STF
Bernardo Mello Franco: As façanhas do Zero Um
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal restringiu a farra do foro privilegiado, que protegia políticos investigados por corrupção. A decisão já rompeu a blindagem de deputados, senadores, ministros e outros figurões da República. Só não atinge Flávio Bolsonaro, o primogênito do capitão.
Em janeiro de 2019, o Zero Um conseguiu a primeira façanha. O ministro Luiz Fux suspendeu as investigações sobre o vaivém de dinheiro em seu antigo gabinete no Rio. Flávio ainda não havia tomado posse como senador, mas alegava já ter direito ao foro no Supremo. Fux aceitou a conversa e concedeu a liminar. Ao fim do recesso, o ministro Marco Aurélio Mello cassou a decisão e devolveu o caso para a primeira instância.
O filho do presidente não desistiu. Em junho passado, ele alcançou a segunda façanha. A 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio inventou uma nova figura jurídica: o foro privilegiado de ex. Apesar de já ter deixado de ser deputado estadual, o senador ganhou direito a ser julgado no órgão especial do TJ. Tudo sob medida para livrá-lo do juiz Flávio Itabaiana, que mandou prender o ex-PM Fabrício Queiroz.
Ontem Flávio conseguiu a terceira façanha. A Procuradoria-Geral da República emitiu um parecer contrário ao Ministério Público do Rio e favorável ao senador. O documento foi assinado por Humberto Jacques de Medeiros, o vice de Augusto Aras.
A PGR defendeu que a Segunda Turma do Supremo rejeite a reclamação dos promotores contra o TJ. Na prática, isso significaria livrar o senador da primeira instância. E abriria caminho para anular tudo o que a investigação já descobriu, incluindo os cheques de Queiroz para a primeira-dama.
O procurador Humberto foi ousado. No parecer, ele falou em “mandatos cruzados” e escreveu que Marco Aurélio “não disse qual juiz seria competente” para julgar o Zero Um. O ministro não pertence à Segunda Turma, mas esclarece que não tem dúvidas: o caso deve ser devolvido à primeira instância. “O Supremo já bateu o martelo sobre isso”, sentenciou à coluna. “O Humberto foi meu aluno, mas não seguiu minhas lições…”.
Merval Pereira: Mandatos cruzados
Surpreendente, devido às posições anteriores de contenção do foro privilegiado, mas nem tanto, pelas decisões recentes alinhadas ao governo Bolsonaro, o posicionamento da Procuradoria-Geral da República (PGR), defendendo que o Supremo Tribunal Federal (STF) recuse o recurso do Ministério Público do Rio de Janeiro que questiona decisão do Tribunal de Justiça do Rio a favor do foro privilegiado do senador Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas” não tem como prosperar se a jurisprudência do Supremo for seguida, como tem sido até hoje.
O caso mais emblemático é o do atual deputado e ex-senador Aécio Neves, cujos casos foram enviados para a primeira instância em decisões das Primeira e Segunda Turmas. No de Flavio Bolsonaro, a decisão do Tribunal de Justiça do Rio fez com que as investigações voltassem para o STF.
Estavam na primeira instância pelo entendimento de que os casos ocorreram quando ele era deputado estadual, e, portanto, pela interpretação do Supremo de 2018 de que o foro privilegiado só serve para crimes cometidos no exercício do mandato e em função dele, não tinham nada a ver com o atual cargo de senador.
A grande discussão levantada tanto pela defesa de Flavio Bolsonaro quanto pela PGR é sobre “mandatos cruzados” ou “mandatos prolongados”, quando um político passa de um cargo para outro em eleições seguidas, que não estariam tratados na decisão do Supremo. “Da mesma forma que não há definição pacífica do Supremo Tribunal Federal sobre ‘mandatos cruzados’ no nível federal, também não há definição de ‘mandatos cruzados’ quando o eleito deixa de ser representante do povo na casa legislativa estadual e passa a ser representante do Estado da Federação no Senado Federal (câmara representativa dos Estados federados)”.
Alegando que não há essa definição, a PGR diz que a reclamação do Ministerio Público do Rio é indevida pois “não pode ser usada para alcançar entendimento inédito” no STF. Essa falta de definição é questionada em particular por muitos dos ministros do Supremo, mas o ministro Marco Aurélio Mello já se pronunciou na ocasião, afirmando que a decisão "desrespeitou, de forma escancarada" o entendimento do STF sobre o alcance do foro privilegiado.
A Primeira Turma do STF, acompanhando por maioria o parecer do próprio Marco Aurélio, decidiu no ano passado enviar para a Justiça Federal de São Paulo inquérito que investigava denúncias de dirigentes da JBS sobre fatos ocorridos quando Aécio Neves era senador por Minas Gerais.
Os deputados estaduais são julgados pelos Tribunais de Justiça, mas deputados federais e senadores são da alçada do Supremo. Diferentemente de Flavio Bolsonaro, que mudaria de instância, Aécio Neves poderia alegar que continuava sob a jurisdição do STF, pois passou de senador a deputado federal.
