STF
Merval Pereira: Caso exemplar
Sistema de escolha dos ministros do STF pode ser deturpado , assim como o do procurador-geral da República
O habeas-corpus dado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otavio Noronha ao Queiroz, amigo dos Bolsonaro, e à sua mulher, foragida da Justiça, não foi surpresa para ninguém, apesar de ele já ter recusado nada menos que sete habeas-corpus anteriormente para presos que argumentavam com o perigo de se contaminarem com a Covid-19, razão alegada para conceder a graça a Queiroz.
Já era consabido que ele está empenhado em se colocar para o presidente Bolsonaro como alternativa confiável à vaga no Supremo Tribunal Federal que se abre em novembro com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello.
Antes, depois que Noronha derrubou uma decisão que obrigava Bolsonaro a apresentar seus exames médicos, o presidente elogiou Noronha em discurso, dizendo que tinha sido “um amor à primeira vista”.
As freqüentes decisões a favor do presidente, a dos exames acabou derrotada no STF, e o habeas-corpus de Queiroz, que causou incômodo entre seus pares, pode ser derrubada pelo relator Felix Fischer, têm uma razão de ser. João Otávio Noronha fará 65 anos em agosto do ano que vem, idade máxima para ser indicado para o Supremo.
Portanto, a próxima vaga é a chance que tem de ser indicado, pois o ministro Marco Aurélio se aposenta só em agosto de 2021. Já houve um caso em que o ministro tomou posse dias antes de fazer 65 anos, mas foi preciso um malabarismo para realizar o sonho.
Carlos Alberto Direito também provinha do STJ e precisou que o ministro Sepulveda Pertence antecipasse a aposentadoria para que pudesse tomar posse antes de fazer 65 anos, o que aconteceu a 5 de setembro de 2007, três dias antes da data fatal.
O caso de João Otavio Noronha é exemplar de como o sistema de escolha dos ministros do STF pode ser deturpado, assim como o do Procurador-Geral da República Augusto Aras, outro que disputa uma vaga no STF. Por isso há diversas propostas de mudanças, desde a fixação de um mandato para os ministros, até a maneira de escolha.
Há um projeto já em discussão na Comissão de Constituição e Justiça do Senado que propõe não apenas um mandato de 10 anos como que o presidente escolha o novo ministro através de uma lista tríplice com nomes indicados pelo STF, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Procuradoria-Geral da República.
Embora muitos considerem que é preciso alterar os critérios da escolha e o período da atuação dos ministros no STF – atualmente há uma idade limite de 70 anos -, na opinião do advogado e professor Álvaro Palma de Jorge, co-fundador da FGV Direito-Rio, que acaba de publicar o livro “Supremo interesse, a evolução do processo de escolha dos ministros do STF”, temos desenvolvido bem esse processo, que é semelhante ao da Suprema Corte dos Estados Unidos, com a diferença de que lá o mandato é vitalício.
O autor faz um balanço da evolução do sistema, e adverte que os Estados Unidos levaram um século para chegar ao sistema de sabatina no Senado “ao atual estágio de complexidade”. Ele vê uma transformação saudável no nosso sistema de escolha, com a “paulatina inclusão informal da participação popular nesse processo”.
Para Álvaro Palma Jorge, o papel do Senado tem se aprimorado nas sabatinas recentes, justamente porque o Supremo é hoje “protagonista da vida jurídica, cultural, econômica, política e regulatória nacional”. Além do mais, o Senado já não desempenha mais sozinho o escrutínio dos indicados ao Supremo: “Tem junto consigo o cidadão, que pergunta, sugere, critica. Tem junto a academia, que analisa e oferece sugestões.Tem junto a pressão de entidades de direitos humanos. Tem defensores e críticos do nome indicado. Tem a imprensa. Tudo como deve ser”.
Assim como nos Estados Unidos, aqui também as mudanças eleitorais se traduzem em mudanças de jurisprudência, embora com uma freqüência às vezes indesejável no nosso caso, pois a rotatividade do nosso sistema é maior.
Por isso o presidente Bolsonaro quer garantir vagas para ministros conservadores, um pelo menos “terrivelmente evangélico”, na tentativa de alterar decisões da maioria progressista que domina hoje o STF. É impossível, porém, garantir o voto de um ministro que tem garantias de independência, inamovibilidade, irredutibilidade de salários. O próprio mensalão, e depois o petrolão, mostraram, inúmeras vezes, que os ministros e as ministras do STF podem, com suas decisões, surpreender e até desagradar a quem os indicou.
‘E seu eu acordasse negra?’, pergunta Lilia Lustosa para refletir sobre racismo
Crítica de cinema publicou artigo da revista Política Democrática Online de junho e diz que o crime ‘contagia a sociedade há séculos’
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online do mês de junho, a crítica de cinema Lilia Lustosa questiona como mudar a situação de racismo que contamina a indústria cinematográfica do Brasil e do mundo. “E se eu acordasse negra? Encararia a vida da mesma maneira? Teria a mesma segurança para desbravar territórios desconhecidos como venho fazendo nesses últimos doze anos em que vivo fora da minha terra?”, questiona, para responder: “Do alto do privilégio da minha branquitude, minha resposta, imediata e honesta, foi não”.
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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Em seu artigo, Lilia convida os internautas a refletir sobre o racismo estrutural que, segundo ela, “mais do que qualquer coronavírus, contagia nossa sociedade há séculos”. “Uma pandemia para a qual nunca se criaram vacinas, nem remédios, o único caminho sendo a conscientização e a reeducação da nossa gente. E o primeiro passo, reconhecer o racismo que habita cada um de nós”, afirma.
Em um trecho, Lilia conta que recordou as imagens que havia visto dias antes no documentário Minha História (2020), de Nadia Hallgreen, sobre a turnê de Michelle Obama pelos EUA, para o lançamento de seu livro homônimo. “Lembro-me de ter ficado arrepiada ao ver aquela mulher negra lotando estádios nos Estados Unidos de Trump, oferecendo inspiração e esperança a tantas pessoas daquele país”, afirma.
A crítica de cinema também diz que ficou imaginando todas as dificuldades enfrentadas para chegar àquele palco. “Será que Michelle sempre entrava nos prédios de cabeça erguida? Sentia-se inferior ou invisível aos olhos de alguém? Mas a ex-primeira dama, que já sentou em tantas mesas importantes (palácios, castelos, salas de aula de Princeton e Harvard), afirmou nunca se ter sentido invisível”, acentua.
