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El País: O que a Lava Jato mudou na Justiça brasileira, e o que STF pode reverter
Quando prender, como interrogar e a forma de investigar se moldam ao "padrão Lava Jato" Brasil afora. Mas a maneira como as alterações ocorreram são criticadas por quem enxerga punitivismo excessivo
"Esse caso que fica em 3 a 2... Sinceramente, o Ministério Público fica até constrangido. Como que eu vou começar o início da execução em segundo grau com um julgamento tão apertado desde o início do recebimento da denúncia?", disse o procurador do Ministério Público de Minas Gerais Antônio Pádova Marchi Júnior após o julgamento dos embargos infringentes do ex-governador Eduardo Azeredo, na terça-feira. Pádova pediu a prisão do grande símbolo do mensalão tucano, mas está tendo de explicar até agora o constrangimento que manifestou ao fazê-lo. O desfecho desse e de outros casos espalhados pelos tribunais federais e estaduais do país provavelmente seria outro sem a existência da Operação Lava Jato.
Outro caso: depois que o processo da Lava Jato contra o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) foi encaminhado para a Justiça Eleitoral em abril, contrariando pedido do Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual de São Paulo chamou o caso para si, e abriu um inquérito civil por conta própria para investigar o caso. O mesmo voluntarismo em nível estadual pode ser visto no Rio de Janeiro, onde o Ministério Público local acabou provocado pelos processos do Ministério Público Federal que diziam respeito a serviços estaduais. Bem ao estilo agressivo e obstinado da força-tarefa da Lava Jato, uma série de processos decorrentes da operação desmontou o MDB fluminense.
Para a procuradora federal Silvana Batini, que atua na operação no Rio, essas podem ser consideradas reverberações do "padrão Lava Jato", que se consolidou para além do caso no Ministério Público Federal. A Lava Jato estaria forçando uma integração entre os ministérios públicos federal e estadual, além de ampliar as estruturas de cooperação internacional. Além disso, a operação motivou mudança de parâmetros no sistema jurídico nacional. "A prisão preventiva, que antes estava muito ligada à questão de periculosidade e a crimes praticados com violência, agora passou a ser trabalhada no crime de colarinho branco nas primeira e segunda instâncias e até no STJ [Superior Tribunal de Justiça]", comenta.
Outra grande vitória da agenda Lava Jato é a possibilidade de prender após condenação em segunda instância, uma luta de anos do Ministério Público Federal, com estudos publicados desde 2009. "Quando muda, muda estimulado pelo evento Lava Jato, mas ela [a operação] não caiu do céu. Ela é fruto de uma evolução institucional", diz Batini, que também defende a condução coercitiva, outra grande polêmica da operação. "É uma medida mais branda que a prisão temporária, e a gente viu isso acontecer na Operação Skala". A procuradora se refere ao caso em que pessoas próximas ao presidente Michel Temer, como o ex-assessor da Presidência José Yunes, foram presas para dar depoimento. "Eles ficaram presos por 48 horas, quando poderiam ter ficado cinco ou seis", argumenta Batini.
Na Operação Skala, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu a prisão temporária de José Yunes e do ex-coronel da Polícia Militar de São Paulo João Batista Lima porque não podia pedir a condução coercitiva. Em dezembro passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes vetou liminarmente esse tipo de procedimento. O plenário do STF deve julgar em definitivo no dia 30 de maio esse dispositivo, que foi usado livremente pela força-tarefa da Lava Jato até que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornasse alvo dela. Esse será apenas mais um dos embates que vêm sendo travados apaixonadamente na Corte Suprema em decorrência da expansão do "padrão Lava Jato".
Insegurança jurídica
O STF decidiu em 2016 que a pena de um condenado pode começar a ser cumprida a partir da condenação em segunda instância. Em 2009, a decisão de um STF composto por outros ministros tinha sido em sentido contrário, de cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado — ou o último recurso possível, no próprio Supremo. Apesar do pouco tempo após a última decisão sobre o assunto, alguns ministros foram substituídos desde então e a questão permanece rondando o tribunal em duas ações diretas de constitucionalidade.
