STF
Alon Feuerwerker: Pode dar certo. De vez em quando dá errado
O título é acaciano, eu sei. Mas vamos lá.
A história registra que a tática eleitoral do PT em 2018 acabou dando errado no segundo turno. No primeiro deu certo. Mesmo fortemente fustigado havia anos, o partido levou seu candidato à final presidencial e elegeu boas bancadas legislativas, além de manter razoável cota de governadores, próprios e aliados. O que deu errado, para o PT, foi a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República.
No desenho tático petista, a ida de Bolsonaro à decisão permitiria, até forçaria, a formação de uma frente ampla antibolsonarista, e a onda montante acabaria dando a vitória a Fernando Haddad. A história também registra que essa frente nunca chegou a se formar, pois uma parte dos votos potencialmente frentistas absteve-se, e outra votou mesmo foi no capitão. É a fatia de mercado que até há pouco achava o governo regular mas apostava que acabaria melhor.
Por uma dessas curiosidades históricas, a linha estratégica do bolsonarismo rumo a 2022 é aquela mesma petista, só trocando o sinal. Supõe que basta manter fiel algo em torno de 30% do eleitorado, apostar num replay da polarização do segundo turno de 2018 e levar novamente a taça para casa surfando na onda do antipetismo, ou do antiesquerdismo, ou do anticomunismo. Tem lógica. Como tinha muita lógica a linha petista de 2018.
O que pode dar errado agora? A mesma coisa que deu errado em 2018. Na operação para manter a hegemonia no núcleo mais fiel da base, você acaba produzindo atritos em volume suficiente, acaba isolando-se numa intensidade cujo efeito colateral é dificultar lá na frente o reagrupamento. Cria-se uma situação em que o adversário nem precisa se esforçar muito. Ele acaba fazendo uma colheita de votos quase espontânea.
Talvez o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril não venha a produzir maiores consequências jurídicas. Vamos aguardar. Mas já produziu efeito político. Dificultou um pouco mais aos não bolsonaristas de raiz apresentar o atual presidente como alternativa aceitável. Não chega a ser irreversível, mas o quadro merece atenção. Também porque a ofensiva contra certos importantes personagens institucionais vai pedir destes algum tipo de resposta.
E eles têm tempo para isso. A vingança, sabe-se, é um prato que pode perfeitamente ser comido frio.
Entrementes, à esquerda basta esperar e assistir ao progressivo descolamento entre a direita e o chamado centro. Esta semana o PT e partidos aliados entraram com um pedido de impeachment. Talvez deva ser visto como o cumprimento de um ritual. Aquilo que na política se chama “ocupar o espaço para evitar que outro ocupe”. A esquerda fez o que dela se esperava. Se não der em nada, sempre poderão dizer que fizeram algo.
Mas é visível, até palpável, o pouco entusiasmo na esquerda pela ideia de impeachment. Se Bolsonaro é a instabilidade, o que viria na sequência seria a estabilidade do mesmo projeto.
À esquerda basta agora assistir ao esgarçar da frente adversária, avivando de vez em quando a fogueira que consome as boas relações entre a direita e o dito centro. A reunião ministerial ofereceu matéria-prima abundante para a continuidade do esgarçamento. Que poderá ser potencializado no momento certo por o Brasil caminhar forte na disputa do pódio de mortes pelo SARS-Cov-2.
E tem ainda a economia. Last but not least.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação.
El País: Tensão entre STF e Planalto escala e Defesa decide endossar advertência à Corte
Chefe das Forças Armadas fala mais uma vez sobre política interna, inusual em democracias estáveis. Reunião deve provocar enxurrada de inquéritos contra presidente e ministros
Afonso Benites e Flávia Marreiro, do El País
O Judiciário se prepara para receber nos próximos dias uma enxurrada de representações contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e ao menos quatro de seus ministros. A razão são potenciais crimes cometidos na reunião ministerial do dia 22 de abril. As imagens do encontro foram divulgadas nesta sexta-feira, por ordem do decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello, como um dos procedimentos do inquérito 4831, que apura se o presidente cometeu cinco delitos ao tentar interferir politicamente na Polícia Federal.
A nova ofensiva legal contra o Governo Bolsonaro esperada para os próximos dias deve aumentar a tensão entre o Planalto e o Supremo num momento em que até o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, decidiu publicamente apoiar declarações do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno de advertência à Corte. Na sexta, Heleno advertira das consequências “imprevisíveis” para a “estabilidade nacional” caso o Supremo decidisse requisitar o celular do presidente no curso da investigação —há um pedido em análise na Procuradoria-Geral da República. O ministro Celso de Mello teve de esclarecer que apenas encaminhou o requerimento apresentado por partidos políticos, e que não decidiu nada sobre o tema. Primeiro, Azevedo disse à CNN que endossava a mensagem de Heleno porque o celular do presidente é “um assunto de segurança institucional” Depois, em nota, Azevedo se disse "preocupado em relação a harmonia e independência entre os poderes, princípio fundamental da Constituição Federal (Art 2°), que deve ser uma via de mão dupla”.
É a terceira vez que Azevedo se manifesta sobre a crise política em menos de dois meses. Quando Bolsonaro participou de atos pró-intervenção militar há algumas semanas, o ministro lançou nota frisando o compromisso da caserna com a ordem constitucional. Desta vez, ficou explícito o tom duro do recado à Corte e a ideia de que toma para si o papel de avaliador da harmonia entre poderes. A frequente voz do ministro da Defesa, um general da reserva, na política interna —algo no mínimo inusual em democracias estáveis—, é mais um sintoma da crise institucional em curso e do dúbio papel que as Forças Armadas decidiram assumir no atual Governo, o de maior participação militar desde o fim da ditadura. Bolsonaro, sempre que pode, tenta transmitir a imagem de união simbiótica entre Planalto e militares. Neste sábado, questionado sobre a ameaça do ministro do GSI, que ele próprio autorizou na sexta, disse que ele, Heleno e Azevedo fazem parte do “mesmo time".
Heleno, aliás, é um dos ministros que deve ser alvo de um inquérito do Ministério Público justamente por causa da nota de sexta. Várias lideranças políticas criticaram o ministro, acusando-o de infringir a lei da segurança nacional e ameaçar dar um golpe ao emitira mensagem à imprensa pouco antes da publicação do vídeo da reunião ministerial. A oposição promete tentar convocá-lo a se explicar no Congresso.