Mas o relator, ministro Marco Aurélio, entendeu que os casos aconteceram num mandato que já se esgotara e, portanto, o deputado mineiro já não não tinha foro privilegiado em relação a eles. Por esse entendimento majoritário no STF, tanto Aécio quanto Flavio não têm mais o mandato em que os fatos ocorreram, e portanto devem ser julgados como qualquer outro cidadão, na primeira instância.
Também os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, da Segunda Turma, em que o presente caso de Flavio Bolsonaro será julgado, enviaram inquéritos de Aécio para a Justiça Eleitoral. A maioria dos ministros do Supremo considera desnecessária a especificação cobrada pela Procuradoria-Geral da República, pois ambas as Turmas têm usado a mesma interpretação da legislação.
Se houver, no entanto, uma mudança de entendimento da Segunda Turma, é certo que será preciso uma revisão do plenário, para dirimir dúvidas sobre os “mandatos cruzados”. Mesmo que a decisão futura do plenário não favoreça a tese do Tribunal de Justiça do Rio, que lhe deu foro privilegiado no STF, o senador Flavio Bolsonaro não perderia esse privilégio, pois a lei só retroage em benefício do réu, nunca contra.
Merval Pereira: Lava-Jato sob risco
Duas decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) dão indicações de que as decisões judiciais geradas pela Operação Lava-Jato estão a ponto de serem revistas.
A ausência do ministro Celso de Mello por doença transformou a Segunda Turma, que já foi chamada de Jardim do Éden, no refúgio mais seguro para os críticos do ex-juiz Sérgio Moro (foto) e dos procuradores da Lava-Jato.
Não se trata de acusar os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, mas de constatar que, por circunstâncias aleatórias, o pensamento dos dois em relação à ação da força-tarefa de Curitiba prevalecerá nas questões penais, pois o empate favorece sempre os réus.
A presença do ministro Edson Fachin, o relator da Operação Lava-Jato no Supremo, atrai para a Segunda Turma todos os processos sobre a operação, o que significa que o empate permanente favorecerá sempre os que a questionam.
As decisões tomadas na terça-feira, embora se refiram a casos fora da Lava-Jato, indicam o que poderá acontecer quando chegar a hora de julgamentos que lhe digam respeito, especialmente a ação que acusa o ex-juiz Sérgio Moro de ter sido parcial contra o ex-presidente Lula.
O STF, representado pela Segunda Turma, derrubou uma sentença de Moro condenando um doleiro no caso do Banestado, anos atrás, alegando que o juiz foi parcial ao incluir no processo documentos fora do prazo.
Moro, em nota, afirma que o Código de Processo Penal lhe confere o direito de mandar juntar aos autos documentos necessários, e lembra que a condenação foi avalizada pelo TRF-4 e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em outra decisão, pela primeira vez o Supremo aceitou um pedido de anulação de delação premiada feita por investigados na Operação Pelicano, sobre desvio de dinheiro público por fiscais de renda em Curitiba.
Um deles denunciou o grupo, que entrou no Supremo para anular a delação premiada, alegando ilegalidades no acordo entre o delator e o Ministério Público. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski afirmaram que o caso em pauta era especial, pois havia ilegalidades evidentes.
A Segunda Turma está reduzida a quatro, ministros, com posições claramente definidas nas questões criminais. Fachin e Carmen Lucia a favor da Lava-Jato como instrumento de combate à corrupção. Gilmar Mendes e Lewandowski vêem ilegalidades neste combate à corrupção, que anulariam a maioria das decisões.
Consideram, inclusive, Sergio Moro parcial, quase um ativista político.
Essas decisões da Segunda Turma preparam o futuro, que tem o ponto alto no julgamento da parcialidade ou não do juiz Sérgio Moro nas condenações do ex-presidente Lula.
Ação que já começou a ser julgada, com os votos dados a favor de Moro pelos ministros Fachin e Cármen Lucia. A definir se num caso como o do Lula, tão importante, o ministro Gilmar Mendes, que pediu vista e é quem prepara a pauta da Turma, vai colocar em julgamento com a Turma desfalcada, se vai esperar Celso de Mello voltar, ou ainda se vai esperar a mudança do ministro para fazer o julgamento com a Turma completa.
Evidentemente, os ministros que têm visão crítica em relação à Lava-jato abriram caminho para que investigados entrem com processos contra as delações, e também, condenando por parcialidade o juiz Sergio Moro no caso do Banestado, estão indicando suas posições.
O julgamento de Deltan Dallagnol, coordenador dos procuradores de Curitiba, definiu que o caso estava prescrito e não poderia ser julgado. Só que julgaram. Todos deram suas opiniões, criticaram a Lava-jato, criticaram os procuradores. Por que fizeram isso?
No final, o advogado do Lula, Cristiano Zanin, disse que ia juntar a opinião dos ministros do CNMP para reforçar os processos no Supremo.
Está tudo sendo armado para que esse corpo estranho no Judiciário, a operação Lava-Jato, os juízes de Curitiba, o direito penal de Curitiba, como diz o ministro Gilmar Mendes seja controlado.
Bernardo Mello Franco: O palavrão que salvou Deltan
Na fase áurea da Lava-Jato, Deltan Dallagnol enchia auditórios para pontificar contra a corrupção. O procurador virou tribuno e lançou uma campanha para endurecer as leis penais. Queria aumentar as penas e reduzir as hipóteses de prescrição.
