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Carlos Andreazza: O Supremo na mesa do bar

STF precisa largar o WhatsApp e os microfones

Celso de Mello se aposenta. Um novo ministro virá. Nada deveria haver de mais importante — no calendário de uma República — do que a escolha de um membro da Suprema Corte. Jair Bolsonaro, o apontador da vez, já teria definido o critério — a linhagem, o perfil para o substituto do decano: um sujeito com quem tome cerveja. Alguém, portanto, que sente à mesma mesa; ao que se poderia somar — agravando o vazamento de nossas reservas institucionais — a condição de “terrivelmente evangélico”.

A imagem — do magistrado com quem governante bebe — é tão franca quanto primorosa; porque revela, define mesmo, o compadrio como régua.

Não se trata apenas de exigência vulgar, que impõe, a um cargo impessoal, relação de afinidade/fidelidade; mas uma expressão de patrimonialismo. Sem surpresa. Afinal, é como o ora presidente compreende a República: múltiplas oportunidades para a distribuição de sinecuras aos seus — para proveito seu. Tem sido assim, como um empreendimento familiar dentro do Estado, nos últimos 30 anos; conforme indica qualquer passar de olhos na superfície em que consiste a prática de peculato no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj.

Não seria diferente — possibilidade de alargar a propriedade — quando em questão estivesse uma cadeira no Supremo, a casa das garantias; em que, no entanto, muitos investem como empresa de blindagem. Se pudesse, diga-se, o autocrata Bolsonaro seria o próprio tribunal. Não pode. Então, escolherá alguém que se venda como sua extensão. Candidatos não faltam. O desfile está em curso. Não é bonito de ver. A rapaziada se exibe — os que têm caneta, ao custo do estado de direito, carregando na tinta.

Foi Bolsonaro quem estabeleceu as regras — e o ritmo — para o cortejo; jogo de sedução em que, para sacrifício da autocontenção numa corte constitucional, pelejam desde discretos qualificados, como (o outsider) William Douglas e Ives Gandra Martins Filho, e pouco habilitados, como (o afilhado) Jorge Oliveira, até famintos ostentadores, das estirpes de André Mendonça, Augusto Aras, Marcelo Bretas e João Otávio de Noronha.

Bolsonaro não será o primeiro a pretender aparelhar o Supremo. A história, inclusive a recente, está aí para contar. Não foram poucos os tentados a escolher alguém “do seu lado”. O STF está cheio de ministros que bebiam cerveja com os presidentes que os indicaram. Esse é, precisamente, um dos maiores problemas do tribunal: o grande volume de juízes que topavam — e topam — happy hours com políticos.

Deu no que deu. Em vício; na epidemia monocrática; na febre que converteu magistrados em antenas captadoras da voz justiceira das ruas, o tal “sentimento constitucional do povo”; no que talvez seja a pior formação da história do Supremo, tomado por agentes políticos que, para ganhar a toga, comprometeram-se a matar no peito a favor de interesses do grupo circunstancialmente no poder.

Na primeira oportunidade, também a história ensina, claro, traíram. Traem. São vários os exemplos. Basta que investidos da posição inamovível — pronto: o próprio paraíso para que pregoeiros de si mesmos rapidamente se lancem ao movimento de escrever (talvez limpar) biografia, uma súbita independência, uma rápida altivez, que os afaste daqueles a quem se ofereceram e cujos interesses, em troca da eternidade, juraram defender.

Indicados não por confiança em seus notáveis saberes jurídicos, em serem fiéis à Constituição, mas por terem pactuado com a agenda de turno, nunca tarda até que mudem com a mudança na direção da agenda. Indicados por confiança de ocasião, essencialmente pervertida, tornaram o STF um centro de desconfiança; a própria matriz de insegurança jurídica no Brasil, plataforma para birutas que se orientam pelos ventos mais influentes do momento. E assim são — digamos, suscetíveis ao canto da força da vez — porque assim entraram. É vício.

Tenho baixíssima expectativa sobre Bolsonaro, produto da depressão política brasileira e investidor de sucesso em nosso déficit de institucionalidade, fazer a coisa certa. O homem tem seu espelho, sua referência e sua desculpa. Tem seus vícios. Se os petistas o fizeram, se tentaram encampar o Supremo, por que não ele? O ímpeto por proteção se impõe — e o poder concentrado faz o poderoso da hora crer que será diferente consigo.

Como poderá, por exemplo, um Jorge Oliveira, sujeito tão fiel, ser-lhe infiel apenas porque diante de poder assegurado — imenso e estável — por 30 anos? Jamais… O que saberei eu sobre relações fundadas em duas décadas de convivência naqueles gabinetes?

Sei que o STF precisa sair da mesa do bar. Precisa ser menos confidente. Precisa propor menos acordos. Precisa parar com o single malt no balcão de poderes políticos. Precisa largar o WhatsApp e os microfones. Sei também que Bolsonaro poderia contribuir para um Supremo abstêmio. Tudo indica, porém, que a bebedeira continuará — talvez mesmo aumentando. Quem dera o nosso problema fosse uma Amy Barrett.


Merval Pereira: A direita no Supremo

A conformação do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Corte Suprema dos Estados Unidos está sendo alterada no mesmo momento histórico de viés direitista nos dois países. Nos Estados Unidos, a morte da juíza Ruth Bader Ginsburg, um ícone dos progressistas americanos, pode dar lugar a um plenário majoritariamente conservador, marcando por décadas o entendimento da Suprema Corte.

No Brasil, a aposentadoria antecipada do ministro Celso de Mello, um exemplo de coerência e defesa da democracia, permitirá que o presidente Bolsonaro nomeie um ministro claramente conservador, embora não reverta a tendência progressista da Corte brasileira.

A tentativa de controlar as decisões da última instância do Judiciário provoca crise política nos Estados Unidos, pois a nomeação da substituta de RBG deveria ficar para o próximo presidente a ser eleito dentro de 38 dias. Quando o ministro Antonin Scalia morreu, em fevereiro de 2016, o Senado americano, dominado pelos Republicanos como agora, não permitiu que o presidente Obama nomeasse o sucessor, sob alegação de que estava em seu último ano de mandato. Hoje, os mesmos Republicanos defendem a nomeação por Trump do novo ministro da Suprema Corte.

O golpe parlamentar dos Republicanos, que fará com que a Suprema Corte fique com uma maioria de 6 conservadores contra 3 progressistas, está provocando grande discussão política, e surge a tese de que os Democratas, se ganharem a eleição para presidente com Joe Biden e o controle do Senado nas próximas eleições, aumentem o número de juízes da Corte Suprema.