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Edição de junho da revista Política Democrática Online mostra força de mobilização contra o crime na sociedade
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Casos de assassinatos do adolescente João Pedro Mattos, de 14 anos, e do norte-americano George Floyd, de 46, reforçam na sociedade mobilizações contra racismo, como Black Lives Matter, que lutam contra o crime que impõe diversos obstáculos para essa parcela da população. É o que destaca a reportagem especial da 20ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília.
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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Negros assassinados por policiais, João Pedro e George Floyd também não conseguiram resistir à perversidade do crime que tem dizimado essa população diariamente e que se manifesta de diversas formas.
No Brasil e nos Estados Unidos, conforme mostra a reportagem, a violência é uma das faces desse crime, que se propaga em vários outros. “Negros são os que mais morrem em ações policiais e também lideram o ranking das vítimas de coronavírus. Têm menos acesso à saúde, grau de escolaridade e oportunidade de emprego, em comparação com pessoas brancas”, diz o texto.
No total, no Brasil, negros são 56% da população e 75% dos mortos por policiais. Nos Estados Unidos, representam 13% das pessoas e 24% das vítimas assassinadas pela polícia. Livres da escravidão, abolida há 132 anos no território nacional, pessoas negras e toda a sociedade precisam se mobilizar contra o racismo, que, na avaliação de especialistas, tem se institucionalizado cada vez mais e de forma acelerada na força estatal.
Além da violência e de morrerem três vezes mais do que brancos por Covid-19 nos Estados Unidos e de serem mais de metade das vítimas da doença no Brasil, negros enfrentam abismos de desigualdade no acesso à educação, a oportunidades de emprego, à cultura e a cargos eletivos. No labirinto da discriminação, precisam encontrar o caminho da sobrevivência.
Reflexo da falta de acesso a serviços de saúde e alimentação que garanta boa qualidade de vida, mais da metade dos negros que se internaram no Brasil no período da pandemia morreu por contaminação de coronavírus em hospitais no país. Pesquisadores do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro analisaram 29.933 casos encerrados de Covid-19 (com óbito ou recuperação). Dos 8.963 pacientes negros internados, 54,8% morreram nos hospitais. Entre os 9.988 brancos, a taxa de letalidade foi de 37,9%.
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O Estado de S. Paulo: Aliados de Bolsonaro tentam isolar extremistas
Grupos de apoio ao presidente moderam discurso e apagam vídeos depois de participarem de atos antidemocráticos e STF pôr em xeque ‘presidencialismo de colisão’
Marcelo Godoy, Pedro Venceslau e Daniel Bramatti, O Estado de S.Paulo
Após fracassar sua ofensiva para deter as ações do Supremo Tribunal Federal (STF), o bolsonarismo propõe agora uma détente entre as instituições e procura isolar os grupos radicais que pregam “intervenção militar”, com o fechamento do Congresso e da Corte. Nos círculos mais próximos do presidente, o movimento é justificado em razão da avaliação de que extremistas, como Sara Geromini, estariam “contaminando” os movimentos pró-governo.
A decisão de se descolar desses grupos veio após ações do STF que levaram extremistas à prisão e à quebra de sigilos de apoiadores e parlamentares bolsonaristas, além da prisão de Fabrício Queiroz, apontado pelo Ministério Público como operador financeiro de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no esquema das rachadinhas. Os grupos intervencionistas sempre foram tolerados e até dividiram carros de som com expoentes do bolsonarismo. Organizadores de atos pró-governo e aliados do presidente pregam agora que eles sejam isolados e rotulados como indesejados, como se fossem black blocs da direita.
“Desde as Diretas-Já sempre tem um maluco com uma placa que diz bobagem. Esse pessoal com bandeiras inadequadas não representa o pensamento do grupo que apoia Bolsonaro”, disse ao Estadão Luís Felipe Belmonte, terceiro na hierarquia do Aliança Pelo Brasil, partido que o presidente Jair Bolsonaro tenta criar. Belmonte foi um dos alvos da ação da PF no caso das fake news. “Essa história de fechar Congresso e STF é uma conversa estúpida e sem nenhum fundamento. Não tem apoio no grupo do Bolsonaro.”
Um dos fundadores do Avança Brasil, Newton Caccaos disse que os grupos radicais “atrapalham” com atitudes impensadas, como os fogos contra o STF. “Não sei qual é a da Sara Geromini, que já foi de esquerda, mas virou de lado. Não podemos ser confundidos com os mais radicais e intervencionistas.”
A operação de retirada do bolsonarismo das pautas extremistas ocorre dois meses após o presidente ter ido a ato que defendia o golpe em frente ao quartel do Exército, em Brasília. A mudança pode ser vista nas redes sociais. Na quinta-feira, o youtuber Alberto Silva, do canal O Giro de Notícia, publicou vídeo no qual aparece vociferando contra “eles”, sem especificar o alvo. “Eles fazem esse tipo de notícia como se nós fôssemos bandidos”, disse, citando escândalos do noticiário nos últimos anos. “Aqui o dinheiro é lícito.”
Dias antes, o canal de Silva apagou 148 vídeos, segundo levantamento de Guilherme Felitti, da empresa de análise de dados Novelo. Os títulos e descrições das obras removidas dão uma ideia de quem seriam “eles”: a sigla STF aparece 251 vezes, sempre como alvo. Outros canais também moderaram o discurso. “Sou contra fechar o Supremo”, disse em vídeo Adilson Dini, do Ravox Brasil, um dos investigados pela Justiça.
Os bolsonaristas apagaram 3,1 mil vídeos desde que o STF agiu contra o esquema que buscava emparedar a Corte, segundo os dados de Felitti. “É claro que o STF está agindo com base em uma demanda, porque a democracia vem sendo atacada. O problema é que a gente está concentrando o poder no Supremo. Qual a garantia de que isso não vai ensejar abusos?”, indagou o cientista social Caio Machado, da Universidade de Oxford, que pesquisa desinformação e discursos de ódio no YouTube.