“Uma das razões centrais da impunidade é aquilo que a gente chama de prescrição. Prescrição é um palavrão jurídico que significa o cancelamento do caso criminal porque ele demorou muito tempo na Justiça”, dissertou, em outubro de 2016. “Você dá um atestado de boa conduta para o criminoso, o corrupto, como se o crime não tivesse acontecido”, prosseguiu, em entrevista a uma rádio paulista.
Um mês antes, Deltan virou alvo de reclamação no Conselho Nacional do Ministério Público. O motivo foi o PowerPoint em que ele apontou o ex-presidente Lula como “comandante máximo” dos desvios na Petrobras.
Em entrevista transmitida ao vivo na TV, o chefe da força-tarefa definiu o petista como o maestro de uma “grande orquestra concatenada para saquear os cofres públicos”. Em outro momento, chamou Lula de “grande general” da roubalheira.
O procurador ainda comparou Lula a um assassino que “foge da cena do crime após matar a vítima e depois busca silenciar as testemunhas”. O falatório foi ilustrado com um diagrama de 14 setas que apontavam para o nome do ex-presidente.
O espetáculo tinha um problema: apesar do discurso inflamado, Deltan não denunciou o ex-presidente por organização criminosa. Ele foi acusado num caso específico, em que teria recebido vantagens da OAS.
No Supremo, o ministro Teori Zavascki reprovou a performance. “Essa espetacularização do episódio não é compatível nem com o objeto da denúncia nem com a seriedade que se exige na apuração”, condenou.
A reclamação se arrastou no CNMP por quatro anos. Com recursos e chicanas que fariam inveja aos réus da Lava-Jato, o procurador conseguiu adiar 42 vezes o próprio julgamento. Ontem seu advogado convenceu o conselho de que o episódio já estava prescrito. Deltan foi salvo pelo “palavrão jurídico” que combatia.
Janio de Freitas: Fachin vê, como todos, e diz, como poucos, sobre futuro contaminado por despotismo
Ministro do STF faz diagnóstico forte e destemido ao tratar da escalada do autoritarismo no Brasil após eleições de 2018
A repercussão negada pelos jornalistas não nega ao exame da atualidade pelo ministro Edson Fachin, do Supremo, a condição de mais importante pronunciamento de um integrante das altas instituições brasileiras, ao menos desde iniciado o governo Bolsonaro, se não desde a queda de Dilma Rousseff.
A “recessão democrática” ainda não recebera nada no nível adotado por Fachin, exceto em parte pelo ministro Celso de Mello.
Objetivo como os magistrados evitam ser, claro e simples como os magistrados detestam ser, franco e lúcido como deveriam ser as considerações necessárias dos magistrados, Fachin advertiu que “as eleições de 2022 [as presidenciais] podem ser comprometidas se não se proteger o consenso em torno das instituições democráticas”. Proteger de quê ou de quem?
O diagnóstico é forte e destemido: há “uma escalada do autoritarismo no Brasil após as eleições de 2018”, gerada pela existência de “um cavalo de Troia dentro da legalidade constitucional” do país.
“Esse cavalo de Troia apresenta laços com milícias e organizações envolvidas com atividades ilícitas. Conduta de quem elogia ou se recusa a condenar ato de violência política no passado”. O
que inflama o presente com “surtos arrogantes e ameaças de intervenção”.
Fachin vê, como todos, e diz, como poucos: “O futuro está sendo contaminado por despotismo”.
No Supremo, a ministra Cármen Lúcia pareceu dar eco às palavras de Fachin no Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral. Considerou triste a volta forçada do tribunal, diante do dossiê do Ministério da Justiça contra antifascistas, “a este assunto quando já se acreditava ser apenas”, ou ter sido, “uma fase mais negra da nossa História”. Nada a ver com o dito por Fachin, se até agora Cármen Lúcia tinha tal crença. Mesmo a tristeza soa irrealista.
Não faltaram ocasiões em que o Supremo e o TSE foram chamados a sustar a candidatura que atacou a democracia com a defesa da ditadura e da tortura, atacou as instituições constitucionais, prometeu acabar com os petistas e outros, anunciou uma população armada, transpirou ódios preconceituosos e vocação homicida. Isso tudo expelido por uma perturbação mental indisfarçável e com histórico comprovado.
Hoje não faltam crimes de responsabilidade acumulados. Como não faltam mortes pela Covid, não combatida de fato e inocentada para os incautos. E nem é só o figurante principal que continua inatingível pela defesa da ordem constitucional e do devido à população.
Flávio Bolsonaro não precisa controlar as revelações que se sucedem sobre sua delinquência, porque controla a passividade do Senado e o vagar dos seus inquéritos. Carlos Bolsonaro nem interesse demonstrou pelas revelações que o atingem. Fabrício Queiroz e seus contatos milicianos estão protegidos.
A instauração e a ameaçadora continuidade do descrito por Edson Fachin, como ninguém ousou fazer nas altas instituições, têm corresponsabilidades no Judiciário e no Congresso. Mas aí mesmo, na impossibilidade de negar o exposto pelo ministro, ficará mais difícil não ver o que está vendo, para não fazer o que deve.
