STF
Bruno Carazza: Nossas vidas nunca mais serão as mesmas
Em breve superaremos a gripe espanhola em número de mortes
14 de março de 2020. Nesse dia eu tive um pressentimento de que nossas vidas nunca mais seriam as mesmas.
É claro que, como a maior parte dos brasileiros, eu vinha acompanhando as notícias sobre o novo coronavírus. A doença havia chegado há algumas semanas por aqui, e o número de casos confirmados pelo Ministério da Saúde vinha subindo dia a dia - mas ainda eram apenas 362, sem nenhuma morte até então.
Àquela altura a covid-19 já avançava com força na Europa, a ponto de a Organização Mundial de Saúde ter declarado no dia 11 de março que se tratava de uma pandemia. Com quatro “circuit breakers”, a bolsa naquela semana caiu 15,6%, na pior semana desde a crise de 2008, e mesmo assim eu não me abalava.
A ficha caiu quando ouvi uma entrevista de Donald G. McNeil Jr., repórter de ciência do “The New York Times” que já havia feito coberturas sobre epidemias nos quatro cantos do mundo. Ao participar do podcast “The Daily”, o jornalista revelou que, pelo o que havia apurado junto a diversos cientistas, o novo coronavírus poderia ser tão letal quanto a gripe espanhola de 1918.
“Se nada for feito, todos nós perderemos pelo menos uma pessoa próxima por covid-19”, foi a frase que ficou na minha memória.
Naquele mesmo dia 14 de março em que ouvi o episódio com o jornalista do “NYT” compareci à festa de aniversário de um grande amigo - e aquela foi a última vez que fui a um bar. Lá, recebi uma mensagem por WhatsApp informando que a faculdade em que trabalho havia suspendido as aulas preventivamente. Daí pra frente minha vida nunca mais foi a mesma.
Num depoimento dado em 1977, no longínquo ano em que nasci, o artista plástico Abraham Palatnik parecia profetizar o que vivemos em 2020. “O ser humano representa um grande investimento em estudo e aprendizagem ao longo de dezenas de anos. Desprezar esta vantagem seria uma degradação da própria natureza do homem e um desperdício de suas potencialidades.”
O desdém pela ciência, expresso inúmeras vezes pelo presidente da República, cobrou seu preço. “Cenas de terror e tensão, fuga na terra, ira no céu”, cantavam ainda no início da carreira os Titãs, tendo entre eles o punk Ciro Pessoa. “Tomaram tudo o que tínhamos”, clamava o líder Aritana Yawalapati, um dos últimos falantes do idioma tradicional do seu povo, no Alto Xingu.
“Nós estamos órfãos de um projeto nacional. (...) Nós fomos achando que é possível tocar o futuro sem discutir o futuro”, criticou certa vez o ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do BNDES Carlos Lessa.
Como o limpador de vidraças do conto “Um discurso sobre o método”, de Sérgio Sant’Anna, estamos suspensos no tempo, sem orientações claras sobre novas medidas de distanciamento social ou ações rápidas para a obtenção de vacinas. “Ele era um homem que vivia nas imediações do presente, pois o passado não lhe trazia nenhuma recordação agradável, em especial, e o futuro era melhor não prevê-lo, de tão previsível”.
Muitos sucumbiram diante da indefinição. Alguns de modo resignado, como na canção de Paulinho do Roupa Nova: “E a hora vai chegar; já não sei como evitar. Eu não vou mais fugir, é tempo de encarar”.
“Daqui dou o viver já por vivido”, sentenciou a poetisa Olga Savary na sua Sextilha Camoniana.
“Pela fresta, é possível ver o céu azul. Acho que atravessei esta porta”. Algodão-doce para você, inesquecível Daniel Azulay.
“Passei o bastão pra vocês, agora sigam e sejam felizes”, disse a atriz Nicette Bruno a seus filhos, mas o conselho serve a cada um de nós.
“Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente”, nos ensinou Aldir Blanc num hino de outros tempos, mais atual do que nunca. “A esperança dança na corda bamba de sombrinha, e em cada passo dessa linha pode se machucar”.
Enquanto escrevo esta coluna, o Brasil registra 190.795 mortes oficiais por covid-19. De acordo com a última pesquisa Datafolha, 8 em cada 10 brasileiros pegou ou conhece alguém próximo que foi contaminado pelo novo coronavírus.
Estudiosos estimam que as duas grandes ondas de gripe espanhola que atingiram o Brasil entre 1918 e 1919 mataram em torno de 35.000 pessoas. Segundo o IBGE, nesta mesma época o Brasil possuía em torno de 30 milhões de habitantes. Grosso modo, pouco mais de 0,1% dos brasileiros sucumbiram à doença.
Um século depois, o país possui pouco mais de 210 milhões. A continuar o ritmo atual de evolução, em breve a covid-19 terá matado o mesmo tanto que a gripe espanhola, em termos proporcionais.
O descaso com a saúde pública no atual governo jogou por terra todo o avanço de higiene, tecnologia e políticas públicas de um século.
As retrospectivas do ano de 2020, a serem veiculadas nos próximos dias, vão precisar de tempo e espaço extra para retratar tantas perdas inestimáveis - inclusive as dez personalidades que eu mencionei expressamente acima.
