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Revista online | Novidades para o Oscar 2023. Será que agora vai?
Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (43ª edição: maio/2022)
Em março, a série documental 3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central estreou na Netflix Brasil e em vários outros países do mundo como parte da iniciativa Mais Brasil na Tela, pensada por essa gigante do streaming.
Assim como a série dirigida por Daniel Billio, nos últimos anos, várias foram as produções brasileiras que conseguiram chegar aos lares e olhos de uma multidão de espectadores de diversas nacionalidades. As plataformas de streaming, essas modernas ferramentas de exibição, têm sido fundamentais no processo de democratização das cinematografias de todo o mundo.
O cinema brasileiro vai-se tornando assim cada vez mais conhecido para além de nossas fronteiras, bem como nossos atores, que passaram a “existir” para o mercado internacional, ocupando mais e mais espaço nas produções estrangeiras. Wagner Moura, Rodrigo Santoro, Maria Fernanda Cândido são apenas alguns dos nomes a integrar elencos de grandes produções internacionais, como o do recém-lançado Animais Fantásticos: os Segredos de Dumbledore, em que a atriz brasileira interpreta Vicência Santos, uma das candidatas ao posto de Chefe Supremo da Confederação Internacional dos Bruxos.
Significaria isso que nossos filmes estão chegando com mais frequência às salas de cinemas de outras partes do globo? Ou estamos ainda limitados às bordas da tela pequena? Haveria alguma relação com nossos repetidos insucessos na hora de emplacar um candidato ao Oscar na categoria filme internacional?
Filmes de boa qualidade não faltam. Isso temos de sobra! O que falta mesmo são estratégias para posicionar nossos produtos nas prateleiras dos exibidores de todo o mundo, assim como nos palcos dos grandes festivais. É o velho problema da distribuição que nos persegue desde sempre.
O historiador e crítico de cinema Waldemar Dalenogare Neto tem sido enfático quanto aos erros cometidos na escolha do filme que representa o Brasil no Oscar a cada ano. O gaúcho é membro da Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais e crítico legitimado na terra do Tio Sam, tendo-se convertido no primeiro sul-americano a entrar para a Critics Choice Association, organização que distribui anualmente os Critic’s Choice Movie Awards.
Recentemente, Dalenogare postou em seu canal de Youtube os novos critérios aprovados para o processo de escolha do candidato brasileiro ao Oscar. Ele fez parte de um grupo de estudos composto por profissionais de diversas áreas da indústria cinematográfica brasileira (produção, direção, marketing etc.), que desde dezembro passado vem debatendo as razões dos repetidos fracassos do Brasil na dita premiação e alternativas para reverter esse quadro.
Para Dalenogare, o que mais falta para que nosso candidato chegue à short-list é tempo. Tempo para que o filme selecionado faça sua campanha comme il faut. Afinal, como já comentamos repetidas vezes aqui, o Oscar é muito mais business do que arte. Infelizmente. Ganha quem investe mais no pré-Oscar, organizando sessões para críticos e diretores, participando dos circuitos alternativos de festivais e tornando assim mais visível sua produção. Se o país não estiver disposto a investir neste lobby é melhor nem participar, já que o processo é custoso e desgastante para todos os membros da equipe do filme selecionado. O objetivo é que o candidato consiga atrair a atenção de alguma major para que consiga uma boa distribuição em solo americano. Como aconteceu com CODA neste ano, que emplacou 3 prêmios para as 3 indicações recebidas, depois de investimento gigante da Apple.
Com isso em mente e tendo a valiosa participação de membros das equipes de Deserto Particular e de Babenco – nossos candidatos nos últimos anos –, ficou decidido que, para 2023, uma Comissão de Seleção [1] composta por 25 pessoas será montada, sendo 21 delas eleitas pelos membros da Academia e 4, por indicação de sua diretoria. Todos os filmes inscritos serão vistos pelos 25 membros, que terão a incumbência de selecionar 6 para uma segunda fase. Desses 6, deverá sair o candidato, não sem antes passar por mais uma sessão de debates. Importante: tudo isso acontecerá antes de setembro, para que o filme tenha a oportunidade (e o tempo) para circular pelas salas de cinema americanas e assim poder arrebanhar fãs e defensores.
Até o ano passado, o filme selecionado era eleito em uma única reunião, em que cada membro já chegava com seu voto pronto. Ou seja, havia muitos favoritismos, pouco tempo para debates e menos tempo ainda para que o candidato fizesse sua campanha nos EUA.
Que venha então um 2023 de muito sucesso! Parabéns à Academia Brasileira de Cinema por rever seus critérios e aprovar uma reformulação tão necessária. Quem sabe daqui a um ano não estarei aqui escrevendo sobre o Oscar que trouxemos para casa?
Sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e
Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne (UNIL), Suíça.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática
online de maio de 2022 (43ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira
(FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista
Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por
isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Nomadland encanta pelas contradições e se consagra como vencedor do Oscar 2021
Análise é da crítica de cinema Lilia Lustosa, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de abril
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), a crítica de cinema Lilia Lustosa acredita que o ano de 2021 pode representar um grande avanço para a conquista feminina no cinema.
