STF

Ricardo Noblat: Bolsonaro está nas mãos do Supremo

No meio do caminho tem duas pedras – Lula e Moro

O ministro Edson Fachin diz que sua decisão de anular as condenações do ex-presidente Lula pela Justiça Federal de Curitiba segue o entendimento adotado pela maioria do Supremo Tribunal Federal há muito tempo. A estar certo, o plenário do tribunal, possivelmente ainda este mês, deverá confirmá-la.

Lula então deixará de ser ficha suja e poderá disputar a eleição presidencial do ano que vem. Um juiz federal de Brasília herdará os processos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia e poderá recomeçá-los aceitando as provas ali reunidas, pedir novas investigações ou simplesmente arquivá-los.

Por outro lado, se os resultados das pesquisas de intenção de voto divulgadas nos últimos dias coincidirem com os resultados das pesquisas que o presidente Jair Bolsonaro encomenda para consumo pessoal, são grandes as chances de o ex-juiz Sérgio Moro ter sua suspeição aprovada pela Segunda Turma do tribunal.

A defesa de Lula pediu que Moro seja considerado suspeito porque teria sido parcial no julgamento do ex-presidente. Por enquanto, o placar na Segunda Turma está em 2 votos contra 2. Falta votar o ministro Kássio Nunes, indicado por Bolsonaro para o Supremo. Seu voto levará em conta o que Bolsonaro deseja para Moro.

O ex-juiz e o presidente romperam relações quando Moro acusou Bolsonaro de interferir na Polícia Federal para blindar sua família contra rolos judiciais. É por causa disso que Bolsonaro responde a inquérito. Desde que saiu do governo, Moro evitou comentar se poderá ou não ser candidato à vaga do seu ex-patrão.

Na primeira pesquisa XP/Ipespe aplicada depois que Lula se tornou elegível, ele e Bolsonaro estão empatados na simulação do primeiro turno e Moro aparece em terceiro lugar. Lula e Bolsonaro voltam a empatar na simulação do segundo turno. Mas quando o cenário é Bolsonaro x Moro, o ex-juiz vence. E aí? Vai encarar?

Mas esqueça as intenções de voto a 20 meses das urnas. A eleição de 2022 será um plebiscito sobre o presidente, segundo o sociólogo Antonio Lavareda, que comanda o Ipespe. E os indicadores, hoje, são muito ruins para Bolsonaro, e só têm feito piorar desde janeiro com  o agravamento da pandemia da Covid. Falta vacina.

63% dos brasileiros veem a economia no rumo errado, contra 27% que dizem que ela está no rumo certo. O saldo negativo passou de 27% em fevereiro para 36% agora. 61% avaliam como ruim ou péssima a atuação de Bolsonaro na pandemia, só 18% como ótima ou boa. O saldo negativo saltou de 30% para 43%.

45% avaliam como ruim ou péssimo o governo em geral – o maior percentual da série de pesquisas de junho para cá. Ótimo e bom, 30%. O saldo recuou neste mês de – 11% para – 15%. Por fim, 52% querem que o futuro presidente mude totalmente a forma como o Brasil está sendo administrado, e 15% que dê continuidade.

Enfrentar Lula já não será moleza para Bolsonaro. Enfrentar Lula pela esquerda e Moro pela centro-direita será desastre quase certo.


Pablo Ortellado: Encantamento de Lula

O discurso de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo embaralhou os cenários para as eleições de 2022 que indicavam uma recondução mais ou menos segura de Bolsonaro.

No discurso, o que mais se destacou foram as omissões. Lula, como era esperado, criticou a política econômica de Paulo Guedes e a política sanitária para combater a pandemia, mas em nenhum momento mencionou os ataques de Bolsonaro às instituições, tão comuns na retórica da esquerda. Essa omissão parece indicar que Lula e o PT descartam construir as condições para um impeachment antes de outubro de 2022 e que o objetivo, desde já, é construir a candidatura de Lula.

A segunda omissão no discurso de Lula foi Dilma Rousseff. O silêncio sobre a ex-presidente — que é considerada inepta, do centro à direita — e diversos acenos ao Centrão e ao mercado indicam para 2022 uma estratégia “paz e amor”, como a que adotou em 2002. Lula quis sinalizar ao mercado que sabe ser fiscalmente responsável e lembrar ao Centrão que é um negociador hábil e confiável.

A suspeição que está sendo lançada sobre a Lava-Jato parece estar escusando o ex-presidente. A troca de mensagens entre Moro e os procuradores mostrou um viés persecutório da operação contra o PT, além de articulações espúrias entre o juiz e o Ministério Público. Isso não apenas vem sendo utilizado juridicamente para anular as condenações, como politicamente para colocar sob suspeita as denúncias, liberando Lula da responsabilidade pela Petrobras ter sido desavergonhadamente assaltada durante sua administração.

Em 2018, liberais traumatizados com a política econômica de Dilma e punitivistas anticorrupção encantados pela Lava-Jato podiam considerar um segundo turno entre Lula e Bolsonaro uma “escolha difícil”. Agora, depois da péssima condução da crise sanitária por Bolsonaro e de seus ataques às instituições democráticas, a opção por Lula parece razoável.

Isso talvez explique as reações surpreendentes que o discurso despertou. Críticos antigos como Rodrigo Maia e Reinaldo Azevedo fizeram elogios rasgados ao ex-presidente, e influenciadores liberais no Twitter preferiram criticar as reações de Bolsonaro a condenar Lula.

Nada disso deve ser duradouro, mas, por um breve momento, abriu-se a possibilidade de Lula atrair o centro e até mesmo a centro-direita, encabeçando a tão propalada, mas tão pouco efetivada frente ampla.

Contra Lula, porém, pesa o antipetismo. Bolsonaro e outros setores da direita tentarão reativar o descontentamento com os escândalos de corrupção e reavivar a memória do fracasso da política econômica de Dilma Rousseff.

Com Lula na corrida, Ciro deve fracassar em se colocar como candidato da centro-esquerda, sendo empurrado para a sobrecarregada raia do centro e da centro-direita, onde já correm João Doria, Luciano Huck e Luiz Henrique Mandetta.

Se nenhum fato novo sobrevier, devemos ter novamente um segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Três anos depois, estamos cada vez mais próximos de 2018.


