STF

Folha de S. Paulo: STF aprova aplicação imediata da cota financeira para candidatos negros

Em julgamento virtual, ministros votaram para referendar decisão de Lewandowski; TSE havia decidido aplicar só a partir de 2022

O STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou nesta sexta-feira (2) a adoção da cota financeira para candidatos negros já na eleição deste ano. Foram 10 votos contra um.

Com isso, os partidos terão de distribuir a verba do Fundo Eleitoral de acordo com a proporção de negros que concorrem no pleito. Inicialmente, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) havia decidido que a regra só valeria para as eleições de 2022.

ministro Ricardo Lewandowski, que é o relator do caso, no entanto, determinou a adoção imediata da reserva financeira. Os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Rosa Weber acompanharam o relator. O ministro Marco Aurélio foi o único que divergiu do relator.

O julgamento confirmou a liminar que havia sido concedida por Lewandowski. A sessão ocorreu no plenário virtual.

Os dirigentes partidários ficaram insatisfeitos com a decisão e argumentaram que o tema não havia sido regulamentado e que havia incertezas sobre a forma de aplicação da norma.

No último dia 24, porém, Lewandowski esclareceu como as siglas devem adotar a cota.

A divisão deverá respeitar a proporção de candidatos negros em todo o país. Assim, concorrentes negros podem ficar sem recursos, caso a sigla escolha investir todo montante em poucos políticos negros do partido.

O magistrado também determinou que o cálculo para divisão dos recursos deverá levar em consideração, primeiro, o gênero dos concorrentes para, depois, ocorrer a distribuição proporcional relativa à raça do candidato.

Desta forma, os partidos deverão distribuir igualmente a verba entre as concorrentes mulheres negras e brancas e entre os homens brancos e negros.

As regras valem para o fundo eleitoral, que será de R$ 2 bilhões. Recursos do fundo partidário que forem aplicados nas eleições também deverão seguir essas normas, mas a fiscalização será local.

“Nesse caso, a proporcionalidade será aferida com base nas candidaturas apresentadas no âmbito territorial do órgão partidário doador”, esclareceu.

Com a decisão, não haverá duplicidade de cota. Por exemplo, caso um partido tenha 30% de candidatas mulheres, todas negras, sendo os candidatos homens todos brancos, poderia haver a obrigação de as legendas destinarem 60% dos recursos às candidaturas femininas.

No julgamento do TSE, a corte havia decidido que a cota valeria apenas para 2022. Os ministros do Supremo que integram a corte eleitoral, Barroso, Moraes e Fachin, já haviam defendido, na ocasião, a aplicação imediata da regra.

Depois, no entanto, Lewandowski deu uma decisão liminar (provisória) na ação apresentada pelo PSOL e determinou a aplicação imediata da regra.

A decisão do TSE foi tomada em uma consulta apresentada pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ). A congressista solicitou ao TSE a aplicação aos negros do mesmo entendimento segundo o qual o STF obrigou os partidos a investirem ao menos 30% do fundo público eleitoral em candidaturas femininas.


Reinaldo Azevedo: O Kássio com K e teóricos da conspiração

Indicação de juiz para o Supremo junta interesses de Lula e Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro decidiu indicar Kássio Nunes para o Supremo. O que resta de lavajatismo na imprensa e em sites de "notícias & negócios especulativos" transformou o "Kássio com K" num super-Cássio com C, o da peça "Júlio César", de Shakespeare. É a personagem-símbolo da conspiração e da traição.

Aquele traiu um só. A conspirata deu certo no curto prazo e matou a República no médio. O conspirador quebrou a cara. O Kássio com K teria de se dar bem traindo uma penca de gente.

"Não entendi, Reinaldo!" Os criadores de fábulas também não. Eles ainda tentam inventar um roteiro de ficção para justificar as frustrações de Sergio Moro.

Segundo o mercado de conspirações, o ainda juiz federal do TRF-1 teria de fazer as vontades de vários padrinhos, além do próprio Bolsonaro: Gilmar Mendes, Wellington Dias, Dilma Rousseff, a juíza federal Maria do Carmo Cardoso (também do TRF-1), Flávio Bolsonaro, Davi Alcolumbre, todo o centrão, o PT, o PSDB, o PMDB, a OAB, advogados de pessoas investigadas pela Lava Jato e, bem…, ainda não se pronunciou a palavra mágica, mas é questão de tempo: "LULA". Deve-se escandir o nome com a baba do ódio nos cantos da boca.

"Ah, mas é isso mesmo! Trata-se do velho sistema". Assim, o Kássio com K conseguiria juntar num mesmo feixe de interesses Lula e Bolsonaro, o petismo e o bolsonarismo.

Não por acaso, Moro veio a público para dar uma dica: que o "Senado exerça seu crivo sobre o candidato para saber se há o comprometimento ou não com a agenda anticorrupção".

Obviamente, dele não se espera que sugira aos senadores que procurem saber se o candidato ao STF será ou não um fiel cumpridor da Constituição. Aquele que, quando juiz, atuou como coordenador do órgão acusador de suas futuras vítimas —e que desmoralizou o Poder Judiciário ao se colocar como esbirro do poder de turno-- posa agora de grande moralista.

Não custa lembrar: a vaga que ora se abre só não será preenchida por Moro porque, nomeado por Bolsonaro para o Ministério da Justiça, ele resolveu ambicionar o lugar do chefe. O presidente não é lá versado em Shakespeare ou nas balizas e sutilezas do Estado de Direito —Moro também não—, mas burro não é. Sentiu o cheiro da conspiração nas entranhas do seu governo. César também. O nosso ogro, quem diria?, foi mais rápido.

O ex-ministro da Justiça defendeu ainda, a exemplo do que ocorre nos EUA, que se tenha a figura de um promotor independente para investigar "pessoas que ocupam posições elevadas de poder". Sei.

Naquele país, um juiz que gravasse ilegalmente o presidente da República e divulgasse o conteúdo do grampo amargaria, deixem-me ver, uns 15 anos de cadeia.

Estávamos todos preparados para criticar uma indicação "terrivelmente evangélica", como André Mendonça, ou um "amigo dos meninos", como Jorge Oliveira.

A indicação de Kássio Nunes quebrou as expectativas e criou uma demanda: é preciso formular alguma teoria —qualquer uma.

