STF

Elio Gaspari: O aviso do xerife de 2022

Moraes sabe como funcionam as milícias e quem as financia e como rola o dinheiro

Elio Gaspari / O Globo

Um ano antes do pleito de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral escreveu uma boa página de sua história. Livrou a chapa de Jair Bolsonaro da cassação e avisou aos interessados que se repetirem o golpe das notícias falsas e das milícias eletrônicas, pagarão pelos seus delitos. Nas palavras do ministro Alexandre de Moraes, que presidirá a Corte em 2020: “Irão para a cadeia”.

A decisão unânime do TSE acompanhou o voto de 51 páginas do corregedor Luiz Felipe Salomão. No ambiente envenenado da política nacional, Salomão apresentou uma peça redonda e cirúrgica na demonstração das malfeitorias cometidas e equilibrada na conclusão de que faltaram provas e as impressões digitais necessárias para justificar a cassação de uma chapa três anos depois de sua posse. O magistrado mostrou a letalidade do vírus e abriu o caminho para a advertência de Moraes.

Passados três anos do festival de patranhas de 20018, Alexandre de Moraes chegará à presidência do TSE em agosto, com a estrela de xerife no peito. Salomão fez sua carreira na magistratura; Moraes, no Ministério Público, com uma passagem pela Secretaria de Segurança de São Paulo. Além disso, na condução do inquérito das notícias falsas conhece as obras e pompas das milícias eletrônicas e mostrou-se rápido no gatilho ao mandar delinquentes para a cadeia. Zé Trovão, o caminhoneiro foragido, decidiu entregar-se à Polícia Federal. Na estrela de xerife de Moraes brilha o destempero com que Jair Bolsonaro investiu contra ele, chamando-o de “canalha”.


Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
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Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministros Luís Roberto Barros e Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
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Moraes sabe como funcionam as milícias e quem as financia e como rola o dinheiro. Salomão, por seu turno, já firmou a jurisprudência que congela os recursos que as alimentam. As conexões internacionais dessas milícias, um fato que há três anos estavam no campo da ficção cibernética, hoje estão mapeadas. Se há um ano elas tinham o beneplácito do governo americano, hoje têm o FBI no seu encalço.

Com Moraes na presidência do TSE é possível prever que entre o início dos disparos propagadores de mentiras e a chegada dos responsáveis à carceragem passarão apenas dias ou, no máximo, poucas semanas. Basta ler o voto de Salomão e acompanhar as decisões de Moraes para se perceber que os reis das patranhas de 2018 são hoje sócios de colônias de nudismo.

Esteves errou a conta

O banqueiro André Esteves lida com números. Noves fora outras impropriedades cometidas em sua fala aos clientes do BTG, ele disse que “no dia 31 de março de 1964 não teve nenhum tiro, ninguém foi preso, as crianças foram para escola, o mercado funcionou.”

O dia 31 de março, quando o general Olímpio Mourão Filho se rebelou em Juiz de Fora, foi relativamente normal, com umas poucas prisões. Como disse o marechal Cordeiro de Farias, “o Exército dormiu janguista”. Cordeiro, um revoltoso desde 1924, foi um patriarca das conspirações do século passado e sabia o que aconteceu naquelas horas. No dia seguinte, acrescentou o marechal, o Exército “acordou revolucionário”. Foram presas centenas de pessoas, entre as quais o governador Miguel Arraes, de Pernambuco, mandado para Fernando de Noronha. Estádios e navios foram usados como cadeias.

Mais: no dia 1º de abril morreram sete pessoas.

Para os padrões, foi um golpe incruento mas, como lembrou a Central Intelligence Agency ao presidente Lyndon Johnson na manhã de 7 de abril: “Cresce o medo, não só no Congresso, mas mesmo entre aliados da revolta, que a revolução tenha gerado um monstro.”

Não deu outra.

Ministros e meteoros

Em março de 2020, diante do estrago provocado pela pandemia, o ministro Paulo Guedes disse que “nós fomos atingidos por um meteoro”. Passou-se um ano e ele viu novamente um meteoro na conta de R$ 90 bilhões dos precatórios devidos pela União.

A pandemia podia ser comparada a um meteoro, por natural e imprevisível. Já o espeto dos precatórios nada tem de natural e estava lá há anos. Mesmo assim, persistiu na teoria dos meteoros.

O último grande meteoro que atingiu o Brasil foi o Bendegó, achado no século XVIII. Tem cinco toneladas e não fez grandes estragos.

De lá para cá, o Brasil teve mais de cem ministros da Fazenda.

Alguns deles fizeram estragos maiores que os objetos caídos do céu.

Chamem o André

Durante seu piti ao responder às perguntas de André Marinho numa entrevista, Jair Bolsonaro repetiu seis vezes que “se o Marinho entrar mais uma vez na tela eu vou embora”. Como ele voltou, o capitão levantou-se e abandonou a cena.

Não se pode saber o melhor caminho para que Bolsonaro se vá, mas ele mostrou que se chamarem o André Marinho ele vai.

O verdadeiro fantasma

Gustavo Bebianno pode ter virado um fantasma assombrando Jair Bolsonaro, mas a verdadeira assombração que ronda o capitão está viva e atenta. É o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, defenestrado da Secretaria de Governo nos primeiros meses do governo.

Santos Cruz fala pouco. Tornou-se um atento ouvinte de quase todos os generais da ativa que, tendo cometido a imprudência de se juntar ao capitão, viram-se tratados como cabos.

Impunidade patriótica

Outro dia o ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, tratou da famosa greve dos caminhoneiros de 2018 e disse o seguinte:

“A paralisação foi financiada por empresas de transporte, com o apoio do agronegócio”.

Até as pedras sabiam disso, mas o presidente Michel Temer e seu ministro da Defesa, Raul Jungmann, rosnaram e nenhum empresário pagou pelo que fez.

Quando o movimento já durava uma semana, com resultados catastróficos para a economia do país, o deputado Jair Bolsonaro, candidato a presidente disse o seguinte:

“Qualquer multa, confisco ou prisão imposta aos caminhoneiros por Temer ou Jungmann será revogada por um futuro presidente honesto e patriota.”

O atalho do Centrão

Quando o Centrão se mostra disposto a patrocinar uma emenda constitucional que dá cadeiras vitalícias (com imunidade) aos ex-presidentes, está pavimentando o caminho do seu desembarque.

O capitão iria para o Senado e o Centrão apoiaria o novo governo, seja qual for, como aconteceu em relação a todos os seus antecessores.

Pontes não é burro

O ministro Marcos Pontes, da Tecnologia, levou na esportiva o fato de seu colega Paulo Guedes tê-lo chamado de “burro”.

Ex-aluno do Instituto Tecnológico da Aeronáutica e coronel da reserva da FAB, é provável que burro ele não seja.

Em abril do ano passado o doutor anunciou a descoberta de dois remédios com 94% de eficácia contra o coronavírus:

— No máximo na metade de maio, um momento crítico, nós teremos aqui uma solução de um tratamento.

Pontes não é burro, acha que os outros são.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/o-aviso-do-xerife-de-2022-25258620


Bolsonaro aciona STF contra pedido da CPI para bani-lo das redes

Bolsonaro associou falsamente vacinas contra covid ao risco de desenvolver aids em live, excluída por redes sociais

DW Brasil

Após presidente ligar vacinas a aids, comissão no Senado aprovou requerimentos pela suspensão de suas contas nas redes sociais e a quebra de seu sigilo telemático. Em ação no Supremo, AGU pede anulação das decisões.

O presidente Jair Bolsonaro acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão da CPI da Pandemia a favor da suspensão de suas contas nas redes sociais e da quebra de seu sigilo telemático.

A ação foi apresentada nesta quarta-feira (27/10), mirando requerimentos aprovados pela comissão no Senado em sua última sessão, na terça-feira, após Bolsonaro ter associado vacinas contra covid-19 ao risco de desenvolver aids. A falsa relação foi feita durante uma live transmitida em redes sociais na semana passada, posteriormente excluída por Facebook, Instagram e YouTube.

Um dos requerimentos determina que a CPI apresente ao ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, uma medida cautelar pedindo que o presidente seja proibido de se manifestar em redes sociais – como ocorreu com o ex-presidente americano Donald Trump, por iniciativa das próprias plataformas.

A decisão pede que o banimento de Bolsonaro ocorra "até ulterior determinação". A CPI ainda requer que o presidente seja obrigado a se retratar sobre a associação entre vacinas e aids, sob pena de R$ 50 mil por dia em caso de descumprimento.

A comissão também aprovou a quebra do sigilo telemático de Bolsonaro sobre seu uso de redes sociais do Google, Facebook e Twitter, de abril de 2020 até o momento, e solicitou que os dados sejam enviados ao Supremo e à Procuradoria-Geral da República (PGR). Isso inclui dados como os IPs, cópias do conteúdo armazenado e informações sobre quem administra as publicações.

