STF
Merval Pereira: O pleno se pronuncia
O resultado de 9 a 2 no julgamento de ontem, confirmando que o plenário do Supremo Tribunal Federal pode julgar a decisão do ministro Edson Fachin de enviar à Justiça do Distrito Federal os processos contra o ex-presidente Lula não relativos à Petrobras, não reflete necessariamente a posição da maioria quanto à suspeição do ex-ministro Sergio Moro, decidida pela Segunda Turma. Embora possa indicar que a mudança de foro de Curitiba para o Distrito Federal será aprovada.
A figura política do ex-presidente Lula pairou sobre os votos de ontem, embora muitas vezes não tenha sido citado. O ministro Ricardo Lewandowski, que mencionou o ex-presidente diversas vezes em seu voto e em suas intervenções, chegou a afirmar que o tema só estava sendo discutido no plenário porque se tratava de Lula. Foi rebatido pelo presidente Luiz Fux, que lembrou que é inegável que o julgamento é importante porque diz respeito à Operação Lava-Jato e ao combate à corrupção no país.
Lewandowski foi o que mais politizou o tema, chegando a dizer que julgamentos do Supremo levaram a que Lula não pudesse concorrer à disputa em 2018, o que, segundo ele, poderia ter mudado para melhor o futuro do país.
O resultado de ontem foi uma derrota dos advogados da defesa do ex-presidente Lula, que queriam que o recurso da Procuradoria-Geral da República fosse tratado na mesma Segunda Turma. No plenário, a possibilidade de derrota é maior, embora possa não se confirmar.
A mudança de foro dos processos de Lula, de Curitiba para o Distrito Federal, decretada pelo ministro Edson Fachin, deve ser mantida pela vasta maioria do plenário, mas suas consequências em relação ao ex-juiz Moro ainda dependem do tamanho da divisão do plenário.
Os três ministros que votaram pela suspeição de Moro na Segunda Turma — Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Lewandowski — já reafirmaram seus votos no julgamento de ontem, em comentários paralelos. A discussão de hoje será em torno de um paradoxo jurídico: um juiz pode ser considerado incompetente para julgar um caso e, ao mesmo tempo, suspeito?
A decisão da maioria de admitir julgar o caso no plenário pode significar que, aprovando a tese de Fachin, o julgamento da isenção de Moro fica prejudicado. No entanto, para explicitar que seu voto não significa a análise do mérito, a ministra Cármen Lúcia reiterou que o plenário do Supremo não é órgão revisor da decisão das turmas e, portanto, não tem poderes para alterá-la.
Essa tese parece ter boa aceitação, sem que seja possível, no entanto, definir qual será a decisão final. Relator da Lava-Jato no Supremo, Fachin considera que o julgamento da suspeição perdeu sentido com a mudança de foro, e tem adeptos dessa tese.
O que estará sendo julgado, subjacente à suspeição, é o destino dos processos da Operação Lava-Jato. Caso Moro seja considerado suspeito no caso do triplex do Guarujá, todas as operações e investigações já ocorridas durante a tramitação desse processo em Curitiba serão anuladas, e ele terá que ser iniciado da estaca zero, o que poderá garantir sua prescrição.
A derrubada da suspeição manterá a elegibilidade do ex-presidente Lula, mas dará ensejo a que os novos juízes utilizem, em parte ou no todo, o material colhido pela força-tarefa de Curitiba em todos os processos, o que, em tese, faria com que Lula ficasse com uma espada de Dâmocles sobre sua candidatura à Presidência da República.
O ministro Marco Aurélio, ontem um dos dois votos contrários a que o plenário examinasse o recurso da Procuradoria-Geral da República, ironizou o fato de o ex-juiz Moro ter passado de herói nacional a bandido, indicando talvez que vote contra a decisão de suspeição tomada na Segunda Turma. Mas a tese de Cármen de que a decisão da Turma não pode ser revista tem seu peso. A grande questão é que a suspeição de um processo pode levar a que outros julgados por Moro venham a ser considerados nulos também pela Turma, o que prejudicaria toda a operação Lava-Jato e proporcionaria a revisão de todos os julgamentos do ex-juiz Moro.
Alon Feuerwerker: A CPI
Mas teve pelo menos uma função. Doravante os presidentes do Congresso Nacional estarão de mãos amarradas. Juntadas as assinaturas necessárias, instala-se automaticamente a comissão inqusidora. Ou seja, qualquer governo precisará doravante ter dois terços (mais um) de ultrafiéis na Câmara e no Senado.
Mas já era meio que assim.
A medição preliminar da correlação de forças na CPI da Covid-19 aponta o governo em desvantagem. Na teoria, o fiel da balança serão os senadores chamados de "independentes". Ocorre que na política, e especialmente no Legislativo, independência rima bem mais com oposição do que com situação.