Não deixa de ser espantoso que até a imprensa digna desse nome aponte como uma das fragilidades de Nunes a sua vinculação à corrente garantista do direito.

Circula freneticamente uma entrevista sua em que ele afirma que, em 2016, o Supremo autorizou a prisão após a condenação em segunda instância, mas não a impôs.

Não se trata de uma opinião, mas de um fato. E que se note: este escriba considera que o tribunal errou porque em desacordo com o mandamento expresso no inciso LVII do artigo 5º da Constituição: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Se o postulado serve a uma pletora de recursos que impedem a execução da pena, que se cuide desse assunto em vez de fraudar a Carta em nome da eficiência da Justiça.

Bolsonaro não se deixou intimidar pela patrulha liderada por Moro. Quando Kássio estiver no STF, prometo elogiá-lo todas as vezes em que se subordinar à Constituição e criticá-lo sempre que fizer o contrário. Assim é com todos.

O combate à corrupção, à saúva ou aos tarados mata a democracia caso se dê acima das instituições ou contra elas.


Alon Feuerwerker: Troca no STF

Um fanático pela Carta faria bem ao tribunal, ao governo e ao país

Não é novidade a hipertrofia no Judiciário, em particular no Supremo Tribunal Federal. Aliás, começar uma coluna com “não é novidade” talvez devesse ser evitado. Mas, infelizmente, é a pura verdade. No caso específico do STF, já faz algum tempo que ele se sente tentado a operar como uma espécie de assembleia constituinte não formalizada.

Outra coisa que não é novidade: ficaram para trás os tempos quando se sabia de cor a escalação dos onze da seleção brasileira de futebol, mas não se tinha a menor ideia de quem eram os onze do STF. Hoje isso se inverteu. Cada um que julgue se melhoramos ou pioramos.

Importa menos saber como chegamos a esta situação, o fato frio é que nas próximas semanas um nome deverá passar pelo trâmite no Senado Federal para ocupar a vaga do ministro Celso de Mello, que se aposenta. Dadas as circunstâncias jurídicas e políticas, trata-se de um baita momento.

Vamos ao retrospecto. A experiência de governantes indicarem nomes por critérios identitários não foi propriamente um sucesso para quem indicou. E o histórico das decisões e opiniões de antes da ascensão à Suprema Corte não tem sido garantia de coerência no voto, uma vez o ministro instalado na cadeira.

E exposição aos holofotes tem trazido casos de mudança radical nas ideias.

Mesma coisa o “Q.I.” (quem indica). Se pelo menos um ministro dos indicados por Dilma Rousseff tivesse votado para soltar Luiz Inácio Lula da Silva antes da eleição, o ex-presidente teria sido solto e ficado disponível para subir nos palanques do PT e aliados. Não aconteceu.

O que explica isso? Independência? Cada um, novamente, que faça seu juízo.

“O novo nome deve resistir à tentação do protagonismo, ser garantista e ter alergia a judicializar a política”

Onde estará então a virtude? Um critério importante é o nome não enfrentar obstáculos intransponíveis no Senado, que é quem aprova. E o Senado é composto de políticos, mesmo quando fantasiados de “anti”. Sugerir alguém publicamente identificado com a caça a suas excelências seria oferecer muita sopa para o azar.

O que de melhor um presidente da República deve esperar do STF? Que não se meta, ou meta-se pouco, na atividade de exercer o Poder Executivo. Um presidente que ajude a fazer o STF retornar ao tamanho previsto na Constituição estará prestando um serviço inestimável ao que se convencionou chamar de democracia.

Mas não basta. O desejável, do ângulo do Executivo, e mesmo do Legislativo, seria um STF que praticasse a autocontenção como regra em relação ao mundo político, e que começasse a expurgar a tentação permanente de enveredar pelo ativismo judicial. E que propagasse isso pelo conjunto do sistema.

Seria uma revolução.

A conclusão é óbvia: espera-se que o novo nome a substituir o decano que sai consiga resistir à tentação do protagonismo, seja rigorosamente garantista e tenha alergia à judicialização da política.

E que seja um fanático do respeito à Carta. Coisa que anda deveras em falta entre os nossos juízes.

Seria um favor que o ocupante do momento do Palácio do Planalto teria prestado a si mesmo, ao seu governo e ao país.

E um favor, antes de tudo, ao próprio Supremo Tribunal Federal.


Bruno Boghossian: Na corrida por uma vaga no STF, Bolsonaro frustra parte de sua base

Reviravolta mostra dificuldade do presidente em equilibrar suas alianças de conveniência

A corrida pela próxima vaga do STF ensina a Jair Bolsonaro o desafio de equilibrar as alianças de conveniência que o sustentam no poder. A reviravolta produzida pelo presidente aprofunda seu namoro com a classe política, mas também coroa seu divórcio com o lavajatismo e aborrece parte da base ideológica mais radical do governo.

A escalada do juiz federal Kássio Nunes ao posto de favorito à primeira indicação de Bolsonaro para a corte se deu contra os sinais públicos que o presidente emitia sobre a decisão. Nos últimos dias, ele buscou apoio do centrão e apresentou seu escolhido para ministros do STF que representam a ala do tribunal mais crítica aos excessos da Lava Jato.

Antes de chegar ao Planalto, Bolsonaro já explorava o poder de indicar novos ministros para surfar na onda anticorrupção. Na campanha, ele falou em aumentar o número de cadeiras do STF e prometeu nomear “dez do nível do Sergio Moro” para a corte. O papo ajudou a colar sua candidatura à imagem da operação.

O presidente não demorou a trair quem acreditou na conversa –a começar pelo próprio Moro. Depois que Bolsonaro escancarou sua intenção de usar a caneta para proteger seu grupo político de investigações, nem mesmo os lavajatistas em negação, que ainda apoiam o governo, podem se dizer surpresos.

A guinada no processo de escolha, se confirmada, frustra segmentos mais apegados à pauta ideológica em que Bolsonaro se apoia. O presidente prometeu um ministro “terrivelmente evangélico” para o tribunal, mas depois modulou o discurso e avisou a pastores que seu escolhido seria apenas um conservador. Kássio Nunes, no entanto, nunca deu peso público a essa agenda.

Bolsonaro pode repetir com a indicação o mesmo estremecimento que sofreu ao nomear Augusto Aras como procurador-geral. Na ocasião, sua base ficou furiosa e tentou vincular o escolhido ao combate à Lava Jato. Em busca de sobrevivência política, o presidente se mostra disposto a seguir esse caminho.