No meu caso, a profecia do repórter do “The New York Times” se cumpriu na noite do dia 25 de outubro. Sebastião Fernandes Pereira era um grande amigo da minha família, com o qual convivi desde os meus 10 anos de idade.
De riso fácil e conversa atenciosa, deixou órfãos milhares de pessoas que recorriam a ele para buscar conforto e conselho para suas dores da alma.
Tiãozinho virou estatística da covid, mas a falta que ele deixou não tem medida. Por meio dele homenageio as vítimas da doença que marcou este ano, seus familiares e amigos.
Até 2021.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
Celso Rocha de Barros: Em ano trágico, livros sobre política foram ótimos
Ano teve competidores nacionais excelentes; lista não tem estrangeiros
Minha lista anual nunca incluiu reedições de clássicos, mas a coletânea “Por um Feminismo Afro-latino-americano”, que reúne textos da historiadora e filósofa negra Lélia Gonzalez editados por Flávia Rios e Márcia Lima, tem que ser citada porque grande parte do público ainda não sabe que a autora é clássica.
“Raça e Eleições no Brasil”, de Luiz Augusto Campos e Carlos Machado, é um trabalho muito inteligente de ciência política sobre as dificuldades de inserção dos negros no sistema eleitoral brasileiro, um tema cada vez mais quente.
“Mãe Pátria”, de Paula Ramón, é um belo relato, em tom pessoal, sobre a tragédia venezuelana recente. Não é antiesquerdismo, é só uma história real que a esquerda deveria levar a sério.
“A Bailarina da Morte”, de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, fala da pandemia de gripe espanhola do início do século 20 e sugere semelhanças assustadoras com a tragédia brasileira atual. Tive a impressão, entretanto, que mesmo as autoridades incompetentes da República Velha teriam comprado vacina para os brasileiros, se ela existisse na época.
Por algum motivo inexplicável, desde 2018 cresceu o interesse dos autores brasileiros pela história do Integralismo, a versão brasileira do fascismo nos anos 30. “Fascismo à Brasileira”, de Pedro Doria, conta a história do movimento com foco na trajetória de seu fundador, Plínio Salgado. “O Fascismo em Camisas Verdes”, de Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto, se destaca pela história da apropriação do legado dos integralistas até o dia de hoje.
“A República das Milícias”, de Bruno Paes Manso, é o estudo mais amplo e detalhado já publicado sobre essa forma de domínio territorial criminoso e suas ramificações políticas.
Mudando completamente de assunto, “O Brasil Dobrou à Direita”, de Jairo Nicolau, analisa detalhadamente dados sobre a eleição presidencial de 2018.
“A Máquina do Ódio”, de Patrícia Campos Mello, é o primeiro grande registro histórico da ofensiva autoritária pós-2018, lá onde ela já está avançada: na guerra à imprensa livre, realizada por campanhas de ódio e tentativas de estrangulamento financeiro.
“Ponto-final”, de Marcos Nobre, é uma análise do Bolsonarismo na pandemia, escrita “à quente”, no meio do ano. O argumento sobreviveu bem aos meses seguintes.
“As Políticas da Política”, organizado por Marta Arretche, Eduardo Marques e Carlos Aurélio Pimenta de Faria, reúne estudos que comparam políticas públicas dos governos tucanos e petistas. O livro gerou bons debates e, em 2020, deu saudade de dois momentos em que o Brasil teve governo.
“The Volatility Curse” (“A Maldição da Volatilidade”), de Daniela Campello e Cesar Zucco, mostrou como os resultados eleitorais brasileiros são correlacionados com os ciclos e choques da economia internacional e como isso pode prejudicar a capacidade dos eleitores avaliarem bem os governantes.
Em um ano de competidores nacionais excelentes, a ponto de não haver nenhum estrangeiro na lista, o melhor livro de política foi “A Organização”, de Malu Gaspar, que conta a história política da empreiteira Odebrecht. Um estudo de caso detalhado e, às vezes, chocante, sobre economia política brasileira, corrupção e os desafios da reforma de nossa democracia.
*Celso Rocha de Barros, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra)
Marco Antonio Villa: Bolsonaro é a maior ameaça à democracia
Às Forças Armadas, o presidente fomenta a indisciplina dos oficiais com a intenção de ter apoio para uma aventura golpista
Jair Bolsonaro encerra politicamente o terrível ano de 2020 da mesma forma como iniciou. Conspirando diuturnamente contra o Estado Democrático de Direito. Se a prisão, em junho, de Fabrício Queiroz, interrompeu a marcha golpista, nos últimos dias de dezembro, Bolsonaro voltou à carga. Atacou a imprensa, ameaçou jornalistas, desqualificou a importância da informação livre e responsável, caluniou ministros do STF — como na sua live do dia 17, quando afirmou que o ex-ministro Celso de Mello é defensor da poligamia —, caluniou o deputado Rodrigo Maia imputando a ele uma suposta ação contra o décimo-terceiro pagamento do Bolsa-Família — acabou sendo desmentido não só pelo próprio presidente da Câmara dos Deputados, como também pelo ministro da Economia Paulo Guedes.