A ação de Bolsonaro

No mandado de segurança enviado ao STF, a Advocacia-Geral da União (AGU), responsável pela defesa judicial do governo, pede que os requerimentos sejam anulados, justificando que as decisões extrapolam as competências da comissão de senadores.

"Note-se que não há poderes de investigação criminal ou para fins de indiciamento, seja da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, em face do presidente da República, no âmbito de CPIs ou de qualquer outra Comissão Parlamentar, seja a que título for", diz a AGU.

A ação também afirma que a CPI inverteu "de forma integral" a garantia dos direitos de Bolsonaro, já que a comissão não poderia "instar órgão jurídico a promover a investigação e responsabilização do presidente da República, o qual, conforme delineado, não pode sequer ser convocado como testemunha no âmbito da CPI".

Ainda nesta quarta-feira, o ministro Alexandre de Moraes foi escolhido como relator da ação de Bolsonaro no STF, uma vez que ele já relata outros casos ligados ao mesmo tema.

Mentira sobre aids

Em sua live da quinta-feira passada, Bolsonaro leu um texto afirmando que vacinados com as duas doses contra a covid-19 estariam desenvolvendo a "síndrome da imunodeficiência adquirida" – o nome oficial da aids – "mais rápido do que o previsto" e que tal conclusão era supostamente apoiada em "relatórios oficiais do governo do Reino Unido".

No entanto, não há estudos do governo do Reino Unido que mencionam tal risco. Entidades médicas e cientistas imediatamente desmentiram o presidente em redes sociais.

A notícia falsa citada por Bolsonaro foi publicada originalmente pelos sites Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva, este último um site antivacinas que veiculou fake news ao longo da pandemia. Os dois sites se basearam numa página em inglês conhecida por espalhar teorias conspiratórias.

O site Aos Fatos apontou que os textos divulgados por Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva inseriram de maneira fraudulenta uma tabela que não existia em documentos oficiais das autoridades sanitárias do Reino Unido.

Antes da última sessão da CPI na terça-feira, o relator Renan Calheiros comentou a live de Bolsonaro e chamou o presidente de "serial killer que tem compulsão de morte e continua a repetir tudo que já fez anteriormente".

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/bolsonaro-aciona-stf-contra-pedido-da-cpi-para-bani-lo-das-redes/a-59648794


Supremo decide se Justiça Militar deve julgar crimes durante GLO

Condenação de militares envolvidos na morte de músico e de catador de papel no Rio pode diminuir a pressão para que casos sejam enviados à Justiça comum

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo

Caro leitor, 

é a bancada da bala, com sua tese do excludente de ilicitude, que aperta o gatilho do fuzil do tenente Ítalo da Silva Nunes, de 31 anos. O jovem oficial do Exército foi condenado a 31 anos e 8 meses de prisão pela morte do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador de latinhas Luciano Macedo. A lógica é bastante conhecida. O coronel Hermes Bittencourt Cruz, da PM de São Paulo, a descrevia da seguinte maneira: quem incentiva a política do bandido bom é bandido morto não vai depois responder a processo no lugar do militar que se excede. Nem mesmo vai pagar o advogado para defendê-lo. 

O peso da retórica da guerra implacável aos criminosos no Rio foi assim descrito pelo repórter Wilson Tosta, do Estadão: "Evaldo ia para um chá de bebê com a família, quando passou por uma patrulha em Guadalupe, na zona norte carioca. Segundo a denúncia da Procuradoria de Justiça Militar, houve 257 tiros de fuzil. Mais de 80 atingiram o veículo que Evaldo guiava. O músico morreu instantaneamente. Luciano também foi alvejado ao tentar ajudar. Morreu alguns dias depois. O sogro do músico sobreviveu, apesar de ferido". 

Neste século, o ano em que a PM de São Paulo mais expulsou policiais foi 2003, com 286 militares exonerados. Aquele ano terminou com 756 pessoas mortas pelos policiais no Estado. Em 2020, no segundo trimestre, 217 pessoas foram mortas por PMs de serviço, número que caiu para 113 no mesmo período deste ano. Isso depois de a PM paulista instalar câmeras corporais nos policiais de 18 batalhões. A Rota – uma das unidades incluídas no programa – registrou apenas um caso de tiroteio com mortes depois que seus homens passaram a andar com câmeras.

A lição era já conhecida. Durante a ocupação da Maré – conta um general que comandava a tropa –, a população se revoltou quando militares dispararam balas de borracha em um adolescente que estava em uma laje. Acusavam os homens do Exército de terem praticado uma agressão gratuita contra o menino. Mas o pelotão responsável pelos disparos levava uma câmera em seu equipamento. Quando as imagens foram mostradas à mãe do menino, ela pôde ver que o filho estava atirando tijolos nos militares, que apenas agiram para contê-lo. 

Evaldo dos Santos
Militares atiraram contra veículo nas imediações do Piscinão de Deodoro, em Guadalupe, no Rio Janeiro Foto: Fabio Teixeira/AP

As regras de engajamento das Forças Armadas sempre foram mais rígidas do que as da Segurança Pública. Só na ocupação da Maré, a Marinha contou 41 ataques feitos por grupos armados contra seus homens. Registrou apenas duas mortes de "agentes perturbadores da ordem" durante a chamada Operação Rio 9  – São Francisco, que começou em 25 de fevereiro de 2014 e acabou em 30 de junho de 2015. Os números mostram a diferença entre as ações da Força e as da polícia carioca. Em poucas horas de ação no Jacarezinho, a Polícia Civil matou dez vezes mais do que a Marinha em mais de um ano na Maré. 

Quando era chefe de operações conjuntas do Ministério da defesa, o general César Augusto Nardi de Souza, explicou ao Estadão as regras de engajamento do Exército: "Elas é que determinam, por exemplo, em que situações um militar poderá usar munição letal contra um agente perturbador da ordem ou quando ele poderá sacar seu spray de pimenta. As regras de engajamento procuram ser didáticas e são baseadas no direito penal brasileiro. Elas são de caráter reservado, mas posso dizer que toda vez que você é ameaçado em sua integridade ou para a defesa de terceiros, a legítima defesa é a regra. É diferente da guerra, onde você pode atirar no inimigo." 

Na fala do general está a síntese do que todo militar do Exército devia saber antes de apertar o gatilho em uma Operação de Garantia de Lei e Ordem. É certo que o tenente Ítalo não teria matado o músico e o catador de papel se tivesse ciência de que eles não eram bandidos. Mas o problema é que, certamente, nem um nem outro atirou em direção ao tenente e ou em direção de sua patrulha, de tal modo, como alegou o Ministério Público Militar, que os militares agiram sem o cuidado necessário, como se pouco se importassem com o resultado morte. Os supeitos seriam bandidos. Deviam morrer. 

Casos assim fazem aumentar a atenção ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5032, proposta em 2013 pelo Ministério Público Federal ao Supremo Tribunal Federal (STF). A procuradoria quer tornar ilegal o julgamento pela Justiça Militar de todos os crimes cometidos por integrantes das Forças Armadas em ações de GLO e remetê-los à Justiça comum. Três ministros já votaram contra a ação e um a favor da tese, que teve seu julgamento suspenso no dia 6 de outubro. Diversas entidades de defesa dos direitos humanos acompanham o julgamento. Entre elas, a Comissão Arns, que pediu ao STF para ser reconhecida no caso como amicus curiae. 

O pedido foi assinado pelos advogados José Carlos Dias (ex-ministro da Justiça), Belisario dos Santos Junior (ex-secretário da Justiça) e Antonio Cláudio Mariz de Oliveira (ex-secretário da Segurança de Sâo Paulo). Para eles, a lei que regulamentou as GLOs ampliou "indevidamente a competência da Justiça Militar, estabelecendo foro privilegiado sem que o crime tenha relação com funções tipicamente militares, o que ofende ao princípio da isonomia, ao princípio da imparcialidade judicial, além de subverter o sistema constitucional de competências ao classificar delitos comuns como crimes militares". 

Decreto prorroga uso das Forças Armadas em Roraima até fim de outubro
Forças Armadas serão usadas no combate a desmatamento e queimadas. Foto: André Coelho

]Foi depois de uma série de decisões polêmicas das Justiças Militares estaduais, absolvendo policiais militares acusados de abuso e assassinatos nos anos 1980 e 1990, que o Congresso decidiu reconhecer a primazia do Tribunal do Júri, para mandar todos os militares acusados de crimes contra a vida de civis para o mesmo banco dos réus onde sentam os cidadãos comuns acusados desse tipo de delito. A pressão para que o mesmo acontecesse agora nos casos de GLO crescia até a condenação do tenente Ítalo e de seus subordinados. 

A Auditoria Militar do Rio condenou no dia 14 por 3 votos a 2 o tenente e outros sete militares pelas mortes do músico e do catador de papel. Ela pode até ser revertida no Superior Tribunal Militar (STM). Se isso ocorrer e os militares ficarem impunes, a própria capacidade de a Justiça Militar para julgar esses casos estará em jogo. Vários são os remédios contra as injustiças. Eles podem estar no STF – como no caso da ADI – ou no Congresso. E mais uma vez não será Bolsonaro que vai defender o STM ou pagar advogado para os militares.