A operação política do Planalto precisará funcionar muito bem para evitar que a CPI se transforme numa máquina de moer, num foco apenas de desgaste para o governo federal. Mesmo a inclusão das verbas a estados e municípios não é garantia de nada.
Porque é perfeitamente possível senadores e governadores articularem-se para colocar o foco no presidente e proteger o resto.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Míriam Leitão: Um país sem um dia de calmaria
"Quando eu terei um dia de calmaria para falar com os investidores? Preciso trabalhar notícias boas, mas é preciso encontrar uma fórmula de governar com menos ruídos.” Esse desabafo eu ouvi dentro do próprio governo, de uma autoridade que está convencida de que há, na economia, alguns dados positivos para comunicar. Mesmo quem não vê essas notícias boas concordaria com esse integrante do governo que o Brasil tem excesso de ruídos, tumultos, conflitos, como se já não bastasse o que a população vive na pior pandemia em um século.
A avaliação que essa autoridade faz é que o Congresso aprovou algumas medidas importantes no começo deste ano, como o marco do gás e do saneamento. Acha que o país pode ter um segundo semestre de recuperação, se conseguir vacinar parte importante da população neste primeiro semestre. No mundo, as economias em crescimento, como a China, estão valorizando as commodities exportadas pelo Brasil. O mercado global está melhorando, a bolsa americana está batendo recordes, tudo isso ajudaria a amenizar a crise interna. “Mas o Brasil continua prisioneiro da sua história.”
A questão é que a maior parte dos tumultos é resultado da própria ação do governo. Hoje, a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022 tem que chegar ao Congresso, mas o país ainda não tem o Orçamento de 2021. As fórmulas mais estranhas para resolver o problema estão sendo discutidas, mas ninguém quer encarar o que é tecnicamente correto. A solução defendida por integrantes da equipe econômica — e eu já ouvi isso de mais de um — é vetar as emendas parlamentares e mandar um PLN reconstituindo despesas obrigatórias. “O ideal é ter tudo redondo, era vetar tudo, ter um PLN, mas isso não atende ao Congresso, porque seria a desmoralização dos tratados feitos. E o presidente pode ficar fragilizado”, explica essa autoridade que quer um dia de calmaria.
O presidente Bolsonaro sempre foi o principal foco de instabilidade institucional, e isso ele mostrou ontem novamente, quando fez novas ameaças ao país. Ele as faz sempre, de forma deliberadamente vaga para dar a impressão de que tem poderes que não está usando.
“O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providência. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização”, disse Bolsonaro, no seu estilo autoritário e populista. E continuou: “Estamos na iminência de ter um problema sério no Brasil. Parece um barril de pólvora que está aí. Eu não estou ameaçando ninguém, mas estou achando que brevemente teremos um problema sério no Brasil”.
Bolsonaro foi assim desde o começo desta pandemia. A cada dia ele levanta um fantasma, joga uma sombra, cria um conflito. Criou, por exemplo, na semana passada, diretamente com o ministro Luís Roberto Barroso, quando ele determinou a abertura da CPI. Ficou claro no rápido julgamento de ontem que Barroso teve todo o apoio do STF para a sua decisão, que apenas determinou o cumprimento da Constituição. CPI é direito das minorias, e cumpridos os requisitos de um terço do Senado e fato determinado não cabe ao presidente do Senado impedir.
Barroso saiu vitorioso e mandou recados educados para responder à truculência do presidente. Elogiou o senador Pacheco, que, mesmo derrotado, reagiu com “elegância, correção e civilidade”, lembrando que são qualidades raras nos tempos atuais. Mas a resposta mais forte de Barroso toca no principal ponto de instabilidade do Brasil. Para os economistas, a fonte de incerteza é de natureza fiscal. Um orçamento confuso, soluções esquisitas, como a que surgiu na tal PEC do fura-teto, elevam os temores de um descontrole nas contas públicas.
Mas o mais eloquente recado veio com o aviso sobre o que está em jogo nos ataques ao STF. “Diversos países do mundo vivem hoje uma onda referida como recessão democrática”. O ministro citou Hungria, Polônia, Turquia, Rússia, Venezuela. Lembrou que todos eles, sem exceção, sofreram processos de esvaziamentos e ataques aos seus tribunais constitucionais. “Quando a cidadania daqueles países despertou, já era tarde. Reafirmar o papel das supremas cortes de proteger a democracia e os direitos fundamentais é imprescindível ato de resistência democrática”. Esse é o ponto. A nossa instabilidade é muito maior do que a questão fiscal. A fonte maior de tumulto institucional é o próprio Bolsonaro.
Malu Gaspar: Povo, Bolsonaro? Que povo?