“Ao que tudo indica, o ano de 2021, apesar de seu roteiro mais para cyberpunk ou filme-catástrofe, parece que vem para marcar positivamente a história do cinema. Pelo menos no quesito conquista feminina”, afirma Lilia, em artigo que publicou na revista mensal Política Democrática Online de abril (30ª edição).
Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021
A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. O acesso a todos os conteúdos da revista é gratuito no site da entidade.
Dirigido, roteirizado, montado e produzido por Chloé Zhao, uma chinesa radicada nos Estados Unidos, Nomadland vem roubando todas as atenções e levando os prêmios mais importantes da temporada, na avaliação de Lilia Lustosa. O filme se tornou o segundo dirigido por uma mulher a receber a estatueta maior da grande premiação hollywoodiana (Melhor Filme) – e Chloé Zhao também repetiu o feito no prêmio de direção (Melhor Diretor).
Roadmovie
“Um roadmovie que mistura realidade e ficção, ao percorrer o oeste dos EUA retratando a vida dos novos nômades do país, tendo como protagonista a já oscarizada Frances McDormand”, conta a crítica de cinema, em seu artigo publicado na revista Política Democrática Online.
A origem asiática da diretora chama também a atenção, já que, conforme ressalta Lilia, a sociedade está assistindo, na vida real, a um aumento da violência contra pessoas nascidas naquela região, “a quem muitas vezes tem sido atribuída a culpa pelo surgimento do coronavírus”.
“Um cenário macabro de uma ficção científica rasa e injusta!”, critica Lilia. “Mas, enquanto o movimento Stop Asian Hate ganha forças nas ruas, Cloé Zhao brilha absoluta nos palcos dos festivais e nas telas de cinema, televisores, computadores, tablets ou smartphones de todo o mundo”, destaca o artigo da revista online da FAP.
Globo de Ouro
Em fevereiro último, como lembra Lilia, Cloé Zhao se tornou a primeira diretora a ter uma produção premiada com o Globo de Ouro de melhor filme, além de ser a segunda a levar a estatueta de melhor direção e a primeira asiática a conseguir esse feito.
“No Critics Choice Award, Zhao também saiu com o prêmio de direção, e Nomadland, com o de melhor filme. Fato que se repetiu no PGA Awards, premiação do Sindicato dos Produtores de Hollywood, em que seu filme foi laureado mais uma vez como o melhor do ano”, diz.
Para saber todos os detalhes da crítica de cinema produzida por Lilia, acesse diretamente a versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.
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RPD || Lilia Lustosa: Cinema feminino e plural
Apesar da tragédia da pandemia do novo coronavírus, 2021 marca positivamente a história do cinema ao destacar a presença feminina, com duas mulheres concorrendo à categoria de Melhor Direção
Quantas diretoras de cinema você conhece? Dá para encher uma mão? E diretores? Muito mais fácil de lembrar, não? Eles são tantos!
A verdade é que a indústria cinematográfica sempre foi dominada pelos homens, embora as mulheres tenham tido participação fundamental em sua consolidação. No entanto, como costuma acontecer em outras áreas, muitas dessas personagens femininas foram apagadas, esquecidas, editadas ou simplesmente cortadas da História. Ora, todos já ouvimos falar dos Irmãos Lumière, de Méliès, de Edison, certo? Mas quem conhece Alice Guy ou Lois Weber? Mulheres que, desde os primórdios do cinema, já atuavam por detrás das câmeras, mas cuja passagem pelos estúdios e salas escuras ficou perdida lá no passado!
No Brasil, também foram muitas as que atuaram na construção do nosso cinema, como Carmem Santos, atriz, roteirista, diretora e produtora, que, já nos anos 20, criou a Film Artistico Brasileiro (F.A.B.) e, nos anos 30, com a chegada do sonoro, a Brasil Vita Filmes. Ou ainda Cléo de Verberena, atriz e produtora, primeira mulher a dirigir um longa de ficção no país, o desaparecido O Mistério do Dominó Preto (1931). Isso sem falar de Adélia Sampaio, Helena Solberg, Helena Ignez… Tantas, mas das quais sabemos tão pouco!
Ao que tudo indica, porém, o ano de 2021, apesar de seu roteiro mais para cyberpunk ou filme-catástrofe, parece que vem para marcar positivamente a história do cinema. Pelo menos no quesito conquista feminina! Isso porque o filme que vem roubando todas as atenções e levando os prêmios mais importantes da temporada é Nomadland, dirigido, roteirizado, montado e produzido por Chloé Zhao, uma chinesa radicada nos Estados Unidos. Um roadmovie que mistura realidade e ficção, ao percorrer o oeste dos EUA retratando a vida dos novos nômades do país, tendo como protagonista a já oscarizada Frances McDormand.
