STF
El País: STF decide que vacina contra covid-19 poderá ser obrigatória e impõe derrota para Bolsonaro
Ministros determinam que população não poderá ser forçada a se vacinar, mas União, Estados e municípios poderão criar restrições para quem não tomar o imunizante
Marcelo Cabral, Beatriz Jucá, El País
Os ministros do Supremo Tribunal Federal, o STF, decidiram nesta quinta-feira pela obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19 no país. Por dez votos a um, o STF entendeu que as vacinas são obrigatórias ―mas não forçadas―, porque, na visão da corte, a decisão individual de cada pessoa não pode se sobrepor à saúde coletiva do país como um todo. Na prática, isso significa que ninguém será forçado ou coagido a tomar uma vacina, mas que poderá sofrer medidas restritivas por leis criadas pela União, Estados e Municípios, caso deixe de fazê-lo. Essas restrições podem incluir a proibição de embarcar para viagens ou de frequentar alguns espaços públicos, por exemplo.
A decisão do Supremo representa uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que declarou publicamente várias vezes ser contra a obrigatoriedade da vacinação. Na terça-feira, durante entrevista ao apresentador José Luiz Datena, Bolsonaro afirmou que " Como cidadão é uma coisa, e como presidente é outra. Mas como eu nunca fugi da verdade, eu digo: Eu não vou tomar a vacina. Se alguém acha que a minha vida está em risco, o problema é meu e ponto final”.
Bolsonaro também não irá participar de campanhas para incentivar a população a se vacinar contra o novo coronavírus, segundo o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello― uma posição contrária à de diversos líderes mundiais, como o presidente eleitos dos EUA, Joe Biden, que deve se imunizar na próxima semana, ou a rainha Elizabeth, do Reino Unido. “Sobre o presidente ser voluntário ou não, eu acho que é o mesmo enfoque: ele está reforçando a voluntariedade, e não a obrigatoriedade. É uma visão”, afirmou o ministro, durante sessão no Senado nesta quinta.
O presidente também vem defendendo a exigência de um termo de consentimento, a ser assinado pelas pessoas que receberem doses das vacinas que forem autorizadas em caráter emergencial. No entanto, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que não irá incluir esse termo na votação da Medida Provisória que autoriza o Brasil a aderir ao consórcio mundial liderado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para providenciar o acesso à vacinas a preços mais baixos. “O relator não vai incluir esse retrocesso na MP. Que seja incluído por emenda do governo, não por um partido da presidência da Câmara. O governo que tente ganhar no Plenário”, disse Maia.
O líder da Câmara também chamou de “lamentável” a decisão de Bolsonaro de não se vacinar. “Enquanto ele briga pelo tema, milhares de brasileiros vão se infectando e centenas vão perdendo suas vidas. Está tratando de um tema tão grave de forma tão irresponsável, mas tenho fé que ele compreenda seu papel e consiga não fazer uma guerra ideológica e responder aos anseios da sociedade brasileira”, criticou o político.
Já a oposição celebrou a decisão do STF. O ex-ministro da Saúde e deputado federal Alexandre Padilha (PT) destacou que a vacina não é proteção individual, mas proteção coletiva. “Quem se vacina protege a si, aos seus pais, seus filhos, seus colegas de trabalho, seus pares no mundo”, afirmou no Twitter. Já o deputado federal Marcelo Freixo considerou a decisão importante após Bolsonaro criticar publicamente a vacina. “Nós só vamos vencer a covid-19 se nós lutarmos juntos e pensarmos uns nos outros. Cuidar de si é cuidar de todos”, publicou o parlamentar do PSOL.
Julgamento triplo
O julgamento do STF surgiu a partir de duas ações sobre o tema movidas por partidos políticos ―o PDT e o PTB. Na primeira, os ministros eram questionados se Estados e municípios teriam competência para determinar a vacinação compulsória durante a pandemia. Já na segunda, o PTB, partido aliado de Bolsonaro, pedia que o Supremo declarasse inconstitucional a obrigatoriedade da vacinação. O Supremo decidiu confirmar a primeira tese e rejeitar a segunda. Também foi julgada ainda uma terceira ação sobre o tema, que questionava se o Estado poderia obrigar pais a vacinarem os filhos, a despeito de objeções filosóficas, religiosas, morais e existenciais. A decisão, também nesse caso, foi favorável à obrigatoriedade da vacinação.
Durante o julgamento, os ministros lembraram, por exemplo, da obrigatoriedade do voto, em que o eleitor não é coagido a se dirigir às urnas, mas pode sofrer sanções caso não cumpra o seu dever eleitoral. Eles também disseram que, sem condições dignas de saúde pública, não existe liberdade.
Votaram a favor da vacina obrigatória os ministros Ricardo Lewandowski, relator do caso, e os magistrados Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux. O único voto parcialmente contrário foi do magistrado Kassio Nunes Marques. Ele reconheceu a possibilidade de restringir ações para quem não tomar a vacina, mas afirmou que a medida deveria depender de aval do Governo Federal, via Ministério da Saúde. Marques foi indicado ao STF em outubro deste ano, justamente por Jair Bolsonaro.
Importação rápida das vacinas
Lewandowski, aliás, também determinou uma liminar sobre vacinas na noite desta quinta-feira, determinando que prefeitos e governadores poderão importar diretamente vacinas no caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não der o aval para uso de vacinas já registradas em agências reguladoras internacionais em um prazo de até 72 horas. Vacinas autorizadas por pelo menos uma das agências sanitárias citadas por lei ―da União Europeia, Estados Unidos, Japão ou China― e distribuídas comercialmente nos respectivos países poderão ser adquiridas por gestores locais, caso não seja cumprido o plano nacional de vacinação ou “não proveja cobertura imunológica tempestiva e suficiente contra a doença”, segundo o ministro. A decisão acontece em meio a críticas de uma suposta inércia do Governo Federal e de suspeitas de politização na agência.
Ainda nesta quinta, apesar de estar imerso em uma enxurrada de críticas nas últimas semanas pela demora para apresentar a estratégia brasileira de vacinação contra a covid-19, Pazuello afirmou que o Brasil está na vanguarda do mundo com o seu planejamento ―mesmo com países como Reino Unido, Estados Unidos e Rússia já tendo iniciado seus programas nacionais de vacinação. Segundo o ministro, o Brasil pode receber 24,7 milhões de doses das vacinas da Astrazeneca, da Pfizer e da Sinovac no mês de janeiro, caso estes imunizantes recebam o aval da Anvisa e cumpram o cronograma de entrega estabelecido em memorandos de entendimentos. Até o momento, o Governo só tem contrato assinado para a aquisição de doses com a Astrazeneca. Mesmo considerando estas três vacinas, a previsão é de chegar a 93,4 milhões de doses até março ― o que vacinaria pouco mais de 42 milhões de pessoas, considerando a necessidade de duas doses por pessoa e as perdas por eventuais problemas logísticos.
“Nós não estamos sendo atropelados, nós estamos numa vanguarda”, afirmou Pazuello, um dia depois de apresentar oficialmente o plano operacional de vacinação brasileiro. O documento já incluía a intenção de aquisição da Coronavac ―vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac com parceria de produção pelo instituto Butantan, vinculado ao Governo de São Paulo―, mas não especificava um cronograma com o quantitativo de doses previstas. O ministro diz que a campanha pode começar em janeiro, se houver registro da Anvisa e se os laboratórios conseguirem entregar as doses negociadas. Uma medida provisória foi publicada no Diário Oficial nesta quinta para destinar 20 bilhões de reais para aquisição de vacinas, compra de insumos como agulhas e seringas e realização de campanha de vacinação.
