supremo

César Felício: Distância regulamentar

Luiz Fux frisou que deferência a outros Poderes tem limite

A interlocutores nos últimos meses, o ministro Luiz Fux já havia indicado que pretendia demarcar uma certa distância em relação ao presidente Jair Bolsonaro. A convivência prometida iria muito pouco além da protocolar. Não haveria ambiente para visitas inesperadas, ou encontros no fim de semana.

Este não foi um traço de seu antecessor no cargo, Dias Toffoli, como ficou patente anteontem, com a irrupção de Bolsonaro em sessão do Supremo, para o assombro dos demais ministros.

Aboletado ao lado de Toffoli, a seu convite, Bolsonaro fez questão de lembrar que chegou onde chegou porque foi votado por milhões de eleitores. Ao passo que Toffoli e seus pares lá estavam por indicação presidencial. O momento não foi uma fotografia que colocou o Supremo em uma posição altiva, para dizer o mínimo.

Ao tomar posse ontem como novo presidente da Corte, Fux demonstrou o tamanho da distância regulamentar, ainda que o presidente estivesse ao seu lado, conforme manda o ritual.

Ele se mostrou disposto ao jogo político, ao deixar claro que quer ser “minimalista” e “pragmático” ao julgar ações de outros Poderes.

“O STF não tem o monopólio das respostas. Os demais Poderes devem resolver internamente seus próprios conflitos, em que a decisão política deve reinar”, disse em seu discurso. É algo que pode ter soado alentador aos ouvidos do presidente do Senado, que estava presente e sonha com uma reeleição explicitamente vedada pela Constituição.

Dentro da teoria consequencialista pela qual se rege ao tratar de temas econômicos, ele sempre estará disposto a ouvir os argumentos do Ministério da Economia ao pautar temas fiscalmente explosivos, um aceno para o Executivo.

Isso posto, Fux foi explícito em indicar que pode terminar aí a “deferência aos demais Poderes” que prometeu. “Deferência”, afirmou em seu discurso, “não se confunde com contemplação e subserviência”.

“O Judiciário não hesitará em decisões exemplares para a preservação da nossa democracia e nem mediremos esforços para o combate à corrupção. Não admitiremos recuo. Aqueles que apostam na desonestidade como meio de vida não encontrarão em mim condescendência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do direito”.

Não há outra interpretação possível que não seja a de ter sido feito um sinal de advertência ao presidente Jair Bolsonaro e seu entorno.

Não faz muitas semanas que a revista “Piauí” publicou uma matéria, sem revelar as fontes, em que se relata a disposição do presidente de intervir no Supremo, seja lá o que isso significa, caso fosse obrigado a entregar para perícia o seu telefone celular.

O esgoto da internet açulado pelo bolsonarismo bombardeia de maneira incessante os ministros de Supremo e Fux há tempos é um alvo importante de ataques ao rés do chão. Em sessão recente no STF, o ministro classificou este tipo de militância virtual como terrorista.

A referência à Lava-Jato é uma sinalização de que, no que depender de Fux, não haverá interesse em garantir blindagem a integrantes de outros Poderes. O novo presidente do Supremo Tribunal Federal não fez referências às suspeitas que pesam contra o próprio Judiciário, amplificadas anteontem pela operação desencadeada por ordem do juiz Marcelo Bretas.

Fux fez menção expressa à importância de se preservar a liberdade de imprensa, foco de explosões constantes de ira presidencial, e prestou logo no início de seu discurso tributo aos quase 130 mil mortos pela covid-19, que raramente recebem homenagens de Bolsonaro.

Se o seu antecessor buscou a assessoria de generais, Fux promete como um de seus primeiros atos como presidente da corte a criação de um Observatório de Direitos Humanos no âmbito do Conselho Nacional de Justiça. Em política, às vezes, um gesto é tudo.
Deriva

Tivesse o ex-ministro da Justiça Sergio Moro mais desenvoltura para articulações partidárias não faltaria a ele oportunidades para ser protagonista nestas eleições municipais. Moro está em segundo ou terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para 2022, e há uma corte de admiradores do ex-ministro que estão disputando o pleito. A vinculação deles ao bolsonarismo é hoje tênue. Poderiam ser candidatos “moristas”.

Em São Paulo, a deputada Joice Hasselmann (PSL) disputa a eleição magoada com Bolsonaro e batendo em literalmente todas as forças políticas do Estado. Joice foi autora de uma hagiografia de Sérgio Moro, no auge da Lava-Jato. Se há uma vertente em que continua se ancorando é a do combate à corrupção.

Também seria uma “morista” em potencial a candidata do Podemos à Prefeitura do Recife, delegada Patrícia Domingos, que manifesta reservas a Bolsonaro e é só elogios ao ex-ministro da Justiça.
Nada indica, entretanto, que o ex-ministro partirá para este tipo de semeadura nos próximos dois meses. A notícia que existe é que ele começa na próxima semana a dar aulas virtuais no curso de direito do UniCEUB, uma faculdade particular em Brasília.

Desde que saiu do governo, causando desgaste ao presidente, Moro colecionou percalços. Enfrenta uma ofensiva de advogados para que seja impedido de exercer a atividade e está sob o fio de lâmina no Supremo, que há de um dia julgar a sua suspeição no processo que condenou Lula. A Operação Lava-Jato que tanto o projetou está nas cordas. Reúne contra si praticamente a unanimidade do mundo político.

São circunstâncias que tolhem seus movimentos. Moro será um ator importante no cenário político a depender de mudanças de variáveis que não controla. Ele está distante da costa, o que torna mais incerta a rota a seguir. Pra chegar no destino vai depender do vento.


Eliane Cantanhêde: Fux, sem subterfúgio

Em vez de defender o combate à corrupção em tese, Fux citou especificamente a Lava Jato

Se o Supremo Tribunal Federal agir e decidir nos próximos dois anos como se comprometeu ontem o seu novo presidente, Luiz Fux, será um sucesso, um bom momento para a Justiça brasileira. Não custa lembrar, porém, que, entre palavras e atos, há uma enorme distância. Entre o desejo e as condições práticas, também. E é preciso combinar com os “adversários” – inclusive os demais ministros. Logo, a torcida é para Fux perseguir suas promessas e os princípios manifestados, enfrentar as naturais divisões internas e as pressões externas.