A origem asiática da diretora chama também a atenção, já que estamos assistindo, na vida real, a um aumento da violência contra essa gente, a quem muitas vezes tem sido atribuída a culpa pelo surgimento do coronavírus. Um cenário macabro de uma ficção científica rasa e injusta! Mas enquanto o movimento Stop Asian Hate ganha forças nas ruas, Cloé Zhao brilha absoluta nos palcos dos festivais e nas telas de cinema, televisores, computadores, tablets ou smartphones de todo o mundo. Em fevereiro último, ela se tornou a primeira diretora a ter uma produção premiada com o Globo de Ouro de melhor filme, além de ser a segunda a levar a estatueta de melhor direção e a primeira asiática a conseguir esse feito. No Critics Choice Award, Zhao também saiu com o prêmio de direção, e Nomadland, com o de melhor filme. Fato que se repetiu no PGA Awards, premiação do Sindicato dos Produtores de Hollywood, em que seu filmefoi laureado mais uma vez como o melhor do ano.
Resta agora o prêmio mais badalado da terra do tio Sam: o Oscar. No dia 25 deste mês, Nomadland concorrerá ali em seis categorias: melhor longa, direção, roteiro adaptado, montagem, fotografia e atriz. Dessas indicações, quatro levam a assinatura de Zhao. Uma proeza e tanto para tempos em que a desigualdade de gênero ainda é a regra do mercado!
E o melhor de tudo é que a diretora nascida em Pequim não está sozinha nessa empreitada, já que a britânica Emerald Fennell também concorre ao prêmio de direção por seu inusitado Bela Vingança (2020), sendo este o primeiro Oscar a ter duas mulheres disputando essa categoria. Até então, em suas 93 edições, apenas cinco haviam sido indicadas por direção, mas nunca duas ao mesmo tempo. Fennell concorre ainda por roteiro original, e Bela Vingança, que tem a violência contra mulher como tema central, por melhor filme e montagem. Uma trama cheia de dores, cores e dissabores, e que traz uma Carey Mulligan esbanjando talento no papel da vingativa Cassandra, o que lhe rendeu, aliás, a indicação ao Oscar de melhor atriz.
Fora Zhao e Fennell, outras tantas profissionais estão concorrendo nas mais diversas categorias. Sem dúvida, um grande passo para a tão almejada igualdade, mas que não deixa de sublinhar o triste fato de que, em pleno século 21, ainda tenhamos que aplaudir de pé a indicação de duas mulheres às categorias principais do Oscar. Pergunto-me então o que teria gerado essa “evolução”? A luta de tantos anos? Mudanças na composição dos boards dos prêmios? Ou será que o confinamento levou à reflexão, fazendo-nos entender de uma vez por todas que há espaço para talentos de todos os gêneros e raças nos sets de filmagem?
Que venham as estatuetas!
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL).
- ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
- *** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
O Estado de S. Paulo: Conheça as tecnologias que invadirão nossas vidas em 2021
Será mais um ano em que os serviços de internet dominarão muitos aspectos de nossas vidas
Brian X. Chen, The New York Times
Neste ano que se inicia, as tecnologias que chamarão mais a atenção provavelmente não serão smartphones chiques ou televisões de tela grande. Serão coisas que não costumamos ver, como softwares e outros produtos da internet.
Antes que o coronavírus transformasse as nossas vidas, as listas de tecnologias que surgiam todos os anos eram frequentemente dominadas por aparelhos de grande fama como caixas de som inteligentes e televisões com curvatura. Mas a pandemia nos obrigou a abraçar a tecnologia útil muitas vezes menosprezada. Aplicativos antes deficientes ou engenhocas inovadoras nos nossos dispositivos tornaram-se de repente ferramentas indispensáveis.
Por exemplo, aplicativos como Apple Pay e Square. Embora já existam há anos, algumas pessoas continuam com cartões de crédito e dinheiro. Mas a nova preocupação com o vírus incentivou o uso de pagamentos por celular sem necessidade de contato em detrimento dos leitores de cartões.
Há ainda a realidade aumentada. A tecnologia, que nos permite interagir com objetos digitais em sobreposição ao nosso mundo físico, está em preparação há mais de uma década. Nos últimos anos, pareceu mais futurista do que útil. Mas agora, que não podemos ir para uma loja física para experimentar algum produto, poder tirar uma selfie para ver como fica a maquiagem no nosso rosto parece evidentemente uma ideia melhor.
“Começamos a considerar todas essas coisas como uma necessidade durante a covid-19”, disse Carolina Milanesi, analista de tecnologia de consumo para a Creative Strategics. “Basta pensar por quanto tempo negligenciamos as chamadas de vídeo. Finalmente, conseguimos. Não é sexy, mas faz uma diferença”.
Baseadas nessas previsões, abaixo estão quatro tendências tecnológicas que deverão invadir nossas vidas este ano.