O Supremo também tem se debatido com os parâmetros para a concessão de habeas corpus e mesmo sobre a possibilidade de um ministro alterar a decisão de um colega. As trocas de críticas públicas durante as sessões e por meio da imprensa opõem dois grupos mais amplos: aqueles que acham importante "ouvir a voz das ruas" e os legalistas, mais interessados em respeitar garantias de direitos dos condenados e investigados.
No plenário do tribunal, têm favorecido decisões que contemplam o primeiro grupo, ao contrário do que ocorre na Segunda Turma, onde a maioria dos processos da Lava Jato são julgados. Isso levou ao desenvolvimento de uma estratégia pelo relator dos processos, Edson Fachin. Em vez de encaminhar os casos mais relevantes para a Segunda Turma, ele tem optado por mandá-los direto para o plenário, onde a apertada maioria de seis a cinco tende a combinar com seus pareceres. A lógica deve mudar a partir de setembro, quando o ministro Antônio Dias Toffoli, entre os garantistas, assume a presidência da Corte, e a atual presidenta, Cármen Lúcia, vai para o lugar dele na Segunda Turma: Toffoli controlará a pauta do tribunal, mas a pequena maioria da turma, de três a dois, passará para o lado de Fachin.
"Hoje, para entender o plenário do Supremo, só com bola de cristal", resume o advogado Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da USP. Ele atribui boa parte as mudanças processuais provenientes da Lava Jato à utilização da opinião pública pelos procuradores. "A Lava Jato soube usar essa pressão popular para gerar um constrangimento para que os tribunais não pudessem ir contra uma opinião pública ou publicada. O Supremo foi deixando até uma certa hora. Por que teve de fazer um freio de arrumação? Porque deixou o bonde desgovernar. Se os procuradores querem [alterar procedimentos], têm de bater na porta do Congresso, não na porta do Supremo", critica.
Segundo Badaró, alguns vão dizer que os ministros começam a tomar medidas como a que retirou do juiz Sérgio Moro a delação da Odebrecht que citava Lula porque os casos chegaram em determinados políticos, enquanto outros vão dizer que o tribunal simplesmente percebeu que foi longe demais ao atender aos clamores populares. Mas o fato é que o Supremo tem pretendido resolver o que está além de sua alçada em alguns casos, e nem todas as decisões podem ser avaliadas a partir da mesma perspectiva. Para o advogado, Gilmar Mendes apenas "restringiu algo que nem deveria existir" ao proibir as conduções coercitivas, porque a legislação brasileira não admite condução coercitiva com a finalidade para a qual vinha sendo utilizada.
O professor da USP considera que a mudança mais relevante motivada pela Lava Jato é a perda da possibilidade de um condenado em segunda instância de apelar sobre o motivo de sua prisão. "Eu podia ir ao Supremo discutir se ele estava ou não ameaçando testemunha, se havia risco de fuga, se havia possibilidade concreta de reiteração delitiva. Quando a execução começa a partir do segundo grau, essa pessoa não está presa porque a prisão é necessária, mas porque está cumprindo a pena, ainda que possa ser absolvida depois".
Quando o STJ negou habeas corpus preventivo a Lula em março, seu advogado e ex-ministro do STF Sepúlveda da Pertence disse que o tribunal "preferiu manter-se na posição punitivista em grande voga no país". Nesta sexta-feira, quem reclamou foi o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, ao saber pelo noticiário da intenção de ministros do STF de investigar o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima por suas críticas ao Supremo. "Não são críticas que mancham imagem do tribunal, mas posturas como a do M. G. Mendes [ministro Gilmar Mendes], q vive atacando injustamente a Lava Jato e seus agentes, como o procurador Janot, o juiz Moro e procuradores de Curitiba. Como querer impor a outros limitações q tal Ministro não impõe a si?", escreveu Dallagnol em seu perfil Twitter. Quatro anos depois de começar, a Lava Jato não parece se intimidar com os limites que se avolumam no seu entorno à medida em que avança.
