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O Estado de S. Paulo: Leia as páginas do inquérito dos atos antidemocráticos

Fausto Macedo, Rayssa Motta, Paulo Roberto Netto e Pepita Ortega, O Estado de S. Paulo

O inquérito dos atos antidemocráticos foi aberto em abril a pedido da Procuradoria-Geral da República depois que manifestações defendendo a volta da ditadura militar, intervenção das Forças Armadas e atacando instituições democráticas marcaram as comemorações pelo Dia do Exército em diferentes cidades do País. A realização de atos simultâneos, com carros de som e peças de propaganda ‘profissionais’, nas palavras da Procuradoria, ensejaram a apuração sobre a organização, divulgação e o financiamento desses eventos.

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Além dos protestos físicos, o suposto lucro obtido por blogueiros, influenciadores e youtubers de direita com a transmissão ao vivo dos protestos chamou atenção do Ministério Público Federal (MPF). A suspeita é que parlamentares, empresários e donos de sites bolsonaristas atuem em conjunto em um ‘negócio lucrativo’ de divulgação de manifestações contra a democracia. Entre apoiadores do governo, o inquérito é visto como uma iniciativa para criminalizar a defesa ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a valores conservadores e de direita.

Trecho do despacho assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pedindo a abertura do inquérito. Foto: Reprodução

Nos últimos oito meses, os delegados federais Igor Romário de Paula, Denisse Dias Rosas Ribeiro, Fábio Alceu Mertens e Daniel Daher, designados para conduzir as investigações, intimaram mais de 40 pessoas. São empresários declaradamente bolsonaristas, deputados da base de apoio do governo, membros do partido em gestação Aliança pelo Brasil, assessores da presidência, os filhos do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo e Carlos, e donos de páginas nas redes sociais idealizadas para defender ideais conservadores.

Os delegados federais também pediram ao senador Ângelo Coronel (PSD-BA), presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, o compartilhamento de dados sigilosos obtidos pelo grupo de trabalho no Congresso.

Ofício enviado pela delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro ao senador Ângelo Coronel para obter documentos reunidos pela CPMI das Fake News. Foto: Reprodução

O ministro Alexandre de Moraes, relator das investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), também autorizou a quebra de sigilo de investigados e expediu mandados de prisão temporária contra integrantes do grupo extremista ‘300 do Brasil’ e de busca e apreensão cumpridos em junho na Operação Lume.

Entre relatórios elaborados pela Polícia Federal sobre o avanço das investigações, intimações e termos de depoimentos, mandados de busca e de prisão, despachos da Procuradoria Geral da República e do Supremo Tribunal Federal, os autos da investigação já somam mais de mil páginas.

Veja como foi dividida a investigação:

1) Organizadores e movimentos: pessoas e coletivos conservadores que, segundo o Ministério Público Federal, expressaram apoio ou simpatia a manifestações contra a democracia.

2) Influenciadores e hashtags: rede supostamente articulada para propagar mensagens defendendo uma ruptura institucional, a exemplo dos hashtags #MaiaTemQueCair e #TodoPoderEmanaDoPovo ou de expressões como ‘intervenção militar com Bolsonaro no poder’ e ‘STF inimigo do Brasil’.

Trecho do despacho assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pedindo a abertura do inquérito. Foto: Reprodução

3) Monetização: influenciadores digitais e donos de páginas e canais favoráveis ao governo que converteriam audiência em dinheiro. Para isso, segundo apontou o Ministério Público Federal, investem na radicalização do discurso.

“Há uma escalada em que mensagens apelativas produzem propagação e dinheiro; e a busca por dinheiro gera a necessidade de renovação de bandeiras com grande apelo e propagação. Com o objetivo de lucrar, estes canais, que alcançam um universo de milhões de pessoas, potencializam ao máximo a retórica da distinção amigo-inimigo, dando impulso, assim, a insurgências que acabam efetivamente se materializando na vida real, e alimentando novamente toda a cadeia de mensagens e obtenção de recursos financeiros”, diz um trecho do documento em que o MPF pediu quebras de sigilo de investigados.

Trecho do despacho assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pedindo a abertura do inquérito. Foto: Reprodução

4) Conexão com parlamentares: políticos bolsonaristas foram chamados a prestar depoimentos por três razões principais, segundo os autos do processo: 1) manifestações nas redes sociais; 2) ligação com movimentos e influenciadores; 3) contratação de empresas de tecnologia envolvidas na investigação.

Saiba quem já foi ouvido ou intimado:

Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), vereador (leia detalhes do depoimento)

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Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal (leia detalhes do depoimento)

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Alê Silva (PSL-MG), deputada federal (leia detalhes do depoimento)

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Aline Sleutjes (PSL-PR), deputada federal

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Alexandre Frota (PSDB-SP), deputado federal (leia detalhes do depoimento)

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Beatriz Kicis (PSL-DF), deputada federal

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Carla Zambelli (PSL-SP), deputada federal

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Caroline de Toni (PSL-SC), deputada federal

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Daniel Silveira (PSL-RJ), deputado federal

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General Girão (PSL-RN), deputado federal (leia detalhes do depoimento)

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Junio do Amaral (PSL-MG), deputado federal

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Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), deputado federal

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Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo

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Tércio Arnaud Tomaz, assessor especial da Presidência da República (leia detalhes do depoimento)

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José Matheus Sales Gomes, assessor especial da Presidência da República

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Mauro Cesar Barbosa Cid, assessor especial da Presidência da República

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Mateus Matos Diniz, assessor especial da Presidência da República

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Carlos Eduardo Guimarães, assessor do deputado Eduardo Bolsonaro

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Evandro de Araújo Paula, assessor da deputada Bia Kicis

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Pastor Romildo Ribeiro Soares, ou RR Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus (leia detalhes do depoimento)

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Otavio Oscar Fakhoury, financista

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Luís Felipe Belmonte dos Santos, vice-presidente do Aliança pelo Brasil (leia detalhes do depoimento)