Em seu discurso, que abriu com um tributo aos quase 130 mil mortos pela covid-19, geralmente esquecidos nas falas do Executivo, ele disse que “democracia não é silêncio, é debate construtivo”, e defendeu a independência entre Poderes, mas “com altivez e vigilância e não com contemplação nem subserviência”. Ao seu lado, o presidente Jair Bolsonaro, finalmente de máscara, apesar das telas transparentes que separavam os ministros e autoridades, não mexia um músculo.

Fux também criticou a judicialização da política e o excesso de ações que o Supremo julga por ano – 115.603 em 2019. Ao dizer que o Judiciário não é “oráculo”, pregou que Executivo e Legislativo resolvam seus conflitos internos, sem que o Supremo atue verticalmente, e prometeu uma “intervenção minimalista” em matérias sensíveis: “menos é mais”, disse. Além de enaltecer a democracia e a mínima interferência em temas dos demais Poderes, ele se comprometeu veementemente com uma ação firme em favor de minorias, liberdade de expressão e de imprensa e, junto com isso, com o combate à corrupção e ao crime organizado.

O recado mais objetivo do discurso de posse, porém, foi quando Fux saiu dos princípios gerais, das frases de efeito e das citações eruditas para dizer com todas as letras, sem subterfúgio, que sua gestão será pró-Lava Jato. Além de citar diretamente a operação e o mensalão, marcos contra a corrupção no Brasil, ele fez mais: lembrou aos quatro ventos, especialmente para a cúpula do poder nacional, ali presente, que todas as operações foram realizadas com autorização judicial. Inclusive do próprio Supremo.

Essas manifestações têm enorme significado diante das múltiplas frentes de ataque à Lava Jato e da correspondente reação das forças-tarefa. A cada ataque, uma nova operação – como a que atingiu em cheio, na véspera da posse, os advogados, até agora preservados e na linha de frente do tiroteio contra a Lava Jato, por motivos óbvios.

Se o Supremo é unânime ao dizer não aos arroubos antidemocráticos, sejam do presidente Bolsonaro, de seus adeptos e robôs de internet, a Corte se divide quanto o tema é Lava Jato. Por isso a importância da manifestação de Fux. O presidente tomou partido, reafirmou já na posse os seus votos, em plenário e na Primeira Turma, a favor das duas maiores operações de combate à corrupção de que se tem notícia.

Na pauta do Supremo, destacam-se a investigação de Bolsonaro por interferência política na Polícia Federal e o julgamento, na Segunda Turma, da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro na condenação do ex-presidente Lula. E, claro, respingarão na Corte as decisões do Congresso sobre a prisão após condenação em segunda instância, que teve idas e vinda tortuosas e julgamentos apertados no plenário – em geral por um voto.

Celso de Mello sai em novembro e Marco Aurélio, no ano que vem. Ambos são contra a prisão em segunda instância. Portanto, se houver um novo julgamento, a decisão vai depender dos dois futuros ministros. Ou seja: de Jair Bolsonaro. Deste que é candidato à reeleição em 2022, não daquele de 2018. A grande interrogação, aliás, é justamente essa: como será a relação deles, Bolsonaro e Fux.


Bernardo Mello Franco: Sinais contraditórios na posse de Fux

As sessões solenes do Judiciário costumam ser pródigas em rapapés. Mesmo assim, Augusto Aras exagerou. O procurador-geral da República disse que o ministro Luiz Fux “alia a mente de Atenas à força de Esparta”. Até as estátuas gregas ficariam coradas com a bajulação.

Fux fez um longo discurso ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal. Na única referência à Antiguidade, evocou Platão para declarar apoio à Lava-Jato. Depois citou pensadores mais contemporâneos, como Fagner e Michael Sullivan. “Ele me deu a honra da parceria na canção ‘Flor Mariana’, como presente de casamento para minha filha”, informou.

Sobre o que interessa, a relação da Corte com o bolsonarismo, o ministro emitiu sinais contraditórios. Numa passagem, ele afirmou que “harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”. A frase indicou uma mudança positiva em relação ao colaboracionismo de Dias Toffoli.

Em outro momento, Fux sugeriu que o Supremo pode passar a se omitir em debates caros ao governo. Ele criticou a “judicialização vulgar” de questões “permeadas por desacordos morais”. “Essa prática tem exposto o Poder Judiciário, em especial o Supremo, a um protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais”, afirmou.

A declaração deve ter animado Jair Bolsonaro, que ataca o Supremo sempre que se vê contrariado por alguma decisão. Em abril, ele hostilizou o ministro Alexandre de Moraes após ser impedido de nomear um amigo para a chefia da Abin. “Quase tivemos uma crise institucional. Faltou pouco”, esbravejou.

Diante de um governo autoritário, que faz ameaças constantes à oposição, às minorias e à imprensa, o Supremo não pode julgar apenas temas de consenso. Em diversos momentos, terá que contrariar o Planalto para proteger a Constituição.

À revista “Justiça & Cidadania”, Fux acrescentou que sua gestão será marcada por “uma postura de muita deferência às escolhas feitas pelo governo”. Se ele seguir essa linha, a diferença em relação a Toffoli será apenas de estilo.


Ricardo Noblat: Que saudade Bolsonaro sentirá de Dias Toffoli

O que Fux promete
A entregar pelo menos em parte tudo o que prometeu no seu discurso de posse, ontem, como novo presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux fará o presidente Jair Bolsonaro sentir falta, muita falta do ministro Dias Toffoli.

Há dois anos, ao ser empossado no cargo que cedeu a Fux, Dias Toffoli prometera tirar o tribunal da boca do palco da política, reduzindo seu protagonismo. Fez o contrário. E surpreendeu seus pares e o próprio governo aliando-se a Bolsonaro.

Fux comprometeu-se também com uma “intervenção minimalista” em assuntos sensíveis. “Menos é mais”, enfatizou. Repetiu o truísmo da necessária independência entre Poderes, mas acrescentou: “Com altivez” e não com contemplação e subserviência.

Sentado ao seu lado e usando máscara porque todos, ali, também usavam, Bolsonaro não foi alvo de tratamento especial, nem de salamaleques. Ouviu do ministro Marco Aurélio Mello que deve governar para todos os brasileiros, e não só para os que o elegeram.