Novas mensagens entre Moro e Bolsonaro
Em meio à tensão, segue vindo à tona detalhes da investigação principal —a que apura se Bolsonaro interferiu ou não na PF. Nesse sábado, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que, no mesmo dia do agora famoso encontro ministerial, o presidente Bolsonaro informou seu ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, que naquela semana demitiria o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. A informação consta da investigação e demonstra que partiu de Bolsonaro a decisão de interferir na PF demitindo o homem de confiança do ex-juiz da operação Lava Jato. “Moro, Valeixo sai esta semana”, disse o presidente, às 6h26 do dia 22 de abril. “Está decidido”, afirmou ele em outra mensagem, enviada na sequência, encerrando a conversa. “Você pode dizer apenas a forma. A pedido ou ex oficio (sic)”. Moro, conforme a reportagem, respondeu 11 minutos mais tarde: “Presidente, sobre esse assunto precisamos conversar pessoalmente. Estou ah disposição para tanto (sic)”. As mensagens solapam ainda mais a versão de Bolsonaro de que Valeixo pedira demissão e dá mais fôlego à tese de morto.
Os problemas do presidente não param aí. Dois procuradores da República e um policial federal ouvidos pela reportagem relataram que, por causa das declarações na reunião e após ela, o presidente ainda pode ser investigado também por falar da existência de um sistema paralelo de informações de segurança que o abasteceria com dados de inteligência. Um dos procuradores afirmou que é preciso saber se esse sistema particular realmente existe, qual é a sua estrutura e como ele é financiado, se com recursos públicos ou privados. Ou se tudo não passa de bravata. Não há nada no ordenamento jurídico que permita o presidente a ter um aparelho privado de arapongas.
No encontro ministerial, Bolsonaro reclamou que a PF e a Agência Brasileira de Informações (ABIN), os sistemas oficiais que devem fornecer à presidência desses dados, falhavam em repassá-los. Mas que o seu, particular, funcionava. “O meu [sistema] particular funciona. Os ofi... que tem oficialmente, desinforma. E voltando ao ... ao tema: prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho (sic)”, disse Bolsonaro no encontro.
A existência de tal sistema já havia sido revelada pelo ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência e ex-presidente do PSL, Gustavo Bebianno, morto no começo do ano, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, e pela deputada federal e ex-líder do Governo Bolsonaro no Congresso, Joice Hasselmann, na Comissão Parlamentar de Inquérito das Fake News.
Ainda na sexta-feira, o presidente admitiu em duas ocasiões que havia pessoas fora das agências oficiais que o abasteciam de dados. Em entrevista à Jovem Pan disse que são amigos que o ajudam. Citou jornalista, policiais e militares que trabalham em diversas cidades do país. Ao tratar desse sistema paralelo de informações na entrevista à rádio disse: “É um colega de vocês da imprensa que com certeza eu tenho, é um sargento no Batalhão de Operações Especiais no Rio, um capitão do Exército em Nioaque (MS), é um capitão da Polícia Civil em Manaus, é um amigo que eu fiz em um determinado local”.
Mais tarde, na chegada ao Palácio da Alvorada, foi além e afirmou que policiais civis e militares do Rio de Janeiro o informaram sobre investigações que estariam sendo feitas contra seus familiares. “Estou o tempo todo vivendo sob tensão, possibilidade de busca e apreensão sobre filho meu onde provas seriam plantadas. Levantei isso [porque] graças a Deus eu tenho amigos policiais civis e policiais militares no Rio de Janeiro que [me disseram que] estava sendo armado pra cima de mim”, disse. O senador Flávio Bolsonaro, primogênito do presidente, é investigado pelo Ministério Público do Rio de um suposto esquema de apropriação dos salários de assessores, a rachadinha.
Na semana passada, seu suplente no Senado, o empresário e dirigente do PSDB Paulo Marinho, declarou que um delegado da PF vazou informações ao senador sobre apurações que envolveriam assessores da família Bolsonaro.
Três da “ala ideológica”
Outros ministros que devem ser alvos do Ministério Público Federal são Abraham Weintraub (Educação), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Damares Alves (Direitos Humanos), tidos como da ala “ideológica”, os mais ativos defensores de teses ultradireitistas. Já há representações contra eles elaboradas por parlamentares de partidos da oposição como REDE, PDT e PSB.
Os procuradores entendem que Weintraub, que na reunião disse que os ministros do Supremo deveriam ser presos, dificilmente escapará de ser responsabilizado pelo menos pelo crime de injúria por ter chamado ministros do STF de vagabundos e ter defendido suas prisões. O ministro também criticou os povos indígenas e cigano. Entre os investigadores há quem defenda que ele responda por outros delitos, como incitação da ordem política ou social, fazer propaganda de discriminação racial e de processos violentos para a alteração da ordem pública ou social, assim como a tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes da União.
Já sobre Ricardo Salles, os supostos delitos se baseiam em suas declarações de que o Governo deveria se aproveitar do momento em que a imprensa estava dedicada a fazer a cobertura da pandemia de covid-19 para passar diversas medidas infralegais de regulamentação ambiental, várias delas consideradas como um desmonte da pasta gerenciada por Salles. “Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De IPHAN, de ministério da Agricultura, de ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo”, afirmou o ministro no encontro do dia 22 de abril.
Sobre Damares Alves, as investigações seriam sobre ela ter dito que pediria a prisão de governadores e prefeitos que impuseram regras rígidas de isolamento social em seus Estados e municípios. No entendimento dos investigadores, a ministra poderia estar afrontando uma decisão do Supremo de que são os chefes dos poderes Executivo locais quem devem decidir quais medidas devem ser adotadas durante a pandemia, e não o Governo federal.
Em quatro representações que já chegaram ao Supremo e deverão ser encaminhadas à Procuradoria-Geral da República os parlamentares da oposição afirmaram que o encontro de Bolsonaro e seus ministros “apresenta um conjunto de ofensas e ameaças —expressas ou veladas—, em expressões indecorosas, grosseiras e constrangedoras, contra diferentes pessoas, povos e instituições”. Entre os congressistas que assinaram essas representações estão os senadores Randolfe Rodrigues e Fabiano Contarato (ambos da REDE) e os deputados André Figueiredo (PDT), Alessandro Molon (PSB) e Joênia Wapichana (REDE).
Pedro Fernando Nery: Edaíquistão
Não será possível instituir uma renda básica melhor que o Bolsa Família depois da crise, sem combatermos os nossos 'e daís'
“Perigo de dano irreparável ou de difícil reparação”. Diante disso, a liminar foi concedida no meio da pandemia, realocando milhões de reais do orçamento da Seguridade Social. Mais dinheiro para a Saúde comprar respiradores? Não, tampouco para a Assistência pagar o auxílio emergencial. Ao contrário, a decisão diminui o dinheiro disponível para as duas áreas. O juiz federal decidiu que os juízes federais não precisam pagar as novas alíquotas progressivas da reforma da Previdência.