OS BONS MOÇOS
Desde que passou de senador a deputado, para que seus processos saíssem de Brasília rumo à sua Minas, Aécio Neves não cessa de receber benesses.
Agora é o desaparecimento de delações premiadas integrantes dos seus processos, que por isso param… na Justiça (sic) de Minas.
O que importa é poder usufruir bem, com sua vocação de playboy, os milhões que extorquiu por aí com a irmã. Enquanto Geraldo Alckmin e José Serra seguem suas vidas discretas e bem providas. Aos bons moços do PSDB correspondem bons moços no Ministério Público e nos tribunais.
Merval Pereira: Apoio incipiente
O presidente Bolsonaro criou um monstro que pode engoli-lo, o Congresso. Revitalizado no início do governo, quando o presidente ainda tentava governar sem os partidos, imaginando que o poder do Executivo era insuperável, o Congresso, com especial atuação da Câmara presidida por Rodrigo Maia, assumiu a direção dos trabalhos de aprovação das reformas.
Chamou a si a tarefa de reformar a Previdência Social, mesmo atrapalhada pela ambiguidade de Bolsonaro, que até o último minuto incluiu categorias que lhe são caras nas exceções da nova legislação.
Até fazer o acordo com o Centrão, renegando tudo o que dissera na campanha eleitoral e nos meses iniciais de seu governo, Bolsonaro recebeu dos parlamentares demonstrações cabais de que sem eles não governaria.
A recente votação do veto ao aumento de servidores públicos enquanto perdurar a pandemia da Covid-19 demonstra bem como a relação do presidente com uma base parlamentar ainda incipiente pode trazer novos problemas para o governo.
Teve que contar com o presidente da Câmara para organizar sua base para derrotar a decisão do Senado, que derrubara o veto do presidente. Mas criou diversos atritos com os senadores, a começar com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que não quis presidir a reunião do Congresso porque já imaginava que o governo poderia ser derrotado e não queria se indispor com o governo, com cujo apoio conta para poder se reeleger.
Agora, com os ataques do ministro da Economia, Paulo Guedes, aos senadores que votaram pela derrubada do veto, Alcolumbre já não pode se omitir, pois nada importa o apoio de Bolsonaro se os senadores não quiserem reelegê-lo. “Aqui não tem voto de cabresto”, avisou um senador, referindo-se tanto a Bolsonaro quanto a Alcolumbre.
Para manter seu prestígio interno, Alcolumbre terá que colocar seu prestígio externo em jogo. A boca grande do ministro Paulo Guedes mais uma vez o coloca em confrontação com o Congresso, mas desta vez também o presidente Bolsonaro não quer afrontar seus novos aliados.
Quando Paulo Guedes ou outro ministro agredia o Congresso, recebia palmas do presidente Bolsonaro. Foi assim que o ex-ministro Abraham Weintraub começou sua derrocada, flagrado dizendo que mandaria para a cadeia “todos aqueles vagabundos”, a começar pelo Supremo.
Dito em reunião fechada, não haveria problema. Tendo o ministro Celso de Mello mandado divulgar o vídeo da reunião, tornou-se insustentável sua permanência no cargo. Desta vez, Guedes errou no timing político. Chamar os senadores que derrubaram o veto de “criminosos” foi um excesso, mesmo que se leve em conta que estava tomado por uma “santa indignação”, um sentimento justo diante da irresponsabilidade de permitir aumentos nesta crise econômica que tentamos atravessar.
O problema é que quem fala muito corre o risco de dar bom dia a cavalo, já diz o ditado popular. Guedes fala muito, e nem ele nem o governo são coerentes na maior parte das vezes. Os senadores já ressuscitaram na internet pelo menos duas declarações do ministro da Economia defendendo que os servidores que estão na frente de combate à Covid-19 seriam exceções no congelamento dos salários.
O veto do presidente foi contrário ao combinado com os parlamentares, e por isso formou-se um ambiente propício à sua derrubada. Muitos senadores espalharam que Bolsonaro queria o veto, o que parecia plausível diante das suas incoerências. Bolsonaro chama seus novos parceiros do Centrão de sócios. “Sócios no bom sentido”, alertou, assim como avisa, quando diz que ama um homem, que “é um amor hétero”.
Bolsonaro e suas contradições profundas.
Confissão
A decisão do Senador Flavio Bolsonaro de não aceitar a acareação com seu suplente Paulo Marinho sobre a acusação deste de que recebeu informações antecipadas sobre a Operação Furna da Onça e demitiu seu amigo Fabrício Queiroz para tentar apagar os rastros da “rachadinha” que ele comandava, demonstra receio de cair em contradição e ser pego na mentira. Uma confissão de culpa indesmentível.
Bruno Boghossian: Supremo escancara ação do governo contra opositores de Bolsonaro
Presidente blinda extremistas enquanto ministério monitora policiais críticos ao Planalto
Quando o STF mandou bloquear páginas de bolsonaristas que espalhavam mensagens de ódio e defendiam um golpe de Estado, em julho, o governo se apressou para socorrer os acusados. O próprio presidente acionou o tribunal e pediu que fossem reativadas as contas dos militantes –incluindo uma extremista que usa a rede para praticar crimes.