Ricardo Noblat: A história exemplar da escolha de um ministro para o Supremo

Kássio atirou no que viu e acertou no que não viu

Bolsonaro desistiu da escolha de um ministro para o Supremo Tribunal Federal que atendesse seus convites para tomar cerveja. Uma vez que pode ir, de repente, a casa de um ministro para reunir-se com ele e com outro e, juntos, avaliarem a escolha que fez, por que se preocupar com cerveja? Bebe-se uísque.

Dias Toffoli foi advogado do PT e Advogado-Geral da União no governo Lula. Gilmar Mendes, Advogado-Geral da União no governo Fernando Henrique. Ora, por que Kássio Nunes Marques, um piauiense de 48 anos, não pode ser indicado pelo Centrão? Kássio nem é um Centrão puro sangue. É tudo misturado.

Em 2011, para ocupar uma vaga de desembargador no Tribunal Regional Federal (TRF1), em Brasília, Kássio contou com amplo apoio político. Wellington Dias, governador do Piauí eleito pelo PT, o apoiou. O governador anterior, do PSB, também. E mais Renan Calheiros (PMDB), à época presidente do Senado.

E o senador por Roraima Romero Jucá (PMDB). E o ex-presidente José Sarney (PMDB). E, naturalmente, o vice-presidente da República Michel Temer. Além da Ordem dos Advogados do Brasil. Então a presidente Dilma Rousseff o nomeou, e ele tratou de empregar sua mulher como funcionária do Senado.

Kássio estava em campanha para ser ministro do Superior Tribunal de Justiça, e foi nessa condição que no início desta semana conheceu Bolsonaro no Palácio da Alvorada, levado por seu conterrâneo, o senador Ciro Nogueira, presidente do PP, partido do Centrão que aderiu ao governo há poucos meses.

O papo agradou tanto a Bolsonaro que, a certa altura, ele disse:

– Você vai ser ministro do Supremo.

Kássio corrigiu-o, pensando que ele se enganara:

– Do Supremo, não, do STJ, presidente.

– Não, vai ser ministro do Supremo – decretou Bolsonaro.

Em seguida, passou a mão no celular, ligou para Davi Alcolumbre (DEM), presidente do Senado que luta para ser reeleito, embora a Constituição proíba, e orientou-o a providenciar às pressas uma reunião com os ministros Gilmar, Toffoli e Fábio Faria, das Comunicações. E na casa de Gilmar ficou tudo acertado.

A ficha de Kássio custou a cair. Bom de gogó, ele faz o gênero falso humilde, mas é muito esperto e sedutor. Mesmo assim, em alguns momentos da reunião, pareceu nervoso e meio apalermado. Não era para menos. Foi como se ganhasse, sozinho, o maior prêmio da Megasena acumulada há meses.

Diz-se, a seu favor, que a ir para o Supremo Jorge Oliveira, ministro da Secretaria do Governo e capacho de Bolsonaro, melhor que Kássio substitua Celso de Mello, obrigado a se aposentar em breve porque fará 75 anos. Só o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo, passou recibo por não ter sido consultado.

Fux soube da nomeação de Kássio pela imprensa, um descuido de Bolsonaro, ou uma maldade. Fux sabe que Kássio se aliará à facção dos ministros do Supremo empenhados em pôr um ponto final na Operação Lava Jato. É o que mais interessa aos políticos em geral, e também a Bolsonaro à cata de votos para se reeleger.

No passado, o Supremo foi o templo dos juristas consagrados por suas obras de referência. Chegava-se ali com a biografia já escrita. A de Kássio, por sua pouca idade e à falta de títulos admiráveis, mal foi escrita. Ele terá os próximos 27 anos para escrevê-la, parte sob o olhar atento de Gilmar, o mais poderoso ministro do Supremo.


Merval Pereira: Centrão no STF

Como tudo na ação política de Bolsonaro, nem sempre o que parece ser, é. Assim, já corre em Brasília a tese de que a surpreendente escolha do desembargador Kassio Nunes para substituir o ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF) é apenas um balão de ensaio, que pode não se concretizar.

Estaria testando a resistência do nome às chuvas e trovoadas que normalmente ocorrem nessas ocasiões. Uma primeira impressão é que o nome passa bem no teste, mas as pressões internas para que o indicado seja um ministro do STJ, mais graduado que o desembargador, estão intensas.

A escolha tem aspectos bons, como não se basear em critérios estapafúrdios para indicar alguém “terrivelmente evangélico”, ou que tome cerveja com ele, e outros nem tanto, como fazer uma escolha claramente baseada em critérios políticos.

Assim como Dias Toffoli foi nomeado por ter sido advogado do PT, o desembargador Kassio Nunes é um escolhido do Centrão. Quando foi nomeado para a vaga do quinto constitucional no Tribunal Federal Regional, em 2011, teve o apoio do então governador petista Wellington Dias, preferia ir para Brasília a ficar em Recife, no TRF-5, que abrange o nordeste.

Nesses quase 10 anos, teve tempo de fazer um networking político de dar inveja, trafegando nas mais diversas correntes políticas, e contou com a sorte. Estava visitando ministros do STF e políticos para tentar ser nomeado para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e acabou escolhido para o STF. Não que o desembargador seja desqualificado para o cargo, tudo indica que não, pelo menos se comparado ao candidato preferencial de Bolsonaro, o ministro-chefe da Secretaria de Governo Jorge Oliveira, que foi sutilmente tirado da lista nas sondagens informais junto aos ministros do STF.

Bolsonaro executou com maestria um “drible da vaca”, como comparou um ministro do STF, “daqueles que o Ronaldinho deixava o zagueirão no chão”. Bolsonaro deve ter gostado da comparação futebolística. Ele havia jogado vários nomes no ar, e apareceu com uma novidade, uma solução diferente do que estavam esperando.

A indicação aparentemente agradou aos ministros do STF, que identificam o desembargador como uma pessoa centrada, equilibrada, com posições sensatas. Por exemplo, é a favor da prisão em segunda instância, mas acha que a decisão deve ser do juiz. Acredito que a escolha já esteja definida, pois Bolsonaro levou-o à casa de Gilmar Mendes, onde estavam Dias Toffoli e David Alcolumbre, presidente do Senado, e anunciou que ele seria indicado. Mas muitos ministros do Supremo estão estranhando que o anúncio tenha saído de uma reunião política.