RPD || João Trindade Cavalcante Filho: O STF e a democracia
O Supremo Tribunal Federal é um dos pilares da nossa estrutura democrática, sendo fundmental em temas como a defesa das minorias e no combate à pandemia, por exemplo, mas tem problemas e, em algumas situações, sua atuação rendeu críticas, avalia João Trindade
É conhecido que Ulisses, na Odisseia, pediu a seus marinheiros que o amarrassem ao mastro do barco a fim de que não cedesse ao canto das sereias. Trata-se de uma alegoria sobre renúncia, confiança, sobre a vitória da racionalidade contra o desejo. Também muito conhecida é a aplicação desta metáfora para o papel da jurisdição constitucional: Ulisses seria o povo; as sereias seriam os riscos do autoritarismo, e a tripulação representaria a jurisdição constitucional, os responsáveis pela guarda da Constituição.
A pergunta que se faz é se, no barco brasileiro, Ulisses ainda confia em sua tripulação.
O STF é, óbvio, um dos pilares da nossa estrutura democrática. Mas também tem problemas: decide causas demais, os ministros dão muitas decisões monocráticas, a Corte poderia e deveria ter uma jurisprudência mais estável, previsível, além de precisar, de tempos em tempos, praticar as “virtudes passivas”.
No combate à pandemia, ao reforçar a descentralização política e assegurar o poder de governadores e prefeitos definirem as medidas sanitárias, o Tribunal evitou que o negacionismo do Governo Federal deixasse ainda mais mortos do que os 177 mil atuais.
Noutras ocasiões, postou-se em defesa de minorias. Foi o caso da ADO nº 26, quando decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia. Porém, tal decisão é ambígua. Reforçou a defesa de grupos minoritários, mas, ao estabelecer um crime sem lei anterior que o defina, vulnerou um princípio milenar do direito penal (a legalidade). Teria sido melhor para Corte e para a democracia que se tivesse utilizado da técnica do “apelo ao legislador”.
Em outras situações, o papel concreto do STF não foi tão positivo para a democracia. A Corte acaba de decidir sobre a impossibilidade de reeleição dos presidentes das casas legislativas dentro da mesma legislatura. Não deveria haver qualquer dúvida de que o art. 57, § 4º, da CF, diz o que efetivamente busca dizer. Permitir a reeleição dos dirigentes das casas legislativas por conta do reconhecido papel que desempenharam parece uma espécie de “casuísmo do bem”. Porém, mesmo os que votaram pelo respeito à literalidade do texto constitucional não o fizeram todos por respeito à Constituição, mas sim – alguns – por pressão da opinião pública. A tripulação cumpriu a ordem de Ulisses não por lealdade, mas porque, pega em flagrante pelo olhar do chefe, foi obrigada a retornar às posições.
Em algumas situações, o STF, ao invés de garantir a democracia, colocou-a em risco. Destaco a ADPF nº 402, ou “o dia em que um ministro do STF monocraticamente afastou um presidente de poder”, ocasião em que o Plenário da corte teve que, por assim dizer, “apagar o incêndio”, evitando uma crise institucional ainda maior. No caso do impeachmentde Dilma Rousseff, a polêmica decisão de “fatiar a pena” foi proferida numa sessão sob a presidência de um ministro da Corte. Em contraponto, não se pode esquecer que a Corte, durante todas as outras fases do longo processo de impeachment, cumpriu seu papel de guardião do procedimento, inclusive estabelecendo o “passo a passo” dos atos processuais.
Passamos incólumes por algumas sereias, mas a desconfiança de Ulisses em relação à tripulação não parece ter diminuído.
Foi preciso que o próprio STF afastasse, por exemplo, interpretações tresloucadas que defendiam a possibilidade de uma “intervenção militar constitucional” (?). Uma leitura quimicamente aditivada do art. 142 da CF precisar de uma negativa expressa do mundo jurídico e da própria Corte já mostra que o canto das sereias é realmente tão atrativo quanto perigoso.
Recentemente, uma sereia chegou a tentar Ulisses oferecendo-lhe amordaçar a própria tripulação com a ajuda de um soldado e um cabo. Felizmente, nesse caso, Ulisses mais achou graça do que ficou tentado. Mas talvez seja o momento de a tripulação se concentrar em cumprir de forma cada vez mais denodada as ordens que Ulisses lhe transmitiu – nada mais, nada menos. Afinal de contas, toda a relação entre Ulisses e a tripulação é baseada na confiança recíproca. A nós, que queremos Democracia acima de tudo e a Constituição acima de todos, resta advertir Ulisses e cobrar da tripulação.
*Consultor Legislativo do Senado Federal. Mestre (Instituto Brasiliense de Direito Público) e Doutorando
Bernardo Mello Franco: Fachin confisca presente de Bolsonaro ao lobby das armas
O Supremo confiscou o presente de Natal de Jair Bolsonaro para o lobby das armas. Na semana passada, o presidente zerou a tarifa sobre a importação de revólveres e pistolas. Ontem o mimo foi vetado pelo ministro Edson Fachin.
No papel, a isenção de impostos foi concedida pela Câmara de Comércio Exterior. Na prática, o órgão só carimbou uma ordem de Bolsonaro. O presidente se apressou para faturar com a turma do bangue-bangue. Ao anunciar a medida, publicou uma foto em que aparece de trabuco em punho num estande de tiro.
O capitão é um velho aliado de quem lucra com a morte. No primeiro mês de governo, ele editou um decreto para afrouxar o Estatuto do Desarmamento. Em abril deste ano, mandou o Exército revogar portarias de rastreamento de armas e munições. As regras facilitavam a apuração de crimes, permitindo mapear o caminho entre a fábrica e o dedo que aperta o gatilho.
A equipe de Paulo Guedes já tentou acabar com a isenção de impostos sobre a cesta básica. Agora o presidente concede a regalia a importadores de armas. O caso ilustra a inversão de prioridades no Planalto. O bolsonarismo considera aceitável tributar o quilo de arroz, mas abre mão de arrecadar sobre a venda de pistolas 9mm americanas, que custam mais de R$ 10 mil no Brasil.
Na liminar, Fachin lembrou que o governo tem autonomia para definir sua política tributária, mas não pode ignorar os princípios da Constituição. A Carta garante o direito à vida e estabelece que a segurança pública é atribuição do Estado, não de indivíduos.
“Não há, por si só, um direito irrestrito ao acesso às armas, ainda que sob o manto de um direito à legítima defesa”, escreveu o ministro. Ele acrescentou que a alíquota zero resultaria num “aumento dramático” da circulação de armas. Era exatamente o objetivo do capitão.
Bolsonaro diz defender colecionadores e atiradores esportivos, mas age como Papai Noel para um lobby muito mais influente. Baratear a importação de armas interessa às empresas de segurança e às milícias, que mantêm laços notórios com o poder em Brasília. Graças ao Supremo, essa turma vai ficar sem presente de Natal.
Eliane Cantanhêde: O sonho e o pesadelo
Com graves dúvidas sobre vacinas, o santo remédio para Bolsonaro é… reforma ministerial
As vacinas mexem com os nervos e o medo da população, tornam-se o maior desafio do governo e serão um divisor de águas para o presidente Jair Bolsonaro, que, se você prestar atenção, vai repetindo os antecessores Dilma Rousseff e Fernando Collor. É o remake de uma série que a gente já viu, capítulo por capítulo, só que com personagens ainda mais absurdos, fantásticos.
Todos os três presidentes nunca tiveram alguma intimidade ou cumplicidade com seus vices, a quem qualificam de traidores. Assim como Dilma e Michel Temer, Collor e Itamar Franco, Bolsonaro nem consegue mais ouvir falar de Hamilton Mourão, que dá entrevistas sobre qualquer coisa, fazendo uma clara contraposição a Bolsonaro e alternando concordância e discordância com decisões do governo.