Jair Bolsonaro mobilizou a Advocacia-Geral da União em defesa daquela tropa. Nenhum dos alvos era agente público, mas o presidente cobrou a suspensão da medida e tentou blindar o grupo que fazia um trabalho sujo a seu favor.
Esse mesmo governo moveu sua máquina para cercar um conjunto de seus críticos. A produção do dossiê do Ministério da Justiça que fichou professores e 579 policiais identificados como antifascistas foi suspensa nesta quinta (20) pelo Supremo. No julgamento, os ministros do tribunal escancararam o monitoramento de opositores de Bolsonaro.
Os autores do documento diziam que as informações coletadas eram todas públicas, mas tentaram camuflar o objetivo da papelada. O tribunal mostrou que o problema era o critério de escolha dos alvos.
“Uma coisa são relatórios para verificar eventuais manifestações que possam interromper, como houve com a greve dos caminhoneiros, o abastecimento. Outra coisa é começar a planilhar, estado por estado, policiais que são lideranças contra o governo. Qual é o interesse disso?”, perguntou Alexandre de Moraes.
Luís Roberto Barroso lembrou que a exploração política de órgãos de segurança remete a regimes autoritários. Ele disse que a bisbilhotagem de adversários é “completamente incompatível com a democracia” e sugeriu que os alvos deveriam ser os fascistas e não os antifascistas.
Os integrantes do tribunal ressaltaram que o trabalho de inteligência é fundamental, mas apontaram que investigações do tipo devem ser direcionadas, por exemplo, àqueles que tramam contra as instituições. Até aqui, no entanto, o governo preferiu proteger alguns deles.
Merval Pereira: Outros recados
O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou de maneira expressiva, por 9 votos a 1, sua posição em defesa do Estado de Direito ao proibir o ministério da Justiça, com evidente efeito para todos os demais órgãos do governo Bolsonaro, de fazer dossiês “sobre a vida pessoal, escolhas pessoais ou políticas e práticas cívicas exercidas por opositores ao governo”, seguindo o voto da relatora, ministra Carmem Lucia.
Mas, ao mesmo tempo, o julgamento serviu para demonstrar que continuamos nos guiando por regras de compadrio e leniência, esta por parte do Procurador-Geral Augusto Aras. Os ministros que criticaram tão duramente os dossiês não aceitaram investigar o ministro da Justiça e Segurança Pública André Mendonça ´(foto) por ter mandado fazê-lo, aceitando a cândida explicação de que ele só teria começado a ser feito no dia 24 de abril, por coincidência o dia em que o ministro anterior, Sérgio Moro, pediu demissão do cargo.
Como é humanamente impossível que um dossiê iniciado num dia determinado estivesse, meses depois, tão recheado de informações, parece claro que essa explicação merece pelo menos ser investigada. Se o dossiê é obra do ex-ministro Sergio Moro, desafeto do presidente Bolsonaro, por que André Mendonça não denunciou sua existência assim que tomou conhecimento dele pela imprensa?
Se não foi ele o autor da ordem, por que não suspendeu o dossiê assim que a imprensa denunciou sua existência? Por que, considerando grave a existência de tal dossiê, ao demitir o servidor responsável Secretaria de Operações Internas (Seopi) não renegou publicamente a prática de espionagem? Por que passou dias negando sua existência, e até mesmo se recusou a entregá-lo à ministra Carmem Lucia, alegando cinicamente que ela não havia pedido, só o fazendo depois que o Congresso o pressionou?
Só existe uma explicação para o que aconteceu: no interregno entre a saída de Moro e a chegada de Andre Mendonça, alguém iniciou o dossiê e o foi alimentando aproveitando-se do vácuo de poder. Se aconteceu assim, e Mendonça explicou aos ministros do STF, nós os cidadãos, deveríamos ter sido avisados.
O Supremo, que deu duros recados ao presidente Bolsonaro em seus votos a favor dos direitos do cidadão, mandou também outro, talvez tão importante quanto para nosso futuro: pode nomear André Mendonça para a próxima vaga do ministro Celso de Mello que ele será recebido muito bem.
Quem resumiu o pensamento da Casa foi o presidente de saída Dias Toffoli em seu voto contra o dossiê elaborado no Ministério da Justiça sobre antifascistas: “Como presidente do STF, registro a atuação de sua excelência: (André Mendonça, ministro da Justiça) atuou da maneira mais correta, deu toda a transparência a esse STF”. Toffoli afirmou sobre o dossiê que “Governos anteriores tinham, ministros da Justiça anteriores tinham”, sem, no entanto, dar notícia de onde tirou essa informação.
O único que fez uma acusação sem insinuações foi o ministro Gilmar Mendes, que afirmou, atribuindo indiretamente o dossiê a Sérgio Moro: “A produção desses relatórios tem ocorrido durante grande parte do tempo de instalação do atual governo, não se tratando apenas de atos especificamente praticados na atual gestão da pasta da Justiça”.
As atuações do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, e do advogado-geral da União, José Levi do Amaral, foram na mesma linha, a de negar a existência de tal dossiê que acabou sendo muito real para os ministros do Supremo. A alegação foi de que não havia nenhuma investigação criminal em curso, mas apenas informações públicas coletadas para prevenção da segurança governamental.