Entendo a escolha como uma tentativa do presidente de demonstrar ao STF respeito, e entendimento de que não poderia escolher alguém que “toma cerveja” com ele. Mostrou que, na prática, acha que não deve fazer o que estava anunciando para sua platéia. Foi um gesto de aproximação. Se for mesmo escolhido por Bolsonaro, o desembargador não terá problemas no Senado, pois seu padrinho político é o Senador Ciro Nogueira, e, entre outros, tem o apoio de Renan Calheiros, do ex-presidente José Sarney e do ex-senador Romero Jucá. Aquele que disse que seria preciso fazer um acordo, “com o STF e tudo”, para acabar com a Lava-Jato.

É o que deve acontecer, pois Kassio Nunes se coloca contra os “exageros” de Curitiba, na mesma linha de Gilmar Mendes. Como vai ocupar a vaga de Celso de Mello, o futuro ministro deve ir para a Segunda Turma, completando o quorum para decretar a parcialidade do então juiz Sérgio Moro, e anular a condenação do ex-presidente Lula pelo triplex do Guarujá. Talvez não seja nem mesmo preciso fazer aquela manobra de colocar o ministro Dias Toffoli na Segunda Turma.


Carlos Andreazza: O Supremo na mesa do bar

STF precisa largar o WhatsApp e os microfones

Celso de Mello se aposenta. Um novo ministro virá. Nada deveria haver de mais importante — no calendário de uma República — do que a escolha de um membro da Suprema Corte. Jair Bolsonaro, o apontador da vez, já teria definido o critério — a linhagem, o perfil para o substituto do decano: um sujeito com quem tome cerveja. Alguém, portanto, que sente à mesma mesa; ao que se poderia somar — agravando o vazamento de nossas reservas institucionais — a condição de “terrivelmente evangélico”.

A imagem — do magistrado com quem governante bebe — é tão franca quanto primorosa; porque revela, define mesmo, o compadrio como régua.

Não se trata apenas de exigência vulgar, que impõe, a um cargo impessoal, relação de afinidade/fidelidade; mas uma expressão de patrimonialismo. Sem surpresa. Afinal, é como o ora presidente compreende a República: múltiplas oportunidades para a distribuição de sinecuras aos seus — para proveito seu. Tem sido assim, como um empreendimento familiar dentro do Estado, nos últimos 30 anos; conforme indica qualquer passar de olhos na superfície em que consiste a prática de peculato no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj.

Não seria diferente — possibilidade de alargar a propriedade — quando em questão estivesse uma cadeira no Supremo, a casa das garantias; em que, no entanto, muitos investem como empresa de blindagem. Se pudesse, diga-se, o autocrata Bolsonaro seria o próprio tribunal. Não pode. Então, escolherá alguém que se venda como sua extensão. Candidatos não faltam. O desfile está em curso. Não é bonito de ver. A rapaziada se exibe — os que têm caneta, ao custo do estado de direito, carregando na tinta.

Foi Bolsonaro quem estabeleceu as regras — e o ritmo — para o cortejo; jogo de sedução em que, para sacrifício da autocontenção numa corte constitucional, pelejam desde discretos qualificados, como (o outsider) William Douglas e Ives Gandra Martins Filho, e pouco habilitados, como (o afilhado) Jorge Oliveira, até famintos ostentadores, das estirpes de André Mendonça, Augusto Aras, Marcelo Bretas e João Otávio de Noronha.

Bolsonaro não será o primeiro a pretender aparelhar o Supremo. A história, inclusive a recente, está aí para contar. Não foram poucos os tentados a escolher alguém “do seu lado”. O STF está cheio de ministros que bebiam cerveja com os presidentes que os indicaram. Esse é, precisamente, um dos maiores problemas do tribunal: o grande volume de juízes que topavam — e topam — happy hours com políticos.

Deu no que deu. Em vício; na epidemia monocrática; na febre que converteu magistrados em antenas captadoras da voz justiceira das ruas, o tal “sentimento constitucional do povo”; no que talvez seja a pior formação da história do Supremo, tomado por agentes políticos que, para ganhar a toga, comprometeram-se a matar no peito a favor de interesses do grupo circunstancialmente no poder.

Na primeira oportunidade, também a história ensina, claro, traíram. Traem. São vários os exemplos. Basta que investidos da posição inamovível — pronto: o próprio paraíso para que pregoeiros de si mesmos rapidamente se lancem ao movimento de escrever (talvez limpar) biografia, uma súbita independência, uma rápida altivez, que os afaste daqueles a quem se ofereceram e cujos interesses, em troca da eternidade, juraram defender.

Indicados não por confiança em seus notáveis saberes jurídicos, em serem fiéis à Constituição, mas por terem pactuado com a agenda de turno, nunca tarda até que mudem com a mudança na direção da agenda. Indicados por confiança de ocasião, essencialmente pervertida, tornaram o STF um centro de desconfiança; a própria matriz de insegurança jurídica no Brasil, plataforma para birutas que se orientam pelos ventos mais influentes do momento. E assim são — digamos, suscetíveis ao canto da força da vez — porque assim entraram. É vício.

Tenho baixíssima expectativa sobre Bolsonaro, produto da depressão política brasileira e investidor de sucesso em nosso déficit de institucionalidade, fazer a coisa certa. O homem tem seu espelho, sua referência e sua desculpa. Tem seus vícios. Se os petistas o fizeram, se tentaram encampar o Supremo, por que não ele? O ímpeto por proteção se impõe — e o poder concentrado faz o poderoso da hora crer que será diferente consigo.

Como poderá, por exemplo, um Jorge Oliveira, sujeito tão fiel, ser-lhe infiel apenas porque diante de poder assegurado — imenso e estável — por 30 anos? Jamais… O que saberei eu sobre relações fundadas em duas décadas de convivência naqueles gabinetes?

Sei que o STF precisa sair da mesa do bar. Precisa ser menos confidente. Precisa propor menos acordos. Precisa parar com o single malt no balcão de poderes políticos. Precisa largar o WhatsApp e os microfones. Sei também que Bolsonaro poderia contribuir para um Supremo abstêmio. Tudo indica, porém, que a bebedeira continuará — talvez mesmo aumentando. Quem dera o nosso problema fosse uma Amy Barrett.