Cristina Serra: A volta de Lula

Com ele em cena, o debate político é requalificado

Seis meses atrás escrevi neste espaço que Lula não poderia ser "cancelado" da vida política. O texto provocou discussão entre os leitores e alguns xingamentos a esta colunista. Como considero o debate necessário e estimulante, volto ao tema a partir da manifestação do ex-presidente, depois que decisão do ministro Fachin, do STF, restituiu-lhe a possibilidade de ser candidato.

O discurso soou como lenitivo cicatrizante num país ferido e a caminho dos 280 mil mortos pela pandemia. Lula retomou o perfil conciliador (sublinhou a chapa de 2002 que uniu "capital e trabalho") e abriu portas em torno de quatro pontos: democracia, vacina já, auxílio emergencial e emprego. "E se quiser dar um passo a mais e conversar [sobre] como tirar o Bolsonaro, eu tô mais feliz ainda", arrematou.

Convenhamos, é um programa lógico e coerente o bastante para um começo de conversa. Em condições normais de temperatura e pressão, nas quais vicejam as democracias, isso seria uma obviedade. Mas, como não vivemos tempos normais, o discurso de Lula e sua repercussão foram suficientes para estimular mais arreganhos de Bolsonaro e a tentativa de reeditar a farsa dos dois "extremos".

Sustentado pela Lava Jato, o engodo funcionou em 2018. Delações premiadas de baciada ? Tubulações jorrando dinheiro na TV toda noite? Essa engrenagem enguiçou. Só há um extremista no jogo, e é o genocida que usa um vírus como arma biológica de destruição em massa. O retorno do petista à arena também provoca um reposicionamento geral de forças. À direita, é grande o alvoroço entre alquimistas que sonham fabricar um candidato de "centro", tal como os magos da Antiguidade buscavam a pedra filosofal.

É cedo para saber se Lula estará na disputa em 2022. Os embates nos tribunais não acabaram. Mas com ele em cena o debate político é requalificado. Por isso, considero válido reafirmar o que escrevi seis meses atrás: Lula está de volta. E isso é uma boa notícia para a democracia.


Demétrio Magnoli: Dantons de araque

Procuradores da força-tarefa nunca ligaram para ideais, e sim para busca pelo poder

Danton fez a Convenção fundar o Tribunal Criminal Extraordinário em março de 1793. Um ano depois, sob o Terror jacobino que ajudou a implantar, acusado de enriquecimento ilícito, foi submetido a uma encenação judicial e executado na guilhotina. Moro e sua camarilha de procuradores não terão o destino do revolucionário francês, mas merecem sentar no banco dos réus.

Moro, um juiz que sonhou ser presidente, é o elemento passageiro. Mais perene é o caldo de cultura no qual surgiu a força-tarefa. No seu voto, Gilmar Mendes acertou ao indicar que o timão da Lava Jato foi comandado por uma panelinha de procuradores dispostos a usar a lei como subterfúgio para alavancar um projeto político. Aí é que entra a figura de Danton.

Paralelos têm limites. Danton viveu e morreu por seus ideais. No meio do caminho, descobriu que parira um monstro e tentou domá-lo, mas já era tarde. Os procuradores da força-tarefa nunca ligaram para ideais, preferindo cavalgá-los em benefício de suas carreiras e, sobretudo, da busca pelo poder. São Dantons de araque, personagens de uma pantomima, não de uma tragédia. Mesmo assim, o paralelo ilumina algo relevante.

Nosso Ministério Público foi criado como uma espécie de Comitê de Salvação Pública. Na moldura desse poder estatal sem clara delimitação de função e sem controle externo, jovens procuradores nutriram-se da crença na reforma do mundo pela interpretação voluntarista dos códigos legais. O Brasil seria salvo por fora da política, essa lagoa de dejetos imundos, graças à ação obstinada de funcionários de Estado armados com a prerrogativa de investigar e acusar. A força-tarefa foi o fruto maduro da árvore do jacobinismo judicial.

A Lava Jato começou iluminando as vastas teias corruptas que ligam a elite política ao meio empresarial, mas degenerou no projeto de implodir o sistema político para conduzir um juiz ao posto mais alto da República. No trajeto, borrou a fronteira que separa os atos de processar e julgar, pisoteou as garantias dos réus, transformou-se em ator político e arrastou o STF para a lama.

Xi Jinping cimentou seu poder absoluto por meio de uma campanha anticorrupção no interior do Estado-Partido. Putin manipula tribunais amestrados para perseguir supostos corruptos. Só estúpidos acreditam que os fins justificam os meios. O sequestro político do sistema de Justiça seleciona e pune corruptos convenientes, junto com inocentes cuja culpa é fazer oposição, enquanto autoriza a corrupção dos cortesãos. No Estado de Direito, o produto final do jacobinismo judicial é a anulação de investigações e o triunfo da impunidade. Os procuradores que pintaram o sete não têm o direito de atribuir a outros a responsabilidade pelo melancólico desfecho.

Falta-lhes direito, sobra-lhes cara de pau. Aqui, em meados de 2017, critiquei as inclinações jacobinas do Partido dos Procuradores. Carlos Fernando Lima, decano da força-tarefa, retrucou identificando no meu texto a maléfica intenção oculta de proteger "a indecorosa festa desses vampiros". Pouco depois, à provecta idade de 55, aposentou-se com proventos integrais, atravessou a porta giratória e foi advogar na área de compliance para clientes que temem cair nas garras de seus camaradas procuradores.

A postagem do heroico combatente incluía uma citação de Danton e, à sorrelfa, a tese de que o Terror assegurou a vitória final dos altos ideais da Revolução Francesa. Não conseguiremos circunscrever a corrupção às franjas do sistema político sem extirpar a cultura salvacionista que impregna o Ministério Público, separando as esferas da Justiça e da política. A cabeça de Danton rolou na guilhotina no 17 do Germinal do Ano II. Um futuro processo de Moro e dos procuradores deve ser justo e imparcial, porque isso é o certo e para ensinar-lhes a lição jurídica que não aprenderam.