A história se repete com os ministros e com a forma de governar – ou de não governar. Todo presidente acuado, que erra muito e fica sob forte pressão da opinião pública e com medo de impeachment saca três fórmulas mágicas: cria um bunker com seu grupinho “leal”, abre os braços (e os cofres) para o Centrão de ocasião e lança uma reforma ministerial.
Dilma se trancou no palácio com meia dúzia de gatos pingados que pensavam exatamente como ela e deixou de fora até mesmo os lulistas do PT. Orelhas ardiam, principalmente as do vice Temer e do ministro da Economia, a culpa era sempre da mídia, o Centrão fazia a festa.
Collor, que se elegeu com a bandeira de “caçador de marajás”, descartou tudo isso junto com o seu PRN, jogou para segundo plano os coloridos de primeira hora e, num último e desesperado esforço para salvar o pescoço, tentou atrair Fernando Henrique Cardoso e o PSDB (que balançaram, mas não foram) e conseguiu Jorge Bornhausen e o então PFL. Era tarde demais.
Bolsonaro vem fazendo o mesmo: desvencilhou-se das bandeiras de campanha, dos bolsonaristas-raiz, do PSL e atracou-se ao Centrão. É hora de… reforma ministerial. O primeiro time reuniu velhos amigos do capitão Bolsonaro na caserna e do deputado Bolsonaro na Câmara, líderes de bancadas temáticas (como a do agro) e pitadas de estrelismo: astronauta, um economista conhecido, o ícone de Lava Jato. A segunda será mais pragmática.
Lêem-se os nomes de Temer daqui, Davi Alcolumbre (Senado) dali, José Mucio (ex-TCU) acolá. Não são nomes ao vento, isolados. Fazem parte do mesmo pacote dos sonhos – ou da necessidade – de um Bolsonaro que pode ser tudo, mas não tem nada de bobo na hora de pensar em si e nos filhos. Os candidatos são do DEM, MDB e até PSDB.
Assim como trocou neófitos por experientes nas lideranças e vice-lideranças do Congresso, Bolsonaro agora articula trocar ministros que só dão problema por gente conhecida, testada, capaz. Mais ou menos como ocorreu na eleição municipal. Depois do fiasco do “novo” de 2018, volta o “experiente”. Inclusive no governo.
Bolsonaro apostou tudo na vitória de Arthur Lira e do Centrão para a presidência da Câmara, contra Rodrigo Maia e o centro ampliado. Se vencer com Lira, terá o que entregar às suas bases eleitoral e parlamentar originais: armas, conservadorismo e recuos em costumes. E reunirá força para atrair os tais nomes conhecidos, torcendo para não ser tarde demais, como foi com Collor. Se Maia vencer, porém, o núcleo DEM, PSDB e MDB ganha impulso para 2022 e um hábil articulador: o próprio Maia.
Em meio a tudo isso, há algo maior: a vida. Se falhar com a vacina, como falhou deploravelmente até agora em tudo o que diz respeito à covid (e não só), como Bolsonaro pretende atrair para ministérios quem respeita a vida, a ciência e a própria biografia? O sonho de Bolsonaro de fazer uma boa reforma ministerial e se reeleger em 2022 esbarra no pesadelo Bolsonaro. Assim como a própria reeleição.
José Casado: Enlaçado e cercado
Governador acena com vacina na rua em 40 dias
Trinta e oito graus sobre terra queimada. É Carnaíba, no sertão, a 400 quilômetros do Recife. Lá vivem 19 mil pessoas aturdidas pelo vírus, mas fiéis à esperança de proteção. Médico e prefeito, José de Anchieta Patriota (PSB) se cansou do desgoverno federal. Entrou no Instituto Butantan e saiu com a reserva de 40 mil doses da vacina CoronaVac.
Ontem, a lista do Butantan abrigava 912 prefeituras, 13 estados mais os governos de Argentina, Chile, Peru e Honduras. A romaria ao laboratório cresce. O início da vacinação em São Paulo está marcado para 25 de janeiro, feriado pelos 466 anos da construção do barraco pioneiro da capital paulista, obra dos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta.
É essa a mudança relevante na perspectiva política. Faz diferença quem chega antes com respostas objetivas à ansiedade pandêmica. O governador João Doria (PSDB) acena com vacina na rua em 40 dias.
Em contraste, depois de nove meses Jair Bolsonaro não tem vacina nem seringas — corre atrás de 331 milhões, mas vai precisar de 600 milhões. Mandou ao STF um plano sem data ou quantidade de pessoas nas fases de vacinação. Enviou ao Congresso um orçamento com déficit na Saúde (R$ 40 bilhões em 2021), sem prever gasto com imunizantes.
Diretores da Pfizer tomam chá de cadeira na Saúde desde abril, mas sua vacina já é usada nos EUA. O Butantan ainda espera resposta às três cartas que enviou no primeiro semestre oferecendo a CoronaVac.
A romaria de governantes a São Paulo evidencia fadiga com a inépcia. Bolsonaro acabou enlaçado por Doria e cercado em Brasília. O Supremo exige-lhe um plano consistente. O Ministério Público liberou estados e municípios na procura de solução, diante da omissão federal. O Congresso prepara lei para a imunização, legitimando o uso da CoronaVac.
Restou a aposta no socorro da agência reguladora, que não oculta disposição de vetar ou atrapalhar a “vacina do Doria”. É risco puro, porque o Congresso já engatilhou uma CPI da Anvisa. Ela, inevitavelmente, empurraria Bolsonaro no precipício que ele tanto contempla.
Bruno Carazza: A sobrevivência dos mais gordos
STF perpetua privilégios e contribui para a crise fiscal
Em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, repousa a escultura “A Justiça”, de Alfredo Ceschiatti. “Repousa”, aliás, é uma boa palavra para descrever o estado da obra do artista belo-horizontino: afinal, são raras as representações artísticas em que a deusa da Justiça está sentada. Mas este não é seu único detalhe simbólico.
Através dos séculos, a deusa romana Iustitia aparece em pinturas e esculturas com três componentes praticamente inseparáveis: a venda nos olhos (destacando a impessoalidade), a balança (fazendo referência à isonomia no tratamento das partes) e a espada (realçando a força para impor o direito sobre todos).
A escultura que simboliza o Judiciário brasileiro, porém, não possui balança - como se por lá não fosse necessário contrabalançar argumentos, sopesar direitos, medir consequências e equilibrar a teoria e a prática.
Há quem justifique a falta do instrumento afirmando que a nossa Justiça foi retratada após ter exercido o seu dever; logo, a balança já teria sido usada, e uma vez proferida a decisão, bastaria ter no colo a espada, para ser utilizada caso não a cumprissem. Ora, então não seria melhor que a Justiça estive como a deusa grega Thêmis, de olhos bem abertos para fiscalizar a aplicação de seus mandamentos?
Ceschiatti, um dos artistas recomendados por Oscar Niemeyer para ornamentar a nova capital, esculpiu “A Justiça” em 1961 num bloco monolítico de granito de 3,3 metros de altura e com linhas elegantes e econômicas - características que há bastante tempo passam longe do STF, rachado entre várias correntes e fomentando a irresponsabilidade fiscal.
Duas decisões recentes expõem como os ministros do Supremo Tribunal Federal fecham os olhos para a grave crise econômica que o país atravessa, deixam de equilibrar direitos e deveres e embainham a espada quando se trata de cortar os privilégios da própria magistratura.