Merval Pereira: A direita no Supremo

A conformação do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Corte Suprema dos Estados Unidos está sendo alterada no mesmo momento histórico de viés direitista nos dois países. Nos Estados Unidos, a morte da juíza Ruth Bader Ginsburg, um ícone dos progressistas americanos, pode dar lugar a um plenário majoritariamente conservador, marcando por décadas o entendimento da Suprema Corte.

No Brasil, a aposentadoria antecipada do ministro Celso de Mello, um exemplo de coerência e defesa da democracia, permitirá que o presidente Bolsonaro nomeie um ministro claramente conservador, embora não reverta a tendência progressista da Corte brasileira.

A tentativa de controlar as decisões da última instância do Judiciário provoca crise política nos Estados Unidos, pois a nomeação da substituta de RBG deveria ficar para o próximo presidente a ser eleito dentro de 38 dias. Quando o ministro Antonin Scalia morreu, em fevereiro de 2016, o Senado americano, dominado pelos Republicanos como agora, não permitiu que o presidente Obama nomeasse o sucessor, sob alegação de que estava em seu último ano de mandato. Hoje, os mesmos Republicanos defendem a nomeação por Trump do novo ministro da Suprema Corte.

O golpe parlamentar dos Republicanos, que fará com que a Suprema Corte fique com uma maioria de 6 conservadores contra 3 progressistas, está provocando grande discussão política, e surge a tese de que os Democratas, se ganharem a eleição para presidente com Joe Biden e o controle do Senado nas próximas eleições, aumentem o número de juízes da Corte Suprema.

O democrata Franklin Roosevelt também ameaçou aumentar o número de integrantes da Suprema Corte para conseguir aprovar medidas de seu programa New Deal, lançado para combater as consequências da Grande Depressão de 1929, que estava sendo barrado pela maioria conservadora.

Propôs ao Congresso, em 1937, lei aumentando a composição da corte para 15 juízes, e estabelecendo a nomeação de um juiz adicional, até o máximo de seis, para quem superasse a idade de 70 anos, quando o mandato, até hoje, é vitalício. A juíza Ruth Bader Ginsburg morreu no cargo aos 87 anos Em meio a uma crise institucional sem precedentes, a Suprema Corte mudou de posição devido ao juiz moderado Owen Roberts, cujo voto ficou conhecido como “the switch in time that saved nine” (“a mudança no tempo que salvou nove”, em tradução livre), e uma maioria a favor do “New Deal” foi formada.

Entre nós, no regime militar, através do Ato Institucional 2, de 1965, o presidente Castello Branco aumentou de 11 para 16 o número de ministros do STF, para controlar a maioria, considerada de esquerda pelos militares. Com o AI-5, três juízes foram aposentados – Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal – e dois renunciaram em protesto: ministros Antônio Gonçalves de Oliveira, presidente do tribunal, e Antônio Carlos Lafayette de Andrada.

Podendo nomear cinco novos ministro, Costa e Silva restabeleceu a composição da corte com 11 ministros, número vigente até hoje. O presidente Jair Bolsonaro já defendeu o aumento de cadeiras do Supremo de 11 para 21, alegando que a atual composição da Corte é muito esquerdista. Depois de desistir de manter uma guerra aberta com o Supremo, Bolsonaro não insistiu mais no golpe parlamentar, mas pretende nomear um ministro “terrivelmente evangélico” para tentar reverter decisões como a lei do aborto, que é também um ponto central na campanha dos conservadores nos Estados Unidos.

O provável indicado é Jorge Oliveira, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República. Há outros conservadores na disputa, como o “terrivelmente evangélico” ministro da Justiça André Mendonça, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que tem se esforçado para se mostrar próximo a Bolsonaro, e o ministro do Superior Tribunal de Justiça, João Noronha.

Nos Estados Unidos, o presidente Trump indicou a juíza da Corte de Apelação de Chicago Amy Coney Barret, uma professora da Universidade de Notre Dame que já tem explicitado posições conservadoras em relação a temas polêmicos como aborto, imigrantes e posse de armas.

Com 48 anos, garantirá aos conservadores uma longa supremacia na Corte Suprema dos Estados Unidos.


Eliane Cantanhêde: Boca fechada

STF deve decidir pelo depoimento por escrito, mas se for presencial nada muda

O presidente Jair Bolsonaro deveria depor à Polícia Federal amanhã, na terça ou na quarta no inquérito em que é investigado de interferência política na PF, uma acusação feita pelo seu ex-ministro Sérgio Moro. Mas Bolsonaro não vai depor ainda, porque ganhou dois presentões do ministro do STF Marco Aurélio Mello: a prorrogação e a possibilidade de depor por escrito. Se é que vai precisar depor.

A questão é complexa, até porque envolve um presidente da República, e dá dicas preciosas sobre o equilíbrio do Supremo com Luiz Fux na presidência e Marco Aurélio assumindo em novembro a condição de decano, hoje ocupada por Celso de Mello. Vai se desenhando uma nova polarização, agora entre Fux, pró-Lava Jato e independente em relação a Bolsonaro, e Marco Aurélio, contra a Lava Jato e cada vez mais próximo de Bolsonaro.

Foi Joaquim Barbosa contra Ricardo Lewandowski no mensalão, Gilmar Mendes contra Luís Roberto Barroso no petrolão, a divisão meio a meio na Lava Jato e a quase unanimidade (fora Dias Toffoli) diante do bolsonarismo. Mas Marco Aurélio sempre foi um caso à parte, um encrenqueiro ilustrado. E a nova polarização já tem um marco. Fux declarou à Veja que a decisão contra a prisão após condenação em segunda instância, por um voto, teve "baixa densidade jurídica". Pelo Estadão, Marco Aurélio classificou a manifestação de "desrespeitosa". Subiram no ringue.

Marco Aurélio jogou para o plenário a decisão de Celso de Mello a favor de um depoimento presencial sobre as acusações de Moro. Num depoimento escrito, o risco é mínimo. Num presencial, ainda mais de uma personalidade como Bolsonaro, há perguntas difíceis, cascas de banana, nervosismo – principalmente para quem tem culpa no cartório.

Há tempos Celso de Mello se ausenta de votações por motivos de saúde e, quanto mais perto chega sua aposentadoria, em novembro, mais confronta Bolsonaro. Gerou reação por convocar os três generais do Planalto para depor “debaixo de vara” e por comparar o atual Brasil à Alemanha de Hitler. Ao decidir pelo depoimento presencial, ele recorreu ao artigo 221 do Código de Processo Penal, que só dá direito a manifestação por escrito a presidentes dos três poderes quando são testemunhas ou vítimas, não suspeitos, investigados ou réus.