As agressões sistemáticas às instituições geralmente ocorreram em atos públicos — excetuando as lives, obviamente — onde encontrou plateias amestradas, inclusive em próprios da União, especialmente das Forças Armadas. Há uma clara estratégia de, ao mesmo tempo em que solapa os princípios da Constituição de 1988, buscar sempre um lócus adequado de onde pronuncia seus vitupérios. A escolha recai geralmente nas cerimônias das Forças Armadas. Lá fomenta a indisciplina dos oficiais e busca aparentar que detém apoio para uma aventura golpista. Já com os policiais militares insinua que podem se transformar em milícias auxiliares do seu projeto autoritário. Um exemplo: o violento ataque à imprensa e às instituições na cerimônia de formatura de soldados da PM fluminense, em 18 de dezembro.
Diferentemente dos atos antidemocráticos que promoveu no primeiro semestre — e que estão sendo investigados no STF —, desta vez há um agravante: não há como esconder o avanço da Covid-19, seus efeitos — mais de sete milhões de infectados e 190 mil óbitos —, a irresponsável conspiração contra a vacinação, isto em um cenário que aponta um rápido avanço da pandemia. Tudo caminha para uma confluência de crises: a institucional, a sanitária e a econômica. É uma tragédia anunciada. Bolsonaro necessita, para sobreviver politicamente e esconder o desastre do seu governo, confrontar e ameaçar as instituições, apontando até, no limite, para um golpe. A pandemia tende a ficar incontrolável no primeiro trimestre do próximo ano. E a economia caminha para uma recuperação tímida, muito abaixo do que seria necessário frente ao tombo de 2020. É o cenário perfeito para a explosão de uma crise social. Quem viver verá.
Cristina Serra: Que vergonha, excelências!
Ainda nem temos vacinas aprovadas e liberadas, e STF e STJ já estavam prontos para furar a fila da imunização
No Brasil, existem cidadãos comuns, como você, leitor, e eu. E existem castas, como o Judiciário, sustentadas com o dinheiro dos nossos impostos e adubadas com privilégios e mordomias que ofendem o simples bom senso. Ainda nem temos vacinas aprovadas e liberadas e suas excelências do STF e do STJ já estavam prontas para furar a fila da imunização. As duas mais altas cortes enviaram os pedidos à Fundação Oswaldo Cruz, que os rechaçou.
Num momento de emergência sanitária e com autoridades incompetentes no comando da saúde dos brasileiros, as maiores instâncias do Judiciário deveriam ser as primeiras a dar o bom exemplo e aguardar sua vez na escala de prioridades, a ser definida de acordo com critérios científicos e levando-se em conta a vulnerabilidade de grupos mais expostos ao vírus. Mas as cúpulas do Judiciário preferiram se orientar pelo adágio mesquinho: farinha pouca, meu pirão primeiro. O que me lembra também o salve-se quem puder da primeira classe no convés do Titanic.
O STF pediu uma reserva de 7.000 doses para ministros e servidores do tribunal e do Conselho Nacional de Justiça. O STJ disse que enviou um “protocolo comercial”, que se refere à “intenção de compra” das doses para imunizar magistrados, servidores e seus dependentes. Sim, você leu direito. O STJ alegou que pretendia comprar as vacinas que, até onde se sabe, serão distribuídas gratuitamente pelo Plano Nacional de Imunização (vai saber quando). Seria um auxílio-vacina?
Não fosse a revelação pela imprensa e a negativa contundente da Fiocruz, talvez outras categorias já estivessem a reivindicar tratamento “isonômico”. A mentalidade da aristocracia do setor público brasileiro opera uma rota de colisão com qualquer projeto de sociedade menos desigual e mais justa. Regalias de toda sorte para uma elite “diferenciada” transformam em uma quimera o ideal de cidadania já alcançado por outros países. Data vênia, excelências, que vergonha!
Hélio Schwartsman: O país das carteiradas
Uma das explicações para o fracasso do Brasil é que ele é atávica e renitentemente corporativista
Uma das explicações para o fracasso do Brasil é que ele é atávica e renitentemente corporativista. Em vez de as pessoas se pensarem como cidadãs de uma República de iguais, veem-se (e agem) como membros de corporações que se julgam detentoras de direitos especiais.
Tanto o STF como o STJ enviaram à Fiocruz ofícios em que pediam a "reserva" de alguns milhares de doses de vacinas contra a Covid-19 para aplicação em seus servidores.
Mais espertos do que o grupo de promotores paulistas que tentara uma despudorada carteirada para a categoria furar a fila da imunização, os responsáveis pelos tribunais evitaram o uso de termos como "prioridade" e "preferência". Escreveram os ofícios de um jeito que ficava parecendo que receber as vacinas era uma espécie de sacrifício que as cortes fariam em prol da coletividade.
Felizmente, a Fiocruz, num raro exemplo de espírito republicano, rejeitou ambos os pedidos, enfatizando que toda a produção de vacinas será destinada ao Ministério da Saúde e que a fundação não estava reservando doses nem para seus próprios funcionários.Como já escrevi aqui, não há um critério único para organizar filas éticas. Pode-se dar a prioridade aos mais vulneráveis ou aos mais expostos ou ainda proceder a diferentes combinações dessas duas lógicas. Só o que não faz sentido, em termos éticos, é dar preferência a grupos específicos pelo fato de eles terem mais prestígio ou mais poder de influenciar. As duas mais altas cortes do país deveriam saber disso e dar o exemplo. Lamentavelmente, preferiram a carteirada envergonhada.