Paulo Fábio Dantas Neto: Lula na área - Desjejum, almoço e jantar

O Lula que irrompeu no topo do noticiário dessa última semana é o “sapo barbudo” ou o político “paz e amor? A julgar por seu pronunciamento de retorno ao primeiro plano da cena política, está sendo as duas coisas. No ato político em São Bernardo, na quarta-feira, 10 de março, o eterno metalúrgico saiu de longo jejum guiando-se pelo seu ABC político, que quem tem mais de trinta anos de idade conhece bem. Ele foi o nacionalista e anti-imperialista grisalho, que manifestou reconhecimento a Maduro e ao Foro de São Paulo, o lulo-petista autocentrado, sem qualquer sombra de autocritica, que repetiu várias vezes o "nunca antes nesse país", pelo qual contrasta o PT e ele próprio com tudo o que existiu antes dele e com tudo o que veio depois dele no Brasil; a fera ferida que, entre vírgulas, repetiu o mantra de que houve “golpe” em 2016, que bateu no PSDB, em Temer, na mídia em geral e na Globo em particular.

E foi também, ao mesmo tempo, o político de pés no chão, conhecedor do terreno onde pisa e com o qual se identifica, o pai da pátria que afirmou o Brasil como lugar de paz e de solidariedade, que fala com todo mundo e com o mundo todo, que se declarou sem ressentimentos, mesmo enfatizando a injustiça que sente ter sofrido da Lava Jato, que se reafirmou um defensor da liberdade de imprensa, aberto a conversar com a sociedade e até com a direita sobre pandemia e auxílio emergencial, insistindo que essa é a pauta unitária do momento; e que não fugiu à regra de todo político sensato, que sabe não ser hora de falar em eleição ao grande público, pois compreende as aflições que lhe importam agora.

Lula deve continuar sendo assim por um bom tempo, talvez até a urna, sua íntima.  Ocupa tanto o lugar do homem de luta como o da pacificação. É o candidato da esquerda e é também aquele que pode saltar por cima do centro e atrair o centrão. Perda de tempo querer colar na sua testa a etiqueta de extremista.

O chamado centro não tem a menor chance de ser ouvido agora. Não conseguirá, por mais que tente, ser mais oposição a Bolsonaro do que Lula é, nem conseguirá convencer o imenso eleitorado da direita de que o centro é opção mais segura do que Bolsonaro para evitar a possível volta do PT. Fala e falará para as paredes quem prega, em tese, contra a polarização, um dado do mundo real que só passará a ser visto como algo a ser superado se e quando ficar claro que a reeleição de Bolsonaro é o desfecho provável dela. No atual momento, é inútil. A fênix Lula comunica aos quatro ventos precisamente o contrário, isto é, que essa polarização é o caminho visível a olho nu para livrar o país do extremismo que o desgoverna.  Só depois de meses se poderá medir e saber (por pesquisas e outros termômetros) se a luz no fim do túnel que o ex-presidente promete é comunicação veraz, portanto, promissora, ou esperança vã e perigosa, pelo risco que a reeleição de um extremista de direita representa para a democracia. Nessa segunda hipótese sim, poderá surgir espaço a um discurso real, não só evangelizador, contra a polarização Bolsonaro/ Lula. A fotografia atual da situação dá razão a quem considera essa disputa entre ambos como o que temos para o almoço. Quem recusar essa realidade, arrisca-se a ficar com fome.

Agora, o jantar vai ter esse cardápio também? Ou em um ano e meio o cenário pode mudar? Não me arrisco a passar da fotografia à profecia. É preciso ter em conta que o imenso impacto que a volta de Lula ao protagonismo provoca em tudo ao seu redor vira de ponta cabeça a conjuntura, porque ele, sem dúvida, é um dos eixos que a estrutura e a torna mais clara e compreensível. Mas esse impacto não faz do ex-presidente e seus movimentos chaves interpretativas do que passará a ser esse “tudo ao redor”. O futuro continua a ser propriedade do imprevisto.  A razão humana é teimosa e deseja fazer previsões, mas para que elas não sejam só projeções de desejos, precisam recorrer a hipóteses alternativas, que só podem ser pensadas se usarmos instrumentos de prospecção adequados. Eles existem, para esse caso?

Pesquisas podem sempre ser instrumentalizadas para inflar bolas e criar marolas. Nem se trata de o instituto ser ou não confiável. Mas o que não é, a meu ver, nem informativo, nem educativo, é pesquisa de intenção de voto ser valorizada como bússola, um ano e meio antes da eleição e no meio de uma pandemia, quando os eleitores estão - com toda a razão, aliás - muito distantes de pensar em eleição. É persuasivo o argumento da especialista Márcia Cavallari Nunes (ex-Ibope) que relativiza o sentido, neste instante, de pesquisas convencionais de intenção de voto, que expõem entrevistados a simulações de hipotéticos cardápios eleitorais, quando se está muito longe de definir qual valerá. Assim, o que o Ipec (novo instituto de pesquisa que ela dirige) nos oferece é a detecção de um "potencial de voto" de personalidades “presidenciáveis” sobre cujos nomes, apresentados em separado, sem alusão a qualquer cenário hipotético de disputa, os entrevistados são inquiridos, cabendo quatro alternativas de resposta: votaria com certeza, poderia votar, não tenho informação para saber se votaria e não votaria de modo nenhum. Os resultados não permitem supor o desfecho da eleição, caso ela ocorresse hoje, e sim saber quem tem potencial para concorrer com êxito a uma eleição prevista para daqui a um ano e meio.

A pesquisa foi feita há três semanas, logo, não registra nem o impacto da reativação do fator Lula, nem   a recente escalada assustadora de Bolsonaro na hostilidade a governadores e na negação da tragédia brasileira na pandemia.  Mas vale debruçar a atenção sobre um gráfico dessa pesquisa, publicada pelo “Estadão” no domingo passado (07/03), porque ele mostra, para além de oscilações de conjuntura, o que a matéria chama de “capital político” dessas personalidades, assim entendido: POTENCIAL DE VOTO (que soma, numa faixa azul, quantos votariam hoje com certeza e os que poderiam votar), DESCONHECIMENTO (mostrado numa faixa amarela) e REJEIÇÃO, mostrando, em faixa vermelha, quantos hoje não votariam nesse nome de jeito nenhum. 

