citado na Lava-Jato. Ele já havia sido lembrado na delação da OAS. Na semana passada, apareceu num email interno da Odebrecht.
O presidente do Supremo se juntou à legião de figuras públicas com apelidos dados pela empreiteira. Depois do “Caranguejo”, do “Botafogo”, do “Decrépito” e do “Viagra”, despontou como o “Amigo do amigo de meu pai”. Em defesa do ministro, seu codinome foi citado sem a companhia de uma cifra.
Mesmo sem ter sido acusado de crime, Toffoli reagiu com fúria. Incentivou o colega Alexandre de Moraes a censurar a revista que publicou o e-mail. Depois da enxurrada de críticas, resolveu insistir no erro. “É necessário mostrar autoridade e limites”, justificou.
O excesso de soberba encorajou os ministros mais experientes a romperem o silêncio. O decano Celso de Mello bateu duro na censura. “Além de intolerável, constitui verdadeira perversão da ética do direito”, disse. A ministra Cármen Lúcia fez coro. “Toda censura é mordaça, e toda mordaça é incompatível com a democracia”, afirmou.
O ministro Marco Aurélio Mello advertiu que a decisão seria derrubada no plenário. “Aguardo um recuo”, complementou. Foi a senha para Moraes e Toffoli voltarem atrás antes de serem derrotados.
O recuo evita um desfecho mais humilhante para os dois. Mesmo assim, eles saem enfraquecidos do episódio. Os efeitos da enquadrada serão piores para Toffoli, que ainda tem 17 meses de presidência pela frente.
Luiz Carlos Azedo: O quarto poder
“O Estado não tem poder algum (…) de restringir e de inviabilizar o direito fundamental do jornalista de informar, de pesquisar, de investigar, de criticar e de relatar fatos e eventos de interesse público”
O papel de “poder moderador” que o Supremo Tribunal Federal (STF) avocou para si, a partir do princípio de que é o guardião da Constituição de 1988, está sendo gradativamente volatilizado pela Operação Lava-Jato, com a ajuda dos próprios integrantes da Corte. Nunca antes o Supremo esteve numa situação em que seu presidente passou do estado líquido para o gasoso, como no episódio da proibição da divulgação de uma reportagem da revista Crusoé e do site O Antagonista, pelo ministro Alexandre de Moraes.
A decisão decorreu do fato de o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, ter sido apontado como suposto investigado pela Operação Lava-Jato, e provocou uma reação em cadeia nas redes sociais, na mídia e no Congresso em defesa da liberdade de imprensa. Depois da enxurrada de críticas, Moraes suspendeu a decisão, com o argumento canhestro de que se comprovou a real existência do documento citado pela reportagem. E Toffoli revogou decisão do ministro Luiz Fux que havia proibido a Folha de São Paulo de entrevistar, na prisão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Como a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo tomaram conhecimento do conteúdo do documento anexado em um dos processos em que Marcelo Odebrecht é alvo na Justiça Federal de Curitiba, segundo Moraes, se tornou “desnecessária” a manutenção da medida que ordenou a retirada da reportagem do ar. “Diante do exposto, revogo a decisão anterior que determinou ao site O Antagonista e à revista Crusoé a retirada da matéria intitulada ‘O amigo do amigo de meu pai’ dos respectivos ambientes virtuais”, justificou. Moraes investiga vazamentos de documentos de caráter sigiloso da delação premiada do empresário Marcelo Odebrecht, supostamente por parte de integrantes da força-tarefa da Lava-Jato.
Todo mundo tirou uma casquinha do Supremo, até o presidente Jair Bolsonaro, que ontem participou de uma solenidade militar na sede do Comando Militar do Sudeste, na Zona Sul de São Paulo: “Prezados integrantes da mídia, em que pesem alguns percalços entre nós, nós precisamos de vocês para que a chama da democracia não se apague. Precisamos de vocês cada vez mais. Palavras, letras e imagens que estejam perfeitamente imanadas com a verdade. Nós, juntos, trabalhando com esse objetivo, faremos um Brasil maior, grande e reconhecido em todo o cenário mundial. É isso que nós queremos”, discursou.
Censura
O recuo ocorreu porque a maioria dos ministros pressionou Moraes e o presidente do Supremo, Dias Toffoli, para que a decisão fosse sustada sem necessidade de uma manifestação do pleno da Corte. Coube ao decano Celso de Mello expressar a posição da maioria, por meio de uma nota oficial: “A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República.”
Celso de Mello reiterou o papel da liberdade de imprensa na democracia: “O Estado não tem poder algum para interditar a livre circulação de ideias ou o livre exercício da liberdade constitucional de manifestação do pensamento ou de restringir e de inviabilizar o direito fundamental do jornalista de informar, de pesquisar, de investigar, de criticar e de relatar fatos e eventos de interesse público, ainda que do relato jornalístico possa resultar a exposição de altas figuras da República.” E abominou “a prática da censura, inclusive da censura judicial, além de intolerável, constitui verdadeira perversão da ética do Direito e traduz, na concreção do seu alcance, inquestionável subversão da própria ideia democrática que anima e ilumina as instituições da República”. Nas democracias do Ocidente, a liberdade de imprensa é uma espécie de “quarto poder”.
No Brasil, o “poder moderador” é uma herança do Império. Foi incorporado à Constituição de 1824 por Dom Pedro I, inspirado no esquema clássico de separação de poderes de Montesquieu, que os dividiu em Executivo, Legislativo e Judiciário, mas acrescentou mais um: o poder real. Em 1889, com a proclamação da República, o Poder Moderador foi extinto no Brasil, mas, na prática, seu papel passou a ser exercido pelos militares, o que provocou uma sucessão infindável de crises políticas. Desde a questão militar, após a Guerra do Paraguai, na década de 1890, até 1988, quando foi promulgada a atual Constituição, militares e políticos se digladiaram em vários momentos (1889, 1920, 1930, 1935, 1937, 1945, 1954, 1958, 1962, 1964, 1968, 1985), com episódios dramáticos.
Os militares sempre se acharam moralmente superiores aos políticos civis, porque se consideram os “salvadores da pátria”; e os políticos sempre temeram os militares, porque atuaram na política com a força das armas na maioria das vezes. As exceções foram as eleições de Floriano Peixoto (1891), Hermes da Fonseca (1910) e Eurico Gaspar Dutra (1946), que chegaram ao poder pelo voto. Todos passaram a Presidência para civis igualmente eleitos: Prudente de Moraes (1898), Venceslau Brás (1914) e Getúlio Vargas (1951). Bolsonaro, que mal começou seu mandato, apesar de certo dejà vu, faz parte de um novo ciclo democrático.
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