A crer nas ideias de economistas como Daron Acemoglu e James Robinson, o que distingue nações que fracassam das que dão certo é o desenho de suas instituições. Quando elas servem primordialmente a elites extrativistas, o país naufraga; quando são inclusivas, o desenvolvimento chega. O corporativismo está matando o Brasil.
Fausto Macedo: Após liminar de Kassio, ‘fichas sujas’ vão ao TSE
Decisão do ministro Nunes Marques que esvaziou Lei da Ficha Limpa provoca corrida de condenados que tentam assumir mandatos em janeiro
Rafael Moraes Moura, O Estado de S. Paulo
A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques, esvaziando a Lei da Ficha Limpa, provocou uma corrida de candidatos a prefeito e vereador no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Depois que o magistrado concedeu uma liminar reduzindo o período de inelegibilidade de políticos condenados criminalmente, ao menos cinco candidatos já acionaram o TSE para conseguir ser diplomados e assumir o cargo, em janeiro de 2021.
Os pedidos aguardam uma decisão do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, responsável pelo exame de processos considerados urgentes durante o recesso do tribunal. Até agora, quatro candidatos a prefeito – de Pinhalzinho (SP), Pesqueira (PE), Angélica (MS) e Bom Jesus de Goiás (GO) – e um a vereador, de Belo Horizonte (MG), recorreram ao TSE para garantir a diplomação.
O entendimento de Nunes Marques vale apenas para políticos que ainda estão com processo de registro de candidatura, neste ano, pendente de julgamento no TSE e no próprio Supremo. A indefinição pode levar presidentes de Câmaras Municipais a assumir o cargo no lugar de prefeitos eleitos pelo voto popular.
Condenado por delito contra o patrimônio público em segunda instância, há 11 anos, o prefeito eleito de Bom Jesus de Goiás, Adair Henriques (DEM), obteve 50,62% dos votos válidos nas urnas. Teve o registro da candidatura autorizado pelo Tribunal Regional Eleitoral goiano, mas perdeu no TSE, onde um recurso está pendente de análise.
“Se não houver diplomação do candidato eleito para o cargo de prefeito, o presidente da Câmara Municipal exercerá a chefia do Executivo, não obstante não tenha se candidatado nem tenha sido votado e eleito para o posto”, argumentou a advogada e ex-ministra do TSE Luciana Lóssio, defensora de Adair.
Após a decisão do Supremo, o líder comunitário Júlio Fessô (Rede), que disputou no mês passado uma vaga de vereador em Belo Horizonte, também acionou o TSE. O tribunal mineiro havia considerado inelegível o candidato, que foi condenado à prisão em 2006, por tráfico de drogas, e cumpriu pena até 2011. Agora, com base na decisão do Supremo, Fessô busca o aval da Justiça Eleitoral para ocupar a cadeira na Câmara Municipal.
Outro candidato que aguarda uma decisão do TSE é Cacique Marquinhos (Republicanos), vitorioso na disputa pela prefeitura de Pesqueira, no agreste pernambucano, com 51,60% dos votos válidos. Marquinhos, no entanto, foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa por causa de uma condenação pelo crime de incêndio, em 2015. O registro da candidatura foi negado pelo TRE pernambucano, o que levou o caso ao tribunal superior. O TSE informou que não vai se manifestar sobre o assunto porque “o tema está pendente de decisão definitiva do STF”.
No sábado, Nunes Marques atendeu a um pedido do PDT e considerou inconstitucional um trecho da Lei da Ficha Limpa, que fazia com que pessoas condenadas por certos crimes – contra o meio ambiente e a administração pública, além da lavagem de dinheiro, por exemplo – ficassem inelegíveis por mais oito anos, após o cumprimento das penas. Logo depois, a Procuradoria-Geral da República entrou com recurso contra a decisão.
Em entrevista à TV Justiça na última quarta-feira (23), o presidente do STF, Luiz Fux, disse que cabe a Nunes Marques analisar o recurso da PGR contra a decisão. “O presidente do Supremo pode muito, mas não pode tudo”, disse Fux, ao fazer o aceno ao colega.
Para a PGR, a decisão levou à quebra da isonomia no mesmo processo eleitoral, já que o afastamento da Lei da Ficha Limpa vale apenas para os candidatos com registro ainda pendentes de análise no TSE e no STF.
“A decisão criou, no último dia do calendário forense, dois regimes jurídicos distintos numa mesma eleição, mantendo a aplicação do enunciado do Tribunal Superior Eleitoral aos candidatos cujos processos de registros de candidatura já se encerraram. Cria-se, com isso, um indesejado e injustificado discrímen, em prejuízo ao livre exercício do voto popular”, criticou o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques.
Silvio Almeida: Democracia e desigualdade devem ocupar lugar central no debate político pós-pandemia
Relação entre os dois temas será central no debate político pós-pandemia
Ano de 2021 começará com enormes desafios e não haverá mais lugar para pensamento idealista apartado dos conflitos da realidade.
Utilizo esta última coluna do ano para tratar do que considero os principais assuntos sobre os quais a sociedade terá que se debruçar nos próximos anos: democracia e desigualdade.
O debate sobre democracia e desigualdade não é recente nem uma novidade. Entretanto, a pandemia, a crise econômica e a incapacidade política demonstrada por grande parte dos governos expuseram as imensas contradições do que se convencionou chamar de democracia e a insuficiência das medidas contra a desigualdade.