Tecnologia que substitui lojas físicas
Talvez vocês não tenham notado isso nas compras online, mas a experiência do comércio eletrônico está mudando. Clicar em uma barra de navegação de um site para encontrar um item ficou algo ultrapassado. Uma barra de busca que nos permite procurar um produto específico é mais rápida. Em alguns casos, conversar com um robô pode ser até mais eficiente.
Há anos, experimentamos robôs de conversação. O Facebook ofereceu ferramentas para os comerciantes fazerem robôs que lidam com os clientes. Varejistas como a Amazon usam ‘chatbots’ para responder às perguntas dos clientes, e quando os robôs não podem ajudar, uma pessoa assume em seu lugar.
Atualmente, visitar uma loja física é algo em grande parte impraticável na pandemia, mas podemos esperar que estas tecnologias de conversação se tornem fundamentais, afirma Julie Ask, analista de tecnologia da Forrester Research. “A possibilidade de ir online e buscar, clicar e usar uma janela de navegação já é ultrapassada”, ela disse. “O que vem depois disso? Muitas coisas passarão pela conversação, seja por texto ou por voz”.
Já existem vários exemplos disso. Recentemente, tentei comprar um par de sapatos na Beckett Simonon, uma marca da moda online, e perguntei a um funcionário via chat a respeito do tamanho exato para os meus pés.
Muitas companhias também estão usando a realidade aumentada para ajudar as pessoas nas compras online, disse Julie Ask. Na Jins Eyewear, que vende óculos sob receita, por exemplo, o cliente tira uma foto do rosto para provar virtualmente os óculos antes de decidir se os comprará. Snap, a controladora da Snapchat, associou-se a marcas de luxo como Gucci e Dior para as pessoas experimentarem os produtos.
A realidade aumentada será particularmente popular este ano porque a tecnologia continua se aperfeiçoando. Novos smartphones da Apple e Android mais caros incluem sensores para detectar a profundidade, o que torna mais fácil para os aplicativos de realidade aumentada colocar objetos como mobiliário virtual em espaços físicos.
O Wi-Fi está ficando mais inteligente
Um problema da tecnologia doméstica que a pandemia evidenciou foi o das nossas conexões de internet, que não costumam ser confiáveis. No ano passado, quando as pessoas se fecharam em casa para conter a disseminação do coronavírus, as velocidades médias da internet no mundo inteiro reduziram, em parte porque as provedoras de banda larga estavam sobrecarregadas por causa do tráfego pesado.
Felizmente, a tecnologia de Wi-Fi vem sendo continuamente aprimorada. Este ano, veremos uma onda de novos roteadores de internet, entre eles o Wi-Fi 6, um novo padrão de rede. Ao contrário dos upgrades sem fio anteriores, o Wi-Fi 6 se concentrará não na velocidade, mas na eficiência, compartilhando a banda larga com um grande número de dispositivos.
O que isto significa? Digamos que a sua família tem smartphones, vários computadores e um console para jogos. Se todos eles estão em uso consumindo grandes quantidades de dados – com streaming de vídeo, por exemplo – o Wi-Fi 6 faz algo melhor, fornecendo banda larga a todos os dispositivos ao mesmo tempo, em vez de permitir que um deles apenas monopolize a maior parte.
A tecnologia permite que não usemos nossas mãos
O ano passado foi um ponto crucial para os pagamentos via celular. Por razões de segurança, os que só confiavam no dinheiro vivo, como os comerciantes do mercado de produtores agrícolas e os caminhões que vendem comida, começaram a aceitar os pagamentos móveis.
Nos Estados Unidos, cerca de 67% dos comerciantes aceitam pagamentos sem tocar no dinheiro, sendo que em 2019 eram 40%, de acordo com uma pesquisa da Forrester. Entre os entrevistados, 19% disseram que fizeram um pagamento digital em uma loja, pela primeira vez, em maio do ano passado.
E essa tecnologia não acaba nas carteiras móveis. A chamada Ultra Banda Larga, uma tecnologia por rádio relativamente nova, também poderá ter o seu momento este ano. A tecnologia, que usa ondas de rádio para detectar objetos com extrema precisão, não foi muito usada desde a sua estreia nos smartphones, há cerca de dois anos. Mas a necessidade de experiências sem o toque poderá mudar isto, afirmou Carolina Milanesi, da Creative Strategies.
A tecnologia que leva o trabalho e o atendimento ao mundo virtual
A pandemia deixou claro que as experiências virtuais, como as reuniões por vídeo e a ioga via Zoom, são substitutos viáveis do mundo real, quando adotados persistentemente ou com a devida insistência. Em 2021, esperamos que outros produtos ofereçam a digitalização da maneira como trabalhamos e cuidamos da saúde.
Um exemplo: algumas companhias de tecnologia estão experimentando com a recriação da sala de conferências do escritório com realidade virtual.
A Oculus, divisão de realidade virtual do Facebook, disse que está acelerando o seu plano de trazer a realidade virtual para os escritórios. Ela pretende unir o seu mais recente fone de ouvido, o Oculus Quest 2, a um software de business-ready que ajuda as empresas a treinar os funcionários e a colaborar, por cerca de US$ 800.