Ouviu de Fux, no trecho mais aguardado do seu discurso, uma defesa enfática do combate à corrupção. O ministro citou a Lava-Jato mais de uma vez, exaltando seus resultados. Fez por merecer o que o ex-juiz Sérgio Moro vaticinou em 2016:

– Excelente. “In Fux we trust” (‘em Fux nós confiamos’)

Histórias do Brasil

O alô do prefeito e o mico do general

Dez de março passado, uma segunda-feira. Manhã, bem cedo. Na casa do empresário Rafael Alves, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, toca seu celular. Ao ouvir “alô”, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), autor da chamada, foi logo perguntando:

– Bom dia, Rafael. Está tendo uma busca e apreensão na Riotur [empresa de turismo do município]? Você está sabendo?

Não foi Rafael que atendeu a ligação, mas o delegado Clemente Nunes Machado Braune, um dos responsáveis pela primeira fase da Operação Hades que investiga um esquema de pagamento de propinas a funcionários da prefeitura.

Naquele instante, a casa de Rafael estava sendo vasculhada por policiais em busca de documentos e de objetos. O delegado disse ao prefeito quem era e por que estava ali. Sem falar mais uma só palavra, Crivella desligou rapidamente.

Segundo o delegado, a forma de tratamento, o horário da chamada e o assunto em questão deixaram clara a relação de confiança entre o prefeito e o empresário, que teve o celular apreendido. Seu conteúdo deflagrou, ontem, a segunda fase da operação.

Desta vez, foram cumpridos 22 mandados de busca e apreensão, três deles em endereços de Crivella: seu apartamento na Barra da Tijuca, seu gabinete na sede da prefeitura, e o Palácio da Cidade, usado por ele para reuniões e eventos.

O prefeito estava em casa quando os policiais chegaram. Seu celular foi confiscado, embora, por orientação de advogados, ele tenha se recusado a fornecer a senha. Depois da batida, Crivella foi ao encontro do presidente Jair Bolsonaro num quartel da Marinha.


Merval Pereira: Nova postura

Fortalecer a “autoridade e a dignidade” do Supremo Tribunal Federal (STF), retirando-o das disputas políticas e mantendo relações com os demais poderes “harmônicas, porém litúrgicas”, parece ser o objetivo central da gestão do ministro Luiz Fux, que tomou posse ontem como presidente do STF.

Essa postura é uma guinada em relação aos últimos anos presididos por Dias Toffoli, que se aproximou excessivamente, na visão de muitos, do Palácio do Planalto e das manobras políticas, na tentativa de protagonizar acordo entre os Três Poderes que resultaram apenas em uma imagem distorcida do Supremo.

Para tanto, Fux definiu que Executivo e Legislativo têm que arcar com as conseqüências políticas das próprias decisões. Em seu discurso de posse, Fux foi enfático ao falar da corrupção, fazendo referência elogiosa à Operação Lava-Jato, que sofre ataques dentro do próprio Supremo:
“Esses corruptos de ontem e de hoje é que são os verdadeiros responsáveis pela ausência de leitos nos hospitais, de saneamento e de saúde para a população carente, pela falta de merenda escolar para as crianças brasileiras”.

A base de sua gestão nos próximos dois anos foi definida num discurso comovido e comovente, em que ficou clara sua alegria de ter chegado ao posto mais alto da carreira jurídica, mas também o desejo firme de não envolver o Supremo em questões que levem a uma “judicialização vulgar e epidêmica”.

Para o novo presidente do STF, é preciso “deferência aos demais Poderes no âmbito de suas competências, combinada com a altivez e a vigilância na tutela das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Afinal, o mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”. Para justificar esta nova postura, o novo presidente do Supremo advertiu em seu discurso que “(…) a intervenção judicial em temas sensíveis deve ser minimalista, respeitando os limites de capacidade institucional dos juízes, e sempre à luz de uma perspectiva contextualista, consequencialista, pragmática, porquanto em determinadas matérias sensíveis, o menos é mais”.

Na sua visão, o Tribunal tem tido “um protagonismo deletério”, muito devido ao excesso de demandas de políticos e governantes: “(…) alguns grupos de poder que não desejam arcar com as consequências de suas próprias decisões acabam por permitir a transferência voluntária e prematura de conflitos de natureza política para o Poder Judiciário, instando os juízes a plasmarem provimentos judiciais sobre temas que demandam debate em outras arenas que não o Judiciário”.

Os cinco eixos de sua gestão, alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, definem bem seus objetivos: 1) a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; 2) a garantia da segurança jurídica conducente à otimização do ambiente de negócios no Brasil; 3) o combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro, com a consequente recuperação de ativos, 4) o incentivo ao acesso à justiça digital, e 5) o fortalecimento da vocação constitucional do Supremo Tribunal Federal.

Falou com especial ênfase no combate à corrupção, “que ainda circula de forma sombria em ambientes pouco republicanos em nosso país”. Fux afirmou que não admitirá “qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção”, e advertiu: “Não permitiremos que se obstruam os avanços que a sociedade brasileira conquistou nos últimos anos, em razão das exitosas operações de combate à corrupção autorizadas pelo Poder Judiciário brasileiro, como ocorreu no Mensalão e tem ocorrido com a Lava Jato.”

Esclarecimento
O General Richard Nunes, chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, manda mensagem esclarecendo que o Exército não gastou nada com o aumento da produção de cloroquina, que já fabricava para outros fins, como tratamento de lúpus e malária.

A encomenda não saiu do orçamento do Exército, que foi ressarcido do gasto extra. Ele lembra que não compete ao Laboratório do Exército analisar se a cloroquina tem ou não efeito sobre a Covid-19, função de outros órgãos.


El País: Fux estreia no comando do STF

Ministro defende a Lava Jato e deve evitar temas conflituosos. Ele quer, em um primeiro momento, manter o foco nos casos sobre o combate à pandemia e sobre meio ambiente

Afonso Benites, El País

A assunção do ministro Luiz Fux à presidência do Supremo Tribunal Federal deve representar uma redução do chamado ativismo judicial e um momento de maior independência do Judiciário em relação Executivo e ao Legislativo. Seu antecessor no cargo, José Antonio Dias Toffoli, ficou marcado por se aproximar do Executivo e fazer acenos ao Legislativo com um pacto entre os Poderes que, na prática, nunca existiu. Fux quer que a Corte Suprema e o Judiciário como um todo interfiram cada vez menos na política. Em seu discurso de posse, o novo presidente afirmou que a judicialização da política, fenômeno no qual um poder interfere em atribuições de outros, têm equivocadamente transformado o STF em uma espécie de “oráculo”.