*Marcelo Godoy é jornalista formado em 1991, está no Estadão desde 1998. As relações entre o poder Civil e o poder Militar estão na ordem do dia desse repórter, desde que escreveu o livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015).

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,supremo-decide-se-justica-militar-deve-julgar-crimes-durante-glo,70003872360


Aprovação do marco temporal ‘premiará’ invasores de terras

Evento com a presença da deputada federal indígena, Joenia Wapichana (Rede-RR), e o jovem líder indígena Ednei Arapiun avalia os riscos da aprovação da tese dos ruralistas

Leanderson Lima / Amazônia Real

Manaus (AM) – O jovem indígena Ednei Arapiun é líder da aldeia Cachoeira do Maró, que fica na Terra Indígena Maró, no Baixo Tapajós, em Santarém, no oeste do Pará. Desde o mês de junho ele está envolvido nas mobilizações, em Brasília, contra o marco temporal, ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e que pode mudar o processo de demarcações dos territórios indígenas no Brasil. Durante o evento online “Welcome Chance”, realizado pela Ashoka Brasil, Ednei explicou a tensão que os povos Borari e Arapium vivem no território. Sua terra indígena pode ser afetada pelo marco temporal, pois está localizada na chamada Gleba Nova Olinda 1. Desde meados da década de 1990, a gleba é alvo de processos contra a demarcação e virou palco de violentos conflitos agrários. “Caso o marco temporal passe, já existem planos de vários madeireiros, vão entrar dentro do território, já existem vários planos de manejamento de madeireiros que foram barrados”, disse Ednei Arapiun.

O evento online “Welcome Change” – conversas semanais que colocam em destaque as soluções de empreendedores sociais e jovens transformadores pelo mundo -,  sobre o tema “Por que o marco temporal ameaça povos indígenas brasileiros?” foi realizado pela Ashoka Brasil na última sexta-feira (15). O encontro contou com a participação da primeira deputada federal indígena eleita no Brasil, Joenia Wapichana (Rede-RR), e mediado pela cofundadora da agência Amazônia Real, Kátia Brasil. As duas são Fellows da Ashoka. Transmitido para o Brasil e outros países, pela internet, o evento propôs debater o julgamento da tese do marco temporal, que foi suspenso há um mês por conta do pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes. 


Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
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Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
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O magistrado já devolveu o processo que agora aguarda a definição de nova data para que seja dada continuidade aos votos, do próprio Alexandre de Moraes, e dos demais ministros da corte. Até o momento, o placar da votação é 1 a 1. O relator Edson Fachin se opôs contra o marco temporal, e o ministro Kassio Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro, votou a favor da tese dos ruralistas. 

Ednei Arapiun, que é coordenador do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns, teme que uma vitória dos ruralistas no julgamento do marco temporal possa acirrar conflitos entre indígenas, madeireiros e comunidades vizinhas. Nos arredores do Território Indígena Maró, com 42 mil hectares, o líder indígena da região do Tapajós já constata a realidade do desabastecimento, a escassez de alimentos – caça ou pesca – e até a dificuldade de colheita de frutas, resultados da invasão de caçadores.

“Eu acredito que tudo que a gente faz, a mobilização que a gente faz dentro das aldeias, dentro do território, dentro da região, nos Estados, ela tem um grande impacto. E a gente sempre com essa esperança que nós vamos vencer, que nós vamos ter a maioria dos votos para o marco temporal, para que seja extinto, porque eles sempre vão tentar de alguma forma querer tirar esse direito ao nosso território”, diz Arapiun.   

Evento online “Welcome Change”, da Ashoka Brasil (Foto reprodução)

O marco temporal

No Brasil, os territórios indígenas são reconhecidos pela Constituição Federal Brasileira, promulgada em 1988. O capítulo 231 garante que “são  reconhecidos aos indígenas a sua organização social, os costumes, as línguas, as crenças e as tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, protegê-las e fazer respeitar todos os seus bens”.

No ano de 2008, esse direito constitucional foi questionado por fazendeiros e políticos ruralistas contrários à homologação da demarcação contínua da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima, no norte do país. Eles ingressaram com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF). Durante o julgamento, o relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto, atualmente aposentado, apresentou em seu voto a tese do marco temporal. 

No caso da Raposa Serra do Sol, a tese do marco temporal foi derrubada, inclusive com o voto do ministro Ayres Britto, pela homologação contínua da demarcação do território. Mas a tese do marco temporal passou a ser usada em outros julgamentos, como no atual recurso que tramita no STF e questiona a demarcação da Terra Indígena do povo Xokleng, de Santa Catarina, no sul do Brasil. 

O evento “Welcome Change” foi com tradução simultânea para o inglês. Para atingir o público fora do Brasil, a deputada federal Joenia Wapichana fez questão de explicar o que é a tese do marco temporal: “Explicando da forma mais simples: a Constituição Brasileira foi promulgada no dia 5 de outubro de 1988. O marco temporal está falando assim: a partir do dia 5 de outubro de 1988, quem estaria de posse da terra indígena até essa data, a data da promulgação, teria direito a ter sua terra demarcada, reconhecida oficialmente. Quem não está na posse da terra desde 1988, por isso que chamam de marco temporal, não teria mais direito de reclamar a regularização da terra indígena”.

Joenia Wapichana no ATL 2019 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Para a deputada Joenia Wapichana, que fez história ao se tornar a primeira advogada indígena do Brasil, e cuja estreia foi justamente em 2008, durante o julgamento no STF do caso Raposa Serra do Sol, em Roraima, o processo de colonização vivido no País foi tão violento que houve muitas remoções e expulsões. Na região sul do Brasil, os povos indígenas foram retirados de suas terras tradicionais para dar abertura a lugares, cidades e fazendas.

A parlamentar lembrou ainda que é preciso respeitar as características de muitos povos indígenas nômades. “Muitos povos, como os guarani, têm uma cultura nômade, de sair em rotatividade conforme os antropólogos já tenham afirmado, para um caminhar conforme as estações, daí não ficavam na posse de suas terras, andavam em torno para procurar melhores estações, e quando retornavam já haviam fazendas no lugar”, pontuou ela, alegando que a legislação brasileira já prevê os chamados direitos originários. Para a parlamentar, a melhor forma de tratar a questão é ainda pela teoria do Indigenato.

Joenia Wapichana ainda teceu duras críticas ao governo do presidente Bolsonaro (sem partido) o qual chamou de um governo anti-direitos humanos, anti-ambientalista, anti-indígena e principal propagador da tese do marco temporal. Foi nesse evento que a parlamentar lamentou a trágica morte de duas crianças Yanomami, na semana passada. “Ontem (14) eu tive um dia bastante pesado no sentido de a gente ter que apresentar denúncias de morte de duas crianças Yanomami que foram sugadas por máquinas de garimpos ilegais dentro de sua própria terra indígena”, disse.

Demarcações arrastadas

Primeira vigília na Praça dos Três Poderes, em Brasília contra o marco temporal no STF
(Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real/25/08/2021)

No Brasil, existem 305 povos indígenas que falam 274 línguas diferentes. A população é estimada em mais de 1 milhão de pessoas, mas o governo brasileiro reconhece apenas os povos que vivem em territórios indígenas demarcados, menos de 900 mil, ignorando as populações que moram nas áreas urbanas dos municípios.

Se a tese do marco temporal for aprovada pelo STF, o território Xokleng e mais de 300 terras indígenas estarão com as demarcações ameaçadas.

O jovem líder Ednei Arapiun, também estudante de ciências atmosféricas na Universidade Federal do Oeste do Pará e integrante do programa Jovens Transformadores pela Democracia na Ashoka Brasil, relatou outro território ameaçado com a tese do marco temporal: é a Terra Indígena Cobra Grande, com 9 mil hectares. Habitada por povos como Arapium, Jaraqui e Tapajó, ela passou por um processo de identificação de 2008 a 2012, e acabou sendo identificada e aprovada em 2015. Mas, desde então, o caso está parado e a terra nunca foi demarcada pela Fundação Nacional do Índio. 

A TI Cobra Grande, também localizada em Santarém, é cobiçada por mineradores. O município paraense e seus vizinhos Itaituba e Juruti vêm sofrendo um intenso processo de urbanização, abrindo novas frentes migratórias que são atraídas pelo agronegócio, mineração e serviços. De modo geral, umas das estratégias que avançam em locais distintos diz respeito também à compra de terrenos para atividades de mineração. “Percebemos que há um grande investimento em relação a isso a nesses empreendimentos”, alerta Ednei Arapiun.

O líder pontua ainda que há muitos territórios no baixo Tapajós, que ainda estão em processo de demarcação. “Muitos que ainda estão em processo de fazer o pedido do estudo antropológico serão afetados (porque se for validada a tese do marco temporal) até 1998 estamos fora”, lamenta.