O Procurador-Geral chegou a argumentar que as informações coletadas no dossiê não prejudicaram ninguém, como se isso fosse o bastante para inocentar o governo Bolsonaro. Quanto às informações serem públicas, mas organizadas em fichários com os nomes dos cidadãos, significa não apenas que elas estavam sendo seguidas, como que os serviços de informação continuam usando a imprensa como fonte primária. Os arquivos do SNI também tinham recortes sobre as pessoas investigadas, e nem por isso elas deixaram de sofrer perseguições, prisões e torturas.
Como advertiu a ministra Carmem Lucia “(…) Não compete a ninguém fazer dossiê contra quem quer que seja ou instalar procedimento de cunho inquisitorial. O Estado não pode ser infrator. O abuso da máquina estatal para escolher informações de servidores contrários ao governo caracteriza desvio de finalidade.”
Roberto DaMatta: Apagar o passado
Vivemos momento em que se acende alerta de apagão político-moral
A consciência demanda organizar o passado. Há muitas formas de lidar com o tempo. Em sociedades sem escrita, nas quais a morte de um velho seria equivalente à perda parcial de muitos fatos e mitos — algo próximo da destruição de uma biblioteca nacional —, trata-se de um desastre inafiançável.
Será que um dia vamos conhecer nosso passado milenar? Ou existem passagens que simplesmente sumiram, como a poeira das galáxias e das nossas invisíveis almas?
O leitor pode se sentir incomodado pelo assunto. Eu, cronista enviesado, que, se não estou, devo ingressar na cavilosa lista dos antifascistas convictos, apenas reitero que muito do que fizemos é esquecido, senão propositadamente apagado, porque seria prova de incoerências, crimes, projetos hediondos e contradições incontornáveis, sobretudo em coletivos fundados na autoridade do pai, do rei, do supremo sacerdote ou do juiz.
Investigando nossas vidas, descobrimos coisas que apagamos e muitas outras que programamos esquecer. Quando esquecemos de boa-fé e eventualmente ferimos alguém, acertamos o mal-estar por meio de pedidos de desculpa ou perdão. No mundo jurídico-político anistiamos, formalmente suprimindo fatos passados. Reinterpretações desfazem e mudam o passado. Pedir desculpas, perdoar e anistiar “lavam a alma” e são passaportes para recomeços. Mas, para apagar ou esconder o passado debaixo do tapete, como é comum no Brasil, é necessário um penoso, discutível e complexo refazer histórico-social — tipo, como esquecer a ditadura militar. É preciso o autoritarismo forte presente para controlar, conforme sabia o Grande Irmão de George Orwell, o passado.
Eis dois episódios que agasalhei na memória. Ambos ocorreram com um professor, inglês até a alma, que havia programado um jantar de sexta-feira com a esposa e, ao chegar em casa, com ela desentendeu-se. Algo banal, como uma toalha suja, despertou ressentimentos e, com eles, um inesperado ódio expresso em memórias amargas e frases agressivas. Em meio à tempestade, porém, o marido abriu um parêntese similar a uma desculpa e denunciou o mal-entendido. “Querida”, disse, “isso não está acontecendo. Eu vou sair e entrar novamente em casa e nós vamos jantar conforme combinado”. E assim foi feito.
Um outro evento com o mesmo professor confirma, quem sabe, essa capacidade humana de desconstruir, cujo melhor e mais dramático exemplo é o elo entre paz e guerra. Depois de uma impecável conferência em impecável estilo britânico para uma plateia encantada numa universidade do sul dos Estados Unidos, fomos jantar com um colega que hospedou o conferencista. Na manhã seguinte, fui tomar café com o anfitrião, que perguntou ao professor num misto de curiosidade e provocação: “Eu acho”, disse, “que fui muito ofensivo ontem, não?” Ao que, com notável elegância, o professor retrucou: “O que ocorreu ontem foi tão desagradável, mas tão desagradável, que eu simplesmente apaguei da minha memória”.
Se fazemos, podemos desfazer. Democracias podem desandar em regimes policialescos que trazem do passado escravocrático um viés semelhante ao dos nazifascismos e estalinismos.
Vivemos um momento no qual se acende um alerta de apagão político-moral que suspende o bom senso. A direita bolsonarista tem como simbólico um inacreditável terraplanismo — um contrassenso indicativo de uma postura, digamos o mínimo, radicalmente irracional. Na política, não há dúvida de que se quer um presidencialismo absolutista. Uma outra contradição que, ao lado de um patológico familismo presidencial, completa a negação de solenes promessas de campanha.
Em suma: testemunhamos tentativas de apagar o dito que se transforma num não dito, incompatível com uma necessária estabilidade capaz de minar a autoestima e o respeito internacional, sobretudo em tempos de pandemia num mundo globalizado.
Se esquecemos as implicações morais da escravidão e as obrigações igualitárias da República, por que, como adverte o jornalista Carlos Alberto Sardenberg no GLOBO, não livramos, por meio de um apagão legal, o principal condenado da Lava-Jato, avocando que o magistrado foi parcial?