Bolsonaro é investigado, logo, a decisão tem apoio jurídico, mas Celso se referiu a uma decisão de 2016 favorecendo Renan Calheiros, então presidente do Senado, e não a uma outra de 2018 em relação a Michel Temer, então presidente da República. A PGR não teve dificuldade para cobrar "tratamento rigorosamente simétrico" em "circunstâncias absolutamente idênticas". Como Temer, Bolsonaro é presidente da República investigado. A decisão final tende a ser pró-Bolsonaro, com votos de Marco Aurélio, Barroso, que concedeu a vantagem para Temer no inquérito dos Portos, e Luiz Edson Fachin, no da JBS, além de alguns dos outros oito que já manifestaram desconforto com a "assimetria".

Mas, como Celso deu ao presidente o direito de não comparecer para depor ou, se comparecer, permanecer calado, qualquer forma favorece Bolsonaro, que assim pode se safar dele mesmo e não repetir a chocante reunião ministerial de 22 de abril e absurdos do tipo: só há "alguns focos" de queimada no Pantanal, o Brasil é "um exemplo" de preservação do ambiente e o isolamento social é "conversinha mole dos fracos".

Para alívio dele, do Planalto e dos bolsonaristas, a chance de um depoimento real, com consequências, é próxima de zero. Decida o STF por depoimento escrito ou presencial, não muda nada. Só muda o equilíbrio da corte. De um lado, Fux. De outro, Marco Aurélio agora e seu substituto "terrivelmente evangélico" daqui a pouco.


Ascânio Seleme: Fux tem razão

Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux elencou cinco pontos que deverão guiar a sua gestão pelos próximos dois anos

Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux elencou cinco pontos que deverão guiar a sua gestão pelos próximos dois anos. Separo um deles, que se o novo presidente conseguir implementar prestará um serviço inestimável à Justiça e ao país. Trata-se do que Fux chamou de “fortalecimento da vocação constitucional do STF”. Seu propósito é reduzir as dezenas de milhares de ações ingressadas a cada ano, reposicionando o tribunal “como uma Corte eminentemente constitucional”.

De acordo com dados citados pelo ministro no seu discurso de posse, 115 mil processos foram julgados pelo tribunal em 2017. No mesmo ano, a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou 70 casos. É verdade que a nossa Constituição é muito maior que a americana, que tem apenas sete artigos e recebeu 27 emendas em 230 anos. A brasileira tem 250 artigos e 114 disposições transitórias, e em apenas 30 anos teve 100 emendas aprovadas. Mas só isso não explica a distância que separa os dois tribunais.

Fux tem razão, é preciso desentulhar a Corte. O problema é como se fazer isso. Primeiro, há obstáculos no caminho, alguns criados pelo próprio tribunal. Em novembro do ano passado, o STF derrubou por seis votos a cinco a prisão em segunda instância. Além de todas as questões políticas que aquela decisão encerra, como o favorecimento à impunidade, por exemplo, ela serviu como bandeira em favor do prosseguimento de qualquer ação até que ela alcance o Supremo. Se o criminoso fosse preso assim que um colegiado de desembargadores de tribunais regionais o condenasse, como estava estabelecido antes da decisão contrária do Supremo, o apelo a recursos seria obviamente menor.

Os clientes constitucionais do Supremo são o presidente, seu vice, os membros do Congresso, os ministros de Estado, os ministros dos tribunais superiores e do TCU, o procurador-geral da República, os chefes das três Forças Militares e os chefes de missões diplomáticas. Somam mais ou menos 900 pessoas. Ocorre que qualquer cidadão que responde por crime em ações em que membros desse grupo estiverem envolvidos acaba sendo julgado também pelo STF. Eventualmente, um ministro pode desmembrar uma ação e remeter para instância inferior o denunciado sem foro privilegiado, mas nem sempre é assim.

O Supremo também faz mal uso da súmula vinculante, preceito constitucional que dá ao tribunal prerrogativa de considerar já julgadas todas as ações que tratam de crimes reiteradamente debatidos e punidos pelo tribunal. O expediente poderia reduzir o volume de ações em curso. Mas, é absolutamente corriqueiro o atropelamento desta regra. Na semana passada, o próprio Fux pediu vista em julgamento que deveria aprovar uma súmula vinculante em questão de narcotráfico. No caso, não importa o teor da ação, mas o princípio que foi ignorado.

Há ainda questões acessórias e mesmo triviais que tornam chatos e demorados os julgamentos do STF. Como a TV Justiça, que foi criada em em 2002 em nome da transparência. Ela deixou os ministros mais maleáveis, o que é perigoso. Com a transmissão ao vivo das sessões, juízes podem ser levados a julgar de acordo com a orientação da galera, o grito das ruas. Com julgamentos públicos, muitos de importância crucial para a vida política e institucional do Brasil, os ministros podem ser constrangidos pela pressão política e popular que sofrem em tempo real.

A TV Justiça ajudou a produzir o que Fux chamou de “protagonismo deletério, que corrói a credibilidade dos tribunais, especialmente do STF”. De certa forma as sessões do Supremo viraram espetáculo e os ministros passaram a gastar muito mais tempo para ler seus votos, que foram engordados em páginas e citações. Alguns tomam horas para serem lidos e comentados. O componente “vaidade humana” é quase palpável de tão vivo nos julgamentos do tribunal. E é evidente que isso colabora com a morosidade do tribunal e o acúmulo da pauta.

Desgoverno
O governo anunciou que pode extinguir alguns ministérios, como o do Turismo, por exemplo. Não farão nenhuma falta num governo que em diversas áreas não governa mesmo. A turma do Bolsonaro não governa na Cultura, todos sabem. Aliás, se lixa para ela. Também não governa no Meio Ambiente, não se incomoda com a derrubada de árvores na Amazônia e muito menos com queimadas no Pantanal. Tampouco governa para as mulheres e para os direitos humanos e mal governa na saúde e na educação. Pode fechar ministérios à vontade, excelência, eles pouco importam.