Mais do que assegurar o direito à terra, os territórios indígenas acabam funcionando como uma espécie de escudo protetor da floresta. Os ataques a esses territórios já vêm ameaçando seriamente a questão climática. Para Ednei Arapiun, as mudanças climáticas dentro da Amazônia já são perceptíveis, principalmente com as queimadas.

Ednei Arapiun, presidente do CITA (Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)

Pela mobilização em Brasília

Diante de um público formado por membros da rede Ashoka, uma entidade que mobiliza lideranças mundiais em prol da mudança social positiva, a deputada federal indígena pediu engajamento para lutar contra a aprovação da tese do marco temporal.

“Se manifestem através das petições online para o não ao marco temporal. É importante nenhum retrocesso nos direitos internacionais, principalmente requerer nos seus estados que o Brasil cumpra a declaração dos direitos humanos, que respeite a convecção 169 da OIT, que inclua dentro dos seus projetos econômicos, alguma condição que não receba produto de ilegalidade dentro das terras indígenas, principalmente essa questão do garimpo ilegal, que tem matado crianças, que tem matado mulheres”, ressaltou a parlamentar.

Entre agosto e setembro, com vistas a acompanhar o julgamento do marco temporal, mais de 6 mil indígenas acamparam em Brasília. Eles também estavam de olho na tramitação  no Congresso de outros projetos que afetam os povos originários, como o PL-490, e protestar contra o governo Bolsonaro. Ednei Arapiun  falou sobre como deve ser a retomada das manifestações em Brasília, agora com a retomada do julgamento pelo STF. “As organizações (indígenas) estarão fazendo outra mobilização para fazer esse acompanhamento do marco temporal, e nós, os povos que moram mais distante do Distrito Federal, sempre contamos com apoio para chegar até Brasília”, disse.

No último manifesto, o líder Arapium contou que 120 indígenas da região de Santarém foram até a capital federal para dizer o seu não ao marco temporal, que, apesar de já voltado para a pauta, ainda segue sem data de julgamento.

Gleba Nova Olinda sofre com desmatamentos e queimadas
(Foto de Alberto César Araújo/2009).

Leanderson Lima é graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário Nilton Lins. Tem MBA executivo em Gestão de pessoas e coaching, pelas Faculdades Idaam. Com 18 anos de experiência profissional, atuou por veículos como Jornal A Crítica, Correio Amazonense, Jornal do Commercio e Zero Hora (RS). Na televisão trabalhou na TV A Crítica, Rede TV! Manaus, e na rádio A Crítica, como comentarista. É o vencedor do Prêmio Petrobras de Jornalismo de 2015, com a reportagem “Chute no Preconceito”.

Fonte: Amazônia Real
https://amazoniareal.com.br/marco-temporal/


Evandro Milet: O jeito político de dizer as coisas é diferente

Com contorcionismo, esperteza e muitas vezes de forma divertida, políticos de diferentes épocas e matizes ideológicos criaram seus próprios códigos e maneiras de definir a realidade

Evandro Milet / A Gazeta

O mundo político tem seus próprios códigos e maneiras de definir situações, algumas vezes com contorcionismos, outras com esperteza e outras até divertidas. Quando apanhados em situações comprometedoras e pressionados pela imprensa, políticos costumam alegar ser notícia requentada, ou uma ilação sem base, jogo político, manobra de adversários ou interesse eleitoral. Mas sempre explicando que as contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas.

Se são confrontados com opções para o futuro ou cenários de crise, a saída é fazer como Marco Maciel, político pernambucano, quando tentavam cercá-lo, que dizia, em tom suave e enigmático: “É muito difícil falar sobre hipóteses, embora em política não se possa excluir hipótese alguma” ou “Fique atento, pode acontecer tudo, inclusive nada”.

A decantada esperteza mineira é outra fonte de inúmeras histórias e Tancredo Neves participa de várias, como a ocasião em que, eleito Governador de Minas, foi abordado por um correligionário ansioso e oferecido lhe perguntando o que deveria responder à sua base que lhe indagava se seria nomeado secretário. A resposta é uma aula: “Diga que foi convidado e não aceitou”. Também com origem na política mineira, uma reunião deve ser feita só quando o assunto estiver resolvido, nunca deixe seus inimigos sem saída e só se envia carta quando já se sabe a resposta . Isso é seguido na prática política em geral.

Quando um governante quer convidar alguém para um cargo, costuma sondar indiretamente o escolhido por um intermediário camuflado. O convite só acontece se a sondagem tiver resposta positiva. Essa esperteza não é só mineira. O ex-presidente argentino Juan Perón ensinava: “Quando quiser algo, nunca o proponha. Faça com que os outros o proponham, oferecendo, inclusive, certa resistência.”

“A política tem de ser entendida não pela racionalidade do ser humano, mas pela natureza humana, da qual a razão é apenas uma parte, e de jeito nenhum a mais importante”, afirmava o pensador conservador inglês Edmund Burke. Talvez por isso Benjamin Franklin ensinava que, quando você quiser convencer, fale de interesses em vez de apelar à razão. Em um filme sobre a revolução francesa, Robespierre diz a Danton: “cidadão Danton, não se faz política como está nos livros”.

A figura do adversário é predominante, muitas vezes transformado em inimigo na luta pela sobrevivência política, e pode levar a afirmações pesadas como a do poeta alemão Heinrich Heine: “Devem-se perdoar os inimigos, mas não antes que eles sejam enforcados”. Ou a do político britânico Alan Clark: “Não há amigos verdadeiros na política. Nós somos todos tubarões andando em círculos, esperando uma gota de sangue para aparecer”.

Ulysses Guimarães dizia que “se reconciliar com um antigo inimigo é comum, porém difícil é explicar para a família. Você conta em casa tudo que ele fez com você, mas esconde o que você fez com ele”.

A eleição é um momento crítico, mas há histórias de respostas rápidas e cortantes. Um cidadão desafiou Benjamin Disraeli (1804-1881), ex- primeiro-ministro britânico: “Eu, antes de votar no senhor, voto no diabo”. Resposta de Disraeli: “O.K., mas se o seu amigo não se apresentar, conto com seu voto”.

Muitas vezes se reclama de alguma posição, mas como disse um político francês, “não é que os políticos não saibam o que fazer. Eles não sabem como se reeleger se fizerem o que precisa ser feito”.
Escolher equipe pode ser um problema. Getúlio Vargas, conformado com a composição que teve que fazer, certa vez não se conteve : “Metade do meu ministério é totalmente incapaz, a outra metade é capaz de qualquer coisa.” Porém, algumas verdades são incontestáveis. Por exemplo, segundo Maquiavel, “o primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar para os homens que tem à sua volta”. Alguns não têm jeito e Millôr Fernandes foi na mosca em relação a alguns deles: “Chegou ao limite da própria ignorância. Não obstante, prosseguiu”.

Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/o-jeito-politico-de-dizer-as-coisas-e-diferente-1021


Paulo Fábio Dantas Neto: A volta do mantra da corrupção

Pauta da corrupção avança para retomar, agora e em 2022, o lugar de destaque que teve em 2018

Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia e Novo Reformismo

A pauta da corrupção avança a passos largos para retomar, agora e principalmente em 2022, o lugar de destaque que teve nas eleições de 2018. Políticos de vários matizes, ao se aproximar a hora eleitoral, pisam sôfregos ou distraídos nos escombros produzidos por aquele confronto devastador entre mocinhos da moral e da nova política e vítimas heroicas de um suposto golpe contra o partido do social.

Se a política fosse só o terreno da reta razão, essa reincidência espantaria, pela estupidez. Primeiro o lulo-petismo, depois o lava-jatismo, perderam o protagonismo para a serpente filo-fascista que se beneficiou daquela guerra entre santos com pés de barro. Nem a hipocrisia de direita, nem o cinismo de esquerda escaparam de efeitos não previstos da artilharia pesada disparada pelo bolsonarismo em 2018, usando munição de um arsenal montado em porões milicianos da antipolítica populista. Milícias, até então só digitais, que ocuparam um vácuo deixado pela desmoralização escandalosa, produzida pela Lava-jato, da antipolítica populista-empresarial que imperou no período anterior e que fora a fonte financiadora da farta – e, também, letal - munição oficial disparada contra adversários do governo nas eleições de 2014. Uns e outros terminaram entre os feridos, o lulo-petismo nas urnas de 2016 e 2018 e o lava-jatismo nas esgrimas palaciana, judiciária e interna ao MPF, transcorridas a partir de 2019. Tanto a política da confrontação como a da colaboração com o bolsonarismo tiveram destinos penosos. Penas análogas às cumpridas pela sociedade quase toda que, longe de ser inocente ou neutra, aceitou os termos de um duelo em que todos tinham a perder, exceto a malta ali autorizada pelas urnas a tomar de assalto o governo, desmontá-lo e, com seu bagaço, desferir torpedos contra as instituições.