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Luiz Renato Durski Junior, empresário dono da rede de restaurantes Madero

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Sérgio Lima, publicitário

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Bruno Ricardo Costa Ayres, empresário

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Walter Luiz Bifulco Scigliano

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Allan dos Santos, do blog Terça Livre (leia detalhes do depoimento)

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Cleitomar Basso, funcionário do canal Foco do Brasil

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Emerson Teixeira de Andrade, do canal Emerson Teixeira

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Oswaldo Eustaquio Filho, do canal Oswaldo Eustaquio

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Sandra Mara Volf Pedro Eustáquio, mulher do blogueiro Oswaldo Eustáquio e ex-secretária nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos

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Ernani Fernandes Barbosa Neto, do site Folha Política 

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Thais Raposo do Amaral Pinto Chaves, do site Folha Política

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Anderson Azevedo Rossi, do canal Foco do Brasil

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Camila Abdo, do canal Direto aos Fatos e do site Crítica Nacional

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Fernando Lisboa, do Vlog do Lisboa

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Marcelo Frazão de Almeida, do canal Direita TV News

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Adilson Nelson Dini, do canal Ravox Brasil

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José Luiz Boni ou Roberto Boni, do canal Universo

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Alana de Oliveira Passos de Souza, deputada estadual no Rio

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Leonardo Rodrigues de Barros Neto, ex-assessor de Alana

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Anderson Luis de Moraes, deputado estadual no Rio

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Vanessa do Nascimento Navarro, assessora parlamentar de Anderson

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Ana Maria da Silva Glória, colaboradora do site Terça Livre

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Raul Nagel Etges, técnico de informática

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Juliana Ginger Vieira Paulo Butzke, psicóloga

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Sara Fernanda Giromini, do canal Sara Winter e do movimento ‘300 do Brasil’

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Alberto Junio da Silva, administrador do canal O Giro de Notícias

Joice Hasselmann (PSL-SP), deputada federal

José Guilherme Negrão Peixoto (PSL-SP), deputado federal

Otoni de Paula (PSC-RJ), deputado federal

Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública

Valter César Silva Oliveira, do canal Nação Patriota


Hélio Schwartsman: Na reeleição no Congresso, venceu a Constituição

Intervenções na Constituição devem ser eventos raros

Era claro como o dia que o STF não deveria ter liberado a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, como pareceu que faria. O veto constitucional à recondução dos chefes do Poder Legislativo numa mesma legislatura é expresso (art. 57, § 4) e não vejo necessidade jurídica de relativizar a norma, que, de fato, não é nenhuma maravilha. Mas caberia aos próprios legisladores eliminá-la ou reformulá-la, através de uma emenda constitucional. Fora disso, entramos no terreno do casuísmo deslavado.

É preciso, porém, cuidado para não cair no extremo oposto ao do relativismo constitucional e advogar por uma versão tupiniquim do originalismo norte-americano, segundo o qual a Carta precisa ser sempre lida literalmente e de acordo com o significado que os termos tinham à época em que ela foi elaborada.

Penso que constituições só perduram no tempo porque são documentos vivos, cujo sentido é atualizado a cada nova geração de intérpretes. E isso, obviamente, exige que o texto tenha maleabilidade. O problema, portanto, não está em o STF ir contra o que está escrito na Carta ou introduzir-lhe ideias que não estão, mas a frequência com que o faz e os motivos que invoca.

Esse tipo de intervenção precisa ser raro. A autocontenção é a maior virtude das cortes constitucionais. Em minha modesta opinião, os ministros deveriam reservar seus superpoderes apenas para situações de ampliação de direitos individuais que o Legislativo não consegue promover.

Se juízes constitucionais se entregam a casuísmos, todas as suas decisões passam a ser percebidas como motivadas por interesses políticos ou pessoais, a credibilidade da corte se esvai e, com ela, um dos principais mecanismos que permitem manter viva a Constituição. Gostaria de acreditar que foi essa percepção que definiu o resultado da votação sobre a reeleição e não a pressão das redes sociais. Meu otimismo não chega a tanto.


Carlos Melo: Decisão do STF - O país no encontro marcado consigo mesmo

Instituições não podem depender de uma única pessoa

É verdade que Rodrigo Maia teve importante atuação nesses quase dois anos de governo Bolsonaro. Mais que seu colega de Senado Federal, Davi Alcolumbre, o presidente da Câmara se contrapôs à penca de desatinos e desventuras em série vindos do presidente da República e de seus ministros. Em muitos momentos, Maia personificou o “sistema de freios e contrapesos”.

Também são conhecidas as intenções de Jair Bolsonaro: retirar Maia de seu caminho e eleger presidente da Câmara um aliado que lhe sirva a ele no objetivo único da reeleição. E assim deixar “tudo dominado”, aparelhando o Legislativo como busca fazer com outros órgãos de Estado.

Tudo isso é verdadeiro e verdadeiramente perigoso. Mas nada justificaria “casuísmos do bem”. Instituições não podem depender de uma única pessoa ou dos interesses imediatos de um grupo. É evidente que Maia, mais até que Alcolumbre, poderá fazer falta à dinâmica democrática no Congresso. Mas também é preciso reconhecer que o País precisa seguir em frente, sem incorrer no erro de pretender combater o messianismo recorrendo a outro tipo de messianismo, com sinal trocado.

Logo, não se deve chorar a impossibilidade de reeleição no Congresso, decidida pela interpretação constitucional da maioria dos ministros do Supremo. A decisão do STF embaralha o jogo e torna a eleição legislativa tão mais dramática quanto mais importante para o futuro. Mas, também pode ser aproveitada como um importante momento de superação e construção política. A sucessão de Alcolumbre, que antes não parecia ser problema, se colocará no cálculo mais amplo das negociações dos grandes partidos, nas duas Casas.

Articular é preciso, e o chamado centro-liberal tem agora seu sua hora mais séria com a oposição: faltará a ambos, oposição e centro, grandeza para compreender o momento?