Em 1º de dezembro a ministra Rosa Weber deferiu uma liminar determinando que a União deveria avalizar a um empréstimo de mais de US$ 400 milhões para investimentos do governo do Estado do Espírito Santo. Essa operação havia sido travada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que veda a concessão de garantias federais caso entes subnacionais estejam descumprindo os limites prudenciais de gastos com pessoal. No caso do Espírito Santo, era justamente o Poder Judiciário local quem estava gastando além da conta.
Alegando violação ao princípio da intranscendência - em outras palavras, um Poder não poderia ser punido por uma falha de outro - a ministra Rosa Weber esvaziou a LRF, acrescentou mais um ônus ao sobrecarregado Tesouro Nacional e não impôs nenhuma sanção ao Judiciário capixaba por inflar sua folha de pagamentos. Decisões como essa, aliás, são bastante frequentes nas últimas décadas, e podem ser apontadas como uma das causas para a baixa efetividade da LRF e pelo descontrole orçamentário na maioria dos Estados e municípios.
Pior ainda fez o plenário do STF na semana passada - não, eu não me refiro à decisão sobre a reeleição nas presidências da Câmara e do Senado. Com a exceção solitária do ministro Edson Fachin, que votou contra, a maioria dos ministros considerou inconstitucional parte das Emendas Constitucionais nº 41/2003 e 47/2005 que estabelecia que os juízes estaduais deveriam ter seus vencimentos limitados a 90,25% do que ganham os integrantes do STF.
Novamente, o STF valeu-se de princípios abstratos - no caso, da isonomia e da unidade da prestação judicial - para atropelar normas criadas para manter as contas públicas em dia e evitar distorções. E assim, juízes de todo o país, até mesmo os recém aprovados em concurso, estão definitivamente liberados a ganhar o mesmo que um membro da Suprema Corte. E é bom não esquecer que certamente a decisão terá efeito cascata sobre o Ministério Público e os Tribunais de Contas Brasil afora.
Essa última decisão tomada pelo STF partiu de duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) movidas, respectivamente, pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages).
A Constituição Brasileira de 1988 tornou-se uma das mais progressistas do mundo ao permitir que não apenas entidades políticas (como os chefes do Executivo, do Legislativo e do Ministério Público, além dos partidos políticos), mas até mesmo confederações sindicais e entidades de classe pudessem provocar o STF para, enquanto guardião da interpretação constitucional, se posicionar se uma lei, em abstrato, fere ou não a Carta Magna do país.
Como acontece com frequência por aqui, avanços logo se transformam em abusos. Ao permitir que entidades privadas tivessem acesso privilegiado às ações mais importantes de nosso sistema processual, o controle abstrato das normas tornou-se fonte concreta de benesses. Não é à toa que, desde 1988, a AMB figura como o grupo privado que mais acionou o Supremo para questionar a constitucionalidade de leis - foram 151 vezes, boa parte delas relativa à defesa dos interesses de seus associados. A Anamages, por sua vez, propôs outras 45 ADIs.
No porto de Ringkøbing, uma cidade com menos de 10 mil almas no centro da Dinamarca, encontra-se a escultura de um homem esquálido carregando nos ombros uma mulher bastante obesa. A mulher tem os olhos fechados e carrega nas mãos uma balança desequilibrada - desnecessário dizer a quem ela faz alusão.
Feita em bronze, com 3,5 metros de altura, “Sobrevivência do mais Gordo” (“Survival of the Fattest”) é uma obra dos artistas dinamarqueses Jens Galschiøt e Lars Calmar, inaugurada em 2002. Na sua base, há a seguinte inscrição: “Estou sentada nas costas de um homem. Ele está afundando sob o fardo. Eu faria qualquer coisa para ajudá-lo. Menos descer de suas costas”.
Nada mais exemplificativo sobre o Poder Judiciário brasileiro e a atuação de sua cúpula.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”
Folha de S. Paulo: Em um mês no STF, Kassio ajuda Bolsonaro, vota a favor de Lula e se alinha à ala contra Lava Jato
Ministro atendeu as expectativas e tem ajudado Gilmar e Lewandowski no movimento para enterrar a operação
Matheus Teixeira, Folha de S. Paulo
No primeiro mês como ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Kassio Nunes Marques ajudou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em julgamentos importantes e foi voto decisivo contra a Lava Jato na Segunda Turma da corte.
O magistrado já votou a favor até do ex-presidente Lula (PT) para derrotar a operação e tem feito jus à fama de garantista, ou seja, com uma visão de mais respaldo às alegações dos réus.
Nesse caso, ele se juntou aos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski para rejeitar recurso da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra decisão que excluiu a delação do ex-ministro Antonio Palocci da ação penal que investiga o petista por suposta doação ilegal de terreno para construção do Instituto Lula.
Assim, ajudou a manter o entendimento de que o ex-juiz Sergio Moro agiu politicamente ao incluir a colaboração de Palocci aos autos do processo às vésperas das eleições de 2018.
No julgamento que discutiu a reeleição para as presidências da Câmara e do Senado dentro da mesma legislatura, Kassio ficou isolado ao adotar uma posição que correspondia exatamente à pretensão do Palácio do Planalto.
Ele foi o único a defender que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), poderia seguir no cargo, mas que o chefe da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adversário do governo, não teria esse direito porque já tinha sido reconduzido no posto. No final, a tese que permitia a reeleição, vedada pela Constituição, foi derrotada por 6 a 5.
Além deste caso, Kassio interrompeu julgamentos no plenário virtual de interesse de Bolsonaro e pediu para que sejam analisados pelo plenário físico, atualmente realizado por videoconferência. Com isso, retardou decisões que poderiam impactar o presidente.
É o caso, por exemplo, de duas ações em que se discute se o chefe do Executivo pode bloquear seguidores nas redes sociais.
Os relatores de cada um dos processos, os ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia, votaram para obrigar o presidente a desbloquear os seguidores que entraram com as ações.
Com o pedido de destaque, o caso vai para as mãos do presidente do tribunal, Luiz Fux, decidir uma data para julgamento presencial.
Kassio fez o mesmo com uma ação penal que discute a gravidade do crime da “rachadinha”.
O processo diz respeito ao deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), mas é similar à denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e pode servir de parâmetro para o julgamento do filho do presidente.
Na análise de matérias econômicas, Kassio seguiu a linha liberal defendida pelo Executivo ao votar pela constitucionalidade do trabalho intermitente previsto na Reforma Trabalhista.
O relator, ministro Edson Fachin, defendeu a anulação da norma, mas o indicado de Bolsonaro divergiu.
Em relação à Lava Jato, o ministro mostrou que seria contrário aos métodos dos investigadores já na estreia em um julgamento presencial, na sessão da Segunda Turma de 10 de novembro.
Na ocasião, ele foi voto decisivo para retirar a investigação contra o promotor Flávio Bonazza das mãos do juiz Marcelo Bretas, responsável pela operação no Rio de Janeiro.
Kassio foi indicado por Bolsonaro com o aval do ministro Gilmar Mendes, principal crítico da operação no Supremo.
No processo de escolha para a vaga de Celso de Mello, o chefe do Executivo preferiu agradar Gilmar, que é relator da ação que discute o foro especial concedido a Flavio Bolsonaro pelo TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), em vez de estreitar a relação com o presidente da corte, Luiz Fux, que sequer foi consultado sobre a indicação.
Kassio herdou a cadeira de Celso na Segunda Turma, que julga recursos contra decisões de instâncias inferiores da Lava Jato, e tem sido decisivo no movimento de enterrar a operação.
Kassio exerce papel de fiel da balança no colegiado, uma vez que os ministros Gilmar e Ricardo Lewandowksi praticamente sempre votam contra os interesses dos investigadores, enquanto Edson Fachin e Cármen Lúcia costumam ir na corrente contrária.