“O Supremo Tribunal Federal não detém o monopólio das respostas, nem é o legítimo oráculo, para todos os dilemas morais, políticos e econômicos de uma nação”, disse o ministro. Ele ainda cobrou que as autoridades ajudem a dar um “basta na judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar”.

O ministro disse que a harmonia entre os Poderes não implica na subserviência a eles. “O mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”. Fux também definiu cinco prioridades para a sua gestão: a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; a garantia da segurança jurídica para o ambiente de negócios; o combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro; o incentivo ao acesso à Justiça digital e; o fortalecimento da vocação constitucional do Supremo.

Essa independência é esperada entre quem acompanha o dia a dia do STF. “O ministro Fux é um juiz de carreira. Juiz não defende um dos lados. Juiz julga. É possível que ele se policie mais do que antecessores no trato com outros Poderes”, diz o advogadoTércio Sampaio Ferraz Júnior, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Ele é uma pessoa que tem a vivência, que conhece a rotina de todo o Judiciário. Isso será positivo”, afirmou a advogada Beatriz Sena, mestre em Direito e Estado.

Poder reduzido na pauta

Uma das principais funções do presidente da Corte é o de definir a pauta de julgamentos do plenário. Esse poder foi reduzido durante a pandemia, quando prevaleceram os julgamentos virtuais em que os relatores dos processos podem levar seus casos diretamente. Pelo que a reportagem apurou, Fux deverá evitar temas conflituosos e quer, em um primeiro momento, manter o foco nos casos envolvendo o combate à pandemia de coronavírus e o meio ambiente.

Entre analistas críticos ao STF, há os que apostam que ele não entrará em nenhum conflito com o Executivo e suas pautas ideológicas. Um deles é o professor de direito da USP, Conrado Hubner Mendes. Em sua coluna na Folha de S. Paulo, Mendes sugeriu que Fux não compraria cinco temas caros ao bolsonarismo e que já tem ações à espera de julgamento. “O índice mais significativo de uma gestão no STF não é formado pelos casos que decide, mas pelos que prefere não decidir. Faço uma aposta sobre os cinco casos que Fux não decidirá nem que a República tussa”. Os temas são os seguintes: porte de drogas, prisões, interrupção da gravidez, juiz das garantias e decreto das armas.

Também pesa contra o novo presidente sua conduta tida como corporativista no passado. Foi ele quem, em 2014, concedeu auxílio moradia a todos os juízes do país por meio de uma liminar. E só a suspendeu quatro anos depois, quando o Governo Michel Temer (MDB), em um acordo com o Congresso Nacional, liberou o reajuste salarial aos magistrados. Até agora o caso ainda não teve o seu mérito julgado. “Essa questão de corporativismo é complicada. Todas as carreiras são. Em um ponto de vista externo, o auxílio moradia pode ser chamado de penduricalho, internamente dizem que compõe o que se chama de remuneração”, contemporizou Ferraz Júnior.

Em seu discurso, o ministro disse que a Corte não admitirá “qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção”. Conhecido pelos votos duros em matéria penal, citou textualmente a Lava Jato. Se não bastassem os desafios comuns para qualquer presidente de Tribunal, Fux ainda terá de se deparar com os embates que têm crescido entre a ala garantista e a ala lavajatista, da qual faz parte. De um lado, estão os ministros que têm impostos seguidas derrotas à Operação Lava Jato. Do outro, os que defendem que a investigação ainda é um baluarte do combate à corrupção. Entre os casos pendentes de julgamento, está o pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acusa ex-juiz Sergio Moro de ser parcial.

Até o fim do mandato de Fux, em setembro de 2022, ele se despedirá de dois ministros que se aposentarão compulsoriamente ―Celso de Mello, em novembro deste ano, e Marco Aurélio, em julho de 2021. Por essa razão, ele recepcionará dois nomes que serão indicados por Jair Bolsonaro, que tem feito uma espécie de leilão pelas vagas. Nesse meio tempo, possivelmente, colocará para julgamento o processo que deve advir dos inquéritos que apuram suposto esquema de fake news liderado por bolsonaristas no STF e do que apura se o presidente interferiu politicamente na Polícia Federal.

“Seja feliz”

A cerimônia de posse de Fux na presidência e de Rosa Weber, na vice-presidência, foi marcada por recados a outras autoridades e por gestos curiosos. Os primeiros foram disparados pelo ministro Marco Aurélio, que discursou como representante da Corte e deu uma dura sugestão ao presidente Bolsonaro. “Vossa excelência foi eleito com mais de 57 milhões de votos, mas é presidente de todos os brasileiros. Continue na trajetória havida. Busque corrigir as desigualdades sociais que tanto nos envergonham. Cuide, especialmente, dos menos afortunados. Seja sempre feliz na cadeira de mandatário maior do país”.

Por causa da pandemia de covid-19, os ministros e as autoridades no plenário do Supremo estavam separados por um painel transparente de acrílico. Havia distanciamento de ao menos duas poltronas entre o público. E uma cena curiosa foi vista algumas vezes. Bolsonaro, que estava sentado entre Fux e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (presidente da Câmara), dava breves espiadas para o celular deste, que é um contumaz usuário do aparelho. O hino nacional foi cantado pelo ícone da MPB Raimundo Fagner, um defensor da Lava Jato.

Aos 67 anos, Fux chega ao topo da carreira da magistratura depois de ocupar a maioria dos cargos possíveis na área. Foi advogado, promotor de Justiça, juiz de primeira instância, juiz eleitoral, desembargador no Tribunal de Justiça do Rio, ministro do Superior Tribunal de Justiça, ministro e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Quando chegou ao Supremo, em 2011 por indicação da então presidenta Dilma Rousseff (PT), ainda tinha muitos fios de cabelos pretos. Agora, com as madeixas acinzentadas, se depara com um Brasil bem diferente do que de nove anos atrás. As instituições, durante a gestão Jair Bolsonaro (sem partido), estão sob constante ataque, sejam ele virtuais, ou por meio de discursos do próprio mandatário ―apesar de nos últimos meses ter baixado o tom de suas falas.

Natural do Rio de Janeiro, ele é descendente de imigrantes judeus que vieram ao Brasil para fugir da perseguição nazista. Fora do tribunal, é conhecido pelas lições de Processo Civil que dá na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, pelos livros sobre este tema que escreveu, por ser um fiel praticante de jiu jitsu e por ter se arriscado em bandas de rock. Como atleta de artes marciais, frequentemente dá dicas de defesa pessoal a servidores que o circundam. Presidente do Supremo até 2022, às vésperas das presidenciais, resta saber como atuará, de fato, como presidente da Corte e o quão disposto estará para defender a Constituição e a independência do Judiciário.