A anulação de processos contra Lula e as recentes pesquisas de intenção de voto que lhe dão posição privilegiada juntam-se para produzir, na esquerda petista e seus anexos, duas presunções: a de que Lula foi inocentado e a de que a eleição estará ganha, se Bolsonaro estiver na área. A segunda presunção é animada pela rejeição a Bolsonaro e pela não existência, até aqui, de alternativa eleitoral promissora para evitar a reprise do confronto de 2018, que é encarada como uma revanche e assim desejada. Já a primeira presunção parte de um erro de avaliação (que o lulo-petismo parece compartilhar com áreas do chamado centrão), qual seja o de que o lava-jatismo agoniza porque a Lava-Jato morreu. Na verdade, o lava-jatismo está saindo de uma UTI e arma-se para voltar a envenenar o ambiente político, não só contra Lula e o PT, mas contra a política de qualquer partido. Ao contrário do lulo-petismo, o que o espectro justiceiro almeja, como sempre, não é (ou ao menos não é prioritariamente) ganhar eleições, mas detonar soluções políticas.

 Por falar em detonação, trago um tópico. Ficou mais uma vez demonstrado, nos últimos dias, que João Santana, ex-marqueteiro da Dilma-malvadeza Rousseff de 2014, sente-se à vontade pondo sua perícia a serviço de Ciro Gomes, um proverbial incontinente. A incontinência, agora mais adestrada e manejada de modo melhor, como cálculo político, acaba de ser usada para queimar, contra a ex-cliente, pólvora da mesma marca da que ajudou ela mesma a dinamitar Marina Silva naquela eleição. Dilma reagiu com a obviedade que é sua marca costumeira mas a provocação fez também Lula entrar no samba de partido alto (má vontade elitista, dirão lulistas, chamar sua declaração de golpe baixo) interrompendo um ensaio de retorno do samba-canção “Lulinha paz e amor” de 2002.

Está visto que a política da guerra, na qual o moralismo é perito, é uma língua franca. Está longe de ser privilégio do lava-jatismo ou do bolsonarismo. Sempre houve e há cada vez mais gente de esquerda persuadida pela ideia-máxima de Carl Schmitt de que a relação amigo-inimigo resume o sentido da política, na contramão da racionalização constitucional liberal-democrática. A política da guerra, ideologicamente ecumênica, produz enredos folhetinescos, capazes de estimular o colunismo político, como mostram os numerosos comentários sobre o affaire Ciro x PT.  Dentre eles menciono duas interpretações díspares.

Lendo o colunista Bernardo de Melo Franco temos acesso à interpretação que agrada ao PT: a de que o movimento do "egocêntrico Ciro" (quem poderia lhe lançar a primeira pedra?) é mais uma das suas tentativas, até aqui inúteis, de ser simpático à direita para superar Bolsonaro e ir ao segundo turno contra Lula. Já lendo Vera Magalhães somos apresentados à interpretação oposta à do desejo do PT: a ofensiva da dupla Ciro/João Santana teria buscado, com êxito, tirar Lula da zona de conforto para com isso perseguir o objetivo de tomar o seu lugar no segundo turno contra Bolsonaro. Para o primeiro colunista foi só mais do mesmo. Para a segunda, algo que pode funcionar, no caso, como a lei do ex. Cada leitor pode fazer sua aposta, baseada em palpite ou em preferência.

Apostas e profecias à parte, faço um comentário transversal: assim como a possível candidatura lava-jatista de Sergio Moro pelo Podemos, a lavagem de roupa suja entre Ciro Gomes e o PT contribui para recolocar o tema da corrupção no centro da peleja eleitoral, como esteve em 2018. Melhor para o país seria deixar esse foco na penumbra, onde está de 2019 para cá, quando passamos a ter noção prática de problemas e perigos maiores. Mas as tentações são imensas e acometem mais gente, além do impetuoso e voluntarista Ciro Gomes. Demagogos cortejam o tema como galinha de ovos eleitorais de ouro e, na outra ponta da torcida, imprudentes arriscam-se em jogadas ousadas no Congresso. Dançar sobre o cadáver da Operação Lava-Jato nesse momento pré-eleitoral, como se faz no caso da PEC que modifica a composição do Conselho Nacional do Ministério Público, é cutucar com vara curta a bem viva propensão faxineira, que tem expressão eleitoral, apesar da desmoralização da república de Curitiba. Por mais plausíveis que sejam as mudanças pretendidas, o momento não parece oportuno. Como se sabe, apóstolos do extermínio da tradição política vendem gato por lebre e há quem compre por valor de face.

O espectro justiceiro que ronda a pauta eleitoral tem contado, pois, com a colaboração de quem pisa nos escombros distraído, ajudando a reacender as esperanças de quem celebra o arruinamento político de 2018 com simpatia e convicção. Alcoviteiros da fênix lava-jatista há, inclusive, em vários partidos do centro democrático, fora do centrão. Se essa infiltração prevalecer, o discurso de que a corrupção é a mãe de todos os males do Brasil terá cumprido sua missão desagregadora. A insensatez perderá toda medida se moradas possíveis de uma suposta terceira via se tornarem vulneráveis a esse apelo. Poderão até veicular outras pautas, mas a precedência do tema da corrupção tende a deixar os demais assuntos nacionais à sua sombra, sem aprofundamento algum e entregues aos clichês. Se destituídas de orientação programática compatível com a atual tragédia social, com a crise fiscal e gerencial do Estado e com a falta de perspectiva econômica, essas moradas serão, como na inesquecível canção nostálgica, barracos com portas sem trinco e tetos de zinco furados, onde são dependurados trapos partidários descoloridos. Palcos mal iluminados.

Vale fazer a pergunta óbvia: a quem interessa a volta da corrupção ao centro da agenda? Como resposta cabe até palpite quádruplo. Pode interessar a Ciro Gomes, a Sergio Moro, à esquerda de Lula ou a Jair Bolsonaro, sem exclusão prévia de qualquer dessas opções. Mas se a pergunta for oposta (a quem isso não interessa de modo algum?), será difícil negar que não interessa a quem quer que esteja investindo em costura política agregadora para fornecer ao eleitor, em 2022, um cardápio de candidaturas e propostas que lhe permita se comportar mais parecido com 2020 do que com 2018. Essas forças agregadoras precisarão reagir logo à mixórdia que se prepara e que fará do eleitor palhaço de perdidas ilusões. O silêncio e a inércia diante desse perigo iminente podem parecer a esse eleitor (que as espera sem enxergar), mais do que ao analista que as enxerga, um sinal de que essas forças políticas agregadoras simplesmente não existem. Convém agir, antes que o sinal vire fato.

*Cientista político e professor da UFBa

Fonte: Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/10/paulo-fabio-dantas-neto-volta-do-mantra.html


William Waack: Falta um sonho para o posto de candidato da terceira via

O problema da terceira via não é a quantidade de eleitores, mas o que dizer a eles

William Waack / O Estado de S. Paulo

Não se sabe se a questão está suficientemente clara para os postulantes ao posto de candidato da terceira via, mas o problema é muito mais de conteúdo do que de espaço eleitoral. As pesquisas indicam claramente a existência de um grande “buraco” entre os blocos consolidados a favor, respectivamente, de Bolsonaro e de Lula. Contudo, esses números enganam.

Na conta simples o “centro” abarca no mínimo um terço do eleitorado. Bastaria então ampliar esse “meio entre os extremos” para tirar Bolsonaro do segundo turno e formar uma “união nacional” para derrotar o hoje favorito Lula. Que o “centro” esteja fortemente dividido entre vários postulantes é normal neste momento da corrida eleitoral. A popularidade ou rejeição de cada um deles parece oscilar em função do “recall” de eleições recentes ou do fato de alguns serem relativamente desconhecidos.

Mas bastante preocupante do ponto de vista de um país preso no momento à escolha entre Bolsonaro e Lula é o fato de as pesquisas qualitativas estarem detectando um inusitado grau de resignação, desinteresse e desilusão (reforçada pela atual polarização) em boa fatia de eleitores de “centro”. A mensagem “nem nem” até aqui não está chegando, o que ajuda a entender o nível de conforto manifestado por articuladores das campanhas de Bolsonaro e de Lula.

A desilusão com os “rumos” do País é marcante nesses levantamentos. Porém, até aqui os postulantes à candidatura de terceira via demonstram incapacidade de formular uma postura política mais próxima ao “sonho” de futuro do que à negação dos pesadelos lulista e bolsonarista. Os especialistas já dizem aos marqueteiros que o “sonho” será essencial para uma candidatura competitiva frente a Bolsonaro e a Lula que, goste-se ou não deles, sabem falar para os respectivos públicos (ou até mais).

Nessas conversas tem sido feito uso recorrente de dois exemplos de campanhas presidenciais brasileiras pós-redemocratização, um bem-sucedido e outro que bateu na trave: Fernando Collor (1989) e Marina Silva (2014). Ambos saíram de patamares baixos e se tornaram competitivos dentro da postulação genérica do “não sou como eles” – uma noção até bastante emotiva do “novo” e “promissor” contra o velho e estabelecido. Em certa medida, Bolsonaro de 2018 também cabia nessa categoria, mas as circunstâncias dessa última eleição são consideradas excepcionais e não há perspectivas de que se repitam no ano que vem.