Pauta para Lira
O centrão quer fazer o deputado Arthur Lira (corrupção, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito, violência doméstica) presidente da Câmara. Com o aval do Planalto, já está oferecendo cargos no governo aos que votarem nele. O agrupamento suprapartidário também tem prontos alguns pontos da pauta do mandato de Lira: finalizar a Lava-Jato; reduzir o papel do Ministério Público; e introduzir carência de quatro a oito anos para magistrado poder se candidatar a cargo eletivo. Um ataque explícito a quem combate a corrupção.

Agora, sim
O estado que já teve cinco governadores presos e tem um sexto ameaçado de prisão, pode agora inovar e eleger um prefeito previamente detido. É o Rio inovando e surpreendendo o Brasil e o mundo. A candidatura de Cristiane Brasil, do PTB, presa preventivamente em caso de corrupção, teve sua candidatura homologada pelo Tribunal Regional Eleitoral. O partido insistiu em indicar a encarcerada porque ela é filha do dono, quer dizer, do presidente do partido, o mal afamado Roberto Jefferson. Nada de mais, na verdade. Afinal, não foi aqui que vereadores foram eleitos dentro da cadeia?

Recomendo livros
Três bons livros que merecem sua atenção. O jornalista Pedro Doria acaba de publicar “Fascismo à brasileira”, que conta a história da criação do partido integralista brasileiro e mostra suas muitas semelhanças com o bolsonarismo. O jornalista e ex-candidato a deputado federal Ricardo Rangel colocou nas livrarias “O destino é o caminho”, em que narra sua jornada de 800 quilômetros pelo Caminho de Santiago de Compostela. E o escritor e cientista político Sérgio Abranches lançou “O tempo dos governantes incidentais”, onde conta como populistas se aproveitaram de frustrações políticas acumuladas para se eleger e em seguida ameaçar a democracia e as instituições.

Paulo Freire, 99
Paulo Freire, o mais importante educador brasileiro e um dos maiores do mundo, completaria hoje 99 anos. Inúmeras homenagens e palestras sobre o professor e sua obra serão realizadas nos próximos 12 meses em comemoração ao seu centenário. Ele é o brasileiro com mais títulos de doutor Honoris Causa. São 41, inclusive das superuniversidades de Harvard, Cambridge e Oxford. Autor de 19 livros, com edições em incontáveis línguas, Paulo Freire dá nome a 31 ruas e praças no Brasil, além de 302 escolas, municipais, estaduais e privadas. Respeitem Paulo Freire.

Fazendas e incêndio
Além da evidente má vontade da União com o meio ambiente, da falta de fiscalização adequada, da seca, dos ventos e do difícil acesso, um fator econômico serve de combustão para as queimadas do Pantanal. Diversas fazendas foram divididas ao longo dos últimos anos e muitas pararam de produzir, demitiram peões e fecharam suas porteiras. Essas áreas são as mais desguarnecidas e descuidadas, por onde o fogo se alastra sem impedimento. Outras fazendas, cinco no Mato Grosso do Sul, são investigadas pela Polícia Federal por queimadas intencionais.

Dando linha
Fabricantes de linhas do interior de São Paulo tiveram queda nas vendas de até 80% no início da pandemia. Apavorados, fizeram muitas demissões achando que a crise demoraria e a recuperação econômica só teria início em 2021. Cinco meses depois, uma dessas fábricas já opera no azul, ou no azulão, com vendas 120% maiores do que antes da crise sanitária. A concorrência chinesa ficou muito cara.

EUA desbancados
Para quem acha que o problema alcança somente países pobres, este dado pode surpreender. O Federal Reserve dos Estados Unidos, o FED, similar ao nosso Banco Central, informou na semana passada que um em cada quatro americanos não tem conta bancária ou tem apenas uma conta pagamento. Significa que 82 milhões são desbancarizados nos EUA.

Correção
Não é do MDB o ex-prefeito de Cocal (PI) João Maria Monção, que disse em discurso gravado que roubou, sim, mas não tanto quanto o seu adversário na próxima eleição. Ele era do PTB, que o expulsou após a declaração.


Merval Pereira: "Autofagia" no STF

Não há dúvida de que o presidente Bolsonaro se acha acima das leis, não gosta desse sistema republicano de pesos e contrapesos que dá limitações a seus poderes pelo Legislativo e Judiciário. Mas nesse caso do depoimento presencial que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello obrigou-o a fazer na investigação sobre interferência na Polícia Federal, ele tem razão de reclamar.

Não há por que não lhe conceder o mesmo privilégio dado, nas mesmas circunstâncias, ao então presidente Michel Temer. O presidente Bolsonaro e seus assessores veem na decisão do decano a confirmação de que ele não gosta do presidente. A decisão do ministro Marco Aurélio Mello de levar a questão ao plenário é a melhor solução para pacificar o entendimento do STF a respeito dessa situação, que não é definida na lei. Os presidentes dos Poderes têm direito de depor por escrito quando participam de um processo na qualidade de vítima ou testemunha, mas a lei nada fala sobre o caso de serem investigados. Como se presidentes brasileiros não se encontrassem nessa situação, o que a realidade política vem desmentindo sistematicamente.

Os ministros Luiz Roberto Barroso e Edson Fachin entenderam que, como a lei não proíbe, é possível inferir que o depoimento por escrito pode ser concedido mesmo quando investigados. O ministro Celso de Mello, ao contrário, acredita que, como a lei nada diz sobre o caso, deve ser dado ao presidente da República o mesmo tratamento dado a qualquer cidadão.

Com sua decisão, o decano do STF criticou indiretamente seus colegas que deram a regalia a Temer. Ontem, ao enviar ao plenário a decisão, o ministro Marco Aurélio se disse contra o que classificou de “autofagia” no Tribunal, com um ministro anulando a decisão de outro. Com isso, já adiantou sua posição, pois se coincidisse com a de Celso de Mello, ele não cometeria nenhuma “autofagia”, apenas referendaria a posição do decano.

A interpretação de cada juiz depende também do ambiente em que a decisão for tomada. A de Celso de Mello é fruto da necessidade do STF de mostrar independência, pois a gestão anterior de Dias Toffoli estava muito atrelada ao Palácio do Planalto, assim como a da Procuradoria-Geral da República continua sendo.

Tomar decisões de independência em relação ao governo é importante para manter a imagem pública do STF. Uma vez decidida pela maioria a interpretação a ser dada, uma decisão monocrática deixará de existir.