Míriam Leitão: Os recados da posse de Fux

‘Baruch Hashem’, disse Luiz Fux ao encerrar um discurso que teve muitos recados institucionais. O som da música “Shalom” ocupou de forma inesperada o ambiente do Supremo Tribunal Federal. Fux é filho de um imigrante que veio para o Brasil fugindo do nazismo. É o primeiro judeu a assumir a presidência da mais alta corte do país. “O Estado é laico, mas a paz é uma necessidade”, explicou o ministro ao anunciar a música. Houve vários outros sinais do tempo. Os cumprimentos foram suspensos, os convidados eram poucos e estavam distanciados, as autoridades usavam máscaras em cabines de acrílico, e as primeiras palavras do novo presidente foram em homenagem às vítimas do coronavírus. “Esta página triste e devastadora da nossa história.”

O presidente Jair Bolsonaro ouviu Fux dizer que a intervenção do Judiciário precisa ser minimalista. Deve ter gostado, porque acha que o STF tem entrado em questões próprias do Executivo. “STF não é o oráculo, não detém o monopólio das respostas”, disse Fux e pediu que não houvesse tanta judicialização da política. Ao mesmo tempo, atravessou o discurso inteiro lembrando as virtudes da democracia.

O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, fez discurso breve e forte. Elogiou Dias Tóffoli. “Soube reagir quando os ataques — virtuais e reais — ao Supremo Tribunal Federal tentaram solapar a autonomia do Poder Judiciário, constranger a independência dos juízes e ferir a democracia brasileira.” Filho de desaparecido político, cuja memória Bolsonaro atacou, Santa Cruz contou que a OAB se reuniu duas vezes nos últimos 18 meses em atos “em defesa dessa Corte e da Constituição”. Falou do direito ao meio ambiente e do combate a todo tipo de discriminação.

Fux, ao lembrar avanços recentes consagrados pelo STF, falou que o tribunal trabalhou pelo “resgate das identidades historicamente vulneráveis, reconhecendo direitos dos povos indígenas e dos afrodescendentes nas ações afirmativas em prol das minorias étnicas, legitimou as uniões estáveis homoafetivas e paternidades socioafetivas, rechaçou a trans e a homofobia e validou a Lei Maria da Penha”. Em qualquer outro momento, pareceria a natural comemoração de avanços civilizatórios, mas ao lado de Bolsonaro as palavras soavam como aviso de que a sociedade brasileira já escolhera os valores da aceitação das diferenças e do respeito às identidades. Ele falou em “altivez” do tribunal.

A transição no STF se dá num tempo muito difícil. Na escalada da pandemia, o presidente participou de atos que pediam o fechamento do Supremo. Na reunião ministerial cujo teor foi divulgado pela decisão do ministro Celso de Mello houve pedido de prisão dos ministros do STF, que foram definidos como “vagabundos”. Bolsonaro fez ameaças diretas à Corte em seus gritos matinais na porta do Alvorada. Ontem, contudo, estava de máscara e por algumas horas ouviu os elogios ao tribunal e a exaltação dos valores da liberdade, diversidade e democracia. “O mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”, afirmou Fux.

Outro recado do discurso de Fux foi sobre o combate à corrupção. “Não mediremos esforços para o fortalecimento do combate à corrupção, que ainda circula de forma sombria em ambientes pouco republicanos em nosso país. Como no mito da caverna de Platão, a sociedade brasileira não aceita mais o retrocesso à escuridão e, nessa perspectiva, não admitiremos qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem do dinheiro e da corrupção”.

O STF dos próximos dois anos será diferente. Primeiro, porque o ministro Celso de Mello, que foi decano pleno, com senioridade e senso de urgência na defesa institucional, está saindo. Segundo, porque até meados do ano que vem o tribunal terá dois indicados de Bolsonaro. No seu plano de gestão, Fux colocou em primeiro lugar “a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente”. Isso enquanto a Amazônia e o Pantanal ardem, e o governo nega que isso esteja acontecendo.

A posse de ontem exibiu a dissonância no país. O ministro Marco Aurélio Mello, o decano presente, lembrou a Bolsonaro o básico, “o senhor foi eleito por 57 milhões de votos mas é presidente de todos os brasileiros”. Bolsonaro nunca entendeu esse papel.


Maria Cristina Fernandes: O tatame minado de Fux

Operação expõe teia de relações entre escritórios e tribunais

O Ministério Público Federal estendeu um grande tatame para a posse de Luiz Fux na presidência do Supremo Tribunal Federal. A operação de ontem é a maior a envolver as relações entre escritórios de advocacia e gabinetes de tribunais superiores em Brasília. A denúncia desfia tráfico de influência e exploração de prestígio, ferramentas com as quais, há décadas, se desmonta o combate à corrupção.

Derivada da delação do ex-presidente da Fecomercio, a denúncia, que envolve 26 advogados, expõe como essa teia operou a favor da manutenção do cartório do Sistema S por meio de triangulações montadas pelo ex-governador Sérgio Cabral.

Faixa vermelha e preta de jiu-jitsu, Luiz Fux já foi feito de refém num assalto a seu apartamento de Copacabana em 2003, quando ainda estava no STJ. A partir de hoje, é esta teia de interesses que tentará fazer do ministro, prisioneiro.

A presença do advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na mesma operação que também alvejou o ex-advogado do presidente Jair Bolsonaro sugere que a esquerda montou na cavalgada anti-Lava-Jato sem olhar os dentes. O bom discurso de Lula no dia da pátria não rima com uma retaguarda jurídica que mora no mesmo prédio dos maiores doleiros de São Paulo.

Entre a defesa de Lula e Bolsonaro estende-se uma lista de advogados, entre os quais, filhos de ministros e ex-ministros que ascenderam ao STJ e ao TCU com o apoio de lideranças que, desde o governo José Sarney, personificam, em revezamento, o Centrão.

O momento político é favorável aos denunciados. O ataque a advogados, num momento em que a democracia está nas cordas, sempre poderá ser traduzido como parte do arbítrio. Dois desfechos já são dados como prováveis. O primeiro é uma liminar do ministro Gilmar Mendes. O outro é um embate entre o procurador-geral da República, Augusto Aras, com aquela que era a única, no lavajatismo, que escapara das ofensivas contra Curitiba e em São Paulo.