O democrata Franklin Roosevelt também ameaçou aumentar o número de integrantes da Suprema Corte para conseguir aprovar medidas de seu programa New Deal, lançado para combater as consequências da Grande Depressão de 1929, que estava sendo barrado pela maioria conservadora.

Propôs ao Congresso, em 1937, lei aumentando a composição da corte para 15 juízes, e estabelecendo a nomeação de um juiz adicional, até o máximo de seis, para quem superasse a idade de 70 anos, quando o mandato, até hoje, é vitalício. A juíza Ruth Bader Ginsburg morreu no cargo aos 87 anos Em meio a uma crise institucional sem precedentes, a Suprema Corte mudou de posição devido ao juiz moderado Owen Roberts, cujo voto ficou conhecido como “the switch in time that saved nine” (“a mudança no tempo que salvou nove”, em tradução livre), e uma maioria a favor do “New Deal” foi formada.

Entre nós, no regime militar, através do Ato Institucional 2, de 1965, o presidente Castello Branco aumentou de 11 para 16 o número de ministros do STF, para controlar a maioria, considerada de esquerda pelos militares. Com o AI-5, três juízes foram aposentados – Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal – e dois renunciaram em protesto: ministros Antônio Gonçalves de Oliveira, presidente do tribunal, e Antônio Carlos Lafayette de Andrada.

Podendo nomear cinco novos ministro, Costa e Silva restabeleceu a composição da corte com 11 ministros, número vigente até hoje. O presidente Jair Bolsonaro já defendeu o aumento de cadeiras do Supremo de 11 para 21, alegando que a atual composição da Corte é muito esquerdista. Depois de desistir de manter uma guerra aberta com o Supremo, Bolsonaro não insistiu mais no golpe parlamentar, mas pretende nomear um ministro “terrivelmente evangélico” para tentar reverter decisões como a lei do aborto, que é também um ponto central na campanha dos conservadores nos Estados Unidos.

O provável indicado é Jorge Oliveira, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República. Há outros conservadores na disputa, como o “terrivelmente evangélico” ministro da Justiça André Mendonça, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que tem se esforçado para se mostrar próximo a Bolsonaro, e o ministro do Superior Tribunal de Justiça, João Noronha.

Nos Estados Unidos, o presidente Trump indicou a juíza da Corte de Apelação de Chicago Amy Coney Barret, uma professora da Universidade de Notre Dame que já tem explicitado posições conservadoras em relação a temas polêmicos como aborto, imigrantes e posse de armas.

Com 48 anos, garantirá aos conservadores uma longa supremacia na Corte Suprema dos Estados Unidos.


Eliane Cantanhêde: Boca fechada

STF deve decidir pelo depoimento por escrito, mas se for presencial nada muda

O presidente Jair Bolsonaro deveria depor à Polícia Federal amanhã, na terça ou na quarta no inquérito em que é investigado de interferência política na PF, uma acusação feita pelo seu ex-ministro Sérgio Moro. Mas Bolsonaro não vai depor ainda, porque ganhou dois presentões do ministro do STF Marco Aurélio Mello: a prorrogação e a possibilidade de depor por escrito. Se é que vai precisar depor.

A questão é complexa, até porque envolve um presidente da República, e dá dicas preciosas sobre o equilíbrio do Supremo com Luiz Fux na presidência e Marco Aurélio assumindo em novembro a condição de decano, hoje ocupada por Celso de Mello. Vai se desenhando uma nova polarização, agora entre Fux, pró-Lava Jato e independente em relação a Bolsonaro, e Marco Aurélio, contra a Lava Jato e cada vez mais próximo de Bolsonaro.

Foi Joaquim Barbosa contra Ricardo Lewandowski no mensalão, Gilmar Mendes contra Luís Roberto Barroso no petrolão, a divisão meio a meio na Lava Jato e a quase unanimidade (fora Dias Toffoli) diante do bolsonarismo. Mas Marco Aurélio sempre foi um caso à parte, um encrenqueiro ilustrado. E a nova polarização já tem um marco. Fux declarou à Veja que a decisão contra a prisão após condenação em segunda instância, por um voto, teve "baixa densidade jurídica". Pelo Estadão, Marco Aurélio classificou a manifestação de "desrespeitosa". Subiram no ringue.

Marco Aurélio jogou para o plenário a decisão de Celso de Mello a favor de um depoimento presencial sobre as acusações de Moro. Num depoimento escrito, o risco é mínimo. Num presencial, ainda mais de uma personalidade como Bolsonaro, há perguntas difíceis, cascas de banana, nervosismo – principalmente para quem tem culpa no cartório.

Há tempos Celso de Mello se ausenta de votações por motivos de saúde e, quanto mais perto chega sua aposentadoria, em novembro, mais confronta Bolsonaro. Gerou reação por convocar os três generais do Planalto para depor “debaixo de vara” e por comparar o atual Brasil à Alemanha de Hitler. Ao decidir pelo depoimento presencial, ele recorreu ao artigo 221 do Código de Processo Penal, que só dá direito a manifestação por escrito a presidentes dos três poderes quando são testemunhas ou vítimas, não suspeitos, investigados ou réus.

Bolsonaro é investigado, logo, a decisão tem apoio jurídico, mas Celso se referiu a uma decisão de 2016 favorecendo Renan Calheiros, então presidente do Senado, e não a uma outra de 2018 em relação a Michel Temer, então presidente da República. A PGR não teve dificuldade para cobrar "tratamento rigorosamente simétrico" em "circunstâncias absolutamente idênticas". Como Temer, Bolsonaro é presidente da República investigado. A decisão final tende a ser pró-Bolsonaro, com votos de Marco Aurélio, Barroso, que concedeu a vantagem para Temer no inquérito dos Portos, e Luiz Edson Fachin, no da JBS, além de alguns dos outros oito que já manifestaram desconforto com a "assimetria".

Mas, como Celso deu ao presidente o direito de não comparecer para depor ou, se comparecer, permanecer calado, qualquer forma favorece Bolsonaro, que assim pode se safar dele mesmo e não repetir a chocante reunião ministerial de 22 de abril e absurdos do tipo: só há "alguns focos" de queimada no Pantanal, o Brasil é "um exemplo" de preservação do ambiente e o isolamento social é "conversinha mole dos fracos".

Para alívio dele, do Planalto e dos bolsonaristas, a chance de um depoimento real, com consequências, é próxima de zero. Decida o STF por depoimento escrito ou presencial, não muda nada. Só muda o equilíbrio da corte. De um lado, Fux. De outro, Marco Aurélio agora e seu substituto "terrivelmente evangélico" daqui a pouco.