Juan Arias: O novo Brasil sem Lula
Já são poucos os analistas que confiam que o Brasil possa voltar a ser presidido por Lula e seu partido
Os países são maiores e mais importantes do que seus governantes. E mais ricos, humana e culturalmente. O Brasil também é, e não pode ficar estagnado no “Lula sim” ou “Lula não”. Se ficar preso à disputa política e às redes de corrupção, o país corre o risco de atrasar a mudança que a sociedade está pedindo.
Já são poucos os analistas que confiam que o Brasil possa voltar a ser presidido por Lula e seu partido, que foi uma peça importante da história recente. Seu ciclo político termina, como indica a chuva de denúncias e acusações que caíram sobre o ex-presidente mais carismático e de maior projeção internacional, esta semana da boca de Antonio Palocci, que foi seu principal ministro, amigo e conselheiro, e, agora, o primeiro líder de seu partido a romper o pacto de silêncio. O Brasil está saindo, ferido e desconcertado, de um período de incerteza política e de medos de voltar ao pior de seu passado. Pode ser que sejam feridas que deixem marcas difíceis de curar ou talvez, como escreveu em uma nota no Facebook minha colega Carla Jiménez, podem ser “os problemas de crescimento da democracia”.
Nessa gangorra entre pessimismo e otimismo, também prefiro pensar como minha colega que, desta tormenta, o Brasil poderá sair mais maduro, com instituições saneadas e fortalecidas, e sem que a democracia tenha sofrido perdas irreparáveis.
Se a etapa histórica do lulismo deu seus frutos e representou um momento importante para o progresso do país, o pós-Lula não tem por que ser um passo atrás na consolidação do processo democrático de um país chave no continente.
Os pessimistas podem ver no pós-Lula e pós-PT uma derrota da democracia e das conquistas sociais. No entanto, se já sabemos como foi o passado, com suas luzes e sombras, o futuro, que começará com as eleições de 2018, ainda está aberto e todos os caminhos são possíveis.
A responsabilidade, neste momento, já não está nas mãos de uma classe política, de esquerda ou de direita, que aparece despida de sua dignidade, maculada pelo descaramento das malas de dinheiro da corrupção de Geddel Vieira de Lima, aliado do presidente Michel Temer, e pela gravidade dos “pactos de sangue” como o selado, ao que parece, entre Lula e o capital para se perpetuar no poder. Essa classe política está agonizando e seu destino estará dentro de um ano nas mãos da sociedade que poderá expressar nas urnas seu poder democrático de mudar as coisas.
Dessa vez, graças sobretudo às redes sociais e à liberdade de expressão dos meios de comunicação que nenhum governo, nem os corruptos, eliminou, a sociedade, até a menos ilustrada, conhece muito bem o resultado da política de corrupção e do enriquecimento fácil. Esta é a hora da verdade. É a hora de um verdadeiro pacto, não de caráter mafioso com o velho, mas de compromisso com a ética e a democracia.
Não será uma mudança fácil, mas nada novo nasce sem dor. Não há na História humana uma única criança que nasça rindo. Nascem todas com medo do novo.
Os pactos de sangue da história da política levam, em sua ambiguidade, à impossibilidade de que apareça sangue novo e renovador. São a gangrena dos processos de liberdade.
Os brasileiros, nas próximas eleições presidenciais, deverão fazer um pacto de esperança de encontrar caminhos novos para demonstrar ao mundo que foram mais fortes que a corrupção e a falta de ética de seus políticos.
É isso, aliás, o que esperam, fora do Brasil, aqueles que gostam e invejam este país, mescla de sabores e culturas, alegre caleidoscópio de felicidade.
A quem interessa demonizar o juiz Moro?