Confisco foi a razão para considerar inconstitucional trecho da Emenda Constitucional discutida pelos constituintes ao longo do ano passado. O tema espera julgamento no STF. A liminar do juiz dada neste mês no processo 1009622-08.2020.4.01.3400 é em favor da sua própria categoria – embora seja verdade que o mesmo tratamento foi dado a outras categorias em outras ações.
O argumento é simples: como a alíquota progressiva exige contribuições maiores de quem ganha mais, aqueles no teto remuneratório terão uma alíquota efetiva de quase 17% para a Previdência. Somada ao imposto de renda, a tributação total sobre o salário superaria 40%.
Há dois problemas no argumento. Um primeiro é comparar a contribuição com o salário atual, e não com a renda a ser recebida: a aposentadoria continuará sendo pelo último salário para quem ingressou antes de 2003. Independentemente do salário médio ao longo da vida e do valor das contribuições, a aposentadoria é 100% do maior salário. O subsídio pode ser de milhões de reais por pessoa. Não à toa, o regime dos servidores continuará ostentado déficits financeiros bilionários anualmente e déficit atuarial da ordem de trilhão (a Constituição demanda o equilíbrio, mas o texto é preterido por um princípio na decisão judicial).
O retorno ao investimento é altíssimo: se produto semelhante estivesse disponível no mercado, os demais cidadãos fariam os aportes felizes, sem jamais pensar que estão sendo confiscados. A confusão existe porque a contribuição previdenciária na prática é híbrida, ora parece aporte ora tributo.
O MPF defendeu em 2018 a fixação de uma tese sensata: aumentar a contribuição previdenciária do servidor seria constitucional, desde que se apresentem estudos financeiros e atuariais mostrando a sua necessidade. Não sendo o caso, haveria o tal confisco.
Um segundo problema no argumento do confisco é ignorar que os trabalhadores do setor privado estão sujeitos a tributação muito maior, inclusive para pagar os benefícios do setor público, sem que se fale em confisco. Como mostrou Bernard Appy neste jornal na excelente coluna de fevereiro “Quem paga imposto no Brasil?”, o produto do trabalho de um celetista chega a ser tributado em mais de 60%. A conta considera não apenas a contribuição previdenciária e o imposto de renda, como os tributos indiretos federais e estaduais (ICMS, PIS-Cofins, IPI) sobre sua produção, que diminuem o que ele levará para casa.
Parte desses tributos fecham o déficit de mais de R$ 40 bilhões por ano dos servidores. Não é este o verdadeiro confisco? Como a previdência do funcionalismo integra a Seguridade Social, o buraco é custeado por contribuições como a Cofins – competindo com Saúde e Assistência. E daí?
As ações sobre o tema no Supremo, hoje com relatoria do ministro Barroso, eram no passado julgadas por Joaquim Barbosa, que expunha esse argumento. Entendia que na ausência do aumento da contribuição do servidor, a conta iria para os demais. Incluindo os filiados ao INSS, que teriam a obrigação de custear os benefícios do regime sem o direito de usufruí-los: “partilhar o déficit com as pessoas naturais e jurídicas privadas é injusto e abusivo.” Mesmo com a elevação da reforma da Previdência, menos de 20% das despesas são custeadas diretamente pelos servidores.
Os argumentos de servidores federais sobre confisco na reforma da Previdência são embalados por duas indignações. Uma é a subtributação da renda de profissionais liberais de alta renda pejotizados. Serviços pagam menos impostos que produtos, e a PJ ainda pode-se distribuir lucros e dividendos para a pessoa física sem pagar IR (E daí?). O juiz olha para o advogado e se sente injustiçado.
A outra é a exclusão de Estados e Municípios da reforma (E daí?). Juízes estaduais, que já ganham mais pela farra das verbas indenizatórias, ficaram a princípio dispensados da alíquota progressiva da reforma. A associação dos federais se mobilizou para não ter e pagá-la também.
Não será possível perenizar o auxílio emergencial e instituir alguma renda básica melhor que o Bolsa Família depois da crise sem combatermos nossos “e daís”. Consolidar a reforma da Previdência nos tribunais, reformar a tributação sobre a renda e eliminar verbas indenizatórias devem fazer parte da busca por recursos no pós-pandemia.
*Doutor em economia
Ricardo Noblat: Celso de Mello deve autorizar divulgação de vídeo sigiloso
República à beira de um ataque de nervos
Dez entre os onze ministros do Supremo Tribunal Federal apostam que o decano da Corte, Celso de Mello, confinado no seu apartamento em São Paulo, autorizará ainda hoje a divulgação sem cortes do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril último onde o presidente Jair Bolsonaro, segundo o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, ameaçou intervir politicamente na Polícia Federal.
No entendimento da maioria deles, a possível decisão de Mello nesse sentido foi reforçada com a publicação, ontem, pela Folha de São Paulo, do relato que o empresário carioca Paulo Marinho diz que ouviu do senador Flávio Bolsonaro sobre uma operação da Polícia Federal que seria deflagrada entre o primeiro e o segundo turno da eleição de 2018. A operação foi adiada para não prejudicar seu pai.
O desembargador Abel Gomes, presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, enrolou-se para explicar por que a operação ficou para depois do segundo turno. Primeiro negou o adiamento. Depois disse que ela ficara “para um momento mais oportuno”. Motivo: não para “favorecer quem quer que seja”, mas para evitar “a falsa percepção de que tinha “motivações políticas”. Taokey?
Um dos desembargadores do tribunal admitiu em sessão do ano passado que informações sobre a operação vazaram de fato. E não só para Flávio que, juntamente com Fabrício Queiroz, seu faz tudo, seria um dos alvos. Vazou também para outros políticos. A diferença é que emissários de Flávio ouviram de um delegado da Polícia Federal que a operação seria adiada para não ameaçar a eleição do seu pai.
“Eu sugiro que vocês tomem providências. Eu sou eleitor, adepto, simpatizante da campanha [de Bolsonaro], e nós vamos segurar essa operação para não detoná-la agora, durante o segundo turno, porque isso pode atrapalhar o resultado da eleição”, afirmou o delegado à época. Orientado pelo pai, demitiu Queiroz. O pai demitiu a filha de Queiroz que era funcionária do seu gabinete em Brasília.