Escolhido para relatar a primeira das ações da Lava-Jato do Rio, Gilmar Mendes hoje é o destino natural de todas aquelas que se originam daquela perna da operação. Some-se aí a relatoria da ação do foro do senador Flávio Bolsonaro e é possível aquilatar o poder do ministro face ao presidente da República e sua família.

Com a ação de ontem, a este poder acresça-se aquele sobre a teia de relações denunciadas pelo MP. São interesses que extrapolam o mandato de Bolsonaro. Entra presidente, sai presidente, eles estão sempre lá. Não por acaso, o último ministro a se confrontar com eles, Joaquim Barbosa, que só recebia advogados de uma parte na presença daqueles da outra parte, teve duros embates com Gilmar Mendes.

Fragilizado, ao tomar posse, por investigações que o envolviam e que acabariam por ser o motivo original do inquérito das “fake news”, Toffoli buscou abrigo sob a toga de Gilmar. O resultado é que o ministro deixa a presidência do tribunal menor do que entrou.

Cometeu dois erros capitais, o de ter suspendido o acesso da Lava-Jato aos dados do Coaf e de ter franqueado a Aras os dados da Lava-Jato do Paraná. Em ambos os casos, foi derrotado pelos colegas.
Enquanto Toffoli cumpria a pauta à risca e se congraçava cada vez mais com o presidente da República, a ponto de ter apagado da memória todas as afrontas perpetradas por Jair Bolsonaro contra a democracia, Gilmar se aproximava da esquerda, na condição de paladino do Estado de direito e crítico da militarização do governo.

Uma das medalhas de reconhecimento foi a participação, a convite do Movimento dos Sem-Terra, de uma plenária virtual com camponeses.
O dueto dificilmente se repetirá com Fux. Primeiro lugar no concurso para a magistratura, presidente da comissão de juristas que, junto com o Congresso, reformou o Código de Processo Civil, Fux não se intimida no debate técnico em plenário.

Se Gilmar Mendes tem a Lava-Jato do Rio na mão, Fux é relator de um dos mais importantes processos do Mato Grosso, do ex-governador Silval Barbosa. Dificilmente, porém, o embate se encaminhará para os vínculos de um e do outro com seu Estado natal.

Os votos pró-Lava-Jato de Fux deixam claro que não há composição possível com o trio formado por Gilmar, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Restaria, então, à trinca de ministros, neutralizá-lo. A reforma administrativa corrobora com essa estratégia. Depois de Executivo e Legislativo encamparem a ideia, restaria ao Judiciário enfrentar o tema que causa desconforto para um ministro, como Fux, ferrenho defensor do auxílio-moradia de juízes.

Em contrapartida, o ministro terá o poder de pauta. A partir de sua posse, é possível que Edson Fachin, relator da Lava-Jato do Paraná, sinta-se estimulado a levar mais as votações para o plenário, uma vez que o ministro tem perdido todas na Segunda Turma desde a convalescença do ministro Celso de Mello. Restaria ao trio as decisões monocráticas e os pedidos de vistas, recurso contra o qual Fux não terá como se insurgir visto que foi um dos ministros que dele mais se valeu ao longo dos dois últimos anos.

Desconhece-se a estratégia de Fux para enfrentar a onda anti-Lava-Jato, mas é previsível que, quaisquer que sejam seus recursos, a pauta ficará amplamente desfavorecida com a troca de Celso de Mello, em novembro, e de Marco Aurélio Mello, em julho.

A ordem de votos, se hoje ainda favorece a Lava-Jato, jogará contra com Fux na presidência. Como os novos entrantes votam antes, quando a vez chegava aos “garantistas”, o placar, frequentemente, já estava 1 (Alexandre de Moraes) a 5 (Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia).

Aquele que entrar, muito provavelmente, abrirá o placar contra a Lava-Jato porque esta é a vontade do presidente que patrocinará sua indicação. O jogo deve ficar equilibrado até que, efetivamente, esteja garantido a partir de julho. A operação de ontem dá redobradas chances para Aras conseguir uma das cadeiras, estrangulando a força-tarefa do Rio.

Quem quer que entre no tribunal o fará sob bombardeio, condição que, a exemplo de Toffoli, o deixará à mercê do abrigo de Gilmar Mendes. A partir de julho de 2021, o ministro será o decano do tribunal, condição simbólica de prestígio que lhe dará redobrada força.

A não ser que esconda um golpe secreto neste tatame tão minado, Fux poderá se dar por vitorioso com um empate.


Rosângela Bittar: A cartada decisiva

A configuração do Supremo será peça fundamental nas decisões envolvendo o PT

A posse de Luiz Fux na presidência do Supremo Tribunal Federal, amanhã, inaugura o processo de decisões judiciais do longo e tenso calendário eleitoral brasileiro, o da sucessão presidencial de 2022. No alto da lista de providências está a aprovação do grid de candidaturas e, nele, a dúvida na escuderia PT: estará ou não sob a direção de Luiz Inácio Lula da Silva?

A configuração do Supremo será peça fundamental nas decisões que darão vantagem ou desvantagem ao Partido dos Trabalhadores. A ascensão de Fux é uma desvantagem. Na divisão do STF, o novo presidente se alinha à Lava Jato e é titular absoluto no grupo dos punitivistas, em oposição aos garantistas. Entre os primeiros, estão os juízes que passam por cima de regras e adotam a máxima de que, para situações excepcionais, decisões excepcionais. Já os garantistas têm na letra da lei o seu único compromisso.

Na Segunda Turma do STF, no entanto, onde se julgará, ainda sem data marcada, o habeas corpus impetrado por Lula arguindo a suspeição do então juiz Sérgio Moro nas decisões que o tornaram inelegível, o PT enxerga uma vantagem. Tanto se o ministro Celso de Mello reassumir seu posto no STF antes da aposentadoria, em novembro, quanto se não voltar.

Celso teria comunicado a alguns colegas que sexta-feira, dia 11, estará no trabalho. O PT torce para que o decano participe da decisão sobre Lula. Relembra que, ao julgar caso semelhante em processo do Banestado, em que também foi questionada a imparcialidade de Sérgio Moro, Celso de Mello foi veemente ao admitir a falta de isenção do juiz. Agora, a argumentação seria ainda mais densa que a anterior.