Com as academias fechadas, estamos nos voltando cada vez mais aos cuidados com a saúde
No ano passado, a Amazon lançou o seu primeiro dispositivo para acompanhar o exercício físico - ele inclui até um software que escaneia a gordura do nosso corpo. Recentemente, a Apple lançou o Fitness +, um replicador do Peloton, o serviço por vídeo que oferece instruções para as pessoas se exercitarem em casa. Segundo Julie Ask, a tendência continuará e se estenderá a outros aspetos da saúde, como o autoatendimento e a saúde mental, com aplicativos de vídeo que oferecem meditação ou terapia guiada. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
Marcus Pestana: O Gambito da Rainha
As séries veiculadas pelas plataformas de streaming viraram verdadeira febre. Entre tantas opções de sucesso como “A Casa de Papel” ou “The Crown”, uma recentemente se destacou: “O Gambito da Rainha”. Já se tornou a série mais assistida da história da Netflix. Ao mergulhar no milenar e complexo universo do xadrez, através da trajetória de Elizabeth Harmon, a jovem órfã e brilhante enxadrista, evoca a arte de traçar estratégias, ativar manobras, montar artimanhas para vencer o adversário. Às vezes entregando uma de suas próprias peças.
Sempre associei a política ao xadrez. A verdadeira política deve ter a sutileza, a astúcia e a inteligência do xadrez. Infelizmente, ela tem se assemelhado mais a uma luta de UFC ou a uma partida de rúgbi.
Entramos em 2021 com a política brasileira dividida entre quatro grandes campos: o bolsonarista, o do “centrão”, o polo democrático e a esquerda.
O bolsonarismo galvanizou nas últimas eleições presidenciais a rejeição à chamada “velha política” tradicional. Cacifado pelo voto popular, abriu mão do “presidencialismo de coalização” e tentou governar sem maioria parlamentar e através de uma política de confrontação com o Congresso e o STF. Agora, tendo jogado o lavajatismo ao mar, e preocupado com a instabilidade política excessiva, o bolsonarismo tenta dar um freio de arrumação tecendo aliança política com o que há de mais representativo da mesma “velha política” tão condenada em 2018. O gambito da rainha de Bolsonaro seria sacrificar o discurso renovador para derrotar a oposição democrática e de esquerda.
O “centrão” é formado por um conjunto de partidos que têm historicamente postura pragmática, patrimonialista e não ideológica. Funcionam como um pêndulo de governabilidade. Podem servir a governos díspares como os de Sarney, FHC, Lula, Dilma, Temer ou Bolsonaro, desde de que tenham acesso a verbas, cargos e espaços políticos. Aproveitam a fragilidade do governo Bolsonaro para recuperar espaços perdidos.
O polo democrático formado pelo DEM, PSDB, MDB, Cidadania, entre outros, defende a agenda econômica modernizante, mas não se alinha aos arroubos autoritários do governo e defende radicalmente a democracia, suas instituições, o combate às desigualdades e políticas alternativas nas relações exteriores, no meio ambiente, na educação, segurança e saúde. Liderado por Rodrigo Maia, tem sido o grande pilar da defesa da ordem constitucional e das reformas necessários. O seu gambito da rainha é a abertura de diálogo com a esquerda, sacrificando parte de sua base social, para manter a autonomia e o protagonismo do Congresso e seu papel de freio e contrapeso às tentativas “iliberais” de retrocesso.
A esquerda, em rota descendente desde 2015, reaparece no vácuo deixado pelo governo. Tenta se reposicionar e ampliar seu campo de diálogo. O gambito da rainha das esquerdas é sacrificar um pouco de sua identidade e da narrativa do “golpe” de 2016 para reconstruir pontes e quem sabe angariar o apoio do centro democrático num possível segundo turno de 2022.
Como os enxadristas sabem o gambito pode ser aceito ou recusado e os cenários de jogo são imprevisíveis. Que o desfecho do xadrez político, que terá seu próximo lance nas eleições das Mesas da Câmara e do Senado, reafirme a vitória dos valores da liberdade, da democracia e do desenvolvimento social.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Cacá Diegues: O projeto das redes
A questão é revelar o lado sombrio dessa nova conquista, para que possamos tomar providências e evitá-lo
Para cinéfilos e cineastas que implicam com o streaming, como uma forma contemporânea de ver um filme, lembro que é bem possível que, não existindo essa plataforma, não tivéssemos como ver títulos que estão arrasando no gosto do pessoal durante a pandemia. Estamos vendo, no streaming, filmes realizados por diretores consagrados, como “Roma”, “Destacamento Blood” ou “O irlandês”, mas também e sobretudo filmes que, de outro modo, talvez jamais víssemos. Como “Lindinhas” ou “O dilema das redes”, alguns dos mais comentados, citados e criticados (que produzem análises) na temporada.