‘O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu tenho que tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. Porque a fome, a miséria, o desemprego estão aí, pô. Só não vê quem não quer’, afirmou o presidente Jair Bolsonaro, na manhã da quarta-feira, à sua claque de plantão na porta do Palácio da Alvorada. “Esse pessoal, amigos do Supremo Tribunal Federal… Daqui a pouco vamos ter uma crise enorme aqui”, continuou. “Parece que é um barril de pólvora que está aí. E tem gente de paletó e gravata que não quer enxergar.”
Tudo o que Bolsonaro disse ali, ele já falou com outras palavras, em outras ocasiões. O golpismo continua, mas há algo diferente. O tom beligerante de um ano atrás deu lugar à desorientação e ao cansaço, e até o apelo ao povo sai sem muita convicção.
Embora o discurso para as redes bolsonaristas ainda seja triunfante e desafiador, o presidente no fundo sabe que não há nada de tão explosivo para acontecer, afora a tragédia sanitária da Covid-19, que já fez mais de 360 mil vítimas fatais. O capitão percebe, também, que seu “povo” não lhe dará nenhuma mostra de apoio mais enfática do que as já prestadas em manifestações de rua e buzinaços.
Não que elas tenham sido desprezíveis. O “mito” não deixou de ter seu público cativo. Até agora, porém, esse contingente não foi capaz de evitar a crise em que Bolsonaro se afundou.
O que o presidente da República mais precisa agora é de uma solução para o impasse em torno do Orçamento para 2021, que veio do Congresso com previsão de gastos acima do teto legal permitido, a maior parte com emendas parlamentares. Se não cortar despesas, Bolsonaro corre o risco de ser processado por crime de responsabilidade e de sofrer impeachment. Mas, se cortá-las, entra em colisão com o Congresso, que acaba de abrir uma CPI para apurar responsabilidades pelos erros na condução do governo na pandemia.
Na guerra feroz dos bastidores, líderes do Parlamento e ministros palacianos não aceitam cortes além de certo limite, considerado o mínimo necessário para deputados e senadores gastarem no “Orçamento da reeleição”. A equipe econômica defende os cortes, mas tem em Paulo Guedes um chefe politicamente cambaleante, que sofre ataques e humilhações de todos os lados, mas justifica o apego ao cargo com variações do “ruim comigo, pior sem mim”.
Embora já tenha enfrentado outras crises, Guedes nunca pareceu tão vulnerável. E não só aos olhos dos colegas de Esplanada, mas também aos dos operadores do mercado, que já especulam quem pode vir a substituí-lo. Isso diz muito não só sobre o ministro, mas também sobre o próprio presidente. Se Bolsonaro manteve o “posto Ipiranga” até hoje, foi por acreditar que abrir mão dele seria admitir uma derrota política de que talvez não pudesse se recuperar. Ele sabe que o Centrão está à espreita, esperando a vaga abrir para ocupá-la.
Nesse contexto, a fala de Fernando Collor de Mello contra a CPI da Covid, na sessão do Senado que a instalou, na última terça-feira, ganha contornos especialmente simbólicos. “Temos que ter consciência do momento que vivemos. Falo isso como alguém que já passou e viveu episódios dramáticos da vida nacional”, disse o ex-presidente, afastado depois que uma CPI desnudou as relações espúrias de seu operador, PC Farias, com a elite empresarial da época.
Há muitas diferenças entre a situação de Bolsonaro e a de Collor pré-impeachment, até porque, em 1992, a ameaça à sobrevivência dos brasileiros era “só” a inflação alta. Escândalos de corrupção abalavam o país, mas não havia centenas de milhares de mortes assombrando o Planalto.
Mas há também semelhanças. A primeira é um governo em frangalhos, com os ministros que realmente importam se unindo em torno do presidente por poder e dinheiro. A segunda é uma CPI com maioria de membros da oposição, prestes a dar o bote.
Por fim, há um presidente acuado, que convoca o povo para ir às ruas apoiá-lo usando verde e amarelo. “Vamos mostrar a essa minoria que intranquiliza diariamente o país que já é hora de dar um basta a tudo isso”, disse Collor em agosto de 1992. “A sociedade quer tranquilidade para poder trabalhar.” Em resposta, o povo foi às ruas de preto, e Collor saiu do Planalto pelos fundos semanas depois.
Não há, por ora, sinais de que o destino de Bolsonaro será o mesmo. Mas já está claro que esse povo de quem o presidente espera sinais pouco pode fazer para salvá-lo. A esta altura, o único “povo” que pode tirar o presidente do corner é justamente essa gente que está de paletó e gravata, cercando seu gabinete em Brasília. Resta saber se ela o fará.