A desilusão de boa parte do eleitorado é consequência direta de um sistema político e de governo que garantiu a desproporção no voto proporcional e a crise de representatividade – o mesmo conjunto de distorções que, mantidas como estão, impedirá de governar efetivamente qualquer vencedor em 2022. Lula, aliás, já promete reverter a “tomada do poder” pelo Legislativo feita através das emendas do relator, que Bolsonaro entregou bisonhamente ao Centrão.

A natureza da crise brasileira é política, se arrasta há muitas décadas e está desaguando num país capaz de nem sequer corrigir – quanto mais eliminar – as sequelas de sempre: miséria, injustiça social e desigualdade. Não há dúvidas de que a tão falada agenda de produtividade, que implica urgentes e gigantescos investimentos em educação, saúde e qualificação, é a chave para romper a armadilha da renda média na qual o Brasil vegeta há tantas décadas.

Por sua vez, a “chave” da conquista dessa “chave” está no terreno da política, da capacidade de aglutinação através de efetiva formulação do “sonho”. Não é algo que marqueteiros consigam criar: eles são encarregados de executar, com as ferramentas de campanha política, a “visão” que um candidato seja capaz de elaborar. Até aqui o uso mais ou menos eficaz dos lemas “sou o melhor anti-bolsonaro ou anti-lula que existe” não está funcionando. Nem levará à agenda da produtividade sem uma ampla reforma política.

Olhando para o calendário eleitoral formal, que só começa no ano que vem, talvez tudo isso pareça cedo demais para os planos dos candidatos à terceira via. Mas é bom lembrar que não há plano que resista ao primeiro contato com a realidade, e os fatos da política indicam que a terceira via capaz de derrotar Bolsonaro e Lula precisa do “sonho” já.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,falta-um-sonho,70003867571


Caminho de Bolsonaro ao segundo turno é “estreito e vulnerável”, diz revista da FAP

Em editorial, publicação da fundação diz CPI da covid se tornou evento mais importantes desde 2019

Cleomar Almeida, da equipe FAP

O caminho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para um possível segundo turno é estreito e vulnerável, segundo o editorial da revista mensal Política Democrática online de outubro (36ª edição). “A derrocada econômica, os estertores da pandemia, assim como o rescaldo da CPI, conspiram contra ele”, diz o texto da publicação, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.

Todo o conteúdo da revista pode ser acessado, gratuitamente, na versão flip, no portal da entidade. Segundo a publicação, apesar da derrocada do presidente, o presidente ainda tem duas oportunidades abertas para o sucesso de seu projeto.

Clique aqui e veja a revista Política Democrática online de outubro

“Primeiro, a coesão dos apoiadores convictos, aqueles imunes a qualquer evidência empírica, motivados pelo medo de conspirações diversas e inimigos tão perigosos quanto imaginários. Segundo, a divisão das oposições, a rejeição recíproca que anima parte de seus integrantes e mantém viva a bandeira da antipolítica, de papel importante para o sucesso eleitoral de 2018”, diz o texto.

De acordo com o editorial da revista Política Democrática online, do ponto de vista da defesa da democracia, urge estreitar os caminhos eleitorais do governo. “Trabalhar para trazer à luz as consequências nefastas das decisões governamentais implementadas nos três últimos anos. Saber travar, de forma simultânea e separada, a luta unitária em defesa das instituições e a disputa eleitoral legítima e respeitosa em torno de divergências programáticas”, afirma.

A revista lembra que os trabalhos da comissão parlamentar de inquérito (CPI), instalada no Senado Federal para apurar responsabilidades por eventuais omissões e irregularidades havidas no enfrentamento da pandemia, aproximam-se do fim.

“Restou claro, do esforço de investigação, a opção consciente do governo pela estratégia da negação, em prol da manutenção, ilusória, da atividade econômica”, destaca, para continuar: “O acesso à vacina foi postergado, enquanto tratamentos desmentidos pela pesquisa foram promovidos. O resultado foi desastroso, mas além das vidas perdidas e da pauperização dos brasileiros, houve lucros para alguns nesse desastre”.

Do ponto de vista político, segundo o editorial, a CPI tornou-se "o evento mais relevante de 2019 para cá”. “Pode ser comparada a um enorme lança-foguetes, que bombardeou o governo ininterruptamente desde sua instalação. Muitas das bombas, de explosão imediata, contribuíram para a inflexão negativa da curva de popularidade governamental. Outras, de efeito retardado, ainda estão por explodir, talvez com danos até maiores que aqueles verificados até agora na imagem do Presidente e de seus auxiliares mais próximos”, diz.

Veja lista de autores da revista Política Democrática online de outubro

A íntegra do editorial da revista Política Democrática online de outubro pode ser conferida na versão flip da revista, disponível no portal da FAP, gratuitamente. A edição deste mês também tem entrevista exclusiva com o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, ex-superintendente do órgão no Amazonas e reportagem sobre os riscos de a covid-19 se tornar uma endemia, além de artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

“Tem traficante de drogas indo para a madeira”, diz delegado da PF Alexandre Saraiva

Veja todas as edições da revista Política Democrática online! 


Hélio Schwartsman: O tribalismo inviabiliza a democracia?

Ele não impede um país de se democratizar, mas exige adaptações

Hélio Schwartsman / Folha de S. Paulo

Li em vários artigos que os EUA fracassaram em implantar uma democracia viável no Afeganistão porque desconsideraram o caráter tribal do país. Não afirmo que essa análise esteja errada, mas é preciso qualificá-la.

Socorro-me aqui de "The WEIRDest People in the World", de Joseph Heinrich, livro que já comentei. São poucas as nações que lograram desenvolver uma psicologia não tribal, isto é, mais pautada pela crença no individualismo, no livre-arbítrio e na universalidade das leis do que ditada por sistemas de lealdades familiares. O fenômeno, também designado como psicologia "weird" (acrônimo inglês para "ocidental, educado, industrializado, rico e democrático"), é característico da Europa ocidental e de algumas de suas ex-colônias e pouco representativo da média da humanidade.

Não é difícil identificar indivíduos e populações "weird" através de testes como um em que se pergunta se a pessoa testemunharia contra um amigo que tivesse cometido um crime. Povos "weird" aceitam essa ideia. A lei, afinal, é para todos. Já os de mentalidade mais tribal tendem a vê-la como uma traição aos deveres da amizade. A psicologia "weird" está na base de instituições como a democracia, além do avanço das ciências e o rápido crescimento econômico.

As coisas se complicam quando verificamos que alguns países, como Japão e Coreia do Sul, embora conservem a psicologia não "weird", se tornaram democracias ricas. A China não pegou a parte da democracia, mas é potência econômica e científica. Como explicar isso? Segundo Heinrich, esses países já tinham uma longa experiência com Estados fortes, que estimulavam a educação formal. Também não tiveram pruridos em adotar hábitos e instituições copiados do Ocidente, que serviram, se não para eliminar, ao menos para reduzir a influência da lógica de clãs em suas sociedades.

O tribalismo não impede um país de se democratizar, mas requer adaptações.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/10/o-tribalismo-inviabiliza-a-democracia.shtml


Bruno Boghossian: Investigação sobre emendas deve abalar relação Bolsonaro-Congresso

Ministro fala em corrupção e avisa que haverá operação mirando verba de parlamentares

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

O chefe da Controladoria-Geral da União deu um aviso curioso na última semana. Wagner Rosário disse não ter dúvidas de que existem casos de corrupção no pagamento de emendas indicadas por parlamentares e anunciou que a Polícia Federal deve bater na porta de alguns dos envolvidos em breve. “Todos nós vamos ficar sabendo no dia da deflagração das operações”, declarou.

O alerta é inusitado porque um investigador não deveria dar aviso prévio de suas ações. Além disso, Rosário é ministro de Jair Bolsonaro, um presidente que sobrevive no poder graças a essas emendas. Para completar, o chefe da CGU falou sobre as suspeitas numa audiência dentro Câmara, onde essa fatia do Orçamento é partilhada.

A revelação de desvios nesses pagamentos é um cenário considerado quase inevitável pelo governo. O ministro tentou mostrar serviço e se antecipou para controlar os respingos de eventuais escândalos. A história tem potencial para criar problemas políticos para Bolsonaro.

O governo ganhou fôlego no Congresso ao entregar a deputados e senadores o controle sobre R$ 16,9 bilhões das emendas de relator. O bônus dessa barganha é uma distribuição relativamente livre e pouco transparente de verba nas bases dos parlamentares. Se a PF acabar com a festa de alguns deles, o acordo para sustentar o presidente pode ficar estremecido ou até implodir.

Uma operação que desmanche supostas cobranças de propina em obras pagas por essas emendas também teria impacto na imagem de Bolsonaro. O presidente pode lançar a culpa sobre os parlamentares e empresários que forem pegos nas investigações, mas será difícil esconder o fato de que a origem do dinheiro é o acerto do Planalto com o centrão.