Mas, se isso for admitido, como o plano da lei e o caráter dos magistrados ficam perante todos os condenados na mesma operação anticorrupção que ainda está em curso?
Para quem duvida que o autoritarismo protofascista nacional é avesso ao igualitarismo, seria cabível livrar somente o ex-presidente, quando todos os seus asseclas foram investigados por um mesmo magistrado? Para os leigos em jurisprudência, tal livramento seria mais um “Você sabe com quem está falando?” na área criminal. Sabemos que a realidade pode ser manipulada, mas, por isso mesmo, temos consciência de limites. Um deles é a morte ou, no caso, o supremo suicídio da estrutura jurídica nacional. Esse instrumento que sustenta o regime republicano num simples ideal: o de que todos são iguais perante a lei, no caso, os julgados e condenados…
Resta candidamente avisar que apagar passados impede construir futuros.
Elio Gaspari: Um terreno baldio chamado Palocci
O comissário petista avacalhou as delações
Não foi por falta de aviso. Em 2018, quando se falava numa eventual colaboração de Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula e quindim da banca, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da Lava-Jato, dizia que aquilo que poderia ser uma delação do “fim do mundo” estava mais para “fim da picada”. Palocci negociava com o Ministério Público, mas sua colaboração foi rebarbada. O doutor estava na cadeia, onde cultivava uma pequena horta. Começou a conversar com a Polícia Federal e com ela conseguiu fechar um acordo que o levou para casa. Passaram-se alguns meses, e Carlos Fernando voltou à carga: “O procedimento de delação virou um caos”.
De nada serviram as advertências. O caos prosperou, e a colaboração de Palocci, com suas 86 páginas, foi astuciosamente divulgada pelo juiz Sergio Moro dias antes do primeiro turno da eleição de 2018.
Olhada de longe, foi explosiva. Examinada de perto, assemelhava-se à cabeça daqueles que Tancredo Neves queria maltratar: “Parece um terreno baldio, onde as pessoas que passam jogam o que querem”. Naquele terreno baldio havia lixo, mas lá estavam também coisas que poderiam ser investigadas. A ajuda do ditador líbio Muamar Kadafi às primeiras campanhas de Lula, por exemplo. Palocci indicou como o dinheiro teria chegado ao PT, mas não se conhece providência para puxar esse fio.
Num dos 39 anexos, Palocci contou à Polícia Federal que Lula acertou com o banqueiro André Esteves (BTG) uma conta-propina de R$ 10 milhões que seria abastecida pelos ganhos com informações privilegiadas. O comissário indicou detalhadamente como o banco foi favorecido. A PF quebrou sigilos, ouviu operadores e dois personagens que estavam colaborando com a Justiça.
Conclusão: “As afirmações feitas por Palocci parecem todas ter sido baseadas em dados públicos, sem acréscimo de elementos de corroboração, a não ser notícias de jornais”.
A Polícia Federal colheu o depoimento, Moro jogou-o no ventilador, e agora a própria PF concluiu que ali havia muito pirão e nenhuma carne.
A estrepitosa colaboração de Palocci incriminou algumas das maiores empresas do país, constrangeu cidadãos, alimentou vinditas e ações espetaculosas. O encanto que o andar de cima teve pelo então ministro da Fazenda permite supor que ele mantivesse relações promíscuas com alguns maganos. O médico que o PT elegeu prefeito de Ribeirão Preto em 1992 acumulou considerável patrimônio, devolveu uma parte, ralou uma cadeia e hoje está preso em casa. Tornou-se símbolo do “fim da picada” e do “caos” previstos e denunciados pelo procurador Carlos Fernando. Sua colaboração, liberada durante a campanha eleitoral pelo juiz que desafortunadamente viria a aceitar o Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro, caminha para ser o que sempre foi: uma ardilosa construção para tirá-lo da carceragem de Curitiba.
Palocci transformou em realidade a piada do advogado que, na madrugada de 24 de agosto de 1954, teria sido chamado para atender um cliente preso com uma faca ensanguentada, saindo de um quarto de pensão do Catete onde estava, morta, uma mulher. O advogado não sabia o que fazer, até que, às oito e meia da manhã, um rádio anunciou o suicídio de Getúlio Vargas.
O rábula virou-se para o delegado e disse: “Doutor, esses dois eventos são conexos.”
Bernardo Mello Franco: Cavalo de Troia
O ministro Edson Fachin considera que as eleições de 2022 estão em risco. Em palestra na segunda-feira, o vice-presidente do TSE alertou para o avanço do autoritarismo no Brasil. Ele disse que é preciso proteger a democracia antes que seja tarde demais.
Sem citar nomes, Fachin afirmou que as ameaças começaram na última disputa presidencial. “A escalada do autoritarismo no Brasil após as eleições de 2018 agravou os males da saúde da democracia”, disse, no VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral.
Nas palavras do ministro, o país pegou a “contramão da História” e passou a conviver com “surtos arrogantes e ameaças de intervenção”. “O futuro está sendo contaminado por despotismo, e lamentavelmente nos aproximamos do abismo”, avisou.