Consideradas as faixas azuis, conhece-se quem tem potencial de voto e a manchete do jornal, corretamente, já apontava Lula à frente de Bolsonaro mesmo antes da decisão de Fachin e ambos em vantagem face aos demais. Mas sendo a eleição brasileira em dois turnos, é preciso ajustar a lupa e seguir em frente na análise. Somadas as faixas, azul e amarela, de cada uma das dez personalidades e abatido, dessa soma, o número da sua faixa vermelha, ficamos sabendo quem tinha, em fevereiro, um capital político capaz de chegar lá e, chegando, ter êxito.  Como esperado, Lula e Bolsonaro têm faixas amarelas muito exíguas, ambos com 6%. Na comparação, Lula parecia estar bem melhor nesse ponto também, porque a faixa vermelha de Bolsonaro é maior.

Para uma análise menos estática, é pena que o gráfico não discrimine (não sei o porquê) quem votaria com certeza e quem poderia votar. Para mensurar o capital político de momento faz sentido juntar essas duas situações numa só faixa. Mas para uma prospecção mais precisa e ousada, essa faixa azul mistura alhos e bugalhos, pois uma das situações expressa resiliência e a outra é o elemento volátil, suscetível a discursos, à conduta política diante de problemas relevantes e às estratégias de campanha.

Afinal, as coisas se movem. Depois da decisão de Fachin, do discurso amplo de Lula em São Bernardo e da realidade brutal de agravamento da pandemia com radical insensibilidade do presidente não se pode saber quantas pessoas da faixa vermelha de Lula passaram agora para a amarela ou para a porção mais volátil da azul. Ao mesmo tempo não se sabe quantos podem ter migrado da faixa vermelha de Bolsonaro para a amarela ou a azul depois que souberam que Lula e o PT podem mesmo voltar. Dessas coisas só se saberá nas próximas rodadas. É de esperar que nas próximas divulguem os números em quatro faixas, dividindo a azul em duas, pois é o movimento entre as faixas "poderia votar" e "de jeito nenhum", o que mais interessa acompanhar, no que diz respeito ao confronto Bolsonaro-Lula.

Mas convém olhar também, no mesmo gráfico, o capital político das outras oito personalidades e fazer a mesma conta. Até onde se pode ver hoje, a regra geral é a soma das faixas azul e amarela (potencial + desconhecimento) sequer alcançar a vermelha, ou seja, a rejeição atual desses presidenciáveis tornaria improváveis suas vitórias em segundo turno. A única exceção é Luiz Mandetta. No seu caso, as faixas azul e amarela somadas ultrapassam a vermelha em dez pontos. Isso é um indicador de amplíssimo campo para uma construção do seu nome, caso essa seja uma decisão de forças políticas e não apenas uma pretensão pessoal dele. Sua faixa amarela era tão larga que com ele pode ocorrer tudo, inclusive nada. Compreende-se que esteja quase invisível em pesquisas convencionais de intenção de voto. Mas numa pesquisa de “capital político” só ele e Lula (e ele ainda mais do que Lula) sinalizavam, em fevereiro, rejeição minoritária, isto é, boas chances de vencer, se candidato, um segundo turno. Por isso acho inadequado enquadrar Mandetta na mesma situação onde efetivamente estão Huck, Doria, Ciro ou Marina. Mesmo hoje ainda longe da raia principal, o ex-ministro da Saúde é o único nome da centro-direita, ou do centro, capaz de entrar na arena plebiscitária, onde hoje estão apenas Bolsonaro e Lula.

O caso de Bolsonaro merece comentário adicional. Rejeição, alta e crescente, retira-lhe competitividade no segundo turno. Ele dependeria de um jogo de soma zero com um adversário de rejeição equivalente, jogo em que ataques recíprocos pudessem levar alguém a vencer pela aversão ou pelo medo que possa incutir no eleitor, em relação ao adversário. Seja quem for esse adversário, não terá dificuldade em ampliar tal sentimento contra Bolsonaro, pois o extremismo e a irresponsabilidade do próprio já o faz. A questão é quantos eleitores Bolsonaro, a essa altura da sua escalada, convencerá de que o adversário, seja quem for, é perigo maior do que ele mesmo. Talvez ele pense que um petista (não necessariamente Lula) seja o melhor adversário para si, mas só o tom que Lula adotar confirmará ou desmentirá isso. Sendo ele um craque profissional, e não um Haddad, o capitão não tem motivos para estar esperançoso.

O assunto pesquisas pode render ainda mais reflexão se tomarmos como referência uma modalidade alternativa que, em comparação com a do Ipec, está ainda mais distante de pesquisas convencionais de intenção de voto.  E com a vantagem de ser novíssima, posterior à reestreia de Lula. Foi publicada ontem, no jornal El Pais, a segunda pesquisa do Atlas Político que usa um conceito distinto do de capital político, mas bastante convergente com ele. Avalia imagem de personalidades públicas, também apresentadas aos eleitores isoladamente, não como pré-candidaturas submetidas a comparação com hipotéticos concorrentes.  Simpatia, antipatia ou conhecimento insuficiente para simpatizar ou não, é uma tradução possível do significado de imagem positiva (faixa verde), negativa (faixa vermelha) ou indefinida (faixa cinza). Essas percepções estão ainda mais distantes de uma intenção de voto e por isso não podem também fazer prospecções sobre resultados eleitorais. Mas apontam quais podem ser as candidaturas competitivas, com base em saldo ou déficit entre imagem positiva e negativa.

Um gráfico da primeira pesquisa (janeiro de 2021), segue apenas para ilustrar e permitir, a quem quiser, estudar a evolução, que aqui não comentarei.

*Cientista político e professor da UFBA


George Gurgel: Brasil Insustentável - No auge da pandemia as eleições pautam a agenda nacional

Nesta semana, no auge da pandemia, fomos surpreendidos com a pauta da Lava Jato tomando conta dos meios de comunicação e da opinião pública brasileira.  O Supremo Tribunal Federal - STF, através de uma decisão monocrática do ministro Edson Fachin, decidiu que as ações contra o ex-presidente Lula deveriam ter transcorrido em Brasília, anulando as decisões da Lava Jato em relação às condenações sentenciadas pelo ex-juiz Sérgio Moro, nos últimos cinco anos, e confirmadas pelo Superior Tribunal de Justiça. Nesse julgamento, os atos processuais sem carga decisória poderão ser aproveitados pelo novo juiz que assumir o caso.

Ato continuo, no julgamento da Segunda Turma do STF, em andamento, os votos dos ministros Gilmar Mendes, relator, e Ricardo Lewandowski foram pela suspeição de Sergio Moro.  Se vencedor esse entendimento, obrigará que os processos contra o ex-presidente Lula recomecem da estaca zero.