Colisão
Para o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, Bolsonaro se elegeu como representante da antipolítica e com as redes sociais. “Mas não se governa com a antipolítica ou com as redes.” Ao se recusar a criar uma coalizão, Bolsonaro escolheu o que Jungmann chama de “presidencialismo de colisão”, uma fórmula que está esgotada.
“Desarticulada pelo STF, a base digital dele perde capacidade de operar. Também ficou evidente que as Forças Armadas nunca estiveram à disposição de Bolsonaro (para aventuras).” Símbolo disso seria a passagem à reserva do ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, após pressão do Alto Comando do Exército.
Com a pandemia, as ações do STF e a falta de apoio à ideia de um golpe, o presidente se veria, na análise do cientista político José Álvaro Moisés, em uma encruzilhada. “Ele não cria uma resposta coordenada e eficaz contra a crise da covid-19. Isso afeta todas as classes sociais.”
É por isso que Bolsonaro lançou a détente, afastando-se de manifestações e demitindo Abraham Weintraub da Educação. Na Guerra Fria, a détente foi a política entre as superpotências – EUA e URSS – que visava a diminuir as tensões e o risco de uma guerra catastrófica. A détente bolsonarista serve para estancar a crise com o STF e o Congresso. Em encontro com Dias Toffoli, presidente da Corte, Bolsonaro disse: “O nosso entendimento pode sinalizar que teremos dias melhores para o nosso país”.
Para Manoel Fernandes, sócio da consultoria Bites, Bolsonaro precisa manter a base mobilizada com confrontos. “Em breve vai arrumar outro inimigo.” O alvo, então, pode ser um governador ou o resgate da pauta de costumes. Na guerra fria entre os Poderes, o STF e o Congresso têm suas armas – o primeiro, inquéritos criminais e o segundo, o impeachment. Bolsonaro sabe. E, por isso, adota o estilo Jair paz e amor. “O que ninguém sabe é até quando”, disse Moisés.
Cresce oposição nas redes
Levantamento da Bites mostra que no Facebook, Bolsonaro obteve neste ano mais compartilhamentos do que o presidente americano, Donald Trump. O presidente tem 10,5 milhões de seguidores, fez 990 publicações e conseguiu 20 milhões de compartilhamentos. Trump, com 28 milhões de seguidores, publicou 2.680 posts e teve 17 milhões de compartilhamentos.
Desde a posse, Bolsonaro somou 14 milhões de seguidores nas suas redes – hoje tem 37,4 milhões. Fez 8,7 mil posts e obteve 1 bilhão de interações. Ao mesmo tempo, segundo Fernandes, ele criou um sistema de comunicação em torno dele – só os cinco principais sites de propaganda em forma de notícia do bolsonarismo contaram 24 milhões de visitas em maio, enquanto seus influenciadores mantêm de 400 mil a 2 milhões de seguidores no YouTube.
Mas nem tudo são rosas para o bolsonarismo. A radicalização dele criou um movimento – ainda difuso – de oposição. De 15 de março a 25 de junho, Bolsonaro teve 38,7 milhões de menções no Twitter associadas a hashtags positivas e 17,2 milhões negativas. “Um dado importante é a quantidade de perfis únicos que produziram as hashtags, incluindo as repetições. São 7,1 milhões de bolsonaristas e 8,2 milhões de perfis de oposição. Tem mais gente de oposição falando do que bolsonarista. Os bolsonaristas falam mais vezes”, disse Fernandes. Para ele, os números mostram que só uma oposição unida e com um líder claro pode derrotar Bolsonaro.
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Eleições 2020: Qual desafio de prefeitos e vereadores eleitos? Veja resposta agora
Em artigo publicado na 20ª edição da revista Política Democrática Online, Luiz Paulo Vellozo Lucas diz que renovação das lideranças pode inaugurar agenda democrática e reformista
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“Prefeitos e vereadores eleitos em 2020 serão desafiados a conquistar e acumular confiança pública e capital cívico, para dar conta de governar seus municípios nesta crise”. A avaliação é do engenheiro Luiz Paulo Vellozo Lucas, ex-prefeito de Vitória (ES) e mestrando em Desenvolvimento Sustentável na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), em artigo que publicou na 20ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília.
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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. De acordo com o autor do artigo, a renovação das lideranças locais em eleições livres pode inaugurar uma agenda democrática e reformista, visando a corrigir e fazer avançar as instituições que estruturam o Estado brasileiro em um processo de baixo para cima.
“Começa no processo eleitoral deste ano debatendo, sem as muletas do populismo e do pensamento mágico, soluções viáveis de enfrentamento pactuado do déficit de vida urbana civilizada e da exclusão social, tanto nas metrópoles, com suas favelas, como nos distritos e vilas do interior, distantes do dinamismo industrial”, afirma o analista, no artigo que publicou na revista Política Democrática Online.
A agenda reformista precisa sair das caixinhas setoriais para adotar o ponto de vista das cidades, que, segundo ele, é o ponto de vista das pessoas. “O desafio das reformas é um só, Inter setorial e holístico. A cidade integra todas as dimensões: fiscal e tributária, política e federativa, social e econômica, tecnológica, ambiental e humana”, diz o autor. “O desafio das eleições municipais é abrir caminho para esta agenda em cada cidade e para o Brasil”.
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‘Não creio que Bolsonaro produzirá conflito que leve à ruptura’, diz Nelson Jobim
Ex-ministro da Defesa concedeu entrevista à revista Política Democrática Online e diz que horizonte de solução da crise política passa pelas eleições de 2022
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Em entrevista exclusiva concedida à revista Política Democrática Online, o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim é enfático ao afirmar que o artigo 142 da Constituição de 1988 não dá o direito de as Forças Armadas intervirem contra um dos poderes da República. “É equivocada a tese, verbalizada por Ives Gandra, que teima em trazer o passado por cima da legislação nova, ou seja, ajustar a legislação nova com pressupostos anteriores”, afirma. “Sempre haverá discursos políticos, mas não creio que o presidente Bolsonaro terá condições de produzir algum conflito que possa levar a uma ruptura do processo”, diz, em outro trecho.
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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Até 1988, os militares tinham a faculdade, pela Constituição, de intervir para preservar a lei e a ordem, sem limitação alguma. “Trata-se de uma prática tão comum como nociva no sistema legal, essa de tentar, por via de exegese, fazer sobreviver o modelo anterior por dentro do modelo novo”, afirma.