A Polícia Federal abriu inquérito para apurar a veracidade da história que Marinho contou ter escutado de Flávio. A Procuradoria-Geral da República pediu à Polícia Federal que ouça Marinho no inquérito sobre a tentativa de Bolsonaro, o pai, de intervir no que não deveria. A oposição no Congresso reúne assinaturas para instalar a “CPI do Queiroz”. A temperatura política do país subiu mais ainda.
Se ao cabo do inquérito, Aras preferir arquivá-lo, que é o que pretende fazer, o conteúdo do inquérito servirá para alimentar outros pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Impeachment, como observou o ex-presidente americano Gerald Ford, é tudo aquilo que a Câmara, pelo voto de dois terços dos deputados, diz que é. Richard Nixon, o antecessor de Ford, renunciou para não ser cassado.
Como deputado federal, Bolsonaro assistiu a dois processos de impeachment (Fernando Collor e Dilma Rousseff) e a duas tentativas frustradas de abertura de processos de impeachment contra o presidente Michel Temer. Entende do riscado. É por isso que abriu o cofre público e as portas do governo para atender aos desejos de deputados que poderão salvá-lo de perder o mandato.
Grupo que reúne os políticos mais fisiológicos do Congresso, o Centrão está de boca aberta à espera das iguarias que Bolsonaro lhe prometeu. Quanto mais se complica a situação do presidente e dos seus filhos, mais o Centrão saliva e escancara a boca. Venha a nós o vosso reino, amém.
Merval Pereira: O risco da democracia
O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, e os ministros militares estão sendo lenientes com Bolsonaro
A versão mais recente do Palácio do Planalto sobre o vídeo da reunião ministerial em que o presidente Bolsonaro ameaçou demitir o então ministro Sergio Moro dá conta de que o presidente se queixava da segurança pessoal dele e de sua família. Sem saber o contexto em que se deu a discussão, pois o vídeo ainda não foi liberado, pode-se afirmar, no entanto, que Moro seria o interlocutor errado, pois a segurança do presidente e família é feita pelo Exército e pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e o responsável é o General Augusto Heleno, que estava na reunião e não foi admoestado pelo presidente.
Além do mais, quem foi demitido foi o diretor-geral da Polícia Federal, e por tabela o ministro Sergio Moro. Outro ponto interessante é que o delegado Alexandre Ramagem, que foi indicado por Bolsonaro para chefiar a Policia Federal, era o chefe da Abin. Portanto, se a queixa de referia à segurança pessoal, cuja responsabilidade era de Ramagem, por que indicá-lo para a PF? .
A exibição integral da reunião ministerial servirá para confirmar a acusação de Moro ao deixar o ministerio da Justiça, como também para se constatar de que maneira o presidente Bolsonaro conduz os destinos do país. Pelos relatos, um autoritarismo sem controles, e um ambiente de desrespeito a seus ministros que, para agradar o presidente, não apenas aceitam os maus tratos como tentam imitá-lo, usando palavras chulas e atacando sem distinção países e instituições.
O presidente Bolsonaro quer constranger as forças democráticas que impõem limites a qualquer presidente da República, porque quer fazer um governo mais liberado dessas limitações, um perigo, porque é exatamente o que Hugo Chavez fez na Venezuela, constranger até controlar os Poderes, e usar a democracia direta para impor as suas vontades.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, e os ministros militares estão sendo lenientes com Bolsonaro e, nessa toada, começaremos a abrir mão dos freios que a democracia representativa impõe ao presidente.
O presidente da Câmara Rodrigo Maia claramente não quer aparecer como o grande inimigo de Bolsonaro, o homem que vai autorizar o impeachment, e o STF, embora tenha tomado decisões ultimamente seguras e restringido abusos, através de seu presidente está condescendente com as atitudes de Bolsonaro. Muito preocupante nesse sentido a entrevista que deu ao programa Roda Viva, onde tentou explicar a ida de Bolsonaro ao STF.
Disse que não se sentiu constrangido, e que entende perfeitamente que Bolsonaro governa para os seus, para os radicais que o elegeram, que tenta trazer radicais para o centro, e que nunca fez nada de concreto contra a democracia. Disse também que as pessoas querem uma democracia mais direta, o que chamou de “uberização da política”, e o que está em jogo é a democracia representativa. É aí que mora o perigo, é exatamente o que o Chavez fez na Venezuela.
Na democracia direta, é possível manipular plebiscitos, consultas, referendos, e o presidente começa a ser autorizado a fazer coisas que o STF e o Congresso não autorizariam. O ministro Luis Fux vai assumir a presidência do STF em setembro, e espero que tenha visão de Estado maior do que a que Toffoli está demonstrando.
Pesquisa de ontem da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e MDA diz que aumentou o nível de pessoas que consideram o governo ruim ou péssimo, mas Bolsonaro mantém os 30 por cento favoráveis. Ontem, por exemplo, fez manifestação contra a ideologia de gênero nas escolas. No meio dessa pandemia que cresce brutalmente, no dia em que chegamos ao nível de 800 mortes diárias, e a mais de 12 mil mortos durante a pandemia. Faz isso apenas para alimentar os seus radicais, o núcleo duro de seus eleitores, e se manter competitivo em 2022.
Se o Congresso estivesse reunido presencialmente, acho que o ambiente político estaria muito mais conturbado, porque ele registra a pulsão da sociedade. Mas do jeito que está, funcionando virtualmente, e o isolamento social fazendo com que só maluco vá para a rua se manifestar, a maioria do povo brasileiro, que condena o governo Bolsonaro, está sem poder se manifestar, o que é um perigo para a democracia representativa.
Bernardo Mello Franco: Conhecereis a verdade
A mando de Bolsonaro, a AGU tenta esconder seu exame de coronavírus e a fita de uma reunião explosiva. Agora o STF pode fazer valer o versículo que ele adora citar
Desde a campanha, Jair Bolsonaro martela uma passagem do Novo Testamento: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32). O presidente levou pouco tempo para mostrar que não leva o versículo a sério. Agora ele usa a Advocacia-Geral da União para travar uma guerra contra a transparência.
A mando de Bolsonaro, a AGU tenta esconder os exames que atestam se ele contraiu ou não o coronavírus. O capitão já havia perdido em duas instâncias judiciais. Na sexta-feira, foi salvo por uma canetada do presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha.
O ministro opinou sobre o caso antes de julgá-lo. Mesmo assim, ignorou pedido do jornal “O Estado de S. Paulo” e não quis se declarar impedido. Não seria o único motivo para isso. Em discurso recente, Bolsonaro se referiu a ele como “um amor à primeira vista”.