Diante dessas posições conflitantes estabeleceu-se o impasse nos julgamentos em andamento no STF que tratam das condenações do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. O julgamento foi suspenso por pedido de vistas do ministro Kássio Nunes Marques e o colegiado do Supremo discute estratégias para superação desta inusitada situação.  

O episódio em questão reflete uma disputa interna no próprio Supremo envolvendo os ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin. As medidas e as consequências deste e de outros julgamentos e desta disputa entre visões jurídicas distintas e seus reflexos na sociedade brasileira, deveriam ser melhor  avaliados pelos contendores e todos os membros da mais Alta Corte brasileira:  a beligerância visível existente no próprio Supremo, entre os poderes da República e a polarização política vivida na sociedade brasileira nos últimos anos e atualmente, em plena pandemia, são situações que deveriam preocupar a cidadania e toda a sociedade brasileira.

Como entender esta realidade?

Como a cidadania pode fazer a leitura destes episódios?

Nesta conjuntura de tragédias sem fim, a disputa presidencial de 2022 é antecipada nos meios de comunicação e na opinião pública em geral, tirando o foco dos reais problemas econômicos, sociais e de saúde pública que a sociedade brasileira enfrenta no seu dia a dia.

As narrativas construídas na conveniência de cada discurso político traz embates cotidianos sem nenhum foco na questão principal: o combate efetivo à pandemia que deveria unir toda a sociedade. As pautas dos meios de comunicação e a maneira de funcionamento dos entes federativos não ajudam a entender e superar esta difícil realidade.

O que mais poderia acontecer?

O que se pode esperar dos governantes e da sociedade em geral frente a esta realidade?

Quais são as nossas urgências?

Na vida real, longe dos palácios, uma boa parte da população continua abandonada à própria sorte no seu trágico cotidiano de falta de leitos e de assistência médica, na maioria dos municípios brasileiros, com cenas dantescas que acompanhamos como normalidade no nosso dia a dia, no auge da pandemia.

Apesar desta trágica realidade, ainda não temos um Programa Nacional de Vacinação com metas e cronogramas estabelecidos que tranquilize e passe confiança à sociedade brasileira, demonstrando a incapacidade governamental de planejar ações básicas de combate à pandemia. 

 O ritmo de vacinação no Brasil continua lento por falta de vacinas, as metas anunciadas pelo Governo Federal estão sendo adiadas, diferente da situação de muitos países, cuja população já avança no processo de vacinação. As evidências apontam que até o final do ano não teremos a população brasileira vacinada, pela simples razão de que não há vacinas na quantidade devida para o Brasil, no mercado internacional.

A ideologização da pandemia e a falta de planejamento para enfrentá-la caminharam e continuam a caminhar juntas, com consequências graves para a sociedade brasileira.  Embora a maior responsabilidade seja do Governo Federal, que minimizou e minimiza a gravidade da situação vivida pela população, a sociedade deve exigir posicionamentos adequados dos outros entes da Federação, caso concreto do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional, dos governadores e prefeitos: como eles estão contribuindo para o enfrentamento da pandemia? O que se pode e o que está sendo feito? Exige-se dos entes federados foco e uma resposta urgente frente à tragédia vivida pela cidadania brasileira.

 Em plena pandemia, a crise econômica e de saúde pública que vive o Brasil traz para o cotidiano da sociedade cenas de horror, de mortes por falta de leitos hospitalares e de oxigênio, da falta de assistência médica em geral, inclusive na área privada, colocando, após um ano de pandemia, a dimensão real da nossa realidade: a incapacidade da área federal, dos estados e dos municípios de construir um programa mínimo, em diálogo com a sociedade e o mercado, para o enfrentamento dos problemas urgentes provocados pela pandemia no Brasil.

A insegurança continua. Os dados em relação à contaminação e às mortes são assustadores. São milhões de contaminados e milhares de mortos – colocando o Brasil na liderança em relação a contaminados e mortos pela Covid 19 no cenário internacional.  Já não existem leitos disponíveis na área pública, nem privada, na maioria das capitais brasileiras.

No pior momento da pandemia, os milhões de brasileiros continuam abandonados à própria sorte frente ao desemprego, à falta de uma renda emergencial que lhes assegurem o mínimo de dignidade para atravessar a crise. O Governo Federal, como principal responsável pela Política Nacional de Combate à Pandemia, com sua política negacionista e plena de contradições, só faz agravar a situação com  falas que agridem ao bom senso.  

O esforço dos governos e de toda a sociedade, das lideranças políticas em particular, é criar as condições de focar no que é principal: o combate e a superação da pandemia, vacinando com a urgência devida toda a população. Pautar e antecipar a disputa política-eleitoral de 2022, nesse momento trágico, no auge da pandemia, desqualifica qualquer proposta política, mesmo a melhor intencionada. Vive-se  um sentimento de impotência na sociedade, angustiando uma parte considerável da população que não encontra  caminhos e respostas à difícil realidade brasileira.

Urge medidas governamentais para o enfrentamento real dos problemas do cotidiano já existentes, ampliados com a pandemia. A sociedade está desafiada a se unir a favor de um Programa Nacional de Vacinação: vacinar com a urgência devida toda a população é a única maneira de retornar a vida social com segurança.

As polarizações das narrativas hoje existentes na sociedade, o proselitismo político e os salvadores da pátria, assim como a antecipação da campanha presidencial não resolvem, neste novo ano de pandemia, as dificuldades reais da sociedade brasileira.

Desde o mensalão até à Lava Jato, a sociedade brasileira ficou com a sensação que mudanças positivas estavam acontecendo no Brasil: políticos no seu amplo espectro ideológico e empresários corruptos foram indiciados, julgados e presos. Muitos com confissões que abalaram a cena política e empresarial, causando perplexidade à sociedade brasileira – o PT foi o partido que teve o maior número de lideranças indiciadas, julgadas e presas: de José Dirceu a Lula, incluindo presidentes, tesoureiros, ministros de Estado, diretores da PETROBRAS e parlamentares. O PSDB, o principal partido de oposição ao PT, também teve governadores, senadores, deputados, prefeitos denunciados, processados e presos, atingindo uma das suas principais lideranças - na época da denuncia, presidente nacional da agremiação e senador da república e ex- candidato a presidência da República, Aécio Neves. Nos processos transitados e julgados foram devolvidos centenas de milhões de reais aos cofres públicos. Os processos e as investigações continuam.