Jobim foi ministro da Defesa durante o segundo mandato de Lula e no primeiro ano do governo Dilma. Ele também foi deputado federal por dois mandatos, ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1997) e presidente do STF (2004-2006), Nelson Jobim é defensor da teoria de que, na história do Brasil, os conflitos mais emblemáticos tiveram suas soluções encaminhadas pela conciliação e não pelo confronto.
O horizonte de solução da crise política que o país vive atualmente, segundo Jobim, passa pelo processo eleitoral de 2022. Em sua avaliação, nenhum processo como os decorrentes das declarações do ex-ministro Sérgio Moro, envolvendo a reunião ministerial de 22 de abril; a ação em curso no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que analisa o processo eleitoral que deu a vitória a Bolsonaro ou o afastamento do presidente da República por conta do acolhimento de alguma denúncia de crime impetrada pelo Ministério Público Federal tem possibilidades concretas de andamento.
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Míriam Leitão: A desigualdade piora na pandemia
Ministro Marco Aurélio diz que há vários caminhos na Constituição para diminuir os gastos com servidores sem ter reduzir salários
O ministro Marco Aurélio Mello disse que a despesa com os servidores pode ser reduzida, ainda que o Supremo tenha decidido que são irredutíveis os salários dos funcionários públicos da União, Distrito Federal, estados e municípios. No mesmo dia dessa decisão, que protege um grupo profissional, o IBGE divulgou que a renda do brasileiro caiu 18% em maio, e que, dos afastados do trabalho, quase dez milhões passaram a não ter renda alguma. Desses, 33% são empregadas domésticas sem carteira. São os retratos do país.
O Brasil sabe como construir desigualdades e faz isso na saúde e na doença, na prosperidade e na crise. Agora, por exemplo, alguns, como eu, conseguem trabalhar de casa porque têm boa internet e bons equipamentos. Os de maior escolaridade, avisa o IBGE, são a maioria entre os que conseguiram continuar produzindo de casa.
O ministro Marco Aurélio explicou que a Constituição estabelece a irredutibilidade dos salários dos servidores, mas não o de trabalhadores do setor privado.
— É bom pensar nisso para uma futura emenda — disse.
O tratamento é desigual, afinal, o Brasil vive uma pandemia, um colapso da arrecadação que devasta as finanças de estados e de municípios, e o gestor público pode cortar tudo, menos o salário do servidor. Imagine uma cidade sem recursos que tenha que, em vez de comprar remédio para um hospital, manter o mesmo rendimento para o servidor num país que empobreceu?
O que o ministro argumenta é que a própria Constituição aponta um caminho:
— O rol de medidas, para reduzir as despesas com pessoal, contido na Constituição, é exaustivo. Está no artigo 169. Permite a redução dos gastos de pessoal, primeiro afastando 20% dos detentores de cargos de confiança, depois exonerando os servidores não estáveis e por último até os estáveis, desde que pagando-se uma indenização de um mês por ano trabalhado. Mas tem que conciliar todo ajuste à irredutibilidade dos salários dos servidores — disse.
Nesse artigo a Constituição estabelece que os salários dos servidores de qualquer esfera administrativa do setor público não pode exceder o limite estabelecido por lei complementar. E faz a lista desses ajustes que podem ser feitos. Nada impede agora que o governo federal diante da conhecida queda de arrecadação reduza em 20% os cargos comissionados. Mas, pelo visto, na negociação com o centrão para defender seu mandato, o presidente está fazendo o caminho oposto. Aumentando as nomeações de apadrinhados.
Os efeitos econômicos do coronavírus no mercado de trabalho são como um bombardeio sobre os postos de trabalho. Os servidores que têm estabilidade já estão num abrigo antiaéreo. Na outra ponta, estão 19 milhões de trabalhadores que foram afastados e, desses, quase 10 milhões ficaram sem remuneração alguma. Somando-se os brasileiros que gostariam de procurar trabalho mas não estão procurando por causa da pandemia e os desempregados, há 36,4 milhões de brasileiros “pressionando o mercado de trabalho”, como disse o IBGE.
E, ao contrário do que o presidente Bolsonaro argumenta, isso não é provocado pelas decisões de isolamento, mas sim pelo vírus em si. As medidas, agora cada vez mais neglicenciadas, são decorrentes da necessidade de proteger a vida. Se o governo tivesse sido eficiente nas linhas de crédito para as empresas micro, pequenas e médias, teria reduzido em muito a crise atual. Se tivesse organizado com competência a distribuição do auxílio emergencial, teria evitado a maior parte das filas que certamente aumentaram as taxas de contaminação. E, principalmente, se o presidente não tivesse passado tantos sinais contraditórios, não tivesse negado a ciência, mas agido como coordenador, o peso da pandemia e da crise econômica teriam sido menores.
Em todas as áreas o que se vê no Brasil durante a pandemia é o aprofundamento das desigualdades. A falta da cobertura de banda larga no país, a falta de computadores nos lares dos mais pobres, a falta de celulares afastam pessoas do mercado e tiram a capacidade de aprendizado dos estudantes. E pensar que quando foi criado o FUST era para ser, como o nome diz, um fundo para universalizar os serviços de telecomunicação. O dinheiro ficou parado no fundo, no meio de muito debate sobre o seu destino, e agora o governo Bolsonaro propôs sua extinção.
Merval Pereira: Guerra fria
Gestos em direção ao STF feitos por Bolsonaro não têm o poder de paralisar as investigações que envolvem seu círculo íntimo
Os gestos do presidente Bolsonaro em direção ao Supremo Tribunal Federal (STF) têm pouca chance de reverter o relacionamento institucional entre os dois Poderes por uma razão simples: eles não têm o poder de paralisar as investigações que envolvem Bolsonaro ou seu círculo íntimo, e nem isso pode ser objeto de proposta de negociação. Seria ofensivo.
Espera-se uma reação menos biliosa por parte do presidente caso alguma decisão judicial nos próximos dias, o que não é improvável, mexa com seu humor. O que é classificado de “guerra fria institucional” pelos enviados especiais do Palácio do Planalto a São Paulo para uma conversa apaziguadora com o ministro do STF Alexandre de Moraes é, na verdade, a irresignação do presidente Bolsonaro com as decisões judiciais que lhe são desfavoráveis, o que não tem solução a ser pactuada.