Ascânio Seleme: Fux tem razão

Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux elencou cinco pontos que deverão guiar a sua gestão pelos próximos dois anos

Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux elencou cinco pontos que deverão guiar a sua gestão pelos próximos dois anos. Separo um deles, que se o novo presidente conseguir implementar prestará um serviço inestimável à Justiça e ao país. Trata-se do que Fux chamou de “fortalecimento da vocação constitucional do STF”. Seu propósito é reduzir as dezenas de milhares de ações ingressadas a cada ano, reposicionando o tribunal “como uma Corte eminentemente constitucional”.

De acordo com dados citados pelo ministro no seu discurso de posse, 115 mil processos foram julgados pelo tribunal em 2017. No mesmo ano, a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou 70 casos. É verdade que a nossa Constituição é muito maior que a americana, que tem apenas sete artigos e recebeu 27 emendas em 230 anos. A brasileira tem 250 artigos e 114 disposições transitórias, e em apenas 30 anos teve 100 emendas aprovadas. Mas só isso não explica a distância que separa os dois tribunais.

Fux tem razão, é preciso desentulhar a Corte. O problema é como se fazer isso. Primeiro, há obstáculos no caminho, alguns criados pelo próprio tribunal. Em novembro do ano passado, o STF derrubou por seis votos a cinco a prisão em segunda instância. Além de todas as questões políticas que aquela decisão encerra, como o favorecimento à impunidade, por exemplo, ela serviu como bandeira em favor do prosseguimento de qualquer ação até que ela alcance o Supremo. Se o criminoso fosse preso assim que um colegiado de desembargadores de tribunais regionais o condenasse, como estava estabelecido antes da decisão contrária do Supremo, o apelo a recursos seria obviamente menor.

Os clientes constitucionais do Supremo são o presidente, seu vice, os membros do Congresso, os ministros de Estado, os ministros dos tribunais superiores e do TCU, o procurador-geral da República, os chefes das três Forças Militares e os chefes de missões diplomáticas. Somam mais ou menos 900 pessoas. Ocorre que qualquer cidadão que responde por crime em ações em que membros desse grupo estiverem envolvidos acaba sendo julgado também pelo STF. Eventualmente, um ministro pode desmembrar uma ação e remeter para instância inferior o denunciado sem foro privilegiado, mas nem sempre é assim.

O Supremo também faz mal uso da súmula vinculante, preceito constitucional que dá ao tribunal prerrogativa de considerar já julgadas todas as ações que tratam de crimes reiteradamente debatidos e punidos pelo tribunal. O expediente poderia reduzir o volume de ações em curso. Mas, é absolutamente corriqueiro o atropelamento desta regra. Na semana passada, o próprio Fux pediu vista em julgamento que deveria aprovar uma súmula vinculante em questão de narcotráfico. No caso, não importa o teor da ação, mas o princípio que foi ignorado.

Há ainda questões acessórias e mesmo triviais que tornam chatos e demorados os julgamentos do STF. Como a TV Justiça, que foi criada em em 2002 em nome da transparência. Ela deixou os ministros mais maleáveis, o que é perigoso. Com a transmissão ao vivo das sessões, juízes podem ser levados a julgar de acordo com a orientação da galera, o grito das ruas. Com julgamentos públicos, muitos de importância crucial para a vida política e institucional do Brasil, os ministros podem ser constrangidos pela pressão política e popular que sofrem em tempo real.

A TV Justiça ajudou a produzir o que Fux chamou de “protagonismo deletério, que corrói a credibilidade dos tribunais, especialmente do STF”. De certa forma as sessões do Supremo viraram espetáculo e os ministros passaram a gastar muito mais tempo para ler seus votos, que foram engordados em páginas e citações. Alguns tomam horas para serem lidos e comentados. O componente “vaidade humana” é quase palpável de tão vivo nos julgamentos do tribunal. E é evidente que isso colabora com a morosidade do tribunal e o acúmulo da pauta.

Desgoverno
O governo anunciou que pode extinguir alguns ministérios, como o do Turismo, por exemplo. Não farão nenhuma falta num governo que em diversas áreas não governa mesmo. A turma do Bolsonaro não governa na Cultura, todos sabem. Aliás, se lixa para ela. Também não governa no Meio Ambiente, não se incomoda com a derrubada de árvores na Amazônia e muito menos com queimadas no Pantanal. Tampouco governa para as mulheres e para os direitos humanos e mal governa na saúde e na educação. Pode fechar ministérios à vontade, excelência, eles pouco importam.

Pauta para Lira
O centrão quer fazer o deputado Arthur Lira (corrupção, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito, violência doméstica) presidente da Câmara. Com o aval do Planalto, já está oferecendo cargos no governo aos que votarem nele. O agrupamento suprapartidário também tem prontos alguns pontos da pauta do mandato de Lira: finalizar a Lava-Jato; reduzir o papel do Ministério Público; e introduzir carência de quatro a oito anos para magistrado poder se candidatar a cargo eletivo. Um ataque explícito a quem combate a corrupção.

Agora, sim
O estado que já teve cinco governadores presos e tem um sexto ameaçado de prisão, pode agora inovar e eleger um prefeito previamente detido. É o Rio inovando e surpreendendo o Brasil e o mundo. A candidatura de Cristiane Brasil, do PTB, presa preventivamente em caso de corrupção, teve sua candidatura homologada pelo Tribunal Regional Eleitoral. O partido insistiu em indicar a encarcerada porque ela é filha do dono, quer dizer, do presidente do partido, o mal afamado Roberto Jefferson. Nada de mais, na verdade. Afinal, não foi aqui que vereadores foram eleitos dentro da cadeia?

Recomendo livros
Três bons livros que merecem sua atenção. O jornalista Pedro Doria acaba de publicar “Fascismo à brasileira”, que conta a história da criação do partido integralista brasileiro e mostra suas muitas semelhanças com o bolsonarismo. O jornalista e ex-candidato a deputado federal Ricardo Rangel colocou nas livrarias “O destino é o caminho”, em que narra sua jornada de 800 quilômetros pelo Caminho de Santiago de Compostela. E o escritor e cientista político Sérgio Abranches lançou “O tempo dos governantes incidentais”, onde conta como populistas se aproveitaram de frustrações políticas acumuladas para se eleger e em seguida ameaçar a democracia e as instituições.