Em outro movimento para enfraquecer a operação, o ministro ajudou a fixar uma tese que pode esvaziar a pretensão de Fux de enviar ao plenário todas as ações penais da Lava Jato.
Kassio acompanhou Gilmar ao decidir que não devem ser enviados ao plenário os recursos que ainda estejam em andamento na turma. Com isso, ajudou a derrotar a iniciativa de Fachin e manteve o caso do ex-deputado Washington Reis (MDB-RJ) no colegiado.
Kassio também frustrou as expectativas de Fux no julgamento do início deste mês que discute se o crime de injúria racial pode ser equiparado ao do racismo e, portanto, se tornar imprescritível também.
Após ganhar grande repercussão o assassinato de João Alberto Freitas no Carrefour em Porto Alegre em um suposto ato de racismo de dois brancos no supermercado, o presidente da corte pautou o caso para julgamento como forma de o Supremo dar uma resposta à sociedade sobre o episódio.
Fachin, relator do tema, votou pela equiparação dos delitos, mas Kassio divergiu e afirmou que não cabe ao Judiciário decidir se um crime prescreve, mas ao Congresso, responsável por editar as leis.
Ele citou inúmeros graves delitos que têm prazo de prescrição e defendeu a separação entre os Poderes. O julgamento foi interrompido por pedido de vista de Alexandre de Moraes.
Outra característica de Kassio é a brevidade de seus votos. O ministro antecipou seu estilo logo na estreia na Segunda Turma.
"Vossas Excelências vão ter a oportunidade de perceber que eu falo muito pouco. Não sou muito fã da minha própria voz. E sou fã do poder de síntese", disse ele, após as saudações de boas-vindas dos colegas.
Kassio tomou posse em 5 de novembro. A solenidade ocorreu pouco mais de um mês após a posse de Fux na presidência, que ficou marcada pela contaminação pelo novo coronavírus poucos dias depois de ao menos oito autoridades que estiveram presentes.
No caso de Kassio, foi anunciado que a solenidade seria virtual para evitar o contágio da Covid-19.
A cerimônia, porém, contou com a presença física das principais autoridades do país, como Maia, Alcolumbre, o procurador-geral da República, Augusto Aras, o chefe da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, e os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
Cinco dias depois, Moraes foi diagnosticado com a doença.
Como é praxe, o empossado não discursou na cerimônia. Apenas Fux usou a palavra, e fez elogios ao currículo de Kassio, um de seus pontos fracos durante o processo de escolha para o cargo, devido a inconsistências nos trabalhos acadêmicos apresentados.
Bruno Boghossian: Ressaca no STF pode produzir decisões controversas e acovardamento
Divisão no julgamento sobre reeleições no Congresso volta a agitar rede de intrigas do tribunal
A divisão do Supremo no julgamento que barrou a reeleição dos atuais presidentes da Câmara e do Senado agitou mais uma vez a rede de intrigas do tribunal. A maioria do plenário não fez mais do que sua obrigação ao reafirmar aquele veto, mas a decisão acirrou disputas de poder que têm efeito direto sobre o comportamento dos ministros.
Logo depois da votação do último domingo (6), uma ala da corte acusava Luiz Fux de traição no processo. Ministros diziam que existia um pacto para liberar as reeleições e que o presidente do Supremo havia descumprido o acordo. Em retaliação, eles prometiam tomar decisões para dificultar a vida do colega.
Se o problema fosse apenas a vaidade ferida de um punhado de juízes, ninguém precisaria se preocupar. As desavenças ficariam restritas ao cafezinho nos intervalos das sessões, e haveria alguns embates ríspidos durante os julgamentos. A conflagração política no Supremo, porém, pode se tornar mais um elemento de tensão no frágil equilíbrio democrático do país.
Mesmo em tempos de paz, o farto poder dos ministros do STF é capaz de perturbar essa estabilidade. Decisões monocráticas, pedidos de vista e liminares exóticas costumam provocar traumas e desgastes ao tribunal, estimulando alguns de seus integrantes a jogar na defensiva. Em certos casos, a corte se vê constrangida e deixa de cumprir seu papel.[ x ]
Após o choque da última semana, Fux já ensaiou um apelo à autocontenção. Dois dias depois do julgamento, ele recomendou moderação ao tribunal, disse que o Supremo deve evitar a "orgia legislativa" e sentenciou: "Não é hora de ninguém ganhar nada nem de perder nada. É hora da manutenção do status quo".
O STF faria bem em segurar os próprios excessos e intromissões na vida política do país, mas esses limites não deveriam ser frutos de crises internas ou pressões externas. Se a recente cisão no tribunal produzir mais decisões controversas e acovardamento institucional, Jair Bolsonaro pode dormir tranquilo.Bruno Boghossian
*Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).
O Globo: Barrados pelo STF, Maia e Alcolumbre planejam sucessão de forma independente
Decisão da Corte estremeceu relação e esvaziou chance de acordo conjunto
Julia Lindner, O Globo
BRASÍLIA — A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de barrar a reeleição no comando do Legislativo estremeceu a relação entre os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), enterrando a possibilidade de os dois trabalharem juntos nas suas respectivas sucessões. Segundo aliados, Alcolumbre está sem atender Maia desde o sábado passado, véspera do resultado final do STF. Ele trata as articulações de forma independente.
O presidente do Senado considera o chefe da outra Casa responsável por sua derrota na Corte, pois Maia, no comando da Câmara desde 2016, deixou no ar se seria candidato ou não. Para Alcolumbre, o clima era mais favorável para ele tentar a recondução sozinho, mas seu correligionário se recusou a fazer um gesto público neste sentido. Em entrevista ao GLOBO enquanto o julgamento se desenrolava, Maia afirmou que não diria “uma coisa nem outra” sobre a possibilidade de disputar o cargo mais uma vez.
Um integrante do DEM nega que tenha ocorrido um afastamento definitivo entre Maia e Alcolumbre, mas brincou que os dois “não estão melhores amigos no momento”. Pessoas próximas a Alcolumbre justificam que o presidente do Senado tem evitado Maia apenas por dificuldade de agenda. Focado na sucessão, Alcolumbre não presidiu nenhuma sessão na semana passada.
Em 2019, quando ambos saíram vitoriosos, as negociações foram individuais. Enquanto no Senado houve respaldo ao atual presidente pelo governo, especialmente pelo então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, na Câmara o suporte a Maia só chegou quando ele já tinha maioria consolidada. Agora, Alcolumbre até fala em buscar um nome independente, mas se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro na semana passada para debater o tema. Enquanto isso, Maia tem feito ataques sistemáticos ao governo.
Alguns partidos buscam negociações “casadas”. O PP, por exemplo, que tem o deputado Arthur Lira (AL) na disputa na Câmara, tenta convencer alguns partidos a apoiá-lo em troca de reciprocidade no Senado. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), já ofereceu esse tipo de acordo ao MDB e ao DEM, dois partidos que almejam a presidência do Senado. Em ambos os casos, não houve resposta.
No Senado, o DEM trabalha no momento com a candidatura de Rodrigo Pacheco (MG), preferido de Alcolumbre. Na Câmara, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) ainda está oficialmente entre os que disputam o apoio de Maia, mas a tendência é que a escolha do atual presidente seja por Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) ou Baleia Rossi (MDB-SP).
No caso do MDB, do qual Baleia é presidente, a ideia é tratar o tema de forma independente. No Senado, há uma disputa interna entre pelo menos quatro parlamentares pela candidatura: os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra (PE), e no Congresso, Eduardo Gomes (TO); e os senadores Eduardo Braga (AM) e Simone Tebet (MS).