Ontem o “Valor Econômico” revelou que uma articulação do governo incluiu na pauta da Câmara projeto que cria um tribunal federal em Minas Gerais. O autor da ideia é o ministro Noronha, mineiro de Três Corações. O amor e a vida são feitos de coincidências.
Em outra frente, Bolsonaro tenta manter em sigilo o teor da reunião ministerial de 22 de abril. O encontro foi citado por Sergio Moro como prova de interferência indevida na Polícia Federal. A AGU já apresentou três recursos para barrar a entrega e a divulgação do vídeo.
A ameaça relatada por Moro não é o único trecho explosivo da fita. Segundo participantes da reunião, o presidente atacou uma nota da Polícia Rodoviária Federal que lamentava a morte de um agente pela Covid-19.
Ainda de acordo com os relatos, o chanceler Ernesto Araújo teria feito novos ataques à China. E Abraham Weintraub, o ministro sem educação, teria xingado as mães dos onze juízes do Supremo. Tudo poderá ser esclarecido se o ministro Celso de Mello liberar a divulgação do vídeo, que será exibido hoje em sessão reservada.
Na semana passada, o decano lembrou que “os estatutos do poder, em uma república fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério nem legitimar o culto ao sigilo”. Agora ele pode apresentar ao público as verdades que Bolsonaro tenta esconder.
Leandro Colon: O jogo Bolsonaro x Moro é político
Se o presidente cometeu crime, é problema da PGR; à mesa agora está uma série de elementos políticos graves
Há um movimento em Brasília de desqualificação do depoimento de Sergio Moro à Polícia Federal.
Críticas vêm de advogados de enrolados com a Lava Jato, de parlamentares que integram um Congresso pouco simpático ao ex-juiz e de magistrados de tribunais superiores que nunca morreram de amores por ele.
Os ataques do Planalto à oitiva não contam, afinal Jair Bolsonaro é o alvo dela. O entorno de Augusto Aras, escolhido por Bolsonaro para chefiar a Procuradoria-Geral da República, tem diminuído nos bastidores a importância do relato à polícia.
É fato que Moro frustrou quem esperava algo bombástico. Não foi assim. Não houve um petardo desconcertante em Bolsonaro. Se o presidente cometeu crime, é um problema da PGR e do STF identificá-lo. À mesa agora está uma série de elementos políticos bem graves.
Fernando Collor sofreu impeachment em 1992 e foi absolvido pelo Supremo. Dilma Rousseff foi retirada do Palácio do Planalto em 2016 com base nas pedaladas fiscais, mas pouco sofreu na esfera penal.
O jogo é político, e Moro enumerou pistas. Citou o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril - cuja existência foi revelada pelo próprio Bolsonaro - como suposta prova da pressão sobre a PF. E jogou três ministros militares na fogueira: Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno.
O trio de generais vai depor à PF nesta terça-feira (12). Suponha-se que eles falarão a verdade.
No último dia 23, horas depois de a Folha revelar o pedido de demissão de Moro a Bolsonaro, Braga Netto disse em entrevista coletiva no Planalto que a assessoria do então ministro “desmentiu” sua saída.
Não era verdade. Não só jamais houve desmentido oficial como o próprio Braga Netto havia tratado do assunto com Moro pouco antes. O ministro da Casa Civil sabia que ele pedira demissão ao presidente.
Já Ramos não pode negar os conflitos entre Moro e Bolsonaro. Na manhã do dia 24, tentou inclusive falar com ex-ministro por meio de Luiz Pontel, então secretário-executivo do Ministério da Justiça, para impedir o anúncio da demissão às 11h daquela sexta-feira. Não conseguiu.
Cármen Lúcia: Medos e esperanças
'O vírus não teme o mundo. Mas o mundo, esse morre de medo da doença. Com razão'
“Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços.
Não cantaremos o ódio, porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e
nosso companheiro…”
(Carlos Drummond de Andrade)
Medo faz parte. Vive-se com medo tantas vezes! É parte da experiência. Vai-se superando. Afinal, notava o Rosa, o que a vida pede é coragem. Dribla aqui, supera-se ali, sabendo sempre ser melhor viver sem a sensação de nó no estômago. Medo é alerta e proteção quando ajuda na sobrevivência. É sofrimento e desagrado quando imobiliza e infelicita. Medo da morte, medos na vida. Medo do dia de amanhã. Medo de não ter amanhã. Medo de não ter o almoço amanhã. Medo de guerra. Medo de desemprego. Medo do novo emprego. Tanto medo oferecido, esgueirando-se, olhando para a gente sem… medo.
Ajeitamos modo de vida para ignorar o medo. Ser mais forte que ele. Deixá-lo de lado. Passarmos ao largo e seguirmos como seres destemidos. Não participaremos do Congresso Internacional do Medo, a que se referia Drummond.
E vem o anúncio de uma pandemia. Isolem-se! Antes, era juntem-se. Agora sussurram: escondam-se! Isolamento é forma cabulosa de esconder-se do vírus. Ou da morte.
O vírus não teme o mundo. Mas o mundo, esse morre de medo da doença. Com razão. Moléstia danada de ruim! Rápida, traiçoeira, fatal milhares de vezes.
Com o isolamento para-se o trabalho, despede-se o emprego, aumenta o medo. Dinheiro encurta, bens diminuem, que será amanhã? Nunca se soube bem, mas o amanhã virou o hoje insabido.
Junte-se a esse escuro de tempo revolto a sombra incômoda de incertezas outras, águas turbulentas a envolver-nos em raios e trovões varando noites de escuro denso.
Tempo de pensar em quem pode legitimamente mostrar-se liderança. As instituições estão trabalhando no Brasil. A bússola constitucional marca a rota democrática a seguir, com ajustes, consensos necessários a se construírem, mas sem se temer carência de valores ou desistência de rumo. Se há um ou outro oco de responsabilidade, há muitos que têm o sentido da direção a se cumprir, de mapas normativos a seguir, compromissos funcionais a honrar.
Medo de qualquer doença é grave. O medo de moléstia institucional é compreensível. Mas não é objetivo. As instituições atuam, cumprem suas atribuições, o barco Brasil não está à deriva, embora as águas estejam tormentosas e o alvorecer tenda a ser ainda turbulento. Até porque o País não é uma ou outra instituição, é o seu povo, com sua história, seus sonhos, sua vontade de construir-se.
Erguemos casas para fechar a porta às incertezas incômodas. Queremos tudo prever para sossegar. Bobagem! O imprevisível é parte do pouco previsível desta vida.