Paulo Freire, 99
Paulo Freire, o mais importante educador brasileiro e um dos maiores do mundo, completaria hoje 99 anos. Inúmeras homenagens e palestras sobre o professor e sua obra serão realizadas nos próximos 12 meses em comemoração ao seu centenário. Ele é o brasileiro com mais títulos de doutor Honoris Causa. São 41, inclusive das superuniversidades de Harvard, Cambridge e Oxford. Autor de 19 livros, com edições em incontáveis línguas, Paulo Freire dá nome a 31 ruas e praças no Brasil, além de 302 escolas, municipais, estaduais e privadas. Respeitem Paulo Freire.

Fazendas e incêndio
Além da evidente má vontade da União com o meio ambiente, da falta de fiscalização adequada, da seca, dos ventos e do difícil acesso, um fator econômico serve de combustão para as queimadas do Pantanal. Diversas fazendas foram divididas ao longo dos últimos anos e muitas pararam de produzir, demitiram peões e fecharam suas porteiras. Essas áreas são as mais desguarnecidas e descuidadas, por onde o fogo se alastra sem impedimento. Outras fazendas, cinco no Mato Grosso do Sul, são investigadas pela Polícia Federal por queimadas intencionais.

Dando linha
Fabricantes de linhas do interior de São Paulo tiveram queda nas vendas de até 80% no início da pandemia. Apavorados, fizeram muitas demissões achando que a crise demoraria e a recuperação econômica só teria início em 2021. Cinco meses depois, uma dessas fábricas já opera no azul, ou no azulão, com vendas 120% maiores do que antes da crise sanitária. A concorrência chinesa ficou muito cara.

EUA desbancados
Para quem acha que o problema alcança somente países pobres, este dado pode surpreender. O Federal Reserve dos Estados Unidos, o FED, similar ao nosso Banco Central, informou na semana passada que um em cada quatro americanos não tem conta bancária ou tem apenas uma conta pagamento. Significa que 82 milhões são desbancarizados nos EUA.

Correção
Não é do MDB o ex-prefeito de Cocal (PI) João Maria Monção, que disse em discurso gravado que roubou, sim, mas não tanto quanto o seu adversário na próxima eleição. Ele era do PTB, que o expulsou após a declaração.


Merval Pereira: "Autofagia" no STF

Não há dúvida de que o presidente Bolsonaro se acha acima das leis, não gosta desse sistema republicano de pesos e contrapesos que dá limitações a seus poderes pelo Legislativo e Judiciário. Mas nesse caso do depoimento presencial que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello obrigou-o a fazer na investigação sobre interferência na Polícia Federal, ele tem razão de reclamar.

Não há por que não lhe conceder o mesmo privilégio dado, nas mesmas circunstâncias, ao então presidente Michel Temer. O presidente Bolsonaro e seus assessores veem na decisão do decano a confirmação de que ele não gosta do presidente. A decisão do ministro Marco Aurélio Mello de levar a questão ao plenário é a melhor solução para pacificar o entendimento do STF a respeito dessa situação, que não é definida na lei. Os presidentes dos Poderes têm direito de depor por escrito quando participam de um processo na qualidade de vítima ou testemunha, mas a lei nada fala sobre o caso de serem investigados. Como se presidentes brasileiros não se encontrassem nessa situação, o que a realidade política vem desmentindo sistematicamente.

Os ministros Luiz Roberto Barroso e Edson Fachin entenderam que, como a lei não proíbe, é possível inferir que o depoimento por escrito pode ser concedido mesmo quando investigados. O ministro Celso de Mello, ao contrário, acredita que, como a lei nada diz sobre o caso, deve ser dado ao presidente da República o mesmo tratamento dado a qualquer cidadão.

Com sua decisão, o decano do STF criticou indiretamente seus colegas que deram a regalia a Temer. Ontem, ao enviar ao plenário a decisão, o ministro Marco Aurélio se disse contra o que classificou de “autofagia” no Tribunal, com um ministro anulando a decisão de outro. Com isso, já adiantou sua posição, pois se coincidisse com a de Celso de Mello, ele não cometeria nenhuma “autofagia”, apenas referendaria a posição do decano.

A interpretação de cada juiz depende também do ambiente em que a decisão for tomada. A de Celso de Mello é fruto da necessidade do STF de mostrar independência, pois a gestão anterior de Dias Toffoli estava muito atrelada ao Palácio do Planalto, assim como a da Procuradoria-Geral da República continua sendo.

Tomar decisões de independência em relação ao governo é importante para manter a imagem pública do STF. Uma vez decidida pela maioria a interpretação a ser dada, uma decisão monocrática deixará de existir.

A preocupação de seus seguidores tem razão de ser, pois Bolsonaro pode cometer atos falhos ou escorregões e contradições que por escrito não aconteceriam. Mas o presidente está numa fase boa de relacionamento institucional com o Judiciário, como ele mesmo ressaltou dias atrás, e deporia num ambiente mais favorável e controlado.

Na época da denúncia, o ambiente político era completamente contra ele. Se for obrigado a depor presencialmente, terá tempo suficiente para se preparar, e só um destempero, que lhe é comum, pode causar algum incômodo. Bolsonaro já pode contar com três votos, os de Barroso, Fachin e Marco Aurélio, mas nada indica que terá uma vitória tranquila no plenário.

Há a convicção de cada um, mas há também o peso da palavra do decano Celso de Mello, que está se despedindo em outubro do STF. Ontem o presidente Bolsonaro cometeu um desses atos falhos ao saudar, nas redes sociais, a decisão de Marco Aurélio de suspender o processo enquanto o plenário não decidir de que forma se dará o depoimento. “O Moro não tem nada que perguntar para mim” rejeitou Bolsonaro, mostrando qual é, na verdade, sua preocupação.

O impacto político de questionar a decisão de Celso de Mello é negativo para o presidente, que já está sendo chamado de “fujão” nas redes sociais. Mas pode evitar um dano maior no depoimento presencial.


Carlos Andreazza: De mal (Toffoli) a pior (Fux)?

STF virou espécie de tribunal de pequenas causas políticas e fulanizadas

Poderá não ser ruim a presidência de um ministro ruim? Toffoli nunca foi um bom; jamais um guardião da Constituição. Nem jurista respeitável. Tampouco um garantista, categoria na qual vai incluído. Talvez seja a própria definição individual da biruta em que se transformou o Supremo, corte constitucional que tem orientado sua posição ao ritmo e ao norte dos ventos de ocasião — a própria definição dos dois anos de Toffoli à frente do STF.

Período que poderia ser ilustrado pelo modo como — defendendo, com ardor, o sigilo de dados fiscais — o então presidente do Supremo mandou suspender casos criminais baseados em informações de órgãos de controle e, pouco depois, de repente, afrouxando a convicção, voltou atrás. Também ele, Toffoli, “editor de um país inteiro”, entre os maiores responsáveis pelo recrudescimento da febre monocrática que converteu aquela corte em matriz da insegurança jurídica no Brasil e, pois, numa espécie de tribunal de pequenas causas políticas e fulanizadas.