Considerando a semelhança das situações, os políticos apostam num placar de 3 a 2 a favor de Lula (Celso, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski contra Edson Fachin e Cármen Lúcia).
Mas, se o decano não voltar, o PT também conta vitória, pois o empate de 2 a 2 favorecerá Lula.

A nova composição do Supremo é um teorema que inclui a discussão sobre a substituição do ministro Celso de Mello, o que pode tirar a vantagem do PT em casos futuros, de recursos, por exemplo. O novo ministro será, com certeza, fiel ao presidente Jair Bolsonaro. Mesmo rompido com Moro e unido ao Centrão, grupo implicado na operação anticorrupção, o presidente não deve capitular: contra a Lava Jato, sim, mas sempre e principalmente contra Lula.

Em pronunciamento pelas redes sociais, no 7 de Setembro, Lula apresentou uma verdadeira plataforma eleitoral em que foi do combate à pobreza à restauração da democracia. Mas se dispensou de declarar-se candidato, por ser óbvio: se conseguir o voto favorável do Supremo, ninguém lhe tira a candidatura.

Se, ao contrário, não se livrar da condição de ficha-suja, aí terá de enfrentar uma situação que o PT não admite, por enquanto: a preparação de outro candidato.

Aí, nesta fase, tudo passará a depender da segunda configuração política crucial para o partido, a das eleições municipais, essenciais para a disputa presidencial de 2022. Nas capitais do Sudeste, mas, sobretudo, em São Paulo, onde o candidato petista patina, nem sequer tem candidato a vice e está flechado à esquerda, ao centro e à direita.

Para se precaver da repetição deste quadro a nível federal, o PT, discretamente, trabalha dois nomes: o governador Rui Costa (Bahia) e o ex-prefeito Fernando Haddad (São Paulo).

Por enquanto, Haddad tem uma vantagem: foi candidato em 2018 e seus 45 milhões de votos não são um recall desprezível. Mas a cúpula do partido não o filtra bem: mesmo lulista, é considerado independente demais do partido.

Quanto a Rui Costa, sua principal vantagem é a capacidade de articular uma grande coligação centro-liberal, que já experimenta com êxito na Bahia. Bom gestor, criativo e ousado, falta-lhe ganhar visibilidade nacional.


Merval Pereira: Nos bastidores

A mudança da composição da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), palco de julgamentos sensíveis como o da parcialidade do juiz Sérgio Moro, que pode beneficiar Lula e vários outros condenados pela Lava-Jato, e o do filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, sobre o foro em que seu processo sobre a “rachadinha” na Assembléia Legislativa do Rio será julgado, já está sendo negociada nos bastidores.

Sendo o mais provável que o ministro Celso de Mello (foto), que se aposenta no último dia de outubro, não reassuma seu posto por falta de condições de saúde, a Segunda Turma deveria normalmente ser composta pelo novo ministro indicado pelo presidente Bolsonaro para substituí-lo, mas há obstáculos.

Alega-se que ele já entraria tendo pela frente um caso politicamente delicado, o de Lula, e outros em que poderia se declarar impedido, como o do filho do presidente que o indicou. Se acontecer isso, que muitos ministros consideram apenas um pretexto, a troca seria feita com algum membro da Primeira Turma.

A prioridade seria do ministro Marco Aurélio Mello, o mais antigo na Corte, mas ele recusará pela segunda vez. Continua afirmando: “Não mudo de camisa”. Está na Primeira Turma desde 2002, quando deixou a presidência do STF. O ministro Dias Toffoli, que vai para a Primeira Turma no lugar de Luis Fux, que assumirá a presidência na quinta-feira, poderá, por antiguidade, escolher mudar de turma, e não será a primeira vez que o fará.

Em março de 2015, os ministros da Segunda Turma estavam incomodados com a falta do quinto nome do grupo, pois havia sete meses que esperavam pela definição da presidente Dilma sobre o novo indicado ao STF para substituir o ministro Joaquim Barbosa, que se aposentara. Toffoli acabou eleito presidente da Turma substituindo Teori Zavascki, cujo mandato terminaria em maio daquele ano, e herdou os processos do presidente. Edson Fachin, nomeado em lugar de Barbosa, foi para a Primeira Turma.

Também houve outra troca, quando morreu o ministro Zavascki, que era o relator da Lava-Jato na Segunda Turma. O ministro Alexandre de Moraes, que o substituiu, foi para a Primeira Turma, e Fachin prontificou-se a ir para a Segunda Turma, acabando como relator da Lava-Jato, escolhido por sorteio.

Atribui-se ao ministro Gilmar Mendes a negociação que levou Fachin para a Segunda Turma, da mesma maneira que agora ele estaria manobrando para levar Toffoli para lá. Fachin passou a votar ao contrário de Gilmar na maioria das vezes.

Se o ministro Dias Toffoli escolher ir para a Segunda Turma, voltará a enfrentar as críticas sobre sua própria parcialidade, como no julgamento do mensalão. Por ter sido advogado do PT, Toffoli foi pressionado para julgar-se impedido, mas não admitiu. Agora estará diante de um problema mais diretamente ligado ao ex-presidente Lula, pois votando pela parcialidade Moro estará permitindo que o ex-presidente se candidate em 2022.

Como tem sido considerado um “traidor” pelos petistas, especialmente por ter se aproximado do presidente Jair Bolsonaro neste seu mandato, estará em um impasse. Mas, ao mesmo tempo, o ministro Toffoli, deixando a presidência, poderá encontrar na importância de sua presença na Segunda Turma a manutenção de um prestígio político.

Caso Toffoli não aceite, o que, apesar de tudo é improvável, o próximo da lista é o ministro Luis Roberto Barroso, que não deve aceitar por estar às voltas com a eleição municipal como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como a ministra Rosa Weber é a presidente da Primeira Turma, restaria o ministro Alexandre de Moraes.

Mais uma vez a judicialização da política leva o Supremo Tribunal Federal (STF) a ser o definidor da disputa presidencial de 2022. O julgamento da parcialidade de Moro deve acontecer no primeiro trimestre do próximo ano, quando as reuniões presenciais tiverem sido retomadas, e deve ter influência decisiva na armação do xadrez político-eleitoral.

Lula tendo condições de disputar a eleição, a esquerda brasileira terá que se reorganizar, seja em torno dele, como já sugeriu o governador Flavio Dino, ou se contrapondo a ele, como pretende até o momento Ciro Gomes do PDT.