O ano de 2020 evidenciou que as garantias jurídico-formais da democracia não são suficientes para assegurar a participação popular no processo político. Governos autoritários, com propensões genocidas e “suicidárias” (na expressão de Paul Virillo) foram eleitos e, utilizando-se da forma democrática, desorganizaram social e economicamente seus respectivos países, instalaram desconfiança no próprio sistema que os permitiu chegar ao poder e foram direta ou indiretamente responsáveis pela morte de milhares de pessoas devido ao modo com que se portaram no contexto da pandemia.
Da mesma forma mostraram-se falhas e limitadas as instituições encarregadas de zelar pela democracia. O domínio das fake news, o ambiente anti-intelectual e a distorção provocada pelos algoritmos das redes sociais colocam em xeque um dos postulados máximos do processo democrático, a informação baseada na verdade. Parte do problema também repousa na maneira como os interesses econômicos e o alinhamento às políticas neoliberais têm se refletido na tolerância da grande imprensa e do sistema de justiça com governos autoritários e comprovadamente incompetentes. Caminhamos para um mundo em que a degradação das condições de vida, a destruição ambiental e a desorientação existencial faz com que se instaure um grave dilema entre democracia e ordem social.
Tratar a questão da desigualdade será também assunto prioritário na próxima quadra histórica. Penso que o tema se desdobrará em duas grandes questões. O primeiro desdobramento será um novo debate sobre o papel do Estado na economia. Os delírios neoliberais de “cada vez menos Estado” mostraram-se um retumbante fracasso, inclusive para o mercado. Sem um sistema forte e coeso de proteção social, como é o caso do Sistema Único de Saúde, a tragédia da Covid-19 poderia ser muito maior. Nesse sentido, a instituição de uma renda básica universal está definitivamente na agenda brasileira, não apenas por sua capacidade de fortalecer o sistema de proteção social, mas pelos impactos positivos da medida sobre o conjunto da economia.
O segundo desdobramento será a questão racial. A ascensão de governos ancorados em um “neoliberalismo autoritário” expôs a forma como o racismo é um elemento organizador da desigualdade. O silêncio teórico da economia acerca do racismo foi quebrado, o que revelou ao fim e ao cabo a insuficiência de políticas de desenvolvimento econômico que não tratam da desigualdade racial. A partir de reflexões sobre política industrial, relações de trabalho, tributação, ciência e tecnologia e empreendedorismo terão que observar os impactos sociais do racismo.
O ano de 2021 começará com enormes desafios teóricos e práticos e não haverá mais lugar para que democracia e desigualdade sejam pensadas de modo idealista e apartado dos conflitos da realidade.
*Silvio Almeida, professor da Fundação Getulio Vargas e do Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama.
O Estado de S. Paulo: STF pode limitar alcance das ações civis públicas
Corte deve discutir se decisões acerca de processos que buscam proteger interesses da sociedade têm alcance nacional ou são limitados ao Estado onde foram julgados
Bianca Gomes, O Estado de S.Paulo
No início da pandemia do novo coronavírus, uma ação julgada em Brasília determinou que planos de saúde fossem obrigados a prestar atendimento de urgência e emergência a todos os pacientes, independente do prazo de carência previsto em contrato. Se fosse considerar ao pé da letra o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública, a decisão valeria apenas para o lugar em que foi proferida: ou seja, na capital do País. Mas uma ação coletiva proposta pela Defensoria Pública do Distrito Federal garantiu que a regra valesse para qualquer brasileiro.
A abrangência territorial das chamadas Ações Civis Públicas (ACP), meio processual de defesa de interesses da sociedade, ainda não é consenso na Justiça, apesar do caso de Brasília. O tema vem sendo alvo de discussões há pelo menos duas décadas, segundo analistas ouvidos pelo Estadão. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) mostrou disposição em dar um basta no assunto e responder se decisões acerca de ações coletivas têm alcance nacional ou se estão limitadas ao Estado onde foram julgadas. Um julgamento chegou a ser pautado para o último dia 16, mas foi adiado.
Hoje, há 438 mil ações coletivas registradas no Cadastro Nacional de Ações Coletivas (Cacol), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Se a Corte entender que as decisões valem para todo o território nacional, esse número teria uma redução “drástica”, já que não haveria necessidade de análise de ações autônomas, diz João Paulo Carvalho, defensor público e coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor. “O principal efeito nacional é a agilidade, a celeridade no cumprimento da decisão. O direito já estaria reconhecido. Nos Estados, podemos nos beneficiar daquela decisão e apenas pedir o cumprimento.”
O caso dos planos de saúde é de abril deste ano, mês em que o País bateu a marca das 400 mortes diárias por coronavírus. Na prática, a ideia de dar abrangência nacional à decisão evitaria que ações sobre o mesmo tema fossem julgadas em outros Estados e tivessem resultados divergentes em outros tribunais – embora os consumidores tenham os mesmos direitos. A questão foi que o ministro Alexandre de Moraes suspendeu, em março deste ano, todos os processos que discutiam a abrangência do limite territorial para as decisões proferidas em ação civil pública, já que o Supremo ainda vai dar seu parecer sobre o assunto.
Modelo
A tese que seria discutida pela Corte tem origem em uma outra ação, ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) contra 16 instituições financeiras. Nela, o Idec questiona a cláusula de um modelo de contrato do Sistema Financeiro Habitacional e pede a nulidade de todos os contratos, independente de localização, já que se tratava de consumidores de diferentes Estados do País.