Os enviados foram o ministro Jorge Oliveira, chefe do Gabinete Civil, o ministro da Justiça André Mendonça (ambos candidatos a vagas no Supremo) e José Levi, Advogado-Geral da União. Obviamente, não conversaram sobre investigações ou casos específicos, focando o diálogo na necessidade de acabar essa “guerra fria institucional”.
Ficou combinado que cada um exercerá suas funções sem agressões institucionais, mas o apaziguamento depende mais do presidente, que considera toda ação que atinja seus filhos ou seguidores parte de uma conspiração contra ele. Foi essa, aliás, a intenção de outro ministro do Supremo, Gilmar Mendes, ao conversar com o Comandante do Exército Edson Pujol. Mostrar que o STF apenas cumpre seu papel de guardião da Constituição
Os três emissários do Planalto fazem parte do grupo considerado dos que prezam a institucionalidade, e com a saída do ministro da Educação ,Abraham Weintraub, parecem prestigiados. Mas, com Bolsonaro, nunca se sabe. A expressão dele ao lado de Weintraub, que tomou a iniciativa de anunciar a própria saída, mostrava um homem claramente constrangido, e as possíveis razões disso são ruins para ele.
Se for devido à prisão, naquele mesmo dia, do Queiroz, têm-se a dimensão do estrago feito. Mas há outras especulações. Podia estar incomodado por ter que demitir Weintraub, ou insatisfeito por ter que dar, pela pressão das redes sociais, uma saída honrosa a ele, ou o prestígio virtual de Weintraub já o contraria.
Como Weintraub pretende assumir papel relevante nas redes sociais, ao lado do ideólogo de Virginia agora que estão juntos nos Estados Unidos, pode ser que o eventual atrito aumente. Mas esses problemas tornaram-se pequenos diante do que tem pela frente na Justiça.
O futuro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luis Fux, nega que tenha sido procurado por interlocutores do governo para uma tentativa de aproximação, que de resto acha desnecessária, pois considera a relação institucional entre os Poderes natural.
Mas os que conhecem o ministro Fux consideram difícil que ele recebesse o presidente e sua comitiva na visita extemporânea ao Supremo, como Bolsonaro fez com um grupo de empresários sem ter marcado previamente com o presidente Dias Toffoli. São espíritos distintos.
Toffoli mais propenso a tentar um pacto de governabilidade entre os três Poderes que foi implodido pelo estilo totalitário de Bolsonaro. Até mesmo pela experiência anterior, o futuro presidente Fux não repetiria o gesto, mesmo porque o presidente Bolsonaro entendeu o pacto como sinal de que o Judiciário e o Congresso não o incomodariam, o que se mostrou um ledo engano de sua parte.
Além de tudo, há um componente nessa equação de paz que não está sob controle: as milícias digitais, que o governo diz não controlar. Como as investigações estão caminhando na direção de exibir os coordenadores e os financiadores desses grupos, e o próprio presidente estimula as manifestações com motes antidemocráticos de fechamento do Congresso e do STF, ficará muito difícil desvincular o presidente e seu círculo íntimo dos agressores.
O recado que o presidente tem recebido dos contatos com ministros do Supremo pode ser resumido à resposta do ministro Luis Roberto Barroso a um interlocutor que o procurou para saber se o presidente tinha o que temer em relação ao inquérito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que preside. Disse Barroso: “Só se tiver feito alguma coisa errada”.
William Waack: O STF no ataque
O governo está na defensiva contra um adversário que se sente jogando em casa
“Bola no chão”, disse o general Hamilton Mourão, o porta-voz político do time dos militares no governo, referindo-se ao enfrentamento entre Executivo e Judiciário, a questão mais relevante e perigosa no momento. Ao sugerir como tratá-la, o general recorreu a uma frase da folclórica figura de Neném Prancha (1906-1976), que foi roupeiro, massagista, técnico e filósofo do futebol brasileiro: “A bola é de couro, o couro vem da vaca, a vaca come a grama, então bola no chão”.
Mas também o time do outro lado, o do STF, parece ter adotado uma frase de outra figura folclórica do futebol brasileiro, a do técnico Zezé Moreira (1907-1998), que assim descrevia a vantagem de jogar em casa mesmo contra equipes consideradas muito mais fortes: “Lá em casa até boi vira vaca”. De fato, o STF está jogando em casa. E no ataque.
Não se trata apenas da questão dos inquéritos que o Supremo dirige e que são clássicos do “follow the money” para chegar a quem organizou e financiou ações contra instituições democráticas – a principal razão do nervosismo no Planalto. Nem do formidável arsenal de medidas com o qual o STF já vinha impondo limites ao Executivo, muito evidente quando o Judiciário definiu o papel dos entes da Federação na crise de saúde.
Ministros do Supremo, articulados a uma vasta comunidade de operadores no campo do Direito (acadêmicos, advogados, juízes, procuradores), derrubaram com notável rapidez uma interpretação do artigo 142 da Constituição favorável a colocar as Forças Armadas como uma espécie de “poder moderador” entre os Poderes. “Isso é terraplanismo constitucional”, resumiu o ministro Luís Barroso, trazendo a filosofia de Neném Prancha para o campo jurídico. Em outras palavras, sumiu a justificativa “técnica” ou “constitucional” ou “legal” para qualquer intervenção política das Forças Armadas.
Pior ainda para o time do Planalto: o do STF ganhou um reforço considerável com a postura do procurador-geral da República – que o presidente tinha constrangido em público, obrigando Augusto Aras não só a ser “técnico” nas suas ações, mas a parecer ser. E ser “técnico” neste âmbito significa que a PGR e o STF tocam juntos os inquéritos que tanto irritam o Planalto e os militares.
Em termos das personalidades envolvidas na disputa, talvez a expressão mais eloquente da grave tensão entre os poderes Judiciário e Executivo esteja na evolução das posturas do presidente do Supremo, Dias Toffoli, e do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, considerado entre seus pares como uma brilhante cabeça política. Então chefe do Estado-Maior do Exército, Azevedo foi deslocado em 2018 para ser o principal assessor de Toffoli, que havia acabado de assumir a presidência do STF.