“Lindinhas” (Mignonnes), filme francês dirigido pela estreante Maïmouna Doucouré, trata de adolescentes, em geral de famílias imigrantes, que vivem em subúrbios parisienses, correspondentes às nossas periferias urbanas miseráveis e marginais. Como a Netflix se recusa a fornecer os números de sua programação, ficaremos sem saber quantas pessoas já viram esse filme. Mas, por sua repercussão escrita e falada, podemos considerá-lo um dos grandes sucessos do cinema francês contemporâneo. Não é de hoje que a imigração africana e árabe, na França, tem sido tema de filmes locais de grande qualidade. Agora são os próprios imigrantes, e sobretudo seus filhos, já nascidos no país, que tomam a câmera para contar suas histórias, como em “Lindinhas”.
Fico pensando em quando o cinema brasileiro de moradores de favelas estiver consolidado, quantas descobertas temáticas e de talentos terão sido feitas. Esse tipo de produção, no Brasil, não tem se desenvolvido à altura da qualidade de quem a pratica, pelo simples motivo de que faltam recursos para fazê-lo e estruturas que garantam o curso da vida dos filmes.
É claro que, nesse caso, o principal responsável por tais recursos e estruturas deve ser o Estado. Mas nosso governo não está nem um pouco interessado em ajudar a alavancar o cinema brasileiro já consagrado, imagine aquele que tem que ser descoberto e revelado. Dez anos atrás, num esforço de caráter privado, realizadores que hoje trabalham regularmente em cinema e televisão, como Luciano Vidigal, Fernando Barcellos, Luciana Bezerra, Gustavo Melo, Rodrigo Felha, Manaira Carneiro, Cadu Barcelos e outros foram revelados por “5XFavela, agora por nós mesmos”, projeto construído pelos próprios cineastas moradores de favelas. É inacreditável que nunca mais a experiência tenha se repetido.
Outro filme bombando no streaming é “O dilema das redes” (“The social dilemma”), documentário americano de Jeff Orlowski, lançado pela Netflix no início de setembro e até hoje batendo recordes de acesso e visibilidade. Fruto do esforço de jovens gênios e gênias da cultura digital, dando entrevistas e palpites sobre o tema e o sentido do filme, esse documentário nos põe diante da maravilha tecnológica das redes sociais e dos danos que elas têm causado à sociedade, seja no controle do consumo, seja na condução de políticas nacionais.
A mais espantosa constatação de “O dilema das redes” é que o bem-sucedido apelo obsessivo de uma rede social não é nunca um efeito colateral, mas o próprio projeto e propósito de sua criação. Não é à toa, lembra um dos técnicos no filme, que “as duas únicas indústrias que chamam seus clientes de usuários (users) são a de drogas e a de software”. Entrevistando ex-funcionários do Facebook, Google, Twitter e Instagram, Orlowski nos faz imaginar, pelo que dizem os que estão arrependidos do inferno que criaram, o que devem estar pensando e planejando os que persistem na invasão de nossas mentes, produzida por pequenas e grandes redes sociais.
Não se trata de combater a importância das redes, seu potencial papel de encontro solidário de informação e conhecimento entre seres humanos, de um modo rápido e imediato, um modo mais eficiente. Trata-se de revelar o lado sombrio dessa nova conquista, para que possamos tomar providências e evitá-lo. “O dilema das redes” me faz pensar também no incrível documento de denúncia, escrito por Sophie Zhang, ex-funcionária do Facebook, que ela chamou de “Tenho sangue em minhas mãos”. Mas essa já é outra história.
Público do Cine Drive-in de Brasília triplicou durante pandemia do coronavírus
No Brasil, os drive-ins vêm ganhando cada vez mais espaço, a maioria em caráter provisório, analisa Lilia Lustosa, na revista Política Democrática Online
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A pandemia do coronavírus Covid-19 tem ressuscitado o cinema drive-in em várias regiões do Brasil e do mundo. Em Brasília, o público triplicou depois da reabertura. “Durante a pandemia, o sucesso do drive-in já é fato”, afirma a crítica de cinema Lilia Lustosa, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de julho.
Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de julho!
Desde que as cidades começaram a entrar em quarentena, a modalidade de cinema nos carros tornou-se uma das poucas opções para os que desejavam assistir a um filme em tela grande ou de forma coletiva, conforme observa Lilia no artigo da revista. A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todas as edições, gratuitamente, em seu site.
O Cine Drive-in de Brasília goza de uma situação privilegiada. Depois de quase ter sido fechado em 2014, foi declarado patrimônio cultural e material do Distrito Federal em 2017, de acordo com a lei n° 6.055, proposta pela deputada distrital Luzia de Paula. O espaço, que conta com uma tela de 312m² (a maior do Brasil), ficou fechado por 40 dias no início da pandemia, mas retomou às atividades no fim de abril, com um público cada vez maior.