Poucos constrangimentos públicos serão mais vergonhosos do que a maneira como as partes se acostumaram a usar os plantões judiciários no STF, sabedores de como se manifestaria cada uma das eminências a respeito dos temas de interesse — e aproveitando a janela para obter a canetada do plantonista da vez.

Esse recurso oportunista foi explorado ao estado da arte na gestão de Toffoli. Gestão que tem como marca maior aquele inquérito viciado, dito das fake news, de cujo bojo sairia, entre outras arbitrariedades, a censura à revista “Crusoé”. Toffoli foi o formulador de um inquérito em que o tribunal é vítima, investigador e julgador. Inquérito que deriva de o ministro ser um agente político com poderes de juiz.

Um juiz que, presidindo o Supremo, tinha agenda, claro, de agente político; e que, manipulando regimentos para além do estado de direito, e tendo Alexandre de Moraes como infantaria, alcançou o objetivo: tocar o terror nos milicianos bolsonaristas e baixar o ânimo do discurso golpista de Bolsonaro. O STF agindo como polícia para enfrentar milícia. A curto prazo: com sucesso.

Sou pessimista, porém, sobre o futuro. Ou não se deve imaginar esse precedente de força autoritária nas mãos de um André Mendonça, ou de um Marcelo Bretas, qualquer dos dois terrivelmente bolsonarista? Não nos esqueçamos: somos governados pelo ressentimento.

E, então, Fux; que quer ser, como presidente do STF, o que nunca foi como membro do tribunal. Um conflito insolúvel, sua prática trombando com o prometido, e que resultaria na dubiedade de seu discurso de posse; que fala em a Constituição sair fortalecida da crise em curso, como se fosse possível fortalecê-la arquitetando puxadinhos de direito criativo como os que têm caracterizado os votos do ministro.

A legitimidade e a autoridade das respostas do Supremo às nossas incertezas estão desacreditadas porque, não raro, oferecidas sem fundamento na Constituição. Estão em xeque porque togados como Fux julgam-se ressignificadores — editores, segundo Toffoli — do que vai escrito na Carta. Um texto, de acordo com o novo presidente do tribunal, ora a ser preservado, ora ressignificado. Um balanço degenerante, que convida ao direito da opinião pública, aquele que joga pra galera; que faz justiceiros, heróis, mitos e picaretas; que desmonta o que deveria ser edifício de autocontenção.

Não dá para ser militante e guardião da Constituição. O STF tem de se afastar de palanque e de guilda. Se o lava-jatista Fux quer ser, como presidente, o que jamais foi como ministro, terá de aposentar a fluência monocrática com que tem se imposto; e, por exemplo, jamais matar no peito novamente algo como a manutenção, por anos, de auxílio-moradia a magistrados. Também ele responsável por intervenção — em 2018 — promotora de censura, aquela que impediu que o ex-presidente Lula, então preso, desse uma entrevista à “Folha”.

A combinação entre memória e lógica duvida de que Fux possa ser um combatente do “ativismo judicial” — porque isso significaria combater a si mesmo. Mas mudarei de opinião se o ministro souber explicar qual é a regência, sob a gramática da Constituição, de uma “corte eminentemente constitucional”, como define o Supremo, ante um tal “sentimento constitucional do povo”— sendo necessário, primeiro, explicar o que seria tal coisa.

De explicação não carece o óbvio: o populismo judicial foi fator decisivo para que nos afundássemos nesta depressão. Aquele direito colhido em manifestações de rua que, em vez de aperfeiçoar, dinamitou o financiamento empresarial de campanhas eleitorais; sem medir as consequências, sem considerar o que viria no lugar. Registro também que, simplificadas, afirmações como a que cito a seguir — do discurso de Fux — estão na boca daqueles marginais que pedem intervenção no STF: “A efetividade da Constituição é tanto maior quando se alia ao sentimento constitucional do povo”.

A efetividade da Constituição é tanto maior quando respeitada a Constituição.


Celso Rocha de Barros: Se o risco à democracia era baixo, Toffoli pode ter encorajando os golpistas

Ex-presidente do STF nunca foi à guerra pelas instituições como fez, por exemplo, Celso de Mello

A passagem de Dias Toffoli pela presidência do STF foi característica de uma época de democracia em crise. À medida que mais bastidores dos últimos anos forem revelados, os historiadores debaterão que papel o ministro teve na gestão dessa crise.

Se as coisas estavam tão degeneradas que foi necessário ao presidente do STF costurar um acordão, Toffoli desempenhou um papel importante. Afinal, acordão ainda é melhor do que golpe. Mas se o risco à democracia era baixo, Toffoli pode ter piorado as coisas encorajando os golpistas com concessões.

O que é claro é que Toffoli nunca aceitou o risco de tornar-se um mártir da democracia, nunca foi à guerra pelas instituições como fez, por exemplo, Celso de Mello. Sua estratégia foi a acomodação com a ameaça bolsonarista, com uma exceção importante, que também é controversa.

Os analistas que defendem a tese do "risco zero" para a democracia precisam começar sua explicação com o seguinte: o que o general Fernando Azevedo e Silva estava fazendo como assessor do presidente do STF durante a campanha de 2018? Quantos generais já haviam ocupado essa posição?

Que tipo de assessoria ele prestava a Toffoli? Não é relevante que, naquela eleição, Lula estivesse a uma decisão do STF de poder ser candidato? Não é relevante que, com Lula fora do páreo, o favorito fosse o candidato dos militares? Quando Toffoli mentiu que 1964 não foi um golpe, mas um "movimento", isso não tinha nenhuma relação com a provável vitória de Bolsonaro? É normal que Azevedo e Silva tenha saído do lado de Toffoli para o Ministério da Defesa de Bolsonaro? Alguém é capaz de me apresentar uma eleição transcorrida em uma democracia consolidada em que algo semelhante tenha ocorrido?

Na semana passada, Toffoli declarou que nunca havia visto Bolsonaro ameaçar a democracia. Talvez tenha visto apenas risco de "movimentos" como o de 1964.

Mas, se não viu nada, sua passagem pela presidência do STF foi um absoluto desastre: se Bolsonaro não representava risco à democracia, as decisões de Toffoli sobre o Coaf, por exemplo, que beneficiaram Flávio Bolsonaro, foram, além de juridicamente erradas, desnecessárias à defesa da democracia.