Os ataques diretos ou subterrâneos ao juiz Moro são o melhor presente para os políticos corruptos
Começa a ser visível uma cruzada contra o juiz Moro, esse tipo de herói popular da operação Lava Jato, a quem se pretende agora fazer passar por um moralista fanático, uma espécie de Savonarola moderno, que deveria ser contido e até queimado na fogueira, como fez a Igreja com o frade dominicano no século XV.
Seria necessário perguntar, como faziam os latinos como Sêneca e Cícero, Cui prodest?, ou seja, a quem interessa desacreditar o juiz que colocou na prisão, pela primeira vez, quem até ontem gozava do privilégio da impunidade?
Não é muito difícil entender que, neste momento, os ataques diretos ou subterrâneos a Moro são o melhor presente para os políticos corruptos.
Moro é severo demais com os empresários e políticos acusados de corrupção, ou o juiz que começou a quebrar o tabu da impunidade?
O Brasil vive um momento de areia movediça, no qual a democracia ou se fortalece ou se quebra ainda mais. Por isso, são desaconselháveis ataques a quem se esforça para fazer, no âmbito da justiça, um Brasil no qual todos sejam iguais perante a lei.
O juiz Moro não é um santo nem um demônio. Comete erros como todos e para isso existem os tribunais superiores, que já criticaram alguns de seus comportamentos.
Não é um juiz intocável, nem tampouco um demônio que se divirta em colocar nas caldeiras de óleo fervente os pobres corruptos que até ontem gozavam do passaporte da impunidade.
Sem dúvida, Moro desequilibrou a balança da justiça em um país em que no inferno do cárcere acabavam apenas os párias da sociedade.
Digo inferno porque foi Eduardo Cardozo, quando era Ministro da Justiça, que confessou que preferia a pena de morte a acabar preso em um presídio brasileiro. Presídios dos quais, já sabemos, ele era o responsável direto.
A opinião pública, ou o que às vezes chamamos de “a rua”, nem sempre tem razão, mas merece respeito quando é unânime.
Lembram-se das grandes manifestações populares nas quais os cartazes em favor de Moro eram exibidos nas mãos de gente que dizia “Eu sou Moro”?
Se hoje algum instituto de opinião fizesse uma pesquisa sobre o juiz acusado de ser um Savonarola, teriam uma surpresa aqueles que se divertem em demonizá-lo.
Saiam à rua, entrem em um ônibus, em um restaurante, em uma favela e perguntem o que acham de Moro estar julgando e prendendo empresários e políticos importantes que subtraíram com sua corrupção um dinheiro que era de todos.
Um dinheiro que teria aliviado as agruras da falta de recursos no ensino, na saúde e na segurança pública.
Vão aos presídios e perguntem aos presos comuns, sem nome, amontoados feito gado, se consideram que Moro é severo demais com políticos corruptos.
Mais uma vez, aparece claramente o abismo existente entre as elucubrações de certos intelectuais e as pessoas comuns. Abismo que existe entre os privilegiados de sempre e a grande massa de trabalhadores honrados, que podendo roubar não o fazem e são capazes de devolver o que não é seu.
Essa massa anônima que é a que faz com que o Brasil continue em pé economicamente apesar da crise que o açoita.
Como Valdinei Silva dos Santos, o jovem que vem cuidar do meu computador. Dias atrás, ao pagá-lo, dei a ele por engano uma nota de cem reais em vez de uma de dois. Poderia ter ficado com ela. Não o fez. Ligou em seguida para dizer que viria devolver um dinheiro que não era seu.
Uma banalidade? Talvez assim pareça diante dos milhões da corrupção que o juiz Moro está combatendo, hostilizado pelos que temem prestar contas, e que tentam fazê-lo escorregar e cair o quanto antes, mas que continua aplaudido pelos cidadãos honrados.
Cidadãos que desejam um Brasil mais limpo, sem tantos privilégios e desigualdades. E que constituem, não duvidem, a maioria acachapante deste país.
Fonte: elpais.com