Pode ser o encontro marcado do país consigo mesmo.

*Cientista Político, professor do Insper


Folha de S. Paulo: Ministros veem traição de Fux, expõem mal-estar no STF e já preparam retaliação

Reviravolta no placar que barrou reeleição da cúpula do Congresso é creditada à pressão da opinião pública

Julia Chaib, Matheus Teixeira e Gustavo Uribe, da Folha de S. Paulo

O voto de Luiz Fux no julgamento que vedou a possibilidade de reeleição da atual cúpula do Congresso intensificou o racha entre as alas do Supremo Tribunal Federal e, como consequência, deve gerar empecilhos para sua gestão na presidência da corte.

Em conversas reservadas, ministros falam em “inviabilizar o plenário”, caso discordem da pauta encampada por Fux, e ameaçam se opor a medidas administrativas defendidas pelo presidente do Supremo.

Fux divergiu do relator, ministro Gilmar Mendes, e votou na noite deste domingo (6) para declarar inconstitucional a recondução de parlamentares ao comando das Casas dentro da mesma legislatura.

Os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin votaram da mesma forma e em horário aproximado, o que foi interpretado internamente como uma evidência de que eles atuam em grupo.

Os magistrados defenderam que a Constituição é clara ao vetar a reeleição e formaram maioria contra o entendimento de Gilmar, que atropelava a Carta ao interpretar a vedação à recondução como uma autorização à medida.

O placar ficou em 6 a 5 contra a reeleição de Alcolumbre, e 7 a 4 contra a de Maia.[ x ]

O maior problema, segundo três ministros ouvidos pela Folha em caráter reservado, é que, diferentemente de Fachin, os ministros Fux e Barroso haviam se comprometido a acompanhar Gilmar, que liberava a recondução de Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) nas presidências do Senado e da Câmara, respectivamente.

Ambos os magistrados, afirmam integrantes do Judiciário e do Legislativo, chegaram a verbalizar a ministros e senadores que votariam a favor da tese que abriria caminho para os parlamentares buscarem a recondução.

Gilmar, inclusive, só teria decidido pautar a matéria porque tinha a certeza da maioria dos ministros do tribunal, dizem pessoas próximas.

A interlocutores Barroso afirmou que não se comprometeu em autorizar a reeleição e que apenas disse que iria refletir sobre o tema e que não tinha posição firmada a respeito. Auxiliares e aliados de Fux se mantiveram em silêncio nesta segunda-feira (7).

Ministros dizem que começaram a suspeitar que Fux poderia ceder à pressão contra o atropelo à Constituição quando demorou a votar no plenário virtual, uma vez que o relator e os quatro colegas que o acompanharam votaram na sexta (4), primeiro dia do julgamento.

O adiamento da apresentação do voto do presidente do STF, que em tese já estava definido, causou estranhamento e, quando foi publicado, gerou revolta entre magistrados.

O mal-estar, avaliam ministros, vai gerar consequências práticas e negativas para a gestão de Fux. Magistrados classificaram como traição a atitude do ministro.

Além de acirrar ainda mais a relação com a ala contrária à Lava Jato, formada pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, Fux também se indispôs com Alexandre de Moraes.

Moraes é visto hoje como um ator importante da corte porque é relator de temas relevantes, não tem posição pré-definida em julgamentos criminais e costuma ser uma espécie de fiel da balança em discussões de peso.

Assim, o presidente pode ter perdido um aliado essencial para formar maioria em direção aos rumos que pretende dar para o STF.

Uma decisão de Moraes desta segunda-feira foi interpretada, na visão de outros colegas, como tendo o objetivo de jogar no colo de Fux um problema a ser resolvido.

O magistrado rejeitou o pedido do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para que o inquérito contra ele fosse enviado à Polícia Federal para conclusão.

Além disso, Moraes ressaltou que o chefe do Executivo não tem o direito, nesta etapa do processo, de decidir que não prestará o depoimento.

O ministro afirmou que isso só será definido após o plenário da corte deliberar se o presidente da República tem o direito de prestar depoimento por escrito ou se a oitiva deve ser presencial. O caso apura suposta interferência de Bolsonaro na PF.

O magistrado reconheceu a existência do direito ao silêncio e da garantia de não autoincriminação de qualquer alvo de inquérito, mas ponderou que a lei “não possibilita aos investigados a escolha prévia e abstrata sobre a realização de atos investigatórios; sob pena de total desvirtuamento das normas processuais penais”.

Moraes mandou oficiar Fux para que o tema seja pautado e ressaltou que o inquérito está paralisado desde 8 de outubro porque o plenário não decide se Bolsonaro tem ou não a prerrogativa de depor por escrito.

A gestão de Fux também deverá sofrer impactos em outras frentes.

Na semana passada, por exemplo, o presidente da corte tentou levar à análise dos pares uma proposta de mudança no regimento para tornar automático o julgamento das decisões individuais liminares (provisórias) pelo plenário, mas teve de recuar porque não conseguiu votos suficientes para aprovar o que queria.

Essa é uma das principais medidas que Fux pretende tomar e, agora, deve ter mais dificuldades para ser aprovada. Ele tem dito que a remessa obrigatória ao plenário irá acabar com a monocratização do STF e, com isso, ele deixará a presidência em 2021 tendo conseguido reinstitucionalizar a corte.

A tendência é que a partir de agora ele não consiga mesmo respaldo ao que quer aprovar. Outra marca que ele pretendia deixar na sua gestão era o aumento de condenações criminais de políticos envolvidos na Lava Jato.

Para isso, Fux articulou a aprovação de uma emenda regimental que retirou o julgamento das ações penais das turmas da corte, que vinham impondo diversas derrotas à operação, principalmente a Segunda Turma, e enviou os casos ao plenário.

A análise desses processos costuma ser demorados, por envolver discussão de provas e dosimetria de pena, e a ideia do presidente era remeter boa parte delas ao plenário virtual.