A preocupação de seus seguidores tem razão de ser, pois Bolsonaro pode cometer atos falhos ou escorregões e contradições que por escrito não aconteceriam. Mas o presidente está numa fase boa de relacionamento institucional com o Judiciário, como ele mesmo ressaltou dias atrás, e deporia num ambiente mais favorável e controlado.

Na época da denúncia, o ambiente político era completamente contra ele. Se for obrigado a depor presencialmente, terá tempo suficiente para se preparar, e só um destempero, que lhe é comum, pode causar algum incômodo. Bolsonaro já pode contar com três votos, os de Barroso, Fachin e Marco Aurélio, mas nada indica que terá uma vitória tranquila no plenário.

Há a convicção de cada um, mas há também o peso da palavra do decano Celso de Mello, que está se despedindo em outubro do STF. Ontem o presidente Bolsonaro cometeu um desses atos falhos ao saudar, nas redes sociais, a decisão de Marco Aurélio de suspender o processo enquanto o plenário não decidir de que forma se dará o depoimento. “O Moro não tem nada que perguntar para mim” rejeitou Bolsonaro, mostrando qual é, na verdade, sua preocupação.

O impacto político de questionar a decisão de Celso de Mello é negativo para o presidente, que já está sendo chamado de “fujão” nas redes sociais. Mas pode evitar um dano maior no depoimento presencial.


Carlos Andreazza: De mal (Toffoli) a pior (Fux)?

STF virou espécie de tribunal de pequenas causas políticas e fulanizadas

Poderá não ser ruim a presidência de um ministro ruim? Toffoli nunca foi um bom; jamais um guardião da Constituição. Nem jurista respeitável. Tampouco um garantista, categoria na qual vai incluído. Talvez seja a própria definição individual da biruta em que se transformou o Supremo, corte constitucional que tem orientado sua posição ao ritmo e ao norte dos ventos de ocasião — a própria definição dos dois anos de Toffoli à frente do STF.

Período que poderia ser ilustrado pelo modo como — defendendo, com ardor, o sigilo de dados fiscais — o então presidente do Supremo mandou suspender casos criminais baseados em informações de órgãos de controle e, pouco depois, de repente, afrouxando a convicção, voltou atrás. Também ele, Toffoli, “editor de um país inteiro”, entre os maiores responsáveis pelo recrudescimento da febre monocrática que converteu aquela corte em matriz da insegurança jurídica no Brasil e, pois, numa espécie de tribunal de pequenas causas políticas e fulanizadas.

Poucos constrangimentos públicos serão mais vergonhosos do que a maneira como as partes se acostumaram a usar os plantões judiciários no STF, sabedores de como se manifestaria cada uma das eminências a respeito dos temas de interesse — e aproveitando a janela para obter a canetada do plantonista da vez.

Esse recurso oportunista foi explorado ao estado da arte na gestão de Toffoli. Gestão que tem como marca maior aquele inquérito viciado, dito das fake news, de cujo bojo sairia, entre outras arbitrariedades, a censura à revista “Crusoé”. Toffoli foi o formulador de um inquérito em que o tribunal é vítima, investigador e julgador. Inquérito que deriva de o ministro ser um agente político com poderes de juiz.

Um juiz que, presidindo o Supremo, tinha agenda, claro, de agente político; e que, manipulando regimentos para além do estado de direito, e tendo Alexandre de Moraes como infantaria, alcançou o objetivo: tocar o terror nos milicianos bolsonaristas e baixar o ânimo do discurso golpista de Bolsonaro. O STF agindo como polícia para enfrentar milícia. A curto prazo: com sucesso.

Sou pessimista, porém, sobre o futuro. Ou não se deve imaginar esse precedente de força autoritária nas mãos de um André Mendonça, ou de um Marcelo Bretas, qualquer dos dois terrivelmente bolsonarista? Não nos esqueçamos: somos governados pelo ressentimento.

E, então, Fux; que quer ser, como presidente do STF, o que nunca foi como membro do tribunal. Um conflito insolúvel, sua prática trombando com o prometido, e que resultaria na dubiedade de seu discurso de posse; que fala em a Constituição sair fortalecida da crise em curso, como se fosse possível fortalecê-la arquitetando puxadinhos de direito criativo como os que têm caracterizado os votos do ministro.

A legitimidade e a autoridade das respostas do Supremo às nossas incertezas estão desacreditadas porque, não raro, oferecidas sem fundamento na Constituição. Estão em xeque porque togados como Fux julgam-se ressignificadores — editores, segundo Toffoli — do que vai escrito na Carta. Um texto, de acordo com o novo presidente do tribunal, ora a ser preservado, ora ressignificado. Um balanço degenerante, que convida ao direito da opinião pública, aquele que joga pra galera; que faz justiceiros, heróis, mitos e picaretas; que desmonta o que deveria ser edifício de autocontenção.

Não dá para ser militante e guardião da Constituição. O STF tem de se afastar de palanque e de guilda. Se o lava-jatista Fux quer ser, como presidente, o que jamais foi como ministro, terá de aposentar a fluência monocrática com que tem se imposto; e, por exemplo, jamais matar no peito novamente algo como a manutenção, por anos, de auxílio-moradia a magistrados. Também ele responsável por intervenção — em 2018 — promotora de censura, aquela que impediu que o ex-presidente Lula, então preso, desse uma entrevista à “Folha”.

A combinação entre memória e lógica duvida de que Fux possa ser um combatente do “ativismo judicial” — porque isso significaria combater a si mesmo. Mas mudarei de opinião se o ministro souber explicar qual é a regência, sob a gramática da Constituição, de uma “corte eminentemente constitucional”, como define o Supremo, ante um tal “sentimento constitucional do povo”— sendo necessário, primeiro, explicar o que seria tal coisa.

De explicação não carece o óbvio: o populismo judicial foi fator decisivo para que nos afundássemos nesta depressão. Aquele direito colhido em manifestações de rua que, em vez de aperfeiçoar, dinamitou o financiamento empresarial de campanhas eleitorais; sem medir as consequências, sem considerar o que viria no lugar. Registro também que, simplificadas, afirmações como a que cito a seguir — do discurso de Fux — estão na boca daqueles marginais que pedem intervenção no STF: “A efetividade da Constituição é tanto maior quando se alia ao sentimento constitucional do povo”.

A efetividade da Constituição é tanto maior quando respeitada a Constituição.