Por outro lado, deve-se combater a instrumentalização das instituições de direito a favor de um determinado partido, empresa ou lideranças políticas e empresariais, devendo ser fruto de preocupação e vigilância permanente da cidadania e de toda a sociedade brasileira.

Então, a expectativa da cidadania e da sociedade brasileira é que este seja um caminho sem volta – uma conquista efetiva de toda a sociedade no combate à corrupção. Naturalmente, aperfeiçoando e combatendo comportamentos judiciais que afrontam o Estado de Direito e a Constituição brasileira.

Assim, a construção e a afirmação da democracia não comportam ou não deveriam comportar mais visões simplistas, binárias, do “nós contra eles”, como maneira de realizar a política e enfrentar os complexos desafios da sociedade brasileira.

Portanto, podemos e devemos enfrentar a pandemia abrindo o diálogo necessário entre as forças democráticas, no caminho de uma agenda que leve a um efetivo enfrentamento dos reais e urgentes problemas econômicos, sociais e de saúde, trazendo para o exercício da política a voz dos excluídos da sociedade, pressionando os que governam a República para pautar os problemas  reais da população, buscando a melhoria da qualidade de vida de milhões de brasileiros que vivem em condições precárias de moradia, sem segurança, educação, saúde,  saneamento e  mobilidade urbana no Brasil.

São estas as questões e os desafios a serem enfrentados por cada um e por todos nós se quisermos efetivamente superar a trágica realidade vivida atualmente, em plena pandemia, por toda a sociedade brasileira.

*George Gurgel de Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia, da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia


RPD || Raul Jungmann: Armamento, riscos à democracia e 2022

"A desconsonsolidação democrática não precisa envolver violações a constitucionalidade. E os governos reacionários têm desfrutado de um apoio popular consistente. A esperança de que cidadãos pudessem ameaçar governos que cometessem transgressões contra a democracia, impedindo-os, com isso, de seguirem esse caminho, infelizmente é infundada."

A citação é de Adam Przeworski, professor de política e economia da Universidade de Nova York, com vasta produção na área da ciência política. Ela bate com que estamos vivendo no Brasil e, especialmente, com o que vivenciamos na segurança pública. Uma população que se sente indefesa diante da violência e não vê da parte do poder público a prestação de serviços de segurança compatíveis com a sua a proteção da sua vida e família, sanciona atsques a democracia em nome da sua defesa. É o caso das mais de trinta normas editadas pela Presidência da República ou órgãos de controle do executivo, afrouxando as regrass ou visando a massificação do armamento pela população. Nesse ponto, o armamento da cidadania, cruzamos os limites da área da segurança pública, onde há duas décadas se travava o debate, e passamos a seara da política, e do ideológico.

Ao propor armar a todos, o Presidente está, consecutivamente: (i) quebrando o monopólio da violência legal, privativa do Estado Nacional, (ii) ferindo o papel constitucional da Forças Armadas, esteio e última ratio da integridade e da soberania e (iii) acenando com a hipótese de um conflito de brasileiros contra brasileiros, uma guerra civil.

Isso nos motivou a redigir uma carta aberta ao Supremo Tribunal Federal, onde tramitam ações contrárias a política de armamento massivo, alertando para os riscos para a segurança pública e para a estabilidade democrática. Lembrando, ao final, o ocorrido recentemente nos Estados Unidos, quando da invasão do Capitólio por vândalos. No curso da sua divulgação, a repercussão da carta superou nossas expectativas na mídia tradicional, nas redes, colunas de opinião e junto a vários formadores de opinião. O que talvez queira dizer da preocupação das pessoas com o tema e a percepção dos riscos envolvidos numa política armamentista. E existem razões concretas para tal.

Segundo a Polícia Federal, em 2020 o registro de armas de fogo cresceu 90% face o ano anterior, o maior crescimento de um ano para outro já registrado pela série histórica. Do outro lado da moeda, as mortes violentas, que iniciam uma queda em 2018 (ano em que éramos Ministro da Segurança Pública) e continuaram caindo em 2019, retomaram sua escalada em 2020. A ADIN impugnando os quatro decretos supracitados tem como relatora a Ministra Rosa Weber, que solicitou informações ao executivo e, nos próximos dias, decretos editados em 2019 sobre o mesmo tema e objetivo irão ao plenário do Supremo, tendo como relator o Ministro Edson Fachin.

Entidades diversas da sociedade civil e ongs, se mobilizaram promovendo um abaixo assinado em apoio a nossa Carta Aberta, que já conta com mais de dez mil assinaturas. Devendo ser entregue aos dois ministros em breve.

Embora não se manifestem, as Forças Armadas, devem estar debruçadas sobre essa questão. Recentemente, o Departamento de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército teve duas portarias suas sobre rastreamento de armas e munições revogadas por ordem do Planalto, logo após o que o seu responsável desligou-se da sua direção. Pablo Ortellado nos diz que cansados de escândalos de corrupção e de uma elite política que apenas pensa na solução dos seus problemas e não dos seus representados, o eleitor em 2018 buscou um “ultradiferenciação”, votando naquele que rompia simbólica e retoricamente com o status quo.

Pode ser. Mas a questão é que essa opção do eleitorado veio a reboque de uma operação Lava Jato, que no combate a corrupção desestruturou a dinâmica política desde a redemocratização para cá, a tríade de partidos que organizava o jogo congressual e das alianças (PMDB, PT e PSDB) e suas lideranças nacionais. Se for incapaz de reconstruir uma narrativa que supere e incorpore soluções para o mal estar, desânimo e mau humor da população, decorrente da percepção da corrupção da política e da insegurança endêmica, a afirmação inicial de Adam Przeworki continuará valendo, para 2022 e além.

*Raul Jungmann é ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


RPD || Guilherme Acciolly: A miopia de curto prazo e o desmatamento da Amazônia

País precisa conter imediatamente o processo de desmatamento da Amazônia e evitar a chegada ao “ponto de não retorno”, quando será impossível deter a destruição da floresta 

O desmatamento na Amazônia continua aumentando. Segundo os dados oficiais do INPE, entre 2018 e 2020, portanto durante o governo Bolsonaro, a taxa de desmatamento na Amazônia cresceu 47 %. 