Agora, porém, ministros prometem pedir destaque nesses processos, o que força a ida ao julgamento presencial, atualmente realizado por videoconferência, que é mais lento e acontece apenas duas vezes por semana.

E, mesmo no plenário físico, integrantes da corte prometem apresentar pedidos de vista em matérias de interesse do presidente do Supremo. Magistrados ainda vão fazer pressão para que ele leve ao plenário os processos que tratam da criação dos juiz das garantias.

Tanto ministros de tribunais superiores quanto o meio político creditaram a reviravolta no placar no STF à influência da opinião pública e da imprensa a respeito da mudança que o tribunal poderia autorizar.

O cenário passou a mudar no final de semana, depois de Fux e Barroso receberem diversas críticas por eventual voto em desacordo com a Constituição, que é expressa ao vetar a reeleição dos presidentes de cada Casa —isso só é permitido em legislaturas diferentes.

Relator do caso, Gilmar defendeu que a reeleição deveria ser autorizada em respeito à separação de Poderes e porque o dispositivo “nunca fora princípio estruturante do Estado brasileiro, ou elemento normativo central para a manutenção da ordem democrática”.

O trecho da Constituição que trata do tema é claro e, conforme a maioria do tribunal, não dá margem para interpretação: "Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente".


Ricardo Noblat: O Supremo Tribunal salva-se do vexame de rasgar a Constituição

Menos mal, mas nada a celebrar

Nada a comemorar quando o Supremo Tribunal Federal decide que os atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado não poderão ser reeleitos. Por maioria de votos, os ministros do Supremo limitaram-se apenas a respeitar o que está escrito no parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição que diz:

“Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

A atual legislatura começou em fevereiro de 2019 com a eleição de David Alcolumbre (DEM-AP) para presidente do Senado, e a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidente da Câmara. E se estenderá até fevereiro de 2023. Logo, eles não poderiam permanecer onde estão a partir de fevereiro próximo.

O que espanta é que até a semana passada houvesse no Supremo uma maioria de votos para favorecer os dois e, na prática, rasgar a Constituição. Ministros que acabaram votando contra, como Luiz Fux, por exemplo, presidente do tribunal, admitiam votar a favor com a intenção de barrar o avanço de Bolsonaro no Congresso.

O presidente da República queria a recondução de Alcolumbre, seu aliado, mas não a de Maia a quem considera um desafeto e aliado do governador João Doria (PSDB-SP) que deseja concorrer com ele na eleição de 2022. Agora, para que Bolsonaro consiga o que quer, precisaria aprovar uma emenda à Constituição. Mas como?

Emendar a Constituição requer dois terços dos 513 votos possíveis na Câmara e dos 81 no Senado. Bolsonaro não conta com mais do que 200 na Câmara, e menos da metade necessária no Senado. Resta-lhe trabalhar para que os sucessores de Alcolumbre e Maia sejam nomes pelo menos simpáticos ao seu governo.

Na Câmara, esse nome seria o do deputado Arthur Lira (PP-AL). Acontece que Lira é alvo de denúncias de corrupção e Maia se opõe à sua escolha. A parada para Bolsonaro poderá ser menos difícil no Senado onde são muitos os que desejam seu aval para se eleger. Muita água ainda rolará por debaixo da ponte até lá.

O Supremo salvou-se da vergonha de se meter onde não deveria e fechar os olhos ao que manda a Constituição – menos mal. Mas só o fez, é bom reconhecer, porque foi grande e unânime a reação da opinião pública. Pena que tenha sido acima de tudo por isso. O episódio não engrandeceu a toga.


Vera Magalhães: O velho casuísmo

STF, ‘guardião’ da Carta, estende tapetão para Maia e Alcolumbre

O Brasil precisa de Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia no comando do Legislativo? Ambos e alguns ministros do Supremo Tribunal Federal parecem crer que sim. Ou pior: parecem querer convencer o Brasil de que sim, mesmo sabendo que se trata apenas e tão somente de uma briga pela manutenção de um importante naco de poder, num momento especialmente delicado da vida nacional.

O fato é que não, o Brasil não precisa dos dois mais dois anos à frente do Senado e da Câmara, mas sim, caso eles permaneçam lá (com a ajuda suprema), as decisões que eles tomarem terão amplo impacto na vida do Brasil, e não apenas interna corporis das Casas que comandam. O que torna o casuísmo supremo ainda mais deletério para o nosso sempre adiado amadurecimento institucional.

Gilmar Mendes fez um voto tão longo quanto confuso para tentar convencer o País e seus pares de que Rodrigo Maia poderia tentar não o quarto, mas o segundo mandato como presidente da Câmara. E que Alcolumbre pode, sim, se candidatar a mais um biênio na cadeira azul do Senado quando outras raposas que o antecederam bem que gostariam de fazê-lo, se a regra fosse mesmo essa.

Trata-se, como escrevi no BR Político, de querer tratar a Constituição como as irmãs da Cinderella fizeram com o sapatinho de cristal: atochando num pé maior e cheio de joanetes e jurando que serve direitinho.
Acontece que o Brasil vive sob o governo de um presidente da República que já deu inúmeras demonstrações práticas de que gostaria de quebrar o sapato de cristal da Constituição e andar de botinas por aí.

É uma contradição grave que seja justamente a Corte que tantas vezes veio em socorro da sociedade, impedindo atos que atentavam contra o Estado democrático de direito, defendendo o princípio do pacto federativo, e prestes a decidir sobre algo importantíssimo, como a obrigação do Estado de garantir vacina em uma pandemia, resolva fazer um recreio para dar uma forcinha para os amigos do prédio vizinho na Praça dos Três Poderes.

Ao fazê-lo, o STF volta a episódios recentes de triste memória, como aquele em que fatiou o que diz a lei do impeachment de forma textual para assegurar a Dilma Rousseff a manutenção dos seus direitos políticos.