Quando se discutia a liminar, houve uma decisão no processo tratando sobre abrangência territorial. O TRF3 decidiu pela abrangência nacional, mas os bancos recorreram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A 3.ª Turma do STJ aplicou o artigo 16 para limitar a abrangência, e o Idec foi à Corte Especial do STJ, que decidiu pelo alcance nacional. Foi essa última decisão que justificou a interposição de um recurso extraordinário para o STF.
“Como já definiu o Supremo Tribunal Federal, há no processo uma importante questão constitucional a ser decidida: se o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública é ou não compatível com a Constituição”, diz Fábio Quintas, advogado que atua no recurso extraordinário representando o Itaú e o Santander.
Para ele, não é correto dizer que a norma destrói o processo coletivo no Brasil. “O artigo 16 está em vigência plena desde 1997, até a mudança de entendimento do STJ. Acho que ninguém pode dizer que o processo coletivo no Brasil se perdeu nesse período por conta dessa regra.” Segundo o advogado, dizer que a lei é inconstitucional significa trazer insegurança jurídica, já que ela orientou a conduta de todos durante pelo menos 15 anos.
Exceção
Advogado do Idec em Brasília, Walter Moura afirma que a ação civil pública que trata problemas nacionais com uma só sentença concentra e otimiza a solução. Ele justifica que o instituto pediu âmbito nacional à sentença porque a atuação dos bancos tem abrangência nacional. “As sentenças coletivas devem se restringir ao local onde elas são proferidas, que é defendido do lado contrário. Mas comporta exceções, em hipóteses em que o dano é coletivo, como foi o caso”, afirmou.
Os que defendem a limitação geográfica justificam que não faria sentido dar a um juiz de primeiro grau o poder de decidir para todo o País. Seria como esvaziar o poder dos tribunais superiores.
Professor de direito Tributário, Administrativo e Constitucional, Rubens Ferreira Jr. afirmou que o que está em jogo não são direitos individualmente considerados, mas sim, de interesses difusos e coletivos. “A jurisdição é una, ou seja, estando adequados os sujeitos do processo (autor e réu), o juiz não só pode como deve decidir de forma ampla, a não ser que consideremos que a instituição financeira seja fragmentada em diversos polos unitários, configurando empresas diversas.”
Para ele, as instituições financeiras têm interesse em limitar as decisões aos Estados pois, caso o STF mantenha o entendimento do STJ, uma só decisão já é suficiente para que todas as pessoas lesadas do País executem a sentença, sem necessidade de processo. “É um ‘cheque’ do consumidor contra os bancos.”
Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) diz que a lei é clara ao estabelecer que a abrangência dos efeitos da Ação Civil Pública é restrita aos limites da competência territorial do órgão que profere a sentença da decisão.
Para entender: medidas visam reparar danos
Uma Ação Civil Pública (ACP) visa a reparação e responsabilização de danos a direitos “meta-individuais”, ou seja, difusos e coletivos. Entram nessa lista, segundo o professor de direito administrativo do Mackenzie, Armando Rovai, infrações ao meio ambiente, a bens artísticos e históricos, à honra de grupos raciais, étnicos e religiosos, à ordem econômica e aos consumidores.
A ACP está prevista na Lei n.º 7.347/85 e pode ser movida pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, Estados e municípios, por fundações e sociedades de economia mista ou por associações que tenham como finalidade a proteção de direitos coletivos. As medidas podem ser tomadas contra órgãos públicos, empresas e autoridades.
Já os cidadãos que queiram promover sozinhos uma medida do tipo devem se valer da Ação Popular, quando julgar que o poder público infringiu o patrimônio coletivo.
Os danos que motivam uma Ação Civil Pública podem ser de natureza moral ou material. Foram movidas ações do tipo, por exemplo, nos casos dos rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho (MG), em 2015 e 2019, para a reparação dos danos ambientais e ressarcimento dos moradores das regiões afetadas. /
COLABOROU BRENDA ZACHARIAS
Bernardo Mello Franco: Suprema carteirada na fila da vacina
Luiz Fux assumiu a presidência do Supremo com uma posse contagiante. Na contramão das recomendações sanitárias, o ministro insistiu numa cerimônia presencial seguida de coquetel. A festa deixou ao menos dez autoridades infectadas com a Covid. Além do homenageado, contraíram o vírus o presidente da Câmara e o procurador-geral da República.
A presidente do Tribunal Superior do Trabalho, que entrou na lista dos contaminados, precisou ser transferida para um hospital em São Paulo. Passou 16 dias internada e teve que receber oxigênio por um cateter. Chocada com o mau exemplo, a professora Ligia Bahia definiu a FuxFest como um “covidário”. “Foi um evento totalmente irresponsável”, resumiu.
Três meses depois da posse, o presidente do Supremo está de volta ao noticiário da pandemia. Ontem ele defendeu o tribunal pela tentativa de furar a fila da vacina. O órgão pediu à Fiocruz que reservasse sete mil doses para imunizar ministros e servidores.
Em documento oficial, o Supremo sustentou que a vacinação vip seria “uma forma de contribuir com o país nesse momento tão crítico”. Questionado, Fux disse não ver nada de errado na carteirada. “Temos de nos preocupar para não pararmos as instituições fundamentais do Estado”, justificou.