Eu acho que o risco de golpe foi real. Acho que as instituições deveriam ter enfrentado Bolsonaro de frente. Mas se eu, que sempre alertei para o risco de golpe, mesmo assim o tiver subestimado, se um confronto direto tivesse como resultado provável a vitória dos golpistas, talvez Toffoli tivesse razão.

De qualquer forma, a exceção nessa estratégia de acomodação, o inquérito das fake news, funcionou. Em um artigo para o site de notícias jurídicas Jota, o jornalista Felipe Recondo lembra que o inquérito "revelou seu poder de dissuasão e deu ao cenário político-institucional de Brasília algum grau de normalidade e racionalidade".

O inquérito também foi alvo de muitas críticas por juristas respeitáveis. Novamente: se ajudou a evitar um golpe, valeu a pena.

Mas se fizemos esse tipo de cálculo —acordão ou golpe, inquérito heterodoxo ou golpe— a democracia andou bem mal. Resta torcer para que Fux navegue águas mais tranquilas, mas esteja disposto a reagir se as tentativas de intimidação —como a visita surpresa à despedida de Toffoli— continuarem. Haja jiu-jítsu.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Janio de Freitas: Estamos entrando em novas perspectivas de risco para a democracia

Toffoli deixa a presidência do Supremo a um sucessor que não traz de volta a esperança e a confiança no tribunal

Em situações de insegurança para o Estado democrático de Direito, a esperança de sustentação da ordem constitucional volta-se para o Supremo Tribunal Federal.

Desde 2018, tal ordem e o próprio Supremo são alvos de ataques que não se fundamentam em críticas, mas em propósitos contrários ao regime democrático. Com essas duas realidades à mão, estamos entrando em novas perspectivas de risco para a democracia.

A dimensão das responsabilidades do Supremo não admite a passividade com que, como instituição e ressalvadas algumas atitudes individuais, deixou-se diminuir por agressões reiteradas e crescentes de Bolsonaro e bolsonaristas profissionais ou amadores.

Dias Toffoli enfraqueceu-o mais com sua própria fraqueza, que o levou até a um acordo de pretenso comprometimento do Supremo com Bolsonaro. Não entendeu o que é o Supremo na independência dos Poderes. Não entendeu o seu dever diante dos ataques ao Supremo, à Constituição e à democracia, dos quais teve a mísera coragem de dizer que não os viu, nunca.

Toffoli deixa a presidência do Supremo a um sucessor que não traz de volta a esperança e a confiança no tribunal. Até hoje não mostrou as condições técnicas e pessoais convenientes ao tempo político em que vai presidir o Supremo.

Bolsonaro quer a reeleição. Os militares bolsonaristas querem a reeleição, admitidas ambições particulares de um ou outro. E esse objetivo significa mais do que um plano político, aliás, já com dedicação plena e exclusiva de Bolsonaro.

No decorrer dos dois anos em que Luiz Fux presidirá o Supremo, coincidirão a campanha eleitoral para a Presidência e, em princípio, as etapas mais gritantes dos inquéritos e processos suscitados pelo clã Bolsonaro, seus coadjuvantes e associados. As influências mútuas deverão fazer dos dois desenrolares apenas um. Já é uma advertência de processo eleitoral tumultuoso. O provável é maior, porém.

Bolsonaro e suas tropas de choque e de cheque precisam ganhar a eleição a qualquer custo. Não é força de expressão, é mesmo a qualquer custo. A necessidade de sufocar os problemas policiais e judiciais já justificaria a derrubada de limites, os legais e outros quaisquer.

É notório, no entanto, que Bolsonaro se viu compelido a desacelerar a marcha para os objetivos anti-institucionais. Imprevistos vários, inclusive nas Forças Armadas, negaram as condições para o avanço com riscos delimitados. Ou seja, o adiaram.

As condições podem surgir até o fim do mandato, talvez com a colaboração da pandemia e seus efeitos sociais, mas Bolsonaro e os desejosos restauradores de 1964 não parecem contar com tamanho ganho.

Apropriar-se das obras de Lula e Dilma, conter impulsos da boçalidade, viajar a qualquer pretexto, tudo indica o investimento no segundo mandato, prioritário ao plano inicial. A calmaria política na pandemia é um intervalo entre o que se temeu até ali e a sua retomada efetivadora pós-eleição.

Tudo ou nada, isto será o segundo mandato, se obtido. E este "se" terá sua decisão durante a campanha eleitoral, quer dizer, a batalha eleitoral, com o Supremo presidido por Fux e sua inclinação direitista, sua flexibilidade, sua vaidade exorbitante e irresistível aos afagos. Uma esperança, sim —para quem pretende vencer a eleição a qualquer custo.

Luiz Fux nunca surpreendeu. Mas não está impedido de achar que a hora é boa para uma experiência.

O AUTOR
Antes que a flecha chegasse ao peito de Rieli Franciscato e o matasse, já era conhecido o autor original da morte desse indigenista com mais de 30 anos de proteção aos indígenas. Já na campanha Bolsonaro falara contra a existência da Funai.

No governo, faz a sua demolição. A Coordenação-Geral de Índios Isolados foi entregue a um pastor, Ricardo Lopes Dias, um dos obcecados com a "evangelização" forçada dos índios. Rieli, sem o número necessário de auxiliares, foi morto na tentativa de evitar um confronto de brancos e índios isolados.

Mais uma realização de Bolsonaro.


Merval Pereira: Sinal de independência

A sugestão para que o presidente Bolsonaro deixe para marcar o depoimento na Polícia Federal exigido pela decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello apenas quando o decano da Corte já tiver se aposentado, em novembro, denota insegurança, e só faz enfraquecê-lo.

Cogitar que a Polícia Federal terá comportamento diferente depois da aposentadoria de Celso de Mello revela a mente conturbada de quem acredita em teorias da conspiração. Ou a certeza de que a PF, sem uma autoridade a vigiá-la, lhe será dócil, o que confirma a vontade de controlá-la.

A lei permite que o presidente da República preste testemunho por escrito, quando é testemunha, mas não cita como deve ser tomado um depoimento se ele for o alvo da investigação. O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, foi favorável a que o presidente Bolsonaro escolhesse a forma do depoimento: “Dada a estatura constitucional da Presidência da República e a envergadura das relevantes atribuições atinentes ao cargo, há de ser aplicada a mesma regra em qualquer fase da investigação ou do processo penal”, disse, alegando que o presidente poderia depor presencialmente ou por escrito.

Como a lei não especifica a situação em que o presidente da República está sendo investigado, o ministro Luis Roberto Barroso autorizou que o então presidente Michel Temer, também investigado na ocasião, depusesse por escrito.