O alcance do caso dependerá de personagens leais a Bolsonaro: o chefe da PF e o procurador-geral da República. A esperança do governo é que a devassa nas emendas fique limitada a políticos de baixo clero, o que restringiria os danos à governabilidade e ao discurso do presidente.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/10/investigacao-sobre-emendas-deve-abalar-relacao-bolsonaro-congresso.shtml


Artigos: FAP defende fortalecimento da democracia contra bolsonarismo

Reunião colegiada avançou na discussão sobre necessidade de criação de ampla frente democrática no país

Cleomar Almeida, da equipe FAP

Integrantes de vários segmentos da sociedade - como movimento negro, mulheres e academia -, conselheiros da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) concordam que o bolsonarismo é um movimento que deve permanecer no Brasil por muito tempo, embora entendam que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não deva ter sucesso nas eleições de 2022. Em reunião online na manhã deste sábado (25/9), eles destacaram que o fortalecimento da democracia exige responsabilidade, envolvimento e renúncia de exigências meramente partidárias para criar uma ampla frente democrática.

Na reunião, diretores e conselheiros a FAP discutiram, entre outros pontos, como Bolsonaro expressa o populismo, que, no mundo, envolve correntes de esquerda e de direita, em que os governantes se sentem como "o povo" ou como titular da "voz do povo".  "Hoje temos muitos populismos", disse o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Elimar Pinheiro do Nascimento, em encontro virtual coordenado pelo diretor-geral da fundação, Caetano Araújo.

GOVERNO DA CRISE


Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
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Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
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Foto: Guilherme Gandolfi/Fotos Públicas
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Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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O populismo, de acordo com Nascimento, é a expressão latente do conflito entre concepções diferentes de democracia. "O populismo não nasce fora da democracia. Nasce no âmbito da democracia e implode essa democracia para criar outra. Ele se propõe a refundar a democracia que o desvio das representações comprometeu", explicou, ressaltando que essa "ideologia crescente" é vista em diferentes perfis de políticos pelo mundo, no governo ou na oposição.

"Toda nossa preocupação hoje, e ela em razão muito forte, é tirar Bolsonaro do cenário [político], mas, ao fazermos isso, não tiraremos o populismo. O populismo veio para ficar, independente dessa conjuntura e desse personagem desprezível", disse Nascimento. Segundo ele, o presidente se aproveita da polarização entre "nós e eles" ou "bandeira nacional", que passou a ser usada como expressão do bolsonarismo, e "bandeira vermelha", em alusão à cor oficial do PT e que é associada ao comunismo.

Durante a reunião, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e sociólogo Paulo Baía analisou o comportamento dos três Poderes e afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF) não está à toa sendo identificado como "legislador", o que, no país, é apontado por adeptos do populismo de direita e de esquerda em crítica a uma eventual "jusditadura", ou "governo dos juízes".

Na avaliação de Baía, o ativismo judicial é reflexo do cenário político. "Isso é resultado da ação dos próprios partidos políticos. Nos últimos 30 anos, o STF tem sido estimulado a se posicionar sobre quase tudo", afirmou. Além disso, ele observou que o  Senado tem sido mais prático e rápido na defesa da democracia e, sobre o Executivo, apontou forças de Bolsonaro: a área de infraestrutura e suas linhas de financiamento direto para governos estaduais e prefeituras.

Conselheiros da FAP defendem fortalecimento da democracia



Preocupação
Apesar dos retrocessos comandados por Bolsonaro nas políticas de diversas áreas no país, os conselheiros destacaram preocupação com o fato de a avaliação do governo dele não estar abaixo de 20%. Por isso, eles reforçaram a necessidade de se criar uma ampla frente democrática para lançar um nome alternativo ao do presidente para as eleições de 2022, inclusive sem descartar a possibilidade de aliança com o PT.

Primeira cidadã nascida no Brasil a tornar-se deputada no parlamento italiano, Renata Bueno observou que, em meio ao caos do atual governo, a população brasileira é ainda mais castigada por problemas como a falta de água e de energia, assim como a alta no preço dos alimentos e dos combustíveis. "O governo está totalmente ausente [nas questões políticas] e polêmico nas redes sociais. Isso não é positivo", criticou. Segundo ela, reconstruir o país será uma tarefa difícil e, por isso, é urgente que o país pense em alternativas ao nome do atual presidente.

O ex-senador Cristovam Buarque sugeriu um esforço para que a ampla frente saia no primeiro turno com apenas uma candidatura de presidente e vice, que, segundo ele, combine a esquerda nostálgica e os indecisos. "Como não sou negacionista e reconheço a força do PT e do próprio Lula, prefiro dizer que deveríamos caminhar para aliança com o PT e, se preciso, com o PT na cabeça da chapa para barrar e impedir a eleição de Bolsonaro", disse.

O economista Sérgio Cavalcanti Buarque demonstrou preocupação de que Lula encabece uma chapa que,  eventualmente, seja eleita no primeiro turno, já que, conforme acrescentou, é necessária abertura para negociação em possível segundo turno que tenha o petista como nome da oposição. "É ruim para o país e para a democracia se Lula ganhar no primeiro turno porque, aí, sim, o populismo, que é prática recorrente do lulismo, entraria com força esmagadora", acentuou.

CONFIRA A REUNIÃO DA FAP



Integrante do movimento negro, Babalawo Ivanir Alves dos Santos disse que a alternativa de nomes de presidenciáveis deve considerar realidades além da perspectiva meramente econômica ou do ponto de vista acadêmico. "Acredito que tem que ser pensada a representação que não seja só do agronegócio, do agroindustrial", afirmou, ressaltando que, no caso do Brasil, onde mais da metade da população é negra, a questão racial "ainda tem dificuldade de ser compreendida". "É preciso furar as bolhas e incluir outros segmentos, em diálogo aberto", sugeriu.

"Agendas regressivas"
O jornalista Luiz Carlo Azedo analisou que Bolsonaro e Lula representam  "duas agendas regressivas".  "Não é só a agenda de Bolsonaro que é regressiva e reacionária, que se inspira no regime militar que só existe na cabeça dele e não corresponde à realidade. O projeto eleitoral de Lula também é uma agenda regressiva", afirmou. 

"O Brasil vive uma situação dramática por não conseguir colocar nada no lugar do nacional-desenvolvimentismo. A cada dia que se passa, nossa complexidade industrial diminui. O agronegócio se torna hegemônico do ponto de vista da economia, e não conseguimos colocar nada no lugar porque não temos força política com visão globalista e, ao mesmo tempo, projeto nacional. Essa síntese precisa ser produzida com  musculatura política", disse.

DEMOCRACIA X BOLSONARO


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O diretor-geral da FAP reforçou a necessidade de criação de ampla frente democrática, apesar de concordar que os reflexos do movimento que elegeu o presidente devem perdurar ao longo dos anos. "Bolsonaro pode sair, mas o bolsonarismo vai continuar entre nós por muito tempo, por várias razões", observou Araújo. Por isso, segundo ele, há urgência de excluir qualquer hipótese de Bolsonaro permanecer no poder por mais quatro anos. "Esse deve ser o nosso objetivo número um hoje", asseverou.

Na avaliação do diretor-geral, a democracia brasileira demonstrou fragilidades que deverão ser enfrentadas se houver interesse de fortalecê-la, afastando qualquer risco de "retrocesso autoritário". "A questão da frente não é pacífica, não está resolvida, mas, se não fizermos isso, não há como argumentar para os eleitores a busca por convergência nem no primeiro turno nem no segundo turno", explicou. Ele também observou que os partidos políticos ainda não conciliaram as suas próprias demandas com as da frente democrática, o que, conforme acrescentou, é um desafio para possibilitar a convergência.


BOLSONARISMO X FUTURO DO PAÍS

Artigos destacam temas importantes para o país e que serão definidos pelo governo Bolsonaro

As cidades e a tecnologia 5G - Um novo modo de vida vai se impor.
Mas, qual? O que os municípios podem negociar ou impor?

André Gomyde

A quinta geração de internet móvel, a 5G, está chegando. O leilão para a abertura das propostas das operadoras foi marcado para o dia 04 de novembro. A partir de janeiro de 2022 começará a se tornar realidade em nosso país. A 5G transformará nossas vidas de uma forma que ainda não podemos imaginar. Ela utiliza melhor o espectro das ondas de rádio e permite que mais dispositivos acessem a internet móvel ao mesmo tempo, com um aumento substancial de velocidade em relação à atual 4G.

Nem conseguimos ainda imaginar como nossos smartphones ficarão mais velozes para fazer downloads e uploads. Poderemos assistir filmes em excelente qualidade, levando apenas pouquíssimos segundos para baixá-los em nossos equipamentos. Nós também podemos imaginar que não teremos mais problemas de falta de sinal e que nossos telefonemas não cairão mais no meio da conversa.