Ascânio Seleme: Os candidatos
Decisão do STF de barrar por serem inconstitucionais as reeleições de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre inaugurou o lançamento de candidaturas nas duas casas
O Congresso Nacional começa a viver os momentos de turbulência que antecedem a sucessão das mesas da Câmara e do Senado. A decisão do Supremo Tribunal Federal de barrar por serem inconstitucionais as reeleições de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre inaugurou o lançamento de candidaturas nas duas casas. Esta coluna não quer fazer juízo de valor, mas vai nomear cada um dos já lançados e acrescentar pequenas bios das suas trajetórias nas tramas da justiça. A elas.
CÂMARA
Arthur Lira (PP-AL), candidato do presidente Bolsonaro. Réu por desvio de dinheiro do erário e por enriquecimento ilícito; denunciado na Lava-Jato por lavagem de dinheiro; acusado pelo Ministério Público de Alagoas por desviar R$ 1 milhão através de rachadinhas durante mandato de deputado estadual; denunciado no STF por agressão à sua ex-mulher, que o acusou de participar de um esquema de corrupção em seu estado.
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), foi ministro de Dilma e depois votou contra ela no processo de impeachment. Acusado pelo doleiro Alberto Youssef de receber mesada do PT para votar a favor das pautas do partido; citado na delação da Odebrecht por receber propina; denunciado pelo ex-procurador Rodrigo Janot por fazer parte da organização criminosa que assaltou a Petrobras.
Luciano Bivar (PSL-PE), presidente do partido que abriu as portas para Bolsonaro ser candidato em 2018. Em 2013, admitiu ter pago propina para a CBF para que o técnico da seleção Emerson Leão convocasse o jogador Leomar, que à época pertencia ao Sport, clube que Bivar dirigia; indiciado pela PF no esquema de laranjas do PSL nas eleições de 2018.
Marcos Pereira (Republicanos-SP), bispo licenciado da Igreja Universal, foi ministro do governo Temer. Ficou quase dois anos no cargo, mas se viu obrigado a renunciar ao posto quando seu nome apareceu na lista da Odebrecht como um dos beneficiários das propinas da empresa.
Elmar Nascimento (DEM-BA), deputado de segundo mandato. Acusado de ser um dos 81 parlamentares beneficiários do esquema da Odebrecht de distribuição de dinheiro para campanhas em caixa dois através da cervejaria Itaipava.
Baleia Rossi (MDB-SP), presidente nacional da sigla desde o fim da era de Romero Jucá. Foi acusado em 2016 pelo lobista Marcel Júlio como participante de um esquema de extorsão de fornecedores de merenda para escolas públicas de São Paulo. Mais tarde, o Coaf apresentou uma lista de envolvidos sem o seu nome.
Tereza Cristina (DEM-MS), ministra da Agricultura de Bolsonaro e deputada licenciada. Acusada de dar calote em cinco empréstimos que tomou de bancos e fundos de investimentos agropecuários, entre eles, um da JBS, para projetos rurais particulares.
SENADO
Fernando Bezerra (MDB-PE), ex-ministro do governo Dilma. Acusado de lavagem de dinheiro na Operação Turbulência para reeleição de Eduardo Campos em Pernambuco (parte do dinheiro teria sido usado na compra do avião que caiu em 2018 matando Campos); denunciado por receber propina da Camargo Corrêa nas obras da refinaria Abreu Lima; denunciado na Lava-Jato por receber R$ 20 milhões em propina.
Eduardo Braga (MDB-AM), ex-prefeito de Manaus, ex-governador do Amazonas, ex-ministro de Dilma. Suspeito na Lava-Jato por receber R$ 1 milhão em propina; acusado de ser dono oculto de um jato Citation de US$ 9 milhões (R$ 46,5 milhões), cujo prefixo é o sugestivo PP-MDB; denunciado pelo MP do estado por comprar terreno público por R$ 400 mil e vendê-lo três meses depois por R$ 13,1 milhões; conhecido nas planilhas da Odebrecht pelo apelido “Glutão”.
Nelsinho Trad (PSD-MS), ex-prefeito de Campo Grande. Teve R$ 101 milhões bloqueados em suas contas por envolvimento no maior escândalo do Mato Grosso do Sul, de desvios milionários da empresa de limpeza urbana da capital do estado, a Solurb; denunciado pelo MP estadual por fazer autopromoção com dinheiro público quando era prefeito.
Eduardo Gomes (MDB-TO), senador de primeiro mandato. Denunciado na Operação Sanguessuga por desvio de dinheiro do Ministério da Saúde destinado a compra de ambulâncias; acusado de fraudar licitações quando presidia a Câmara Municipal de Palmas; usou verbas indenizatórias do Senado para comprar “notícias” favoráveis a ele em jornais de Tocantins.
Antonio Anastasia (PSD-MG), ex-governador de Minas Gerais, ex-vice de Aécio Neves, a quem sucedeu. Citado na Lava-Jato como receptor de propinas. O ex-policial Jayme Oliveira Filho disse ter entregado dinheiro em BH a uma pessoa muito parecida com Anastasia. Alberto Youssef, de quem o policial era operador, negou que o dinheiro fosse para Anastasia. O processo acabou arquivado.
Simone Tebet (MDB-MS), senadora de primeiro mandato. Investigada por crime de responsabilidade em dois inquéritos que apuram fraude durante sua gestão na prefeitura de Três Lagoas (MS). Um deles foi arquivado por prescrição.
Rodrigo Pacheco (DEM-MG), senador de primeiro mandato. Defensor dos denunciados no mensalão, detrator da Lava-Jato e crítico do Ministério Público.
ATÉ HONDURAS
Com todo o respeito que aquele país da América Central merece, mas é bom notar que até mesmo a pequena Honduras (9,5 milhões de habitantes, PIB de US$ 49 bilhões e renda per capita de US$ 5,8 mil) vai começar a vacinação da sua população ainda este ano. Na capital, Tegucigalpa, as doses da vacina russa Sputnik começam a ser inoculadas na semana que vem. Alguém pode até dizer que a Sputnik não é segura, mas toda a família real de Dubai foi imunizada com ela.
O OSCAR BRASILEIRO
Daniel Day-Lewis leu cem livros sobre Lincoln para interpretar seu personagem no cinema. Assim que se trabalha. Quantos livros Bolsonaro e Pazuello leram sobre o coronavírus? O ator ganhou um Oscar por aquela interpretação. Que prêmio você daria ao presidente e ao seu ministro?
SAÚDE MENTAL
O governo resolveu revogar portarias que dão estrutura e recursos às políticas de saúde mental no Brasil. Parece que alguém mais, além do general Eduardo Paradão Pazuello, perdeu o juízo no Ministério da Saúde. Ou será que foi mais do mesmo?
HOTEL MUSEU
Nada contra um hotel no Jardim Botânico. Parques têm que ser usados e visitados pelas pessoas. São educativos e dão prazer e relaxamento aos visitantes. O maior parque do mundo, o Yellowstone, que se estende por três estados americanos em 8,9 mil quilômetros quadrados muito bem preservados, tem dez hotéis no seu interior. Todos geram renda e empregos e não atentam contra o meio ambiente. Agora, por que fazer logo no lugar do Museu do Meio Ambiente? Para reduzir o debate sobre a questão e suspender a movimentação de ideias e ideais preservacionistas. E para quê mais hotel no já abarrotado Rio de Janeiro? Aliás, Salles ajudaria muito se mandasse demolir o esqueleto do Gávea Tourist Hotel no Parque da Tijuca. Ou será que Eduardo Paes poderia se ocupar disso?