Não surpreende que Alcolumbre, que na própria eleição deixou até de ir ao banheiro para não se levantar da cadeira de presidente do Senado, se lance a essa aventura. Era um novato do baixo clero antes de comandar a Casa, se beneficiou da repulsa nacional a Renan Calheiros e agora quer gozar de mais dois anos de notoriedade. Iria a pé a Macapá por isso.

Mas e Rodrigo Maia? O presidente da Câmara já deixou o baixo clero há tempos. É visto pelo mercado e por setores da sociedade como um garantidor das normas, da legalidade e da previsibilidade. Como esses princípios se encaixam numa narrativa, qualquer que seja ela, para se perpetuar no poder pelo inacreditável período de 2016 a 2022?

Não importa que do outro lado da disputa esteja alguém com as credenciais fisiológicas de Arthur Lira. Isso é fulanizar a discussão. Os 513 deputados que se virem e cheguem a um nome capaz de comandar a Câmara diante do brutal desafio econômico, posto desde já.

Rodrigo Maia tem, até fevereiro, de conduzir a Casa para resolver o nó do fim do auxílio emergencial, da manutenção ou não do teto de gastos e da votação do Orçamento. São tarefas urgentes, que não coadunam com a busca egoica por mais dois anos de poder.

Se for bem sucedido na agenda e se mantiver o importante contraponto que tem feito aos abusos e erros do governo Bolsonaro, terá todas as credenciais para fazer seu sucessor sem precisar se enrolar no tapetão que o STF está disposto a estender diante de seus pés.


Ricardo Noblat: O Supremo tem direito de errar, mas não de fingir-se de cego

A marcha da insensatez

Se por “excesso de provas”, o Tribunal Superior Eleitoral deixou de condenar a chapa Dilma-Temer acusada de abuso do poder econômico na eleição de 2014, por que o Supremo Tribunal Federal não pode simplesmente mandar às favas a Constituição, permitindo a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ)) e de Davi Alcolumbre (DEM-AP) para o comando da Câmara e do Senado?

Em maio de 2004, o presidente Lula quis expulsar do país Larry Rohter, correspondente do New York Times, que dissera em reportagem que ele bebia além de conta. Durante uma tensa reunião no Palácio do Planalto, um assessor de Lula, com um exemplar da Constituição aberto na mão, apontou o artigo que impedia a expulsão do jornalista. Lula respondeu de bate pronto:

– Foda-se a Constituição.

À época, este blog foi o único meio de comunicação que publicou a história. Editores-chefes de vários jornais me telefonaram perguntando se a informação merecia crédito. Respondi que sim e lhes contei mais detalhes. Ela jamais foi desmentida. Um amigo de Lula me disse que ele mandara o assessor se foder, não a Constituição. Como não colou, desculpou-se: “Deixa pra lá”.

O placar no Supremo estava até ontem à noite em 4 votos a favor da recondução de Maia e Alcolumbre, um só a favor da recondução de Alcolumbre e dois contra. Votaram a favor Gilmar Mendes, o relator da ação, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Levandowisk. Só à favor da recondução de Alcolumbre, Kássio Nunes. Contra, Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia.

Até o próximo dia 14, deverão votar Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, o presidente do tribunal. Marco Aurélio, em seu voto, foi curto, grosso e acertou no alvo:

“A tese não é, para certos segmentos, agradável, mas não ocupo, ou melhor, ninguém ocupa, neste tribunal, cadeira voltada a relações públicas. A reeleição, em si, está na moda, mas não se pode colocar em plano secundário o parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição”.

O parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição afirma: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. Mais claro impossível.

O Supremo usurpa o papel do legislador quando se mete em fazer política e se afasta do seu que é o de aplicar as leis com correção. Por mais malabarismos que façam, argumentos delirantes que apresentem e citações que ilustrem seus raciocínios, os ministros não vão conseguir disfarçar que nesse caso preferiram de fato despir a toga para exercer um poder que não lhes compete.

Valem-se – quem sabe? – do que o tribuno Ruy Barbosa, em sessão do Senado no início do século passado, disse para o colega Pinheiro Machado que se insurgira contra uma decisão do Supremo:

“Em todas as organizações, políticas ou judiciais, há sempre uma autoridade extrema para errar em último lugar. O Supremo Tribunal Federal, não sendo infalível, pode errar. Mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, a alguém deve ficar o direito de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou como verdade.”

Sim, o Supremo tem direito a errar por último. Mas não quando o erro é clamoroso e só não o enxerga quem deliberadamente se finge de cego.


Merval Pereira: STF acima da lei

É difícil compreender a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) nesse caso da permissão de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado na mesma legislatura. Seria fácil se partíssemos da aparência de posição política dos votos dados até agora. Apenas o ministro Marco Aurélio ateve-se à única questão que importa: “Indaga-se: o § 4º do artigo 57 da Lei Maior enseja interpretações diversas? Não. É categórico”.

O próprio Gilmar Mendes, relator que deu origem aos votos favoráveis à reeleição de Rodrigo Maia e David Alcolumbre, disse em seu voto que essa é uma questão política, e como tal deveria ser tratada pelo Congresso. Imaginei que os ministros pudessem avaliar como uma decisão interna do Congresso, o que já era uma interpretação distorcida, pois a Constituição proíbe expressamente, e o STF tem a obrigação de resguardá-la.

Mas os ministros partiram para interpretações que revelam posições pessoais, como, por exemplo, o relator dizer que a regra de proibição de reeleição só vale a partir do ano que vem. Como explicar que a Constituição vale num ano e não vale no outro? Deixar passar essa mudança apenas com uma autorização do Congresso, sem alterar a Constituição, é mesmo incompreensível.

A indefinição desta eleição está atrasando as votações no Congresso há meses. O presidente do Senado, David Alcolumbre também faz um papel muito feio, parou tudo no Senado para negociar sua reeleição, e a eleição de seu irmão à prefeitura de Macapá. Feio é perder, poderá responder, típica atitude de quem, como ele, procurou a reeleição sem nem mesmo tentar mudar a Constituição.