Os motivos para isso são muitos. Mas certamente a política simpática aos setores responsáveis pelo desmatamento (grileiros, alguns madeireiros e pecuaristas, garimpeiros ilegais) e o cerceamento à atuação do IBAMA e demais órgãos encarregados da repressão ao desmatamento contribuíram de forma decisiva para esse resultado. 

Essa postura é suicida no longo prazo, mas faz sentido numa perspectiva míope de curto prazo. Não há dúvida de que é popular para grande parte da opinião pública local e nacional. De fato, num primeiro momento, há relevante aumento da renda na região da fronteira do desmatamento. A retirada da madeira, a instalação ou ampliação de serrarias, a compra de maquinário, a implantação de pastos no lugar da floresta, a comercialização da carne bovina, a recepção dos novos habitantes, tudo isso gera renda e emprego. Muito mal distribuídos, mas com impacto positivo no início. 

Esse avanço é incentivado por se dar majoritariamente sobre terras públicas (e crescentemente sobre Áreas Protegidas) – e, portanto, com custo de aquisição nulo. Porém, logo depois, a receita madeireira se extingue ou decresce muito, a agricultura é prejudicada pela má qualidade do solo na Amazônia, e resta a pecuária de baixíssima produtividade. Ou seja, a prosperidade chega e vai embora. Aí o que se faz é repetir o processo mais adiante.  

Essa dinâmica vai empurrando a fronteira, avançando pela floresta. Só que esse recurso, a floresta, não é infinito. Já desmatamos cerca de 20% da Amazônia. Se nada for feito, um dia, nem tão remoto, ela acaba e teremos matado a proverbial galinha dos ovos de ouro. Na verdade, isso não ocorrerá. Muito antes disso, a própria destruição parcial da floresta a levará ao colapso, ao se interromperem os processos e fluxos naturais de regeneração. 

Há evidência científica indicando que esse “ponto de não retorno” já está muito próximo. Ou seja, se não houver a contenção imediata do processo de desmatamento da Amazônia, ela em pouco tempo deixará de existir. 

E qual o problema? É até bom, pois facilita o desenvolvimento agrícola e a exploração mineral na região (olha o nióbio!). Esse argumento, tão típico dos dias atuais, exige resposta. Se a floresta amazônica acabar, se extinguirá toda a riqueza potencial advinda da atividade madeireira sustentável e da extraordinária biodiversidade ali encontrada. Ninguém sabe tudo que pode ainda ser descoberto e aproveitado. Trata-se de uma riqueza literalmente incalculável. Provavelmente inúmeras vezes maior que o potencial agropecuário e mineral. 

Mas o prejuízo não se limita a isso. A eventual extinção da floresta amazônica – o que é possível que ocorra em breve – prejudicaria decisivamente o agronegócio, bem como toda a população do Centro-Oeste e Sudeste. O regime de chuvas seria fortemente afetado com a interrupção da chegada da umidade oriunda da Amazônia, que tem volume equivalente ao Rio Amazonas, no fenômeno conhecido como Rios Voadores.  

Ou seja, o processo de desmatamento da Amazônia é popular na região e em boa parte do país (embora haja também ampla parcela da população que a ele se opõe), até porque traz alguma prosperidade no curto prazo. Entretanto, no médio e longo prazo, é um baita tiro no pé. A miopia curtoprazista pode ser extremamente prejudicial para a região, para o Brasil e para o planeta. 

Não é novidade para o Brasil. No início de século passado, a prosperidade advinda da exploração da borracha foi assombrosa e, aos olhos da sociedade local – e nacional – da época, infinita e perpétua. Até as plantações asiáticas aniquilarem essa riqueza. O Brasil hoje é importador líquido de látex. 

Essa mesma miopia faz com que setores do governo se deem ao luxo de destratar gratuitamente nosso maior parceiro comercial, a China. O raciocínio é que “a China não pode ficar sem nossa soja”. Isso é verdade hoje. Mas os chineses (que certamente não podem ser acusados de não ter uma visão de longo prazo) não devem ser subestimados. Em janeiro deste ano, o Ministro da agricultura chinês declarou que “As tigelas chinesas devem ser enchidas com grãos chineses, e os grãos chineses devem ser cultivados a partir de sementes chinesas.” Isso ainda está longe de acontecer, mas a estratégia já está definida. É questão de tempo (olha o longo prazo aí). 

*Guilherme Acciolly é economista


Valor Econômico: Volta de Lula deve apressar Huck, diz Roberto Freire

Apresentador mostrou interesse no atual cenário eleitoral e na viabilidade de uma candidatura de Mandetta

Por Cristian Klein, Valor Econômico

RIO - A volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo eleitoral fortalece a polarização entre o PT e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas atores políticos ligados ao apresentador de TV Luciano Huck (sem partido) ainda consideram que haja espaço para uma candidatura competitiva mais centrista, na disputa pela Presidência do ano que vem.

Logo depois da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que devolveu os direitos políticos a Lula, na segunda-feira, Huck conversou com o presidente nacional do Cidadania, o ex-deputado Roberto Freire, sobre a nova conjuntura. O Cidadania é um dos partidos cotados para abrigar o apresentador, caso ele decida concorrer.

Segundo Freire, os dois não trataram de filiação, mas Huck se mostrou interessado em saber da avaliação do dirigente sobre o cenário eleitoral e a quantas anda a possibilidade de fusão entre o Cidadania e o Partido Verde, legendas ameaçadas pela cláusula de barreira. Também abordaram a viabilidade de uma candidatura do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS).

Para Freire, a entrada de Lula não muda, em essência, a polarização que estava desenhada entre Bolsonaro e o PT. O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, derrotado em 2018, já havia começado a circular em pré-campanha pelo país, mas cancelou a visita que faria hoje e amanhã ao Rio, depois do pronunciamento feito ontem em que Lula falou como candidato.

Freire disse que Lula elegível só torna “a polarização mais explícita”, o que “viabiliza melhor a alternativa do campo democrático”. “Ajuda a busca por unidade nas articulações feitas hoje”, afirmou ao Valor o dirigente, para quem Huck “é o melhor candidato para discutir o Brasil do século 21”.