Já o ministro Celso de Mello entendeu que "o Senhor Presidente da República, por ostentar a condição de investigado, não dispõe de qualquer das prerrogativas (próprias e exclusivas de quem apenas figure como testemunha ou vítima) a que se refere o art. 221, “caput” e § 1º, do CPP, a significar que a inquirição do Chefe de Estado, no caso ora em exame, deverá observar o procedimento normal de interrogatório (CPP, art. 6º, inciso V, c/c o art. 185 e seguintes)".

Outro detalhe da decisão do ministro Celso de Mello que provocou comentários de aliados de Bolsonaro foi a permissão para que os advogados de Moro participem, e façam perguntas, ao presidente Bolsonaro. O que, para esses assessores, é demonstração de que o decano do Supremo não gosta do presidente, significa apenas a equiparação dos dois investigados na ação.

O Procurador-Geral Augusto Aras deu salto mortal na decisão inicial para colocar o ex-ministro Sérgio Moro, que fez a acusação de interferência do presidente da República na Polícia Federal, no mesmo nível de investigado que Bolsonaro.

Deste modo, quando Moro foi depor na Polícia Federal logo no início da ação, Aras enviou três procuradores para participarem do interrogatório. Agora, a mesma condição será dada a Moro.

A alegação de Aras de que houve um precedente no caso de Temer não se sustenta à luz da lei, pois a interpretação de cada juiz dependerá também do ambiente em que a decisão for tomada. A de ontem é fruto da necessidade do STF de mostrar independência, pois a gestão anterior de Dias Toffoli estava muito atrelada ao Palácio do Planalto, assim como a da Procuradoria-Geral da República continua sendo.

Tomar decisões de independência em relação ao governo é importante para pelo menos manter a imagem pública do STF. A preocupação de seus seguidores tem razão de ser, pois Bolsonaro pode cometer atos falhos ou escorregões e contradições que por escrito não aconteceriam.

Mas o presidente está numa fase boa de relacionamento institucional com o Judiciário, como ele mesmo ressaltou dias atrás, e vai depor num ambiente mais favorável e controlado. Na época da denúncia, o ambiente político era completamente contra ele. Bolsonaro terá tempo suficiente para se preparar, e só um destempero, que lhe é comum, pode causar algum incômodo.

O impacto político para Bolsonaro é forte, sem dúvida. Mas a decisão só demonstra uma fragilidade dele como presidente porque seu entendimento dos poderes do Executivo é mais amplo que a lei permite supor. A independência entre os Poderes da República, ressaltada pelo novo presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, é a linha seguida pela decisão de Celso de Mello.


Míriam Leitão: A igualdade perante a lei

A decisão de Celso de Mello tem um lado. O da República. República é o sonho da sociedade de pessoas iguais. Até que ponto as prerrogativas da Presidência podem ir sem infringir o dogma da igualdade? O que o ministro Celso de Mello respondeu ontem em sua decisão, longa e sólida, foi que se o governante é investigado não pode mandar por escrito o seu depoimento para a autoridade policial. Precisa se submeter, como qualquer um, às perguntas, ao contraditório, às “reperguntas”.

“Afinal, nunca é demasiado reafirmá-lo, a ideia da República traduz um valor essencial, exprime um dogma fundamental: o do primado da igualdade de todos perante as leis do Estado. Ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso país. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado”, escreveu o ministro.

Ele deixou avisos prévios. Em decisões anteriores, foi deixando claro que a prerrogativa para um chefe de Poder entregar depoimento escrito só existe quando a autoridade está no processo como testemunha. Se for investigado ou réu, não tem esse direito. Foi o que escrevi aqui na coluna “O presidente terá que falar”, de 7 de maio. Certamente a AGU sabia disso, mas o entorno do presidente está preferindo a interpretação de que a decisão do decano é pessoal. É o oposto. É impessoal.

Ele continuou em sua decisão: “Não custa insistir, neste ponto, por isso mesmo, na asserção de que o postulado republicano repele privilégios e não tolera discriminações”, diz ele, em razão de “condição social, de nascimento, de parentesco, de gênero, de amizade, de origem étnica, de orientação sexual ou posição estamental”, e isto porque “nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos da República” sob pena de se transgredir “a ideia da República”.

Segundo Celso de Mello, apesar da “posição hegemônica que detém na estrutura político institucional”, o presidente da República é também “súdito das leis” e portanto não tem esse direito de depor por escrito quando for “pessoa sob investigação criminal”. O pedido para que o presidente deponha por escrito foi feito pelo procurador-geral da República. Augusto Aras sempre mostra sua vocação para defensor do presidente.

A República é sonho que vem sendo sonhado desde a colônia, como conta a historiadora Heloisa Starling no “Ser republicano no Brasil Colônia”. Esteve em cada levante, em cada manifesto de sublevados, esteve com os conjurados de Minas, Rio e Bahia. Foi sendo expropriada do seu sentido mais profundo até ser proclamada com o povo excluído da festa, como conta o historiador José Murilo de Carvalho no clássico “Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi”.

Para não sermos eternamente a “República que não foi”, o país precisar se mover sempre. O passo de ontem foi esse, dado pelo ministro que em breve deixará a cadeira do Supremo Tribunal Federal. Como sempre, ele buscou vozes antigas. Citou João Barbalho, membro da primeira Assembleia Constituinte (1890-1891). “Não há, perante a lei republicana, grandes nem pequenos, senhores nem vassalos, patrícios nem plebeus, ricos nem pobres, fortes nem fracos, porque a todos irmana e nivela o direito.” Não seguir esse princípio seria aceitar privilégios “próprios de uma sociedade aristocrática”.

Pela decisão de Celso de Mello o depoimento do presidente será presencial, e os advogados de quem o acusou, o ex-juiz Sergio Moro, poderão estar presentes e fazer perguntas. O ex-presidente Temer recebeu dos ministros Luis Roberto Barroso e Edson Fachin o direito de depor por escrito. Celso de Mello os elogia, mas discorda. E relaciona votos dele e de outros ministros negando essa prerrogativa. E ademais, ensina, o interrogatório é um “ato de defesa”, é direito do acusado no devido processo legal.

O parágrafo primeiro do artigo 221 do Código de Processo Penal dá a prerrogativa aos chefes dos Poderes de “optar pela prestação do depoimento por escrito” quando forem testemunhas ou vítimas. Quisesse o legislador que isso fosse estendido ao investigado, teria dito. O Planalto vai esperar o ministro se aposentar. Acredita que quem herdar o caso dará a Bolsonaro o direito de ser mais igual que os outros cidadãos da nossa República inacabada.