Naquela época, a ideia era promover um esforço conjunto (militares e juízes) para pacificar um delicado ambiente pré-eleitoral. Hoje, Toffoli enxerga “dubiedade” nas posturas do chefe do Executivo frente às instituições democráticas. Enquanto seu ex-assessor, atual ministro da Defesa, assina uma nota com o presidente da República e seu vice afirmando que as Forças Armadas “não aceitam a tomada do poder por outro Poder por conta de julgamentos políticos” – referência também aos inquéritos do STF, da PGR e do TSE, vistos no Planalto como ferramenta política para derrubar um governo eleito com 57 milhões de votos.
A natureza, o alcance e a profundidade das crises de saúde pública e econômica acuariam por si qualquer governo brasileiro, mas o de Bolsonaro se empenhou em agravar também a crise política, com o resultado de ter de jogar na defesa nas três. Neném Prancha definia o futebol como um jogo muito simples: “Quem tem a bola ataca, quem não tem, defende”. A bola está com o STF.
Folha de S. Paulo: Ministro do STF manda prender Winter e mais cinco
Decisão é do ministro Alexandre de Moraes (STF) no âmbito do inquérito que investiga protestos antidemocráticos
A prisão da ativista Sara Winter, do grupo armado de extrema direita "300 do Brasil", integra uma operação da Polícia Federal nesta segunda-feira (15) que envolve mais cinco mandados de prisão.
A decisão é do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), no âmbito do inquérito que investiga protestos antidemocráticos.
Sara Winter foi presa na manhã desta segunda-feira pela PF e levada para a superintendência da corporação em Brasília. Os demais nomes alvos de pedido de prisão ainda não foram divulgados. Foram ordenadas prisões temporárias, de cinco dias.
A decisão de Alexandre de Moraes atende a pedido do Ministério Público Federal feito na sexta-feira (12), a partir de indícios de que o grupo liderado por Sara está organizando e captando recursos financeiros para ações que se enquadram na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983). “O objetivo das prisões temporárias é ouvir os investigados e reunir informações de como funciona o esquema criminoso”, afirmou a Procuradoria-Geral da República.
A defesa de Winter disse à Folha que ainda buscava mais detalhes sobre a ordem judicial.
Na noite de sábado (13), integrantes do grupo atacaram o prédio do STF com fogos de artifício. A pedido do presidente do tribunal, Dias Toffoli, a Procuradoria-Geral da República abriu investigação para a responsabilização dos autores.
Também no sábado o governo do Distrito Federal, usando a Polícia Militar, recolheu barracas e outros utensílios de militantes do "300 do Brasil" sob a justificativa de que os acampamentos não são permitidos no local. Winter pediu a intervenção do presidente Jair Bolsonaro.
À tarde, liderados por Winter, um grupo de 20 pessoas rompeu a área cercada no entorno do Congresso e invadiu a laje do prédio. Após ação da Polícia Legislativa, eles foram para o gramado em frente ao espelho d'água. Ela afirmou ainda que vai "acampar" no Congresso.
"Vocês tiram nossa casa que nós tiramos o Congresso", afirmou a militante. Aos gritos de "acabou, porra", os manifestantes gritavam a favor da intervenção militar, pedindo o fechamento do Congresso e faziam ataques à imprensa. Eles também rezaram e pediram bênção ao presidente.
Winter é investigada também no inquérito das fake news, que tramita no STF. Depois de ter sido alvo de busca e apreensão, Winter publicou um vídeo afirmando ter vontade de “trocar socos” com Alexandre de Moraes e prometendo infernizar a vida do ministro e persegui-lo. As declarações motivaram a expulsão da militante do DEM.
Em entrevista à Folha, ela reconheceu que alguns membros estavam armados, embora tenha dito que as armas eram apenas para defesa do grupo e não para atividades de militância.
O inquérito para investigar os atos antidemocráticos no país foi autorizado por Alexandre de Moraes após manifestações do tipo terem sido realizadas em 19 de abril. O pedido de investigação foi feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.
O objetivo de Aras é apurar possível violação da Lei de Segurança Nacional por "atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF".
“O Estado brasileiro admite única ideologia que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”, afirmou o procurador-geral, sem citar o presidente Jair Bolsonaro, que também participou de ato em Brasília.
A Constituição proíbe o financiamento e a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado democrático de Direito. Prevê como crimes inafiançáveis e imprescritíveis ações desse tipo, promovidas por grupos armados, civis ou militares.
Já a Lei de Segurança Nacional diz que é crime fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social. Também veda incitar a subversão da ordem política ou social; a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; e a luta com violência entre as classes sociais.
No pedido de abertura de inquérito, o procurador-geral não cita o presidente da República como um dos possíveis organizadores ou financiadores de atos deste tipo. Mas o inquérito também é entendido como um recado ao presidente.
Bolsonaro participou de diferentes atos em Brasília em que os manifestantes defendiam pautas inconstitucionais, como uma intervenção das Forças Armadas nos Poderes, o fechamento do Congresso e do Supremo, além da reedição do Ato Institucional número 5 (AI-5), o mais radical da ditadura militar.
No ato de 19 de abril, ele subiu numa caminhonete e gritou palavras de ordem como "agora é o povo no poder" e "não queremos negociar nada".
El País: STF reage a Bolsonaro e apoiadores e diz que usará “todos os remédios” para defender Corte e democracia
Toffoli lamenta ameaças “estimuladas por integrantes do Estado” após ato contra tribunal com fogos. PGR pede investigação sobre invasões de hospitais incentivadas pelo presidente
A semana em Brasília se inicia da mesma forma como todas têm começado ―e terminado― desde o início da pandemia de coronavírus: com alta tensão entre os Poderes da República. Após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux deferir liminar para esclarecer o escopo de atuação das Forças Armadas ―respondendo a ação do PDT―, e o presidente Jair Bolsonaro assinar nota junto com o ministro da Defesa para reafirmar a possibilidade de interferência dos militares, manifestações do procurador-geral da República e do presidente do STF mostram que a crise política está longe de esfriar. Neste domingo, Augusto Aras anunciou que vai solicitar a procuradores-gerais dos Ministérios Públicos estaduais que apurem invasões de hospitais em São Paulo e Distrito Federal. Invasões essas incentivadas pelo presidente da República durante sua live semanal de Facebook, na quinta-feira passada. Já Antonio Dias Toffoli lamentou ameaças ao Supremo “estimuladas por integrantes do próprio Estado” após cerca de 30 manifestantes dispararem fogos de artifício na direção do tribunal na noite de sábado ―o episódio também virou alvo de investigação preliminar na PGR.