O ministro informou que o tribunal fez o pedido “de forma delicada, ética”. Delicadamente, a Fiocruz respondeu que destinará suas vacinas ao Ministério da Saúde, sem atender a “qualquer demanda específica”. As doses serão distribuídas segundo os critérios do Programa Nacional de Imunizações. As regras não mencionam o uso da toga como fator de risco para a Covid.
O Supremo não é a primeira instituição a reivindicar preferência na distribuição da vacina. No início do mês, promotores paulistas pediram que a categoria fosse incluída “em uma das etapas prioritárias” da imunização. Depois foi a vez de o Superior Tribunal de Justiça tentar furar a fila da Fiocruz. A turma do “vacina pouca, meu braço primeiro” nunca admite estar em busca de privilégios. Ontem Fux disse ter uma “preocupação ética” com o assunto.
Bruno Boghossian: Pedido do STF para reservar vacinas prova que alguns vícios são incorrigíveis
Fux tentou corrigir lambança, mas é difícil não enxergar a velha marca da busca por privilégios
Luiz Fux quis corrigir a lambança que foi feita quando o STF pediu a reserva da vacina contra o coronavírus para 7.000 integrantes do tribunal. A ideia era reduzir o desgaste provocado pelo episódio, mas a explicação só mostrou que alguns vícios são mesmo incorrigíveis.
O presidente do Supremo afirmou nesta quarta-feira (23) que a solicitação da vacina era parte de um esforço "para não pararmos as instituições fundamentais do Estado". Numa entrevista à TV Justiça, ele disse ter "preocupação com a saúde dos servidores". "Tanto que o ambiente está vazio", completou.
Fux inaugurou sua gestão em setembro, quando a marca de 100 mil mortos já havia sido ultrapassada. Os julgamentos aconteciam de forma remota, mas o galope da doença não o impediu de organizar uma cerimônia presencial para sua posse no comando da corte.
A contradição não significa que o chefe do Judiciário seja indiferente à saúde dos funcionários do tribunal, mas prova que alguns argumentos podem ser facilmente manipulados de acordo com o momento. Nesse episódio, é difícil não enxergar a busca por privilégios que se tornou a marca de certas instituições.
Para defender a vacinação, Fux disse que a medida era importante para que o tribunal pudesse "trabalhar em prol das pessoas que sofrem" com a pandemia. O discurso pode parecer bonito, mas esconde o fato de que julgamentos e outras atividades do tribunal vêm sendo feitas a distância. Grande parte da população não tem essa vantagem e, sem a vacina, corre riscos para trabalhar.
A Fundação Oswaldo Cruz negou a solicitação e afirmou que não caberia ao órgão "atender a qualquer demanda específica por vacinas".
Sob críticas, Fux tentou esclarecer o pedido. Ele disse que ninguém furaria a fila da vacinação e que o objetivo era garantir as doses depois que os grupos prioritários fossem imunizados. "O importante é que o Supremo Tribunal Federal teve essa preocupação ética", acrescentou, exaltando a própria bondade.
‘STF é um dos pilares da estrutura democrática, mas tem problemas’, diz João Trindade Filho
Em artigo publicado na revista da FAP de dezembro, constitucionalista cita casos em que a Corte evitou negacionismo do governo federal
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Consultor Legislativo do Senado Federal, o advogado João Trindade Cavalcante Filho afirma que o STF (Supremo Tribunal Federal) é um dos pilares da estrutura democrática brasileira, mas aponta problemas. “Decide causas demais, os ministros dão muitas decisões monocráticas, a Corte poderia e deveria ter uma jurisprudência mais estável, previsível, além de precisar, de tempos em tempos, praticar as ‘virtudes passivas’”, analisa, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro.
Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!
Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. “No combate à pandemia, ao reforçar a descentralização política e assegurar o poder de governadores e prefeitos definirem as medidas sanitárias, o Tribunal evitou que o negacionismo do governo federal deixasse ainda mais mortos do que os mais de 180 mil atuais”, disse.
Em outras ocasiões, de acordo com a análise publicada na revista Política Democrática Online, postou-se em defesa de minorias. “Foi o caso da ADO nº 26, quando decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia. Porém, tal decisão é ambígua”, diz. “Reforçou a defesa de grupos minoritários, mas, ao estabelecer um crime sem lei anterior que o defina, vulnerou um princípio milenar do direito penal (a legalidade). Teria sido melhor para Corte e para a democracia que se tivesse utilizado da técnica do ‘apelo ao legislador’”, sugere.
Houve outras situações em que o papel concreto do STF não foi tão positivo para a democracia, segundo o advogado, que também é mestre e doutorado em Direito Constitucional. “A Corte acaba de decidir sobre a impossibilidade de reeleição dos presidentes das casas legislativas dentro da mesma legislatura. Não deveria haver qualquer dúvida de que o artigo 57, § 4º, da CF, diz o que efetivamente busca dizer”, afirma. “Permitir a reeleição dos dirigentes das casas legislativas por conta do reconhecido papel que desempenharam parece uma espécie de ‘casuísmo do bem’”, observa.
No entanto, ressalta o consultor do Senado, mesmo os que votaram pelo respeito à literalidade do texto constitucional não o fizeram todos por respeito à Constituição, mas sim – alguns – por pressão da opinião pública.