Já a posição de Rodrigo Maia é inteligente politicamente. Diz que não vai se candidatar e quer aprovar as reformas. Pode até sair candidato mais tarde - e parece que nos bastidores está trabalhando para isso - , alegando pedidos. Se pensar a longo prazo, não fará isso. Mas é tentador não deixar que o presidente Bolsonaro tome conta da Câmara.

O ministro Gilmar Mendes alegou, entre tantas outras interpretações criativas, que a proibição de reeleição foi baseada na legislação da ditadura militar, que queria dificultar a vida dos políticos de oposição. Esqueceu-se de que a os constituintes de 1988 mantiveram a proibição, com o fim específico de que ela impedisse a reeleição da mesma direção da Câmara no mandato subsequente ao que exerceu na Mesa Diretora.

Gilmar considerou “desinfluente”, para o estabelecimento desse limite, que a reeleição ou recondução ocorra dentro da mesma legislatura, ou por ocasião da passagem de uma para outra. Nada mais longe da intenção dos legisladores da Constituinte. Bastava uma pesquisa rápida, se realmente não tinha essa informação, para saber que dias antes da aprovação da Constituição, o senador Jarbas Passarinho, ex-ministro de governos militares, propôs que o artigo 57 fosse mais explícito incluindo a expressão "por dois anos", a duração dos mandatos dos presidentes das Casas.

O então deputado Nelson Jobim, que trabalhou na redação da Constituição, explicou que o que se queria evitar é que a Mesa eleita no primeiro ano da legislatura fosse reeleita para o terceiro e o quarto ano da legislatura. O deputado ressaltou que não haveria proibição de que "a mesa eleita no terceiro ano da legislatura pudesse ser reeleita no primeiro ano da legislatura seguinte".

Mesmo assim, a rigidez era tamanha que a reeleição em legislaturas diferentes só foi permitida em 1999, quando Antonio Carlos Magalhães e Michel Temer conseguiram um segundo mandato consecutivo para comandar o Senado e a Câmara. Jobim está vivo e poderia esclarecer a intenção dos constituintes se o ministro Gilmar Mendes tivesse alguma dúvida.

O preocupante é que a Justiça está assumindo posições políticas em suas decisões. O ministro Nunes Marques, bolsonarista convicto, votou a favor da reeleição, mas apenas do Senado, favorecendo o afastamento de Rodrigo Maia, desafeto do Palácio do Planalto. E o juiz da Terceira Vara Criminal de Maceió, Carlos Henrique Pita Duarte, anulou as investigações e arquivou o inquérito que acusava o deputado Arthur Lira, candidato do presidente Bolsonaro à presidência da Câmara, de ter enriquecido com base em “rachadinhas” quando era deputado estadual.

Há uma frase famosa de Rui Barbosa que diz que o Supremo tem direito a errar por último. Parece ser o caso.


Bruno Boghossian: Se liberar reeleição, Supremo será avalista de falcatrua histórica

Registros mostram que texto foi criado explicitamente para vetar casos como os de Alcolumbre e Maia

Em nome de um arranjo político, o STF deve abrir caminho para as reeleições de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) nos comandos da Câmara e do Senado. Além de liberar uma mudança nas regras do jogo com a bola rolando, o tribunal pode cumprir o papel de avalista de uma falcatrua histórica.

A Constituição proíbe de maneira expressa as candidaturas de Maia e Alcolumbre para um novo período nas presidências do Congresso —não por acidente. A produção do texto teve a nítida finalidade de impedir reconduções desse tipo.

Em 14 de setembro de 1988, oito dias antes da aprovação da Carta, o senador constituinte Jarbas Passarinho (PDS-PA) propôs um ajuste na regra das eleições para as cúpulas da Câmara e do Senado. Registros da Comissão de Redação mostram que ele incluiu a expressão "por dois anos" no artigo 57, a fim de estabelecer a duração dos mandatos dos presidentes das Casas.

O deputado Nelson Jobim (PMDB-RS), que anos mais tarde presidiria o Supremo, concordou e explicou: "O que se quer evitar? Que a mesa eleita no primeiro ano da legislatura seja reeleita para o terceiro e o quarto ano da legislatura. Mas não se quer proibir que a mesa eleita no terceiro ano da legislatura possa ser reeleita no primeiro ano da legislatura seguinte". A redação foi aprovada.

Não existe nenhuma lacuna ou omissão. A Constituição liberou a reeleição em legislaturas diferentes, mas criou explicitamente uma proibição a duas eleições na mesma legislatura. Ainda assim, a cúpula do Congresso e o Supremo querem se associar numa trapaça para dizer que o texto diz exatamente o contrário do que foi escrito naquele dia.

Defensores da tese argumentam que o STF já se habituou a fazer interpretações criativas das normas vigentes, como no julgamento que criminalizou a homofobia. Essa decisão, no entanto, foi uma medida para garantir a proteção dos direitos dos cidadãos. No caso da reeleição, os alvos imediatos são apenas dois cidadãos, com nome e sobrenome.


Ricardo Noblat: Só cabe ao Supremo Tribunal Federal respeitar a Constituição

Vale o que está escrito

Não fosse por um detalhe, a recondução de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro próximo, e a de David Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado seria bem vista por muitos que os enxergam como freios ao controle que o presidente Jair Bolsonaro gostaria de exercer sobre o Congresso a dois anos de tentar renovar o seu mandato.

O ano da pandemia foi aquele onde, apesar da queda de popularidade por não ter sabido enfrentar a doença, e da derrota que colheu nas eleições municipais, Bolsonaro conseguiu mesmo assim aumentar o seu poder. Livrou-se de Sérgio Moro, passou a mandar na Polícia Federal e nomeou para o Supremo Tribunal Federal um ministro que obedece às suas ordens

É verdade que Alcolumbre tem se comportado mais como aliado do presidente da República do que como político à altura da grandeza do cargo que ocupa. De olho na eleição para governador do seu Estado em 2022, mendiga favores ao governo e em troca funciona como líder in pectore de Bolsonaro no Senado. Apesar disso, escuta Maia e nem sempre ultrapassa certos limites.