CANCÚN, NÃO
Por falar em hotel, é bom não se esquecer que ainda está muito bem viva a ideia maluca de Bolsonaro de querer transformar a baía de Angra dos Reis em uma “Cancún brasileira”. O que se quer fazer ali é uma agressão hedionda a um dos lugares mais preservados do planeta. A proposta é acabar com a estação ecológica e a APA de Tamoios e chamar investidores para erguer hotéis e resorts na área. Uma bobagem que não pode prosperar. E não vai, por que você acha que ainda tenha gente que acredite neste governo e invista numa furada dessas?
AINDA RODRIGO
O deputado Rodrigo Maia chegou a se coçar quando emissários de Bolsonaro o avisaram, há dois meses, que sua excelência pensava em lhe entregar um ministério. Poderia ser uma forma de agradecer ao presidente da Câmara por fazer nada com os mais de 30 pedidos de impeachment que recebeu. Mas, como revelou ontem o jornalista Fernando Rodrigues, do Poder 360, Paulo Guedes vetou Rodrigo num hipotético Ministério do Planejamento recriado. Pois é.
OS MITOS
Os políticos acreditam que o brasileiro gosta mesmo de líderes fortes e, melhor ainda, carismáticos. Muito provavelmente inspirados em outros modelos latinos, como o argentino, que até hoje vive sob a sombra de Juan Domingos Perón. Talvez seja por isso que políticos de direita (não falo do centrão das boquinhas, que não tem ideologia e está em qualquer governo) ainda acreditem em Bolsonaro, o mito de 2018. E esta também deve ser a razão para muitos bons quadros da esquerda continuarem teimando com Lula, o mito de duas décadas atrás.
NEGÓCIO NOVO
O mercado do direito autoral só se surpreendeu com o montante, não com a venda dos direitos autorais das músicas de Bob Dylan por US$ 300 milhões. No Brasil, investimentos no setor podem render até 13% ao ano, como mostrou em setembro a repórter Júlia Lewgoy, do Valor Investe. Significa quase cinco vezes mais do que paga a poupança. Mas é preciso saber como funcionam os direitos autorais de músicas para poder se movimentar por ali. Para isso é que estão sendo criados fundos específicos por bancos e fintechs. Trata-se de um novo negócio na praça.
AUDIÊNCIAS
A audiência da Fox News no verão americano foi a maior da história, superando todas as demais no cabo e ganhando até mesmo das emissoras de sinal aberto. Já por aqui, a Fox brasileira perdeu feio para a GloboNews.
IMPOSTOS E ARMAS
Bolsonaro vai zerar impostos para importação de armas a partir de 1º de janeiro. Neste caso, o presidente não surpreende mesmo. Agora, por que não zera também as alíquotas para seringas, já que os produtores locais dizem que não conseguem entregar o que o país precisa para a vacinação contra a Covid? Com a redução do imposto as indústrias poderiam contratar funcionários e produzir mais. Aliás, o que a Taurus, uma das maiores financiadoras da campanha de Bolsonaro em 2018, tem a dizer sobre a medida?
ULTRAJE
Não há outro nome para aquela ridícula exposição dos vestuários de Bolsonaro e Michelle no dia da posse.
Dora Kramer: Fogo na Corte
Nunca se formou unanimidade tão contundente contra posições de magistrados supremos
Decisões do Supremo Tribunal Federal sobre temas políticos costumam gerar polêmicas. Não obstante devam ser cumpridas, habitualmente são amplamente discutidas. Sejam os debatedores os ditos especialistas ou não, sempre há os que veem razões substantivas nos votos vencidos e vencedores.
Exceção ocorreu agora, quando os cinco ministros que deram um escandaloso peteleco na Constituição para permitir reeleição vedada a presidentes do Legislativo ficaram falando sozinhos, reféns da evidência de que atuaram na jurisdição política.
Nunca, nem mesmo quando o então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, permitiu a preservação dos direitos políticos de Dilma Rousseff, ao arrepio das regras legais do impeachment, se formou unanimidade tão contundente contra posições de magistrados supremos.
O dano à confiabilidade jurídica do tribunal teria ficado por aí não fosse a reação captada nos bastidores da Corte por parte dos vencidos, acusando de traição ministros cujos votos consideravam certos em prol da urdidura anticonstitucional. Mais grave foi que daí decorreram ameaças de criar obstáculos ao exercício da presidência de Luiz Fux, um dos presumidos “traidores”.
Queira o bom senso que tais manifestações se esgotem no calor da derrota e não se configurem como atos de fato. Do contrário, as cordas vocais desses ministros ficarão muito enfraquecidas. Perdem força para, por exemplo, impor limites a atitudes antidemocráticas como as que já foram cometidas com o incentivo do presidente da República.
Perverter o texto constitucional, ainda mais quando se é dele o guardião, não deixa de ser um atentado à democracia. Assim como criar uma crise interna de óbvias e graves repercussões externas por motivo fútil não fará bem à já alquebrada reputação do colegiado.
Embalados pelo extremo desconforto de terem sido expostos e isolados na condução de um acerto político, ministros vencidos naquela votação se dizem, em privado, dispostos a atrapalhar o andamento das pautas propostas por Fux e recorrer a manobras regimentais a fim de impor empecilhos ao trabalho do atual presidente da Corte.
Esse tipo de embate faz parte da dinâmica do Poder Legislativo, mas no Judiciário recende a desvio de função. Ultrapassa o limite do dissenso, da divergência natural entre magistrados e entra no terreno da picuinha vingativa, cujo prejuízo institucional atinge o país justamente numa quadra em que o equilíbrio é não apenas essencial ante o desequilíbrio reinante no Executivo, como foi valor reivindicado pela população nas recentes eleições municipais.
Rumo oposto tomarão as excelências contrariadas se levarem adiante o plano de transformar o Supremo Tribunal Federal numa arena de vale-tudo em nome de vaidades e agendas pessoais que em nada interessam ao Brasil.
Esquerda em foco. Por incrível que possa parecer, diante da clareza do veto expresso na Constituição, causou surpresa aos parlamentares a manifestação do Supremo contrária à reeleição dos atuais presidentes da Câmara e do Senado. Com isso, o jogo em andamento foi zerado.
E ainda por mais incrível que possa parecer, a esquerda — do centro ao extremo —, a despeito de minoria, passa a ter um papel de destaque na Câmara. Com seus pouco mais de 130 votos num universo de 513, será o fiel entre os dois pratos da balança ocupados pela centro-direita liderada por Rodrigo Maia e por aquela direita identificada com o presidente Jair Bolsonaro.
Por enquanto as peças estão embaralhadas. Basta ver que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, lista seis nomes entre seus preferidos e o da Câmara inclui cinco candidatos no rol dos prediletos. Normal. Eleições no Congresso costumam ser decididas na última hora.
No Senado, o fator de definição será o MDB, dono da maior bancada. Já na Câmara, a esquerda será decisiva e, nesse campo, o PT é o mais cortejado, com seus 54 votos. Lula anda aconselhando o partido a não apresentar candidato. Negociar é a palavra de ordem, levando em conta as seguintes variáveis: imposição de derrota a Bolsonaro, influência na pauta de votações e se vale a pena fortalecer Rodrigo Maia e o projeto político do centro para 2022.
Essa é a agenda sobre a qual se desenvolvem as conversas na esquerda, cujos parlamentares estão cientes de que, quanto mais unidos estiverem, mais influentes serão sem descartar nada. Nem mesmo adesões a candidato governista.
Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717
O Estado de S. Paulo: Leia as páginas do inquérito dos atos antidemocráticos
Fausto Macedo, Rayssa Motta, Paulo Roberto Netto e Pepita Ortega, O Estado de S. Paulo
O inquérito dos atos antidemocráticos foi aberto em abril a pedido da Procuradoria-Geral da República depois que manifestações defendendo a volta da ditadura militar, intervenção das Forças Armadas e atacando instituições democráticas marcaram as comemorações pelo Dia do Exército em diferentes cidades do País. A realização de atos simultâneos, com carros de som e peças de propaganda ‘profissionais’, nas palavras da Procuradoria, ensejaram a apuração sobre a organização, divulgação e o financiamento desses eventos.