Fachin recorreu à Grécia Antiga para explicar a enrascada do Brasil atual. Ele disse que “há um cavalo de Troia” dentro da fortaleza democrática erguida pela Constituição de 1988. “Esse cavalo de Troia apresenta laços com milícias e organizações envolvidas com atividades ilícitas”, acrescentou.
O ministro citou o livro “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Os autores descrevem a nova tática dos autocratas: em vez de promover rupturas violentas, minam a democracia por dentro para se eternizar no poder.
Segundo os cientistas políticos, os inimigos da democracia incentivam a violência, demonizam adversários e sabotam as regras do jogo, ameaçando não aceitar derrotas nas urnas. Para Fachin, o Brasil já apresenta todos esses sintomas de “recessão democrática”. “As eleições presidenciais de 2022 podem ser comprometidas se não se proteger o consenso em torno das instituições”, alertou.
Em março, Jair Bolsonaro declarou que a disputa de 2018 teria sido fraudada para impedir sua vitória no primeiro turno. Passaram-se cinco meses e ele nunca apresentou provas da acusação. Em desvantagem nas pesquisas, Donald Trump passou a dizer que só será derrotado se a eleição americana for manipulada. É questão de tempo para o capitão imitar mais essa.
Merval Pereira: Manobra interrompida
As decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux e Celso de Mello sobre o julgamento de Deltan Dallagnol pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), marcado para ontem, mas suspenso, dão uma visão menos política e mais técnica das disputas sobre os procedimentos da Operação Lava-Jato.
Por isso, é apressado tirar-se alguma conclusão sobre os efeitos da decisão de ontem sobre sua posição futura, se participar do julgamento da Segunda Turma do STF sobre a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro nos julgamentos do ex-presidente Lula. Mas é possível fazer-se a ilação de que sua posição de exigir provas evidentes para uma decisão exclui a utilização das reportagens do Intercept Brasil baseadas em informações roubadas dos celulares de procuradores de Curitiba, pois são provas ilegais.
Já iniciado, esse julgamento conta com dois votos dados a favor de Moro, os dos ministros Edson Fachin e Carmem Lucia. O ministro Gilmar Mendes, que pediu vistas e decidirá quando o tema voltará à pauta, e Ricardo Lewandowski devem votar a favor de Lula, ficando para o decano o desempate.
Mas ele se aposenta em novembro, e se até lá a ação não for julgada, a Segunda Turma poderá decidir com apenas quatro ministros, e o empate favorece Lula. Ou o então presidente Luiz Fux poderá designar algum ministro para o lugar de Celso de Mello.
Seria feio julgar assunto tão delicado e polêmico sem a turma completa. Existe também a possibilidade de o futuro novo ministro ocupar o lugar do decano na Turma, mas essa substituição demorará muito, pois haverá necessidade de o indicado ser sabatinado pelo Senado.
A decisão de Celso de Mello suspendendo o julgamento é magnífica, pois define o papel do MP como defensor da sociedade que não pode ser calado, fala sobre manobras que impediram o exercício pleno da defesa do chefe dos procuradores da Operação Lava-Jato em Curitiba, inviabilizando o devido processo legal, e ressalta a importância singular do Ministério Público: “(…) a Constituição da República atribuiu ao Ministério Público posição de inquestionável eminência político-jurídica e deferiu-lhe os meios necessários à plena realização de suas elevadas finalidades institucionais, notadamente porque o Ministério Público, que é o guardião independente da integridade da Constituição e das leis, não serve a governos, ou a pessoas, ou a grupos ideológicos, não se subordina a partidos políticos, não se curva à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem, não importando a elevadíssima posição que tais autoridades possam ostentar na hierarquia da República, nem deve ser o representante servil da vontade unipessoal de quem quer que seja, sob pena de o Ministério Público mostrar-se infiel a uma de suas mais expressivas funções, que é a de defender a plenitude do regime democrático”.
O julgamento de ontem era sobre casos que já haviam sido julgados; estava tudo marcado para punir Dallagnol, com uma série de irregularidades sendo aceitas como normais. O ministro Luiz Fux, vendo que estava sendo preparada uma armadilha, anulou uma advertência contra Dallagnol imposta anteriormente, que seria um agravante contra o procurador.
Irritado com a decisão de Celso de Mello, mas sem referir-se diretamente ao caso, o Procurador-Geral da República Augusto Aras, que está empenhado em controlar a Operação Lava-Jato, fez um pronunciamento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pedindo “mais respeito” à suas decisões, e às do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), lembrando que “não há ninguém acima da Constituição”.
Ao contrário, o que estava em curso era uma reação política. O relator do processo, Bandeira de Mello, foi chefe de gabinete do senador Renan Calheiros, autor de uma das acusações. As cartas estavam marcadas, e é uma vergonha para o Conselho Nacional do Ministério Público.
Foi montado um circo para dar “uma lição” na Lava-Jato através de sua figura mais proeminente hoje. Acredito que, a partir de agora, o caso seguirá dentro dos parâmetros normais e assim, não há por que retirar Deltan Dallagnol da função de coordenador da operação Lava-Jato.
Nada grave aconteceu para que ele fosse punido dessa maneira. Não é possível transformar em bandidos os juízes e procuradores que desvendaram o maior esquema de corrupção do país.