Mas será que nós conseguiríamos imaginar um médico fazendo uma cirurgia em uma pessoa que está em Brasília, enquanto ele está fisicamente em Berlim? E nosso céu cheio de drones fazendo entregas de comidas e remédios? Hoje, já vemos nossas casas cheias de equipamentos que ligam e desligam sozinhos, tudo isso conectado com nossos aparelhos celulares e a gente coordenando as atividades residenciais diretamente do nosso local de trabalho. A 5G proporciona tudo isso.

Tudo vai ficar mais fácil, mais rápido e… mais interessante? Interessante, não sabemos. Aparecerão coisas que hoje não temos nem como pensar. Certamente, um novo modo de vida vai se impor - e teremos que nos adaptar. No entanto, a 5G, por trabalhar com comprimentos de ondas mais curtos, tem um alcance menor e, portanto, é mais facilmente bloqueada por objetos físicos. Isso exige uma quantidade muito maior de antenas de transmissão do que temos hoje. A questão das antenas é o ponto que começa a complicar toda a história. Muito já se discutiu sobre uma quantidade enorme de antenas espalhadas por toda as cidades - que ficarão feias. Quanto a isso, a tecnologia vem dando um jeito. As antenas evoluíram tecnologicamente e hoje têm um tamanho bastante reduzido e um formato bastante amigável.

André Gomyde: "Não se pode ter uma legislação nacional que obrigue os municípios a permitir que as antenas 5G sejam ali instaladas". Foto: Luiz Prado/Agência LUZ/Agência Sebrae

Outra discussão menos tranquila de resolver é: essa quantidade enorme de antenas em todos os lugares, emitindo radiação, prejudica ou não a saúde humana? As operadoras e empresas de tecnologia envolvidas dizem que não prejudica e apresentam seus estudos. Por outro lado, outros mostram o contrário. O fato é que não há ainda nada conclusivo sobre isso e em alguns países (lembro-me de Colômbia e Peru) essa discussão tem sido feita de forma bastante aprofundada pelos pesquisadores desses países.

Outra questão interessante é que a União não pode legislar sobre o território das cidades. Quem legisla sobre isso são as câmaras de vereadores. Portanto, não se pode ter uma legislação nacional que obrigue os municípios a permitir que as antenas sejam ali instaladas. Cada município terá que fazer sua própria legislação. Um prefeito que tenha compromisso com sua população e com o desenvolvimento de sua cidade não permitirá a instalação de antenas sem uma contrapartida das operadoras. Muito e muito dinheiro se ganhará com a 5G; o que ficará para a sociedade, em troca?

Já se sabe que o problema da conectividade tem aumentado de forma acelerada a desigualdade social. Com a 5G isso vai se potencializar. E se não cabe às operadoras cuidar da questão social, cabe aos prefeitos. Os prefeitos precisam se aprofundar na questão e encontrar os caminhos para que as antenas possam ser instaladas, mas, também, que a contrapartida ao município e à sociedade seja dada. A legislação federal já definiu que os municípios não podem cobrar direito de passagem das operadoras. Isso pode e deve ser revisto.

Mas há algumas outras coisas que podem ser também negociadas. Cada município saberá o que deve negociar. Uma dessas coisas que considero a mais importante: compartilhamento de dados e informações, que não sejam privados, com a prefeitura. Dados e informações são a base do conhecimento - que, por sua vez, é o grande capital do século XXI. Nossos dados e informações não podem, definitivamente, ser de exclusividade das operadoras e empresas de tecnologia. A Lei Geral de Proteção de Dados, infelizmente, não esgotou esse problema. Precisará ser aprimorada, para ajudar os prefeitos a não ter que travar a instalação de antenas nas cidades, sob pena de condenar sua população a ficar nas mãos de interesses que desconhecemos e que nunca conheceremos a fundo.

*André Gomyde é presidente do Instituto Brasileiro de Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis e membro do júri do World e-Government Awards, da Coreia do Sul.


Tela de Miguel Alandia Pantoja/artista boliviano

O populismo veio para ficar?

Elimar Pinheiro do Nascimento

Apesar da derrota de Donald Trump nos Estados Unidos, o populismo continua forte em vários países como Polônia, Hungria e Turquia etc. Para nós, latino-americanos, ele não é novo, porém hoje é distinto. O populismo que conhecemos nos anos 1940/1960 era uma expressão política de países periféricos. Hoje, criou raízes no centro do mundo ocidental. O populismo “tradicional” atribuído sempre a políticos de direita, e com sentido pejorativo está presente agora na esquerda e na direita. Ele reúne políticos no governo de Nicolás Maduro (Venezuela), de Andrés Manuel López Obrador (México), Viktor Orbán (Hungria) e Jair Bolsonaro, e políticos de oposição como Jean Luc Mélenchon, à esquerda, e Le Pen, à direita, na França. O populismo de esquerda já tem teóricos como Ernesto Laclau e Chantal Mouffe.

O fato de o populismo atrair da extrema direita à esquerda não deveria ser estranho, pois se trata de uma ideologia vaga e contraditória. Por isso, os líderes populistas reúnem traços ambíguos, como Juan Perón e Getulio Vargas ou Beppe Grillo e Pedro Castillo. Ambiguidade e fluidez dificultam a sua compreensão. Assim, ele está em toda parte, mas a teoria que o explica não está em canto algum.

Um erro analítico frequente, motivado pela força atual da extrema direita no espaço populista, é considerar simploriamente que o populismo é uma negação da democracia. Longe disso -  o populismo contemporâneo expressa o conflito entre duas concepções de democracia. Ele é, simultaneamente, uma crítica ácida à democracia liberal e uma proposta de uma outra democracia, centrada na expressão da vontade popular. Trata-se de uma democracia direta, polarizada.

A forma que o populismo está assumindo varia, mas existem alguns elementos estruturantes. Vejamos alguns.

Como o populismo pretende refundar a democracia, e o povo é o seu centro, a eleição torna-se o instrumento mais legítimo, avalia Elimar. Foto: Reprodução/UnB

A afirmação do povo como um todo homogêneo é um desses traços comuns. O populismo nega – e se incomoda com - a heterogeneidade das sociedades modernas. Para criar uma homogeneidade, inexistente sociologicamente, os populistas promovem um conflito sobredeterminante, entre “nós e eles”. Se em cada local o “nós” é sempre o mesmo, o povo uno, o “eles” varia segundo as especificidades locais. Nos países de governos populistas na Europa, o “eles” são os imigrantes; nos Estados Unidos de Trump era a China; no Brasil de Bolsonaro são os comunistas. Frequentemente o “eles” são as elites, que mudam de camisa em cada local. É uma definição vaga o bastante para lhe dar força.

O líder exerce um papel importante na constituição do povo uno, pois ele é quem define quais são os interesses do povo e quem é o seu inimigo (o “eles”). O líder é aquele chamado a refundar a democracia, dando ao povo a sua centralidade. A vontade do povo é expressa por ele, que se identifica com o povo. A propaganda do populismo de direita na França é “Le Pen, o povo”. Trump, declarava: “Eu sou a voz de vocês”.

Como o populismo pretende refundar a democracia, e o povo é o seu centro, a eleição torna-se o instrumento mais legítimo. Por isso, o referendo ocupa um espaço privilegiado, pois é por ele que o povo pode clamar sua vontade. Para os populistas, o referendo elimina os partidos políticos como organizadores da vontade popular e considera a mídia como deturpadora da expressão popular. A democracia direta e polarizada, sem poderes intermediários para criar dificuldades ao governo executivo, e o sonho populista. Por isso, o poder judiciário, porque não eleito, deve ser subalterno.

Finalmente, os populistas fundam regimes políticos regidos pelas emoções. O excesso de informações disponíveis no mundo moderno torna esse mundo mais opaco. A velocidade das mudanças torna-o mais inseguro. O populismo adota uma forma simples e confortável de explicação do complexo: o conspiracionismo. Dizem os populistas: se você não entendeu a linguagem, é porque os inimigos não querem que você compreenda o que se passa, estão conspirando contra você. As teorias de complô exercem múltiplas funções: política, cognitiva e psicológica. O populismo capta as emoções primárias das pessoas mais simples (do ponto de vista cognitivo e não econômico): a raiva e o ressentimento. Oferece aos mais angustiados um real vivido, e não aquele refletido nas estatísticas e análises. Se o governo de Beppe Grillo é formado por pessoas ignorantes da gestão pública é porque eles não são da elite, não são corruptos - o que poderia ser defeito transforma-se em virtude. O presidente que come pizza em pé na calçada em New York não é algo do qual se deva sentir vergonha, como dizem os jornais do mundo inteiro - deve ser motivo de orgulho, pois mostra que ele é do povo.

Assim, o populismo que nasce e alimenta o negacionismo e o conspiracionismo é o grande desafio da democracia liberal. Terá ela instrumentos eficientes para vencê-lo?

*Elimar Pinheiro do Nascimento é sociólogo, professor da pós-graduação no CDS/UnB, membro do Conselho consultivo da Fundação Astrojildo Pereira.


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