Documento
Além dos protestos físicos, o suposto lucro obtido por blogueiros, influenciadores e youtubers de direita com a transmissão ao vivo dos protestos chamou atenção do Ministério Público Federal (MPF). A suspeita é que parlamentares, empresários e donos de sites bolsonaristas atuem em conjunto em um ‘negócio lucrativo’ de divulgação de manifestações contra a democracia. Entre apoiadores do governo, o inquérito é visto como uma iniciativa para criminalizar a defesa ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a valores conservadores e de direita.
Trecho do despacho assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pedindo a abertura do inquérito. Foto: Reprodução
Nos últimos oito meses, os delegados federais Igor Romário de Paula, Denisse Dias Rosas Ribeiro, Fábio Alceu Mertens e Daniel Daher, designados para conduzir as investigações, intimaram mais de 40 pessoas. São empresários declaradamente bolsonaristas, deputados da base de apoio do governo, membros do partido em gestação Aliança pelo Brasil, assessores da presidência, os filhos do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo e Carlos, e donos de páginas nas redes sociais idealizadas para defender ideais conservadores.
Os delegados federais também pediram ao senador Ângelo Coronel (PSD-BA), presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, o compartilhamento de dados sigilosos obtidos pelo grupo de trabalho no Congresso.
Ofício enviado pela delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro ao senador Ângelo Coronel para obter documentos reunidos pela CPMI das Fake News. Foto: Reprodução
O ministro Alexandre de Moraes, relator das investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), também autorizou a quebra de sigilo de investigados e expediu mandados de prisão temporária contra integrantes do grupo extremista ‘300 do Brasil’ e de busca e apreensão cumpridos em junho na Operação Lume.
Entre relatórios elaborados pela Polícia Federal sobre o avanço das investigações, intimações e termos de depoimentos, mandados de busca e de prisão, despachos da Procuradoria Geral da República e do Supremo Tribunal Federal, os autos da investigação já somam mais de mil páginas.
Veja como foi dividida a investigação:
1) Organizadores e movimentos: pessoas e coletivos conservadores que, segundo o Ministério Público Federal, expressaram apoio ou simpatia a manifestações contra a democracia.
2) Influenciadores e hashtags: rede supostamente articulada para propagar mensagens defendendo uma ruptura institucional, a exemplo dos hashtags #MaiaTemQueCair e #TodoPoderEmanaDoPovo ou de expressões como ‘intervenção militar com Bolsonaro no poder’ e ‘STF inimigo do Brasil’.
Trecho do despacho assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pedindo a abertura do inquérito. Foto: Reprodução
3) Monetização: influenciadores digitais e donos de páginas e canais favoráveis ao governo que converteriam audiência em dinheiro. Para isso, segundo apontou o Ministério Público Federal, investem na radicalização do discurso.
“Há uma escalada em que mensagens apelativas produzem propagação e dinheiro; e a busca por dinheiro gera a necessidade de renovação de bandeiras com grande apelo e propagação. Com o objetivo de lucrar, estes canais, que alcançam um universo de milhões de pessoas, potencializam ao máximo a retórica da distinção amigo-inimigo, dando impulso, assim, a insurgências que acabam efetivamente se materializando na vida real, e alimentando novamente toda a cadeia de mensagens e obtenção de recursos financeiros”, diz um trecho do documento em que o MPF pediu quebras de sigilo de investigados.
Trecho do despacho assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pedindo a abertura do inquérito. Foto: Reprodução
4) Conexão com parlamentares: políticos bolsonaristas foram chamados a prestar depoimentos por três razões principais, segundo os autos do processo: 1) manifestações nas redes sociais; 2) ligação com movimentos e influenciadores; 3) contratação de empresas de tecnologia envolvidas na investigação.
Saiba quem já foi ouvido ou intimado:
Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), vereador (leia detalhes do depoimento)
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Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal (leia detalhes do depoimento)
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Alê Silva (PSL-MG), deputada federal (leia detalhes do depoimento)
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Aline Sleutjes (PSL-PR), deputada federal
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Alexandre Frota (PSDB-SP), deputado federal (leia detalhes do depoimento)
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Beatriz Kicis (PSL-DF), deputada federal
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Carla Zambelli (PSL-SP), deputada federal
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Caroline de Toni (PSL-SC), deputada federal
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Daniel Silveira (PSL-RJ), deputado federal
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General Girão (PSL-RN), deputado federal (leia detalhes do depoimento)
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Junio do Amaral (PSL-MG), deputado federal
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Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), deputado federal
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Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo
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Tércio Arnaud Tomaz, assessor especial da Presidência da República (leia detalhes do depoimento)
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José Matheus Sales Gomes, assessor especial da Presidência da República
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Mauro Cesar Barbosa Cid, assessor especial da Presidência da República
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Mateus Matos Diniz, assessor especial da Presidência da República
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Carlos Eduardo Guimarães, assessor do deputado Eduardo Bolsonaro
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Evandro de Araújo Paula, assessor da deputada Bia Kicis
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Pastor Romildo Ribeiro Soares, ou RR Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus (leia detalhes do depoimento)
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Otavio Oscar Fakhoury, financista
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Luís Felipe Belmonte dos Santos, vice-presidente do Aliança pelo Brasil (leia detalhes do depoimento)
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Luiz Renato Durski Junior, empresário dono da rede de restaurantes Madero
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Sérgio Lima, publicitário
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Bruno Ricardo Costa Ayres, empresário
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Walter Luiz Bifulco Scigliano
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Allan dos Santos, do blog Terça Livre (leia detalhes do depoimento)
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Cleitomar Basso, funcionário do canal Foco do Brasil
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Emerson Teixeira de Andrade, do canal Emerson Teixeira
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Oswaldo Eustaquio Filho, do canal Oswaldo Eustaquio
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Sandra Mara Volf Pedro Eustáquio, mulher do blogueiro Oswaldo Eustáquio e ex-secretária nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos
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Ernani Fernandes Barbosa Neto, do site Folha Política
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Thais Raposo do Amaral Pinto Chaves, do site Folha Política
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Anderson Azevedo Rossi, do canal Foco do Brasil
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Camila Abdo, do canal Direto aos Fatos e do site Crítica Nacional
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Fernando Lisboa, do Vlog do Lisboa
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Marcelo Frazão de Almeida, do canal Direita TV News
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Adilson Nelson Dini, do canal Ravox Brasil
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José Luiz Boni ou Roberto Boni, do canal Universo
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Alana de Oliveira Passos de Souza, deputada estadual no Rio
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Leonardo Rodrigues de Barros Neto, ex-assessor de Alana
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Anderson Luis de Moraes, deputado estadual no Rio
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Vanessa do Nascimento Navarro, assessora parlamentar de Anderson
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Ana Maria da Silva Glória, colaboradora do site Terça Livre
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Raul Nagel Etges, técnico de informática
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Juliana Ginger Vieira Paulo Butzke, psicóloga
Documento
Sara Fernanda Giromini, do canal Sara Winter e do movimento ‘300 do Brasil’
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Alberto Junio da Silva, administrador do canal O Giro de Notícias
Joice Hasselmann (PSL-SP), deputada federal
José Guilherme Negrão Peixoto (PSL-SP), deputado federal
Otoni de Paula (PSC-RJ), deputado federal
Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública
Valter César Silva Oliveira, do canal Nação Patriota