Segundo a proprietária, Marta Fagundes, o público triplicou depois da reabertura, apesar das adaptações feitas para se adequar aos protocolos de segurança que a época exige: redução de 50% da capacidade (de 400 para 200 carros), distanciamento de 1,5m entre os veículos, compras dos ingressos apenas online, uso dos banheiros por uma pessoa a cada vez, uso obrigatório de máscara e fechamento da lanchonete.
No Brasil, os drive-ins vêm ganhando cada vez mais espaço, a maioria em caráter provisório, implementados por empresas de organização de eventos, muitas vezes em parceria com os próprios exibidores, que veem nesta velha fórmula uma solução temporária para sua sobrevivência.
Nos Estados Unidos, onde surgiu, mesmo durante a fase de isolamento, dos cerca de 300 drive-ins ainda em funcionamento, 25 continuaram abertos, segundo a Drive-in Theatre Owners Association. “E agora, com a retomada gradual das atividades em vários Estados, outros tantos se somaram à lista, como em vários países do mundo”, diz Lilia.
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RPD || Lilia Lustosa: Ficção sem tela
A ficção invadiu a realidade com Covid-19 e as plataformas de streaming ganharam destaque por sua utilidade para a humanidade em crise, dando uma trégua à guerra entre a telinha e a telona, avalia Lilia Lustosa
Sempre fui grande fã de ficção científica e de distopias. Os livros que mais me marcaram na adolescência foram Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell. Adulta, descobri Saramago e me encantei por seu Ensaio sobre a Cegueira, depois transformado em filme por Fernando Meirelles. Adaptação, aliás, que levou o escritor português às lágrimas quando de seu lançamento. No cinema, me marcaram Metrópolis (1927), de Fritz Lang, e Blade Runner (1982), de Ridley Scott. A verdade é que cenários distópicos sempre me fascinaram, não sei muito bem por que… Acho que imaginar como nós, seres humanos, agiríamos em situações extremas sempre desafiou minha mente. Ficava pensando em que soluções encontraríamos para superar obstáculos e restrições impostas, quão criativos seríamos para encontrar novas formas de viver. Mas eis que, de repente, a ficção invadiu a realidade e, agora, somos nós, os personagens daquelas ficções que tanto me encantavam. Hoje, a tela que nos separava daqueles universos fantasiosos já não existe mais. E, como meros personagens desta narrativa catastrófica, não temos quase nenhum poder de edição, a não ser seguir o script, trancafiados em nossas casas até a curva da pandemia “achatar”.
Diante deste cenário orwelliano, nunca as plataformas de streaming puderam ser tão úteis a nossa humanidade em crise, dando uma trégua à guerra entre a telinha e a telona. Estamos todos impedidos de ir ao cinema. Bem como ao teatro, ao estádio de futebol, ao churrasco com os amigos e por aí vai. Nesta hora, a sobrevivência da sétima arte parece ter como grandes aliadas as Netflix, Amazon Prime e Google Play da vida. O mundo para, mas a sétima arte continua viva! E mais: pode ser um grande remédio, ajudando a passar o tempo, divertindo, ensinando, distraindo, fazendo refletir, rir e chorar, mas podendo, também, ampliar nossos medos e angústias.
Talvez por essa razão, boa parte dos espectadores tem dado preferência atualmente a comédias leves ou aos chamados feel good movies. Algo capaz de fazê-los esquecer o que se está passando ao redor de suas quatro paredes, de sua bolha de proteção. Outros, como eu, vêem-se tentados a mergulhar de vez no universo das pandemias, revendo filmes como Contágio (2011), do premiadíssimo Steven Soderbergh, ou a assistir pela primeira vez a Epidemia (1995), de Wolfgang Petersen, a A Gripe (2013), do coreano Sung-Su Kim, a 93 dias (2016), do nigeriano Steve Gukas ou, ainda, à série documental Pandemia, produzida recentemente pela Netflix. A ideia sendo comparar aquelas ficções à nossa real-ficção. Algo que fascina e traz medo ao mesmo tempo. Medo de ficar ainda mais neurótica. Medo de achar que toda tosse é coronavírus. Medo de perder um ente querido. Medo de enxergar todo o sofrimento do mundo, já sem nenhuma tela de proteção.
Além das gotículas criminosas filmadas em close e em slow motion, todas essas ficções apontam para o isolamento – ou quarentena – como um dos primeiros passos a serem tomados no combate à contaminação. O despreparo dos sistemas sanitários para a contenção de um vírus desconhecido e a falta de investimentos necessários em pesquisas científicas são temas igualmente recorrentes. Fator ressaltado também na série Pandemia, composta por seis episódios que narram as lutas diárias de alguns profissionais da área de saúde – médicos, pesquisadores ou atores da OMS, USAID – para salvar vidas em diversos lugares do mundo (EUA, India, Congo, Vietnam). O que se apreende dali é que, apesar dos vários alertas dados pelo mundo científico nos últimos anos, os países não se prepararam devidamente para enfrentar a chegada de uma pandemia. Fato, aliás, constatado e confirmado cada vez que ligamos a televisão ou abrimos um jornal hoje em dia.