Mas é o detalhe que impede que ele e Maia fiquem por mais dois anos nos lugares onde estão. Infelizmente para os dois, e talvez também para o país, o parágrafo quarto do artigo 57 da Constituição diz de maneira a não restarem dúvidas:

“Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

Alcolumbre e Maia foram eleitos para presidente do Senado e da Câmara em 2018. Ou seja: na atual legislatura que só se encerrará daqui a dois anos com a eleição de novos senadores e deputados. No caso de Maia, ele completou o mandato de Eduardo Cunha (MDB-RJ), presidente da Câmara, cassado em 2016 por quebra de decoro parlamentar. Reelegeu-se em 2017 e outra vez em 2019.

Bolsonaro quer ver Maia pelas costas porque acha que ele só lhe cria problemas e não o apoiará em 2022. Torce, porém, para que a Alcolumbre seja concedida a graça de se reeleger mesmo na contramão da Constituição. A graça a Alcolumbre e a Maia, ou apenas a um deles, só poderá ser concedida pelo Supremo Tribunal Federal que a partir de hoje começará a julgar a questão.

O resultado é imprevisível, embora não devesse porque a Constituição é clara e o Supremo deve respeitá-la. Mas ele já a ignorou pelo menos uma vez quando o Senado cassou o mandato da presidente Dilma, mas não os seus direitos políticos como previsto na Constituição. À época, a sessão do Senado foi comandada por Ricardo Lewandowski, presidente do tribunal.

Assim, Dilma pode ser candidata ao Senado por Minas Gerais na eleição de 2018. Os mineiros a cassaram.


Fernando Schüler: Resistir à tentação da política e preservar a estabilidade da Constituição

Carta não deve ser ajustada ao sabor de eventuais maiorias

A Constituição é clara ao fixar os mandatos das Mesas do Congresso em dois anos e estabelecer que é “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. É sempre possível à criatividade humana desafiar o sentido das palavras. E um risco quando se trata do direito e da Constituição, onde levar a sério as palavras significa levar direitos a sério.

É o tema neste episódio da sucessão de Maia e Alcolumbre no Congresso. Para além de juízos de maioria ou minoria, a Constituição consagrou o valor da alternância de poder. O reconhecimento de que não faz bem ao país a tentação do uso da máquina do próprio Parlamento para a preservação do poder.

Neste episódio, porém, há algo mais em jogo: a própria ideia de que o que está escrito na Constituição não é uma banalidade passível de interpretação a gosto de uma eventual maioria na Câmara ou no Senado.

A tese simples e essencial de que não é a “autonomia dos Poderes” que disciplina o uso da Constituição, mas a Constituição que disciplina o funcionamento dos Poderes. Tese que põe por terra o argumento sem nexo, que se escuta por aí, segundo o qual fixar as próprias regras de sucessão é um problema interna corporis do Congresso.

Não é. A regra já foi dada pela Constituição. A Carta que deve funcionar, como diz meu conterrâneo Lênio Streck, como um “remédio contra as maiorias” e a “voz das ruas”. Neste caso, diria, a voz dos corredores do Congresso. Leio coisas ainda mais estranhas, como a ideia de que ministros do Supremo avaliem como positivo o atual “arranjo político” e a contenção do Executivo feita por Maia e Alcolumbre. E que seria uma boa ideia manter os atuais presidentes.

Não faz sentido que integrantes da Suprema Corte façam este tipo de juízo quando se trata de garantir o que está escrito na Constituição.

É certo que o avanço dos tribunais sobre o Parlamento já vai longe. Em dezembro de 2019, o Supremo promoveu um debate com líderes partidários sobre a possibilidade das candidaturas independentes. O tema continua na pauta do STF. À época, o ministro Barroso dizia que era preciso entender “se o Supremo tem caminhos para decidir sobre o assunto”, ou se isso caberia ao Parlamento.

O dado singelo é que a Constituição diz que a filiação partidária é “condição de elegibilidade” e, ao menos até onde se saiba, cabe ao Congresso (e em alguns casos nem mesmo ao Congresso) mudar a Constituição.

Caso notório foi o tratamento que o Supremo deu a dois elementos centrais do pacote anticrime aprovado em 2019 pelo Congresso. O primeiro foi o devido ajuste feito na exigência de revisão de prisões preventivas a cada 90 dias. Havia um clamor popular, e o STF decidiu que a regra aprovada no Congresso não era bem assim. Quanto ao juiz das garantias, foi simplesmente suspenso em decisão monocrática.

O caso mais banal talvez tenha sido a reintrodução pura e simples da censura prévia na vida brasileira. Dado que feita contra os “indesejáveis”, pouca gente chiou. O tema mereceu o curioso argumento de um ministro do STF segundo o qual se tratava de uma “curadoria”. Proibir alguém de usar o Facebook não significava ferir sua liberdade de expressão, visto que ele poderia seguir falando o que quisesse, imagino que gritando pelas ruas ou via sinais de fumaça.

Sob certo aspecto, trata-se de um tema sem solução. Como bem disse o ministro Fux em seu discurso de posse, o próprio mundo político usa o STF para lidar com seus desacordos. E as pessoas tendem a reclamar do ativismo judicial apenas quando a coisa mexe em seus interesses ou paixões do momento.

A pergunta é se o próprio Supremo não vem criando incentivos para que o mundo político o tome como instância moderadora. A judicialização e a interferência crescentes, para a qual não há outro remédio que a autocontenção. No fundo, a renúncia à tentação da política em nome da guarda e da estabilidade da Constituição em meio ao vaivém das maiorias e urgências cotidianas da democracia.

Este episódio da sucessão no comando do Congresso será um bom teste neste sentido.

*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.