Nossas construções são ilusões de certeza no incerto da vida e o certo (malquisto) da morte. O que virá depois – e haverá, por certo, um depois – desta passagem não será a volta à mesma margem. Terá havido um atravessamento. Se realizamos a travessia ou se levados pela correnteza e chegamos à outra beirada depende de nossa capacidade de fazermos algo com o que nos foi servido à mesa da vida: repleta para alguns; de parca sobrevivência para muitos. Ser atravessado significará outros tempos de incertezas e medos. Fazer a travessia significa enfrentar o medo. Desidratá-lo pelo brilho da esperança. Ela não significa aquietar-se enquanto se espera, senão realizar no esperançar para que de nossos sonhos, agora atropelados, brotem flores brancas de paz, não amarelas e medrosas de guerras. Flores de enfeitamento, não de murchas coroas enlutadas em túmulos de ideias e ideais.
A hora é dura, é grave, é até triste. Por isso mesmo não é tempo de descuidos, de descrenças nos sonhos, de entregas a passados tétricos. O tempo é de cuidados, de fé no ser humano, de pensar no que passou e nos ensinou para experimentar o gosto do futuro, diferente e melhor, mais democrático e mais humano.
Esse futuro que sempre chega. Melhor ou pior. Depende de cada um de nós o que vai ser.
Esperança não diz viver na espera. Não é aquietar, menos ainda acomodar ou ceder. É pelejar na construção. Há que ter mãos para semear acontecências.
Medo é doença. E se esperança não é cura, ajuda muito na força e na saúde do corpo individual, social e institucional. O momento pede cautela e coragem. E agradece com a certeza de que sempre amanhece, mesmo quando trevas não deixam vislumbrar sóis nem antever paz. Sempre clareia na manhã seguinte. Agora, cada qual pode ser apenas uma pequena lanterna. Depois se verá que de tantos pontos clareados neste escuro mal brotado da boca de noite em breu se terá garantido a manutenção da rota e a inteireza do barco chegante com os navegadores sobreviventes. Somos todos apenas isso, sobreviventes. Mas somos os viventes construtores do próximo porto. A tarefa tende a ser árdua. Mas só haverá esse ancoradouro se não desistirmos nem ficarmos à deriva. Há que se lembrar que há sempre um pirata, corsário de desumanidades, pronto a tomar de assalto o navio de desistentes. Mas também há sempre quem prefira seguir na empreitada de descobrir a rota e seguir a trilha, porque em algum lugar há quem espere o chegante para persistir na divina travessia da aventura humana. O poeta tinha razão: navegar é preciso, viver…
*Cármen Lúcia é ministra do STF
Merval Pereira: Pistas
Confirmada a hipótese de o vídeo ter sido apagado, ficará claro que há alguma coisa a esconder
O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro deu uma pista importante em seu depoimento à Policia Federal no inquérito que investiga a possível tentativa de interferência do presidente Bolsonaro na Polícia Federal.
Disse que será possível verificar na Polícia Federal e na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que todas as informações “legais” foram passadas à presidência da República, não se justificando a reclamação do presidente.
Não é uma simples disputa entre chefe e subordinado sobre o cumprimento de funções, mas a pista para se confirmar que Bolsonaro não estava satisfeito com os limites legais que o impediam de ter acesso a outras informações da Polícia Federal, ato que passaria a ser ilegal.
Se é verdade que o procurador-geral da República Augusto Aras tende a arquivar o inquérito porque em seu depoimento o ex-ministro Sergio Moro não acusou Bolsonaro de nenhum crime, será uma decisão absurda que o desmoralizará, pois foi ele próprio quem identificou os diversos crimes que poderiam estar indicados no depoimento de Moro ao pedir demissão do ministério da Justiça.
Cabe ao procurador-geral investigar, e não a Moro acusar. Além dos indícios de provas que serão ou não investigados pelos promotores, há o vídeo citado por Moro da reunião ministerial onde Bolsonaro o teria ameaçado de demissão por não dar informações sobre a PF, e o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) explicado que aquele tipo de informação não poderia ser fornecida.
Neste caso, ficaria caracterizada a tentativa do presidente de interferir indevidamente na PF. Por absurdo, confirmada a hipótese de o vídeo ter sido apagado, ficará claro que há alguma coisa a esconder, o que configuraria obstrução da Justiça, um crime óbvio.
Foi assim que terminou a presidência do então presidente Richard Nixon, no caso Watergate nos Estados Unidos, quando parte de uma gravação de conversa em seu gabinete foi deletada pela secretária do então presidente americano, alegadamente por acidente. Alegação que se tornou ridícula.
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, é o titular da ação penal, o que significa que é um ato de soberania sua oferecer a denúncia ao final do inquérito, ou arquiva-lo. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, relator do inquérito, não tem autoridade para discordar da decisão em caso de arquivamento. Mas o Supremo pode não aceitar eventualmente uma denúncia.
Repúdio
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, manifestou-se em nome da Corte condenando as agressões a jornalistas na manifestação contra o STF e o Congresso em frente ao Palácio do Planalto no domingo passado, com a presença do presidente Jair Bolsonaro.
Aproveitou para se posicionar sobre os ataques ao Supremo: “Na democracia, as divergências são equacionadas pelas vias institucionais adequadas, pré-estabelecidas na Constituição, a qual dita as regras do jogo democrático. As irresignações contra decisões deste Supremo Tribunal Federal se dão por meio dos recursos cabíveis. Jamais por meio de agressões ou ameaças a esta instituição centenária, ou a qualquer um de seus ministros individualmente”.
Toffoli disse que, na ocasião, “foi agredida a democracia”. A coincidência de as agressões terem acontecido no Dia da Liberdade de Imprensa, tornou, para Toffoli, as tornou “lamentáveis e intoleráveis”.
“Sem imprensa livre, não há liberdade de informação e expressão. Sem imprensa livre não há democracia”, afirmou. O presidente Dias Toffoli voltou a apelar a união necessária: “Devemos prestigiar a concórdia, a tolerância e o diálogo, bem como exercitar a solidariedade e o espírito coletivo. É momento de harmonia, de equilíbrio e de ação coordenada entre as instituições e os Poderes da República. As divergências existem, pois elas são naturais na democracia. Na democracia, as divergências são equacionadas pelas vias institucionais adequadas, preestabelecidas na Constituição, a qual dita as regras do jogo democrático”.
Mais uma vez a retórica a favor da democracia e da liberdade de expressão ganha força nesses momentos escuros que estamos vivendo. Breve, será necessário mais do que simples palavras para repudiar a tentativa de implantar no país um governo autoritário.