O presidente do Cidadania diz que seu partido é o único em que Huck tem a garantia de concorrer, enquanto em outras siglas, como o DEM, isso não é certo. “Nem para o Mandetta há garantia”, diz, afirmando que a sigla está dividida entre os que querem apoiar Bolsonaro ou outras candidaturas, como a do governador de São Paulo João Doria (PSDB) ou do também tucano Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul. Por causa da reviravolta no cenário, o PSDB antecipou as prévias que seriam realizadas no ano que vem para outubro.

Freire diz que o apresentador ainda tem tempo para definir se concorre ao Planalto ou permanece na TV Globo, mas a volta de Lula vai acelerar a tomada de decisão. No entorno de Huck, segundo apurou o Valor, a expectativa é que uma decisão possa ser tomada "mais para o fim do segundo semestre". "Até o prazo limite de filiação, em 4 de abril, é uma eternidade", conta esta fonte.

Na visão do Freire, Lula e Bolsonaro são fortes candidatos para chegarem ao segundo turno, mas o antipetismo continua em alta, acrescido do forte antibolsonarismo. As rejeições favoreceriam a candidatura centrista. Para o outro interlocutor do apresentador, Lula "está sem conexão com a classe média e o centro da política brasileira" pois teve que se "abraçar com a esquerda tradicional, o corporativismo", durante o período em que se defendia dos processos da Lava-Jato e dos 580 dias em que passou na prisão em Curitiba, apoiado pela militância. Isso o impediria de fazer um movimento em direção ao centro, como esboçado pelo ex-presidente no discurso de ontem. "A candidatura do Lula não esmaga o centro", afirma.

Por outro lado, acrescenta, Bolsonaro também tem perdido eleitores mais centristas. E Ciro Gomes (PDT) vai ser um candidato com discurso muito similar ao de Lula, "contra as reformas". "Vai ter uma dissidência do outro lado também", diz a fonte, minimizando a necessidade ou a possibilidade de que haja uma unidade grande do centro, em torno de um só candidato, numa composição improvável entre os tucanos, Huck e Mandetta.

Freire conta que as conversas sobre fusão envolvem o presidente do Partido Verde, José Luiz Penna, e Eduardo Jorge, que concorreu à Presidência pelo PV em 2014 e foi vice na chapa de Marina Silva (Rede) em 2018. Desse projeto também está próximo o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), que rompeu com o partido e procura nova legenda.

Segundo apurou o Valor, Huck já recebeu convites oficiais de pelo menos cinco partidos: PSB, PSD, Cidadania, Podemos e DEM, além de uma sondagem do MDB.


Ruth de Aquino: Lula não é santo mas fez milagre

Nenhum cientista, nenhuma manchete, nenhum general, nenhum empresário, nenhum pastor, nenhuma recessão e nem mesmo os recordes sucessivos de mortos por Covid, nada disso produziu o milagre testemunhado pelo país nesta quarta-feira. Foi Lula quem “obrigou” Bolsonaro a usar máscara, defender vacinas e pedir imunizantes à China.

Nem mesmo a vacinação da mãe, Olinda, com a comunista Coronavac provocou essa transmutação radical de Bolsonaro. Lembram outubro de 2020? “A da China nós não compraremos, é decisão minha, mesmo se for aprovada pela Anvisa”. “Eu não tomo vacina (contra Covid), não interessa se tem uma ordem, seja de quem for, eu não vou tomar a vacina”. Sempre desencorajou uso de máscaras, à revelia do mundo. Citava “efeitos colaterais”. Seu filho Eduardo foi mais grosso em vídeo nas redes: “Enfia (a máscara) no rabo, gente, porra!” Que vergonha, deputado. Que vergonha. 

O discurso eleitoral de Lula no sindicato dos metalúrgicos, convocando a população a usar máscaras e se vacinar, mudou tudo. Bolsonaro se apresentou imediatamente depois em um bloco de mascarados. Disse que sempre foi a favor de se imunizar. O milagre estendeu-se aos filhos Flávio e Carlos, tocados com a anulação das condenações de Lula. “Nossa arma é a vacina” passou a ser o slogan da família. Cara de pau. A arma de Bolsonaro sempre foi o trabuco mesmo. Sua arma é a que cospe tiros, palavrões, bacilos e cloroquina. “Vacinaremos dezenas de milhões de brasileiros”. O verbo está no tempo errado. O futuro deveria ser pretérito. É imperfeito e condicional na voz de Pazuello, o general passivo da ativa. Pazuello não via o porquê de “tanta ansiedade e angústia” da nação em dezembro. E hoje? “O sistema de saúde não colapsou nem vai colapsar”. Que vergonha, ministro. Que vergonha.

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o vice-presidente Mourão afirma que “faltou uma campanha intensiva de conscientização da população”. Não, Mourão, faltou conscientizar Bolsonaro e seu ministro da Saúde. Olhe agora Joe Biden nos Estados Unidos. Cem milhões de doses serão aplicadas nos 50 primeiros dias de governo e quase toda a população adulta estará vacinada até julho. Uma questão de liderança.

O Brasil ficou sem hospitais de campanha, sem leitos, sem oxigênio, sem vacina, limitado a jogar corpos em frigoríficos. Deveríamos vacinar, dia e noite, ao menos 1 milhão de brasileiros. É inadmissível interromper a imunização por falta de doses. 

Temos uma em cada quatro mortes por Covid no planeta. Somos o epicentro de uma calamidade sem controle. O STF precisa continuar a cobrar de Bolsonaro o repasse de recursos aos estados. O ministro Lewandowski deu prazo até o fim da semana. O STF precisa também cobrar explicações sem desculpas esfarrapadas. Qual é a culpa do Poder Executivo na tragédia, Supremo Tribunal Federal? Bolsonaro não quis ter vacinas já em dezembro. Semana passada, mandou comprar vacina na casa da tua mãe. 

Nunca foi tão fácil fazer oposição. É só ter bom senso. Contra o destempero, recomenda-se cautela. Lula se comparou no discurso a um escravo que leva 100 chibatadas. Disse que foi vítima do maior erro jurídico em 500 anos de história. Menos, Lula. Inspire-se nos líderes autênticos que saíram da prisão com maior estatura e modéstia, como Mujica e Mandela, e não nos populistas que se gabam demais e derrapam em mentiras. Você criticou o fanatismo dos bolsonaristas. Não estimule o fanatismo dos petistas. Não precisamos de santos. Precisamos de presidente.