Reinaldo Azevedo: Fux chega ao topo com a advocacia sob a vara da Lava Jato

Que o ministro contribua para banir das terras nativas o direito criativo

Luiz Fux assumiu nesta quinta (10) a presidência do STF em meio a mais um espetáculo da Lava Jato-RJ, que vive seus dias de parceria física e metafísica com o bolsonarismo. Fez um strike contra Wilson Witzel e promete não deixar um só pino em pé com a Operação E$quema S, com esse cifrão que encanta os tiozões do WhatsApp que pedem golpe, com polo verde, ventre protuberante e meias e tênis pretos.

Leio que uma das missões do ministro seria manter as conquistas da Lava Jato, sua autonomia, seu poder, sei lá… Os objetos diretos variam de acordo com o entusiasmo do redator. Tomara que seja conversa mole. Sua tarefa é fazer valer a Constituição. Só.

Naquilo em que a Carta é explícita, deve fazê-lo sem margem para interpretações. Dou um exemplo: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Que seja em relação a isso tão aborrecido como o juiz de futebol que manda cobrar tiro de meta quando o atacante faz a bola escapulir pela linha de fundo do campo adversário —se for o defensor a fazê-lo, é escanteio.

Regras 16 e 17 da International Board. No caso da Carta, trata-se do inciso LVII do artigo 5º, cláusula pétrea que o próprio Fux ignorou ao validar um gol de mão da Lava Jato, que conseguiu manter Lula na cadeia contra a regra do jogo, num exercício de criatividade jurídica.

Que o ministro contribua para banir das terras nativas o direito criativo, que se assenta ou no solipsismo ou nas vagas de opinião que tornam a sociedade refém de facções organizadas, contra as quais Madison já chamava a atenção no artigo 10 de “O Federalista”. Elas destroem a República.

Ouso sugerir que leia também o artigo 51. Fôssemos anjos, não seria necessário haver governos. Como não somos, estes têm de ser dotados de instrumentos para exercer seu ofício. Dado que os próprios governantes seres angelicais não são, têm de ser obrigados a controlar a si mesmos —e, pois, não podem ser eles a comandar os tribunais por vias oblíquas.

Preservar a Lava Jato? Exatamente o quê? O conluio entre juiz e órgão acusador? A subordinação da agenda anticorrupção a candidaturas? A condenação sem provas? O uso das prisões preventivas como instrumento para obter delações? A entrega dos destinos do país a um criminoso premiado, que decidirá quem vive e quem morre na República?

Hora de retomar um fio lá do primeiro parágrafo. O “Espetáculo da Corrupção” —título de um livro do advogado Walfrido Warde— viveu um de seus dias de gala nesta quarta (9), agora que o próprio direito de defesa está sendo alvejado junto com sem-vergonhices óbvias. É certo que houve pilantragens na Fecomércio. O bandido da hora, Orlando Diniz, o admite para se safar. Ocorre que a operação já nasce sob o signo da exceção.

A Lava Jato sustenta, por exemplo, que o advogado Eduardo Martins, filho de Humberto Martins, presidente do STJ, recebeu entre R$ 40 milhões e R$ 82 milhões —a denúncia-cartapácio tem tantas ilações e alvos que permite ao leitor o livre exercício da calculadora— para influenciar decisões da corte.

Se Eduardo comprava sentenças no STJ, ministros as vendiam. Se o escândalo tem esse grau de comprometimento, o foro não é a Justiça federal de primeira instância, mas o STF. “Ora, Reinaldo, trata-se de tráfico de influência, não de compra de sentença”. É mesmo? A R$ 40 milhões? Ou R$ 78 milhões? Ou R$ 82 milhões? Ou é piada ou é má-fé.

Bolsonaro ri de orelha a orelha. A Lava Jato já depôs um inimigo seu e agora intimida um tribunal superior. No passado, impediu que ele tivesse de concorrer com Lula, que volta a ser alvo, agora por intermédio do advogado Cristiano Zanin.

“Ah, não importa! Aconteceu a sacanagem na Fecomércio, Reinaldo?” Certamente sim. Dada a denúncia, essa não é, no entanto, tarefa para a Lava Jato-RJ, mas para a PGR, uma vez que, obviamente, ministros do STJ estão sob investigação, o que desloca o foro da 7ª Vara Federal do Rio para o STF.

Qual Lava Jato Fux pretende preservar? O livro de Warde a que me referi tem um subtítulo: “Como um sistema corrupto e o modo de combatê-lo estão destruindo o país”.


Bruno Boghossian: Supremo fica perdido no labirinto político em que se meteu

Posse de Fux prova que tribunal não vê caminhos entre omissão e ativismo exagerado

A carta de intenções de Luiz Fux em sua posse como presidente do STF deixa poucas dúvidas: o tribunal está perdido no labirinto político em que se meteu. O ministro propôs um pacto para reduzir a interferência do Judiciário sobre outros Poderes, mas se recusou a reconhecer os erros cometidos pela corte.

Fux descreveu o Supremo como uma espécie de vítima de suas próprias decisões. No discurso desta quinta-feira (10), ele se queixou de “grupos de poder” que recorrem ao tribunal para resolver divergências que deveriam ficar restritas a outras arenas. Os pobres ministros, sob essa ótica, seriam praticamente forçados a agir como árbitros.

O novo chefe do Judiciário pediu “um basta” ao que chamou de “judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deve reinar”. Nada disso seria necessário se o STF tivesse delimitado suas fronteiras de atuação com clareza ao longo dos últimos anos.

O ministro deu sua contribuição negativa à causa. Em 2017, ele cancelou sozinho uma votação da Câmara que havia modificado o pacote anticorrupção patrocinado pela força-tarefa da Lava Jato. Não importou, naquela época, a tal necessidade de resolver o processo legislativo dentro do Poder Legislativo.

Ao fugir da autocrítica e sugerir uma “intervenção judicial minimalista” em temas polêmicos, o novo presidente prova que não há caminhos traçados para resolver o dilema que divide o STF entre a omissão e o ativismo exagerado.

O tribunal não pode se retirar completamente do campo político, porque precisa dar respostas para questões como a criminalização da homofobia, julgada no ano passado. Nesse caso, o Supremo reinterpretou a legislação existente para ampliar a proteção de direitos individuais.

Atropelos cometidos pelo STF em outros casos acabaram fragilizando o papel do tribunal em decisões que interferem de maneira legítima nas atribuições de outros Poderes. Nada indica que o novo presidente tenha a solução para esse problema.