Esse golpe na Operação Lava-Jato deverá forçar uma definição do ex-juiz Sérgio Moro como alternativa à polarização Lula x Bolsonaro. E teremos ainda no próximo ano a provável definição de Luciano Huck. Será um ano animado, se a pandemia deixar.


Eliane Cantanhêde: STF, Rio e Bolsonaros

Com Luiz Fux, pode haver situação insólita: presidente do STF abstendo-se de julgar

Enquanto as pessoas se aglomeram irritantemente em praias, bares e festas, a pandemia parece arrefecer, mas ainda é ameaçadora, e o foco está em três frentes que confluem mais e mais na mesma direção: a família Bolsonaro, o Rio (a capital e o Estado) e o Supremo Tribunal Federal. Os três têm um encontro marcado nesta quinta-feira, quando muda o comando do STF.

O presidente Jair Bolsonaro e dois dos seus filhos, o senador Flávio e o vereador Carlos, têm base eleitoral do Rio, estão às voltas com investigações variadas e agora podem comemorar à vontade: estão com a faca e o queijo na mão, junto com o governador interino Cláudio Castro, o prefeito Marcelo Crivella e, consta, toda a estrutura de poder.

E assim vão caindo, um a um, os empecilhos para o domínio dos Bolsonaro no Rio. O Coaf apresentou ao Brasil um cidadão chamado Fabrício Queiroz? Despacham-se o Coaf para o Banco Central e o Queiroz para a casa do advogado da família. O ministro Sérgio Moro se recusava a trocar as cúpulas da PF nacional e no Rio? Que então Moro tivesse, e teve, “a dignidade de se demitir”. A Receita importunava a base evangélica do presidente, muito forte no Rio? Nada que uma boa conversinha não resolvesse.

Sobrou o governador Wilson Witzel, que surfou na onda bolsonarista em 2018 e depois pulou fora, deixando um rastro classificado como “muito grave” pelo Ministério Público e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Foi fácil afastá-lo, como foi cooptar o vice Cláudio Castro, que também tem seus probleminhas com o MP e precisa desesperadamente da mãozinha do governo federal para se equilibrar no cargo de Witzel. Com Crivella já andava tudo numa boa. Só faltava uma juíza qualquer censurar a publicação das investigações contra os filhos. Não falta mais.

E o que vai acontecer com o Rio? Ninguém tem ideia, mas fica aquela dolorosa sensação de vaso quebrado que não tem jeito. Todos os ex-governadores estão ou foram presos, o atual está afastado, a cúpula da Assembleia caiu, a do Tribunal de Contas ruiu como castelo de cartas. Resultado: a crise é moral, ética, social, de segurança, política, econômica e financeira. Por onde começar?

Todo esse caldeirão cai necessariamente no Supremo, onde nesta quinta-feira a presidência sai de Dias Toffoli e vai para o carioca Luiz Fux. Toffoli entrou na Corte como o maior petista-lulista e sai da presidência como o principal, talvez único, aliado de Bolsonaro. Fux assume como o maior aliado da Lava Jato, mas com um constrangimento: as naturalmente fortes ligações com o Rio, um Estado conflagrado.

Ministros de tribunais já têm relação especial com seus Estados, onde conhecem todo mundo, são bajulados pelos Poderes e admirados pela sociedade, frequentam solenidades públicas e festas particulares. No caso de Fux, com duas peculiaridades: por temperamento, mas não só, ele tem interlocução e simpatias em toda parte e é juiz de carreira no Rio, como Witzel. O ministro, aliás, foi primeiro de turma.

Logo, não está descartada uma situação bastante insólita: o presidente do Supremo se abster em julgamentos que dizem respeito ao Rio, muitos deles intrincados com os Bolsonaro. Já deve haver quem colecione fotos de almoços, jantares, festas, tentando conexões maldosas. Fotos não dizem nada, em especial para homens públicos, que a toda hora são chamados para um clique, mas Fux não é chegado a falsos heroísmos e preza o velho e bom “à mulher de César, não basta ser honesta, é preciso parecer honesta”. O direito diz que, na dúvida, pró réu. Neste caso, pró abstenção.

FOICE E MARTELO: Por que tanta gente é anticomunista, se nem tem mais comunista?


José Casado: Privilégios e impunidade

Disputa pelo foro privilegiado reflete o espírito de casta

Judiciário e Ministério Público perderam a bússola em disputas pelo foro privilegiado —mecanismo institucional que, para muitos, simplifica a rota da impunidade para poucos. Tem tribunal estadual anulando decisão do Supremo e procurador em luta contra procuradores, para garantir tratamento especial a políticos suspeitos de crimes comuns.

Há 55 mil agentes públicos nesse cercadinho judicial. Rio, Bahia e Piauí abrigam 11 mil privilegiados. A lista vai do presidente da República a vereador; de senador a reitor de universidade; de juiz a delegado.

Semanas atrás, o Tribunal de Justiça do Rio deu a regalia a um filho do presidente, Flávio Bolsonaro, político notório pelo talento para lucrar muito, várias vezes e rapidamente.

Era deputado estadual quando comprou uma quitinete na Prado Júnior, em Copacabana. Revendeu-a 60 semanas depois com o extraordinário lucro de 292%. A valorização na área havia sido de 11% (índice FipeZap). Fez mais 18 negócios assim na Barra, Botafogo e Laranjeiras.

Personagem do inquérito sobre rachadinhas e lavagem de dinheiro na Assembleia do Rio, o ex-deputado reivindicou no STF o foro privilegiado de senador. O juiz Marco Aurélio Mello rejeitou. Ele apelou ao tribunal estadual, que inovou. Deu-lhe o privilégio e transformou em letra morta a decisão do Supremo.

Procuradores do Rio recorreram contra a inovação da Justiça fluminense. Entrou em campo o procurador-geral, Augusto Aras, como relatou a repórter Bela Megale. Aras acha que o filho do presidente merece ficar longe do juízo de primeira instância. Agora, o procurador-geral batalha para derrotar os procuradores do Rio no Supremo. Quer ver rejeitada a decisão de Mello, que foi baseada na jurisprudência do próprio STF.

Há uma lógica de poder nessa aparente anarquia institucional — a de que alguns são mais iguais que outros. A disputa pelo foro privilegiado reflete o espírito de casta no serviço público: 80% dos beneficiários estão no Judiciário e no Ministério Público, mostra estudo de João Cavalcante Filho e Frederico Lima, consultores legislativos.