Bernardo Mello Franco: Bolsonaro conspira à luz do dia
Bolsonaro conspira à luz do dia. No domingo, ele usou a rampa do Planalto como palanque para o golpismo. Ontem nomeou outro delegado para controlar a PF
Jair Bolsonaro conspira à luz do dia. No domingo, o presidente usou mais um símbolo nacional como palanque para o golpismo. Na rampa do Planalto, confraternizou com extremistas que atacavam a democracia e agrediam jornalistas no exercício da profissão.
Irritado com decisões do Supremo, o capitão vociferou: “Não vamos admitir mais interferência. Deixar bem claro isso aí. Acabou a paciência”. No mesmo tom, ele prosseguiu: “Chegamos no limite, não tem mais conversa”. Só faltou mandar o cabo e o soldado cercarem o tribunal do outro lado da praça.
A ameaça do uso da força é cada vez mais explícita nas falas presidenciais. Diante de sua minoria barulhenta, Bolsonaro disse que as Forças Armadas “estão do nosso lado”. Os militares sabiam quem ele era quando embarcaram sorridentes no novo governo. Agora são arrastados para o centro de uma turbulência política prestes a virar crise institucional.
Em nota, o ministro da Defesa afirmou que as Forças “estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade”. O esclarecimento seria desnecessário se o país vivesse tempos normais. A tensão tende a se agravar nos próximos dias, à medida que avançam as investigações sobre o clã presidencial.
Bolsonaro tem pressa. Ontem ele nomeou o novo diretor da Polícia Federal, que assume com a missão de proteger pai e filhos. A operação incluiu edição extra do Diário Oficial e posse relâmpago a portas fechadas. Cenas de um governo acuado, que vê na radicalização a única saída para se segurar no poder.
Grandes artistas têm o dom de resumir o espírito do tempo. Em artigo no GLOBO, Aldir Blanc narrou uma conversa com seu velho parceiro:
“Recebi um telefonema do João Bosco. Triste, João falou sobre o ódio alucinado que grassa no país: ‘Clamam por sangue, querem enforcar, pedem a volta da ditadura, só um lado é preso. E há um ódio em tudo’. Sinto a mesma coisa”.
Poderia ter sido ontem, mas foi em 2015.
Luiz Carlos Azedo: O vírus da paranoia
“Bolsonaro acredita que há uma operação no Congresso para inviabilizar o governo financeiramente, ao barrar projetos do ministro Guedes”
O estresse entre o presidente Jair Bolsonaro e o Judiciário não é um bom sintoma político para a democracia, porém, continua. Ontem, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, por unanimidade, as restrições à Lei de Acesso à Informação previstas em uma medida provisória (MP) editada pelo presidente da República. A MP havia sido editada em março, motivando o pedido da Rede Sustentabilidade para que o STF suspendesse os trechos da lei que restringiam o acesso à informação. Alexandre de Moraes havia atendido ao pedido; o plenário do STF confirmou a decisão, o que foi interpretado como uma espécie de desagravo ao ministro, diante dos ataques que havia sofrido de parte de Bolsonaro, pela manhã.
O presidente da República pretendia suspender prazos de resposta e a necessidade de reiteração de pedidos durante a pandemia do novo coronavírus. A Lei de Acesso à Informação regulamenta o trecho da Constituição que estabelece como direito de qualquer cidadão receber, do poder público, informações de interesse da sociedade. Na mesma linha da decisão do Supremo, a juíza federal Ana Lúcia Petri Betto, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou que a Advocacia-Geral da União (AGU) forneça os laudos de todos os exames feitos pelo presidente Jair Bolsonaro para diagnóstico do coronavírus. A decisão, segundo a juíza, deve ser cumprida em 48 horas, sob pena de multa de R$ 5 mil por dia.
Segundo a juíza, o documento enviado pelo AGU “não atende, de forma integral, à determinação judicial”. Na verdade, não eram os resultados dos exames – que Bolsonaro se recusa a revelar, o que aumenta os boatos de que teria contraído o coronavírus —, mas um relatório médico da coordenação de saúde da Presidência, com data de 18 de março, mas sem os exames. A magistrada havia determinado a apresentação dos dois exames feitos por Bolsonaro, que teriam resultados negativos, segundo o próprio.
Magistrado não dá canetada, somente se manifesta quando provocado. No caso da Lei da Transparência, o Supremo foi provocado por dois partidos políticos — a Rede e o PSB — , além do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em relação aos exames de coronavírus, quem recorreu à Justiça foi o jornal O Estado de S. Paulo. Mas Bolsonaro está convencido de que existe uma conspiração para depô-lo da Presidência, da qual fariam parte o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tem o poder de aceitar, ou não, os pedidos de impeachment; o governador de São Paulo, João Doria, com quem anda às turras por causa da epidemia de coronavírus; e o ministro Alexandre de Moraes, juiz natural do processo que investiga as fake news e as manifestações que pediam o fechamento do Congresso, do Supremo e a volta do AI-5, a lei de exceção do regime militar, atos políticos aos quais Bolsonaro compareceu, em Brasília.
Conspiração
Na sua paranoia, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro e o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, também fariam parte da conspiração. Para Bolsonaro, as investigações em curso em Brasília e no Rio de Janeiro pretendem atingi-lo, mirando seus filhos Flávio, o senador fluminense, investigado no famoso caso Fabrício Queiroz, envolvido nas rachadinhas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro; Eduardo, o deputado por São Paulo, que teria organizado, com outros parlamentares, as manifestações a favor de uma intervenção militar; e Carlos, o vereador carioca, que seria o líder do chamado “gabinete do ódio” e responsável pelas fake news lançadas contra os adversários políticos do clã Bolsonaro.
Além disso, Bolsonaro acredita que há uma operação de Maia no Congresso, no sentido de inviabilizar o governo financeiramente, ao estourar o “teto de gastos” e barrar projetos do ministro da Economia, Paulo Guedes. Tudo isso seria apenas uma paranoia se não houvesse as investigações, e se o Congresso não estivesse discutindo uma agenda econômica mais favorável aos governadores e aos prefeitos do que gostaria o ministro da Economia, Paulo Guedes, que fez a cabeça de Bolsonaro e dos ministros militares, de que o governo corre risco de colapsar financeiramente.