O Estado de S. Paulo: Fux conduz no STF agenda de contraponto ao Planalto

Em menos de 3 meses à frente do Judiciário, ministro manobrou para evitar derrotas da Lava Jato em julgamentos e defendeu questões raciais e temas ambientais

Rafael Moraes Moura e Breno Pires, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - À frente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Luiz Fux tem emplacado uma agenda “progressista” de contraponto à pauta conservadora do Palácio do Planalto. Contrariando a linha do antecessor, Dias Toffoli, que mostrou proximidade com Jair Bolsonaro, Fux tem mantido uma relação distante do presidente, sem trocas de afagos públicos – uma convivência protocolar e institucional.

Em menos de três meses na chefia do Poder Judiciário, Fux já instituiu cotas para negros em estágios na Justiça, criou um observatório no CNJ para questões ligadas ao meio ambiente e costurou uma mudança no regimento do Supremo para evitar novas derrotas da Lava Jato em julgamentos.

Fux
Análise. Para especialistas, agenda do presidente do STF não é resposta a Bolsonaro, mas expõe ‘princípios’ diferentes  Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Os contrastes entre Fux e Bolsonaro ficaram explícitos na semana passada. Responsável por definir os casos que serão analisados pelos colegas nas sessões plenárias, o presidente da Corte colocou na pauta do STF um caso que discute se a injúria racial é uma espécie de racismo, crime imprescritível, inafiançável e sujeito a pena de reclusão.

O julgamento foi agendado após a comoção provocada pela morte de João Alberto Freitas, homem negro assassinado em uma loja do Carrefour em Porto Alegre na véspera do Dia da Consciência Negra. Bolsonaro, por outro lado, negou o problema do racismo no País. 

O tema também ganhou tratamento prioritário de Fux no CNJ, órgão responsável não apenas por investigar juízes, mas também por desenvolver políticas que melhorem o funcionamento da Justiça. Uma das primeiras medidas aprovadas pelo conselho, sob o comando de Fux, foi a reserva de ao menos 30% das vagas de estágio na Justiça para negros. Já o presidente disse reiteradas vezes ser contrário a ações afirmativas nesse sentido. 

“Nossa gestão baseia-se em cinco eixos: a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, a garantia da segurança jurídica para a otimização da economia, o combate à corrupção, o acesso à justiça digital e o fortalecimento da vocação constitucional do STF”, disse Fux ao Estadão. “Todos esses eixos estão alinhados com a Constituição Federal e suas aspirações de institucionalidade, espírito republicano e democracia.”

Interlocutores de Fux e analistas ouvidos pela reportagem avaliam que a agenda do ministro do STF não é uma resposta direta a Bolsonaro nem uma tentativa de fazer oposição ao Planalto, mas expõe que “os princípios e as prioridades” de cada um são diferentes. “Não é de se esperar outra coisa de um presidente da Suprema Corte que não seja a defesa da Constituição. Vemos um Executivo que ataca constantemente a Constituição, e um Supremo que a defende”, avalia o professor de Direito Constitucional da FGV, Roberto Dias.

Novo ministro

O chefe do Executivo deixou o presidente do STF de fora das articulações que levaram à escolha de Nunes Marques para uma cadeira na Corte, na vaga de Celso de Mello, que se aposentou. As pontes de Bolsonaro no tribunal são com os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que chancelaram a indicação.

Durante os dois anos em que presidiu o tribunal, a postura de Toffoli foi vista internamente por colegas como a de uma espécie de “consultor jurídico” do governo, dando aval, por exemplo, à sanção da criação do “juiz de garantias”, polêmica medida prevista no pacote anticrime – e rechaçada pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. “(Na gestão Toffoli) Houve uma mistura de papéis absolutamente não saudável do ponto de vista democrático, republicano. O que mostra que há uma certa reversão dessa atuação quando a gente fala na presidência do ministro Fux”, opina Dias.

Mudança

A escolha de Nunes Marques mudou o perfil da Segunda Turma do STF, que passou a ter maioria “garantista” (mais propensa a ficar do lado dos réus) em julgamentos. Para evitar novas derrotas da Lava Jato, Fux articulou a retirada de inquéritos e ações penais da operação na 2.ª Turma, levando esses casos para o plenário, onde é apreciado pelos 11 integrantes da Corte. “Todas as ações penais e todos os inquéritos passarão pela responsabilidade do plenário porque o STF tem o dever de restaurar a imagem do País”, discursou Fux na abertura do 14.º Encontro Nacional do Poder Judiciário.

A agenda ambiental é outro ponto de contraposição entre Supremo e Planalto. Enquanto o governo federal tem postura de confronto com a comunidade internacional, ONGs e ambientalistas no que diz respeito ao combate ao desmatamento na Amazônia, Fux criou um Observatório do Meio Ambiente no âmbito do CNJ.

“A preservação ambiental propulsiona o Brasil no mercado internacional, é um elemento primordial na realização de investimentos no País, necessários para a retomada da economia, em especial no cenário pós-pandemia”, disse Fux. Assim, é essencial que o debate sobre a sustentabilidade seja transversal na elaboração e implementação de nossas políticas públicas, sejam do Judiciário, sejam dos demais poderes nos três níveis da federação.”

Pontos de divergência com o Executivo

  • Lava Jato

Para impedir novas derrotas da Lava Jato, Fux articulou mudança no regimento e tirou da 2ª Turma a análise de denúncias e ações da operação.

  • Meio ambiente

Fux colocou o tema como prioridade número 1 de sua gestão e criou o Observatório do Meio Ambiente no âmbito do Conselho Nacional de Justiça.

  • Ações afirmativas

A gestão Fux no CNJ determinou que pelo menos 30% das vagas de estágio no Judiciário sejam reservadas para candidatos negros.

  •  Direitos humanos

Após o espancamento até a morte de João Alberto Freitas, Fux colocou na pauta de julgamento do STF um caso que discute se o crime de injúria racial é imprescritível.

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