“Infelizmente, na noite de sábado, o Brasil vivenciou mais um ataque ao Supremo Tribunal Federal, que também simboliza um ataque a todas as instituições democraticamente constituídas”, lamentou Toffoli em nota. O presidente do STF fez questão de destacar que atitudes como o protesto com fogos “têm sido reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado”, sem mencionar nomes. O presidente da Corte Suprema diz ainda que o tribunal “jamais se sujeitará, como não se sujeitou em toda a sua história, a nenhum tipo de ameaça, seja velada, indireta ou direta e continuará cumprindo a sua missão”. E finaliza: “Guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal repudia tais condutas e se socorrerá de todos os remédios, constitucional e legalmente postos, para sua defesa, de seus Ministros e da democracia brasileira.”
O ministro Alexandre de Moraes, que tem protagonizado decisões que contrariam o Palácio do Planalto, como o bloqueio da nomeação de Alexandre Ramagem para comandar a Política Federal e a ordem para que o Ministério da Saúde voltasse a publicar todas as informações sobre a pandemia de coronavírus, se uniu ao colega de STF por meio de seu perfil no Twitter: “O STF jamais se curvará ante agressões covardes de verdadeiras organizações criminosas financiadas por grupos antidemocraticos que desrespeitam a Constituição Federal, a Democracia e o Estado de Direito. A lei será rigorosamente aplicada e a Justiça prevalecerá”.
Outro ministro da Corte Suprema, Luis Roberto Barroso, engrossou o coro. “Há no Brasil, hoje, alguns guetos pré-iluministas. Irrelevantes na quantidade de integrantes e na qualidade das manifestações. Mas isso não torna menos grave a sua atuação. Instituições e pessoas de bem devem dar limites a esses grupos. Há diferença entre militância e bandidagem”, tuitou. Barroso disse recentemente em entrevista a meios estrangeiros, incluindo o EL PAÍS, que “não há risco de voltarmos a ser uma república de bananas". "Nós amadurecemos. Muito menos os militares querem isso”, comentou.Renato Souza✔@reporterenato
Há pouco, grupos de manifestantes do acampamento "300 pelo Brasil" lançou fogos de artifício em direção ao Supremo Tribunal Federal, na Esplanada dos Ministérios. O governador do DF, Ibaneis Rocha, decretou o fechamento da Esplanada dos Ministérios para evitar ataques.
O Ministério Público Federal determinou neste domingo abertura de investigação sobre o protesto em que foram disparados fogos contra o prédio do STF. Além disso, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, exonerou o subcomandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), coronel Sérgio Luiz Ferreira de Souza, que era o responsável pelo patrulhamento na capital federal enquanto o comandante Julian Rocha Pontes se recupera da infecção por coronavírus. Ibaneis também decretou o fechamento da Esplanada dos Ministérios neste domingo, citando “ameaças declaradas por alguns dos manifestantes” e destacando a necessidade de “contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública”.
Na sexta-feira, ao responder a liminar de Fux, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) divulgou nota assinada pelo presidente, pelo vice, Hamilton Mourão, e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo, para dizer que as Forças Armadas “não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos”. Não ficou claro se falavam dos riscos aos mandatos do presidente e de seu vice por conta de um julgamento no Tribunal Superior Eleitoral ou das decisões do STF que limitam os movimentos de Bolsonaro ―e a mensagem parece ter sido feita sob medida para deixar essa dúvida no ar. O ministros do STF não responderam à nota diretamente, mas parecem ter aproveitado o protesto da noite de sábado para fazê-lo de forma indireta.
Hospitais
Um quarto ministro do STF se manifestou publicamente neste domingo, mas para criticar a invasão de hospitais durante a pandemia. “Invadir hospitais é crime ―estimular também. O Ministério Público (a PGR e os MPs Estaduais) devem atuar imediatamente. É vergonhoso ―para não dizer ridículo― que agentes públicos se prestem a alimentar teorias da conspiração, colocando em risco a saúde pública”, disse Gilmar Mendes, também por meio de seu perfil no Twitter.
Mendes tomou o cuidado de não citar o nome de Bolsonaro, e nem precisava. Na quinta-feira, ao falar por meio de seu Facebook, o presidente foi bem claro: “Tem um hospital de campanha perto de você, tem um hospital público? Arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer, para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não. Isso nos ajuda”.
Investigação e desfalque na equipe econômica
Após circularem notícias sobre invasões ou tentativas de entrar em hospitais, o procurador-geral da República anunciou neste domingo que pedirá aos procuradores-gerais de São Paulo e Brasília apuração sobre a invasão do hospital de campanha do Anhembi por parlamentares estaduais e a agressão de um profissional de saúde em frente ao Hospital Regional da Ceilândia, no Distrito Federal. “Condutas dessa natureza colocam em risco a integridade física dos valorosos profissionais que se dedicam, de forma obstinada, a reverter uma crise sanitária sem precedentes na história do país”, escreveu Aras. Na última sexta-feira, também foram registradas ações de parlamentares regionais em hospitais do Espírito Santo e do Ceará.
A resposta do Governo federal a tudo isso coube ao ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça. Em nota vaga publicada no início da noite, ele parece defender os manifestantes que protestaram contra o STF, mas pede autocrítica a todos. “A democracia pressupõe, acima de tudo, que todo poder emana do povo. Por isso, todas as instituições devem respeitá-lo. Devemos respeitar a vontade das urnas e o voto popular. Devemos agir por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade. Na democracia, a voz popular é soberana”, escreveu o ministro. "Todos devemos fazer uma autocrítica. Não há espaço para vaidades. O momento é de união. O Brasil e seu povo devem estar em 1º lugar”.
Como se já não bastasse a crise política, a semana começa ainda com incerteza no front econômico. Vários veículos deram como certa a saída, em breve, do secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. Respeitado no mercado e tido como pilar da diretriz da equipe econômica pelo estrito equilíbrio fiscal, a troca acontece no momento em que se aprofunda a crise econômica detonada pela pandemia do novo coronavírus e quando o Governo debate a prorrogação do auxílio financeiro destinado aos mais pobres e informais durante a emergência sanitária.