A produção, que é de 2019, deixa bem claro que estava muito próximo o momento em que uma nova pandemia iria emergir no planeta, sendo, portanto, da maior urgência preparar hospitais, profissionais de saúde, acelerar o andamento das pesquisas etc. E o que fizeram nossos líderes? Investiram em armas e em campanhas eleitorais para se manterem no poder. Negligenciaram as pesquisas tão necessárias para desenvolver novas vacinas e os estudos capazes de detectar os vírus ainda nos animais, antes que passassem para os humanos. Temas que, de alguma forma, também são discutidos, mesmo que de forma maniqueísta – por vezes, caricata –, nos filmes de ficção aqui mencionados, que colocam, de um lado, a classe científica correndo atrás de respostas, e de outro, os mandatários do poder escolhendo em que momento agir e divulgar tais respostas.
Com relação à estética, o coreano A Gripe destoa um pouco de 93 Dias, Epidemia e Contágio pelo paroxismo de sua mise-en-scène, que mostra, por meio de uma câmera nervosa e de uma iluminação sombria, imagens grotescas de sangue jorrando, cadáveres sendo empilhados e corpos infectados, incinerados ainda vivos como medida de contenção do vírus. Uma narrativa um tanto quanto inverossímil (assim esperamos!), que leva ao extremo o dilema trabalhado também em Epidemia: exterminar a população de uma única cidade versus deixar contagiar a população de todo um país. Produção americana com elenco de peso (Dustin Hoffman, Morgan Freeman, Kevin Spacey, Rene Russo e Cuba Gooding Jr.) que sugere, ainda, a possibilidade de uma eventual guerra biológica, revelando a descoberta de um vírus letal por parte dos militares dos EUA, informação guardada a sete chaves pelo governo daquele país.
Contágio, outro filme americano com grande elenco (Matt Demon, Kate Winslet, Gwyneth Paltrow, Jude Law e Marion Cotillard) opta por destacar o papel das redes sociais como divulgadoras de informações sonegadas à população pelos meios oficiais. Ao mesmo tempo, mostra-as também como difusoras de informações ainda não confirmadas, as famosas fake news. Na nossa real-ficção de hoje, o canal brasileiro de Youtube Spotniks, entre outros, faz o papel do teórico da conspiração interpretado por Jude Law, tendo disponibilizado recentemente o impactante Timeline Covid-19, reportagem sobre a evolução da pandemia no mundo, desde seu provável início até 31 de março.
O conteúdo ali apresentado deixa a OMS e o Estado chinês em maus lençóis, em função da lentidão em divulgar as verdadeiras informações sobre a real gravidade do novo coronavírus. Já no prólogo, a fórmula “Do futuro desta saga pouco sabemos. Do passado, aprendemos que os homens públicos podem ser tão inescrupulosos quanto um vírus” sintetiza bem o conteúdo da reportagem. É interessante notar, porém, que o Brasil ficou praticamente de fora da análise, até mesmo no momento em que o texto cita “líderes caricatos” que se recusam a acreditar no efeito desastroso da Covid-19, como os presidentes da Bielorússia, Alexander Lukashenko, e do Turcomenistão, Gurbanguly Berdymukhamedov.
Das ficções aqui mencionadas, 93 Dias é a única que se baseia em fatos reais, narrando a chegada do ebola à Nigéria, trazido por um diplomata liberiano. A história é contada sob a perspectiva da equipe médica que tratou do paciente e que, comandada pelo braço forte da Dra. Ameyo Adadevoh, conseguiu identificar rapidamente o vírus e isolar imediatamente o paciente, contrariando ordens das autoridades locais. No espaço de 93 dias, com 20 casos confirmados e 8 mortes, a OMS decretou a Nigéria um país livre de ebola e a Dra. Adadevoh foi transformada em heroína nacional. Apesar da produção modesta, bem diferente das produções hollywoodianas a que estamos acostumados, este case de sucesso nigeriano pode ser um bálsamo de esperança para tempos tão bizarros.
Por outro lado, Pandemia parece-me a produção mais aterrorizante de todas, já que, no caso das ficções – sobretudo em função de suas narrativas clássicas –, depois de duas horas de tensão, chega-se a uma solução, a um estado de alívio. Ao passo que, na real-ficção que estamos vivendo, tão bem retratada pela série, ainda não se pode antever esse momento de respiro.
A verdade é que, hoje, nenhuma ficção supera a angústia propiciada por nossa realidade. Ao contrastar ficção e mundo real, porém, podemos acreditar (talvez como o Cândido, de Voltaire) que os líderes mundiais – ao menos, quase todos – estão tomando atitudes importantes e sensatas para resolver a maior crise que nossa geração já viu. E mesmo que algumas informações nos estejam sendo omitidas, bem ou mal, ações estão sendo tomadas a fim de frear a pandemia. E isso já é um alento, permitindo-nos, quiçá, vislumbrar os créditos no final do filme.