Bolsonaro viajou ontem para Porto Alegre, comparecendo à posse do novo comandante militar do Sul, general de exército Valério Stumpf Trindade, cuja área de atuação abrange Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ao falar com a imprensa, responsabilizou governadores e prefeitos pelo aumento do número de mortos na epidemia de coronavírus e criticou o isolamento social. Pela manhã, ao sair do Palácio do Alvorada, havia se queixado: “O Supremo decidiu que quem decide essas questões são governadores e prefeitos. Então, cobrem deles. A minha opinião não vale. O que vale são os decretos dos governadores e prefeitos.”
Em Brasília, o ministro da Saúde, Nelson Teich, diante do aumento de número de mortos e risco de colapso do sistema público de saúde em vários estados, pela primeira vez, admitiu que ainda não é hora de apresentar uma estratégia de relaxamento do distanciamento social. “Neste momento, o distanciamento permanece como orientação. E vamos avaliar cada lugar, cada região, quanto de recurso para atender pessoas”, disse. Admitiu que o número de mortos, no pico da epidemia, pode chegar a 1.000 por dia. Ontem, foram 435 mortos a mais, num total de 5.446 até agora. Com 85.380 casos confirmados, ultrapassamos a China, que registrou 83,9 mil. Isso sem contar a subnotificação.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-virus-da-paranoia/
Luiz Carlos Azedo: Dos meios e dos fins
“No Estado de direito democrático, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não se discute, cumpre-se. Quando isso não acontece, é um mau agouro”
O presidente Jair Bolsonaro vive num mundo só dele, que não é bem o país que governa. É difícil fechar um diagnóstico sobre as razões, mas é possível identificar os sintomas de que idealizou uma agenda, um governo e um Estado centralizador e agora se vê diante de uma realidade muito diferente daquela que imaginava. Primeiro, a agenda do país não é a sua, focada nos costumes e nos interesses imediatos de sua base eleitoral. Já lidava com dificuldades na economia quando a pandemia de coronavírus virou tudo de pernas para o ar.
Todas as suas prioridades foram alteradas. Ninguém sabe exatamente quando e como voltaremos à normalidade, mas sua insistência em antecipar esse processo de retomada da economia, num momento de aceleração da epidemia, vem se revelando um desastre do ponto de vista da saúde pública. É como aquele sujeito que erra de conceito: seus bons atributos, como iniciativa, coragem, combatividade, criatividade, força etc. só servem para aumentar o tamanho do desastre. A agenda do país é epidemia, epidemia e epidemia, pelo menos nas próximas duas semanas.
Também idealizou um governo no qual seu poder seria absoluto, como vértice do sistema. Está descobrindo que não é assim que funciona. Na democracia, há uma tensão permanente entre os que governam e a burocracia de carreira, responsável pela legitimidade dos meios empregados na ação político-administrativa. A ética das convicções, que motiva os políticos, não basta; ela é limitada pela máquina do governo, que foi organizada, treinada e instrumentalizada para observar as leis antes de agir, ou seja, zelar pela ética da responsabilidade. Bolsonaro não consegue lidar com isso. Em todas as frentes, tenta atropelar, substituir ou desmoralizar os que não aceitam decisões que são equivocadas tecnicamente e/ou contrariam a boa política e o interesse público.
Bolsonaro também tem dificuldade de lidar com os mecanismos de freios e contrapesos do Estado democrático de direito. Ontem, levou uma invertida do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que sustou a nomeação do novo-diretor da Polícia Federal, Alexandre Ramagem, por desvio de finalidade. Diante da decisão, revogou a nomeação para mantê-lo à frente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o que gerou uma situação de perda de objeto da ação do mandado de segurança acolhido por Moraes. Foi por essa razão que a Advocacia-geral da União desistiu de recorrer ao plenário do Supremo. Mesmo assim, Bolsonaro não caiu na real de que a Polícia Federal (PF) é técnica e judiciária, em cujas investigações não pode interferir.
Ontem, após a decisão do ministro do STF, mesmo assim, Bolsonaro disse que pretende recorrer da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e voltar a nomear Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal. “Eu quero o Ramagem lá. É uma ingerência, né? Vamos fazer tudo para o Ramagem. Se não for, vai chegar a hora dele, e vamos colocar outra pessoa”, declarou. Questionado sobre o posicionamento da AGU, disse que recorrer é um “dever do órgão”. E disparou: “Quem manda sou eu”. Se isso ocorrer, é muito provável que haja uma decisão unânime do STF contra a nomeação.
Recado claro
O que houve, ontem, foi um recado do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o sistema de freios e contrapesos da Constituiçao de 1988 está funcionando e que o Supremo ainda exerce o papel de Poder Moderador, em decorrência do fato de que cabe àquela Corte dar a palavra final em matéria constitucional. Como o STF é um poder desarmado, Bolsonaro provavelmente não se conforma muito com isso. Afinal, historicamente, esse papel foi exercido pelos militares, tanto na República Velha quanto na Segunda República. E seu governo tem mais generais do que qualquer outro no primeiro e no segundo escalões, mesmo comparado aos do regime militar. Quando diz que ainda vai nomear o Ramagem para o cargo de diretor-geral, Bolsonaro desnuda sua inconformidade, nos dois sentidos.
No Estado de direito democrático, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não se discute, cumpre-se. Quando isso não acontece, é um mau agouro. No governo Castello Branco, ou seja, após o golpe militar de 1964, o primeiro conflito sério com o Supremo ocorreu em 19 de abril de 1965. A Corte concedeu um pedido de habeas corpus impetrado pelo famoso jurista Sobral Pinto, católico e liberal, em favor do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, que estava preso na ilha de Fernando de Noronha, na costa daquele estado, desde a deposição do presidente João Goulart. Dias antes, o coronel Ferdinando de Carvalho, já prevendo a decisão, havia transferido o político pernambucano para a Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói (RJ).
O chefe do estado-maior do Exército, general Édson de Figueiredo, recusou-se a cumprir a decisão. O presidente do STF não teve outra alternativa a não ser mandar prendê-lo, o que provocou uma crise, somente debelada devido à intervenção pessoal de Castello, que chamou o magistrado e o general para uma conversa a três. Nesse meio tempo, um grupo de militares da chamada “linha-dura”, liderado pelo coronel Osneli Martinelli, sequestrou Arraes e levou-o para um quartel da Polícia do Exército. Foi preciso que Castello interviesse novamente, mandando soltá-lo. Arraes, que não era bobo, vendo que havia em marcha um golpe dentro do golpe, liderado pelo ministro da Guerra, o general Costa e Silva, tratou de pedir asilo na embaixada da Argélia. Era o começo de um processo que desaguou no Ato Institucional No. 5, em 13 de dezembro de 1968, mas isso isso já é outra história.
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