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Folha de S. Paulo: Kassio se isola na defesa de pautas de Bolsonaro no STF e cumpre expectativa garantista
Em julgamentos importantes, indicado do presidente à corte fica sozinho ao se alinhar a interesses do Planalto
Matheus Teixeira, Folha de S. Paulo
O ministro Kassio Nunes Marques se alinhou aos interesses do presidente Jair Bolsonaro nos dois julgamentos mais importantes dos quais participou desde que chegou no STF (Supremo Tribunal Federal),
Em ambas as oportunidades, o ministro ficou isolado e não foi acompanhado por nenhum colega na defesa das teses que beneficiavam os planos do chefe do Executivo.
Em uma delas, Kassio desagradou a militância bolsonarista ao defender que o Estado pode declarar obrigatória a vacina contra a Covid-19, mas agradou o presidente ao sustentar que apenas a União poderia tomar decisão nesse sentido.1 8
Na outra, Kassio se posicionou pelo veto à reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ), adversário do governo, na presidência da Câmara, e para liberar Davi Alcolumbre (DEM-AP) a permanecer à frente do Senado.
No fim, quatro ministros votaram a favor da recondução de ambos e outros seis foram contrários.
Em outro julgamento com interesse direto do governo, Kassio se alinhou ao ministro Marco Aurélio, conhecido por ficar vencido em diversos processos, para se opor a uma ação que contestava ato de Bolsonaro.[ x ]
Nesse caso, os outros nove ministros foram no caminho oposto e formaram maioria para derrubar decreto do chefe do Executivo que instituía a Política Nacional de Educação Especial.
Os magistrado entenderam que a medida incentiva a criação de escolas e classes especializadas para pessoas com deficiência em vez de priorizar a inclusão dos alunos, como determina a Constituição.
Marco Aurélio e Kassio, porém, afirmaram que o meio processual escolhido para contestar norma do presidente é inadequado e votaram pela manutenção da norma.
Em menos de dois meses no cargo, o magistrado também correspondeu às expectativas em relação ao anunciado perfil mais garantista em matérias criminais, com uma visão de mais respaldo às alegações dos investigados.
Um exemplo foi dado na decisão liminar (provisória) concedida no último sábado (19) para restringir o alcance da Lei da Ficha Limpa. Advogados elogiaram o despacho, mas movimentos de defesa da legislação que limita direitos políticos de condenados criticaram o entendimento fixado pelo ministro.
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, por exemplo, disse ter visto na medida "uma articulação de forças que pretende esvaziar a lei”.
Em outro movimento que vai na contramão do que Bolsonaro defendia durante as eleições de 2018, Kassio tem sido decisivo para derrotar a Lava Jato em julgamentos na Segunda Turma do STF.
O ministro costuma se unir aos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski para derrotar a operação.
No processo mais emblemático relacionado ao tema analisado por Kassio, o ministro foi voto decisivo para rejeitar recurso da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra decisão que excluiu a delação do ex-ministro Antonio Palocci da ação penal que investiga o petista por suposta doação ilegal de terreno para construção do Instituto Lula.
O ministro ajudou a manter o entendimento de que o ex-juiz Sergio Moro agiu politicamente ao incluir a colaboração de Palocci aos autos do processo às vésperas das eleições de 2018.
O magistrado mostrou que seria contrário aos métodos da Lava Jato já na estreia em um julgamento presencial, na sessão da Segunda Turma de 10 de novembro.
Na ocasião, ele foi voto decisivo para retirar a investigação contra o promotor Flávio Bonazza das mãos do juiz Marcelo Bretas, responsável pela operação no Rio de Janeiro.
Kassio foi indicado por Bolsonaro com o aval do ministro Gilmar Mendes, principal crítico da operação no Supremo, e tem ajudado o ministro a enterrar a operação.
No processo de escolha para a vaga de Celso de Mello, o chefe do Executivo preferiu agradar Gilmar, que é relator da ação que discute o foro especial concedido a Flavio Bolsonaro pelo TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), em vez de estreitar a relação com o presidente da corte, Luiz Fux, que sequer foi consultado sobre a indicação.
Além deste caso, Kassio interrompeu análise de processos no plenário virtual que poderiam atingir de alguma forma Bolsonaro. O ministro pediu que os casos sejam analisados pelo plenário físico, atualmente realizado por videoconferência, e, com isso, retardou decisões que poderiam impactar o presidente.
Isso ocorreu, por exemplo, nas duas ações em que se discute se o chefe do Executivo pode bloquear seguidores nas redes sociais.
Os relatores de cada um dos processos, os ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia, defenderam que o presidente desbloqueie os seguidores que entraram com as ações.
Com o pedido de destaque, o caso vai para as mãos do presidente do tribunal, Luiz Fux, decidir uma data para julgamento presencial.
Kassio fez o mesmo com uma ação penal que discute a gravidade do crime da “rachadinha”.
O processo diz respeito ao deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), mas é similar à denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e pode servir de parâmetro para o julgamento do filho do presidente.
Em matérias econômicas, Kassio também seguiu a linha liberal defendida pelo Executivo ao votar pela constitucionalidade do trabalho intermitente previsto na reforma Trabalhista.
O relator, ministro Edson Fachin, defendeu a anulação da norma, mas o indicado de Bolsonaro divergiu.