Igor Gielow: Militares da ativa e ministros do Supremo reprovam nota de Bolsonaro
Presidente, vice Mourão e ministro da Defesa assinaram texto em nome das Forças Armadas
A nota em que o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e o ministro Fernando Azevedo (Defesa) dizem que as Forças Armadas não cumprirão "ordens absurdas" foi reprovada por setores da cúpula militar e pelo seu alvo, os ministros do Supremo Tribunal Federal.
O texto foi elaborado na noite de sexta (12), após o ministro Luiz Fux conceder uma decisão provisória delimitando a interpretação do artigo 142 da Constituição, que regula o emprego dos militares.
Na liminar, Fux respondia a um questionamento do PDT acerca da interpretação corrente no bolsonarismo de que o artigo permitiria às Forças Armadas intervir caso um Poder tentasse tolher o outro.
A visão vem sendo ventilada pelo presidente, pelo vice e outros membros do governo. A nota de sexta dizia também que as Forças não tolerariam "julgamentos políticos", uma referência nem tão velada à ação de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão que corre no Tribunal Superior Eleitoral.
A Folha conversou com oficiais-generais da ativa dos três ramos armados. Enquanto muitos consideram que o Judiciário tem exagerado em suas decisões, e todos ressaltem que os signatários da nota são seus superiores hierárquicos, o tom foi reprovado.
Não que haja aprovação às colocações de Fux, consideradas igualmente hiperbólicas nas conversas entre fardados.
Mas, para um almirante, a nota coloca as Forças Armadas como um poder moderador acima da lei. Ele disse que é óbvio que os militares têm de responder a decisões e que, se não concordarem, sempre caberá recurso dentro da Constituição.
Em grupos de WhatsApp de oficiais, a crítica mais comum era a de que as Forças foram colocadas como uma extensão do bolsonarismo militante, que tem no confronto com Poderes uma de suas características.
Já havia grande irritação pela entrevista que o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) havia concedido à revista Veja, no qual ele falou em tom ameaçador contra a oposição ao mesmo tempo em que se apresentava como representante das Forças.
Ramos, já no centro de insatisfações quando foi cogitado por Bolsonaro para substituir o comandante Edson Pujol, ao mesmo tempo cedeu a pressões e decidiu passar à reserva —irá deixar o interino da Saúde, Eduardo Pazuello, como último general da ativa com cargo de primeiro escalão.
A nota coroou uma semana de ruídos entre a ativa e o governo Bolsonaro, como a Folha mostrou. A tentativa de maquiagem de dados da Covid-19 na Saúde, a frustrada portaria para dar direito ao uso de aviões ao Exército e a revelação de negócio entre a Força e uma empresa americana de armas favorecida pelo filho presidencial Eduardo Bolsonaro não foram bem digeridos.
Ante todo esse clima, com efeito, Mourão concedeu entrevista à Folha na manhã deste sábado e tentou modular a nota, dizendo que não há indisciplina possível entre os fardados da ativa.
Há relatos divergentes acerca de uma consulta do Planalto aos comandantes de Forças sobre o tom da nota. A Folha questionou o general Azevedo sobre isso. Segundo sua assessoria, os chefes militares não participam de manifestações políticas.
Já entre ministros do Supremo, o tom variou de desânimo a irritação.
O desapontamento veio do fato de que o Planalto havia dado sinais de uma tentativa de normalização na relação com a corte, que está em processo de votação que deverá manter vivo o inquérito das fake news —que atinge o coração do bolsonarismo.
A principal sinalização foi dada acerca do ministro Abraham Weintraub (Educação), que na reunião ministerial de 22 de abril disse que queria ver os integrantes do Supremo, a quem chamou de vagabundos, na cadeia.
Nas últimas semanas, emissários fizeram chegar a ministros da corte que o Planalto estaria disposto a rifar Weintraub como punição pela fala. Em vez disso, o ministro envolveu-se em nova polêmica, com a rejeitada medida provisória que previa nomeação de reitores de universidades federais nesta semana.
A esse empoderamento somou-se a nota de sexta. A liminar de Fux havia sido alvo de contentações internas por parte de alguns ministros, que viram nela um certo truísmo ao reafirmar o que já está na Constituição e pela vacuidade do objeto: é uma decisão retórica, na prática.
Mas há simbolismos inescapáveis, e aí entra a contrariedade geral. Fux será o próximo presidente da corte, a tomar posse em setembro, e em momentos de crise entre Poderes os 11 integrantes do Supremo costumam agir em bloco.
Assim, o ataque direto a Fux se tornou, por extensão, mais uma afronta à corte por parte de Bolsonaro, que já participa contumazmente de atos pedindo o fechamento do órgão máximo do Judiciário e do Congresso.
A assinatura conjunta com Mourão foi vista como um recibo de ambos pelo fato de serem objeto da ação no TSE. Já a presença de Azevedo reforçou um sentimento que vem se consolidando na classe política: Bolsonaro tem usado as Forças Armadas como escudo por extrema fragilidade.
Assim, a banalização das ameaças, que assustam muitos devido ao passado intervencionista das Forças, tem sido vista pelo decrescente valor de face. Preocupa mais o Supremo a eventual perda de controle nas ruas, estimulada por Bolsonaro.
Chocou especialmente a sugestão do presidente para que hospitais sejam invadidos para provar a hipótese de que governadores estão inflando politicamente números da Covid-19.
Situações de violência implicam o uso das polícias militares, consideradas muito próximas do espírito bolsonarista. O motim da PM do Ceará no começo do ano, apoiado veladamente pelo governo, é um exemplo sempre lembrado.
Seja como for, no Distrito Federal a polícia acabou com o acampamento do 300 do Brasil neste sábado sem incidentes. O grupo pró-Bolsonaro prega violência e fechamento de Poderes, e não houve a temida adesão de policiais a ele.
As consultas que começaram na noite de sexta prosseguem neste sábado no mundo político, dado que Bolsonaro conseguiu elevar ainda mais o patamar de suas provocações institucionais, mas por ora o clima é mais de observação de cenário do que de reações exacerbadas.