Maria Cristina Fernandes: Contra CPI, Bolsonaro ameaça sócios
São 90 dias regulamentares, mas a única certeza sobre a CPI da Pandemia é de que ninguém sabe quando esta termina. Ainda não está composta, mas já produziu, sobre o Senado, o ajuntamento de duas de suas três forças. Os que querem o cargo do presidente Jair Bolsonaro uniram-se àqueles que se contentam com sua caneta. É a junção dessas duas forças que esticará a CPI até 2022. A pauta vai muito além da incúria bolsonarista na pandemia ou de sua consequência para os Estados. O que estará em jogo é a ocupação do governo, do Judiciário e do próprio Senado.
A CPI já começou a se definir pelo parto. A anexação das duas propostas foi resultado do jogo duplo que marcou a gestão do ex-presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), colocou o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no cargo e continua a operar no varejo da sustentação bolsonarista na Casa, a um alto custo para o erário, como se viu no relatório do Orçamento do senador Márcio Bittar (MDB-AC).
Com os governadores e prefeitos na roda, ainda que de forma mitigada, os aliados de Bolsonaro que hoje comandam o Senado lhe deram a chance de barganhar o avanço da investigação sobre seu governo. Foi esta a porta que se abriu com a possibilidade de serem investigados não apenas o labirinto das verbas federais nos Estados como a alocação de recursos das emendas parlamentares nos municípios. Ambas passam pelas planilhas da Secretaria de Governo, ocupada até outro dia pelo ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos.
A CPI ainda avançará sobre as brasas que restaram nas relações entre Ramos e o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Ontem o Ministério Público Federal no Amazonas adiantou-se à CPI e denunciou Pazuello por improbidade administrativa decorrente da crise de oxigênio naquele Estado. O processo correrá em primeira instância e pode levar à primeira condenação dos generais do governo. Com um adendo: Pazuello ainda está na ativa.
Com este caldeirão sob fervura, o presidente jogou com a ameaça de implodir a sociedade nada anônima em que se transformou seu governo. O sucesso de sua estratégia dependerá não apenas da composição da CPI mas dos senadores que virão a ocupar a relatoria e a presidência. A meta é reproduzir a CPI dos Correios, tida até hoje como aquela que produziu mais resultados, mas o cenário parece interditado pela força governista na Casa.
Aberta no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esta CPI entregou a relatoria à oposição. Depois daquela comissão, os parlamentares descobriram meios para assar o porco sem queimar a cabana e os inquéritos mais efetivos passaram para o Ministério Público. A dupla Pacheco-Alcolumbre, estreante na matéria, tenta controlar a labareda mas, uma vez instalada, é a CPI quem manda.
No voto de ontem, respaldado por nove de seus pares, o ministro Luis Roberto Barroso sugeriu que as manobras protelatórias estarão sob a vigilância do Supremo: não cabe ao Senado definir se e quando a CPI será instalada, apenas como procederá, se por videoconferência, presencialmente ou por ambos os meios.
É o MDB o partido que hoje mais se arvora a tomar assento num cargo de comando da CPI e, a partir dele, ganhar terreno. Em 36 anos desde a redemocratização, o MDB mandou no Senado ao longo de 30. Perdeu para o DEM em 2019, graças a uma aliança de Alcolumbre com o grupo lavajatista do Senado. Dois desse grupo são os primeiros signatários das CPIs fundidas na Casa. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE), autor do requerimento de ampliação do escopo, continua a gravitar sob a mesma órbita, e o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP) aliançou-se com o MDB.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi convidado ao Palácio do Planalto na próxima semana numa operação que visa a tornar palatável, para o presidente, sua escolha para um dos cargos da CPI. A ambição emedebista não se restringe aos domínios do DEM no Senado, mas também sobre o governo.
Os ministros políticos da gestão Bolsonaro são ou foram deputados: Flávia Arruda (Secretaria de Governo), João Roma (Cidadania), Onyx Lorenzoni (Secretaria Geral da Presidência), Teresa Cristina (Agricultura) e Fabio Faria (Comunicações). A ambição primeira dos senadores é o Ministério das Minas e Energia, foco histórico de disputa entre MDB e DEM. Contra todos, Bolsonaro reforça a ala ideológica do governo. Não apenas tirou o almirante Flávio Rocha da Secretaria de Comunicação, como mantém o ex-ministro Ernesto Araújo como entreposto entre si e o novo chanceler, Carlos França.
O Senado, porém, também ganhará força na queda de braço que hoje antagoniza a Câmara e o ministro da Economia, Paulo Guedes. A instalação da CPI eleva o preço de quaisquer das decisões de Bolsonaro sobre o Orçamento. As ambições no Senado estendem-se ainda à vaga do ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal. O passado lavajatista do preferido de Bolsonaro, o advogado-geral da União André Mendonça, o condena no Senado.
A operação, porém, tem três obstáculos. O primeiro é que o posto de governista-mor de Alagoas está hoje ocupado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O segundo é que a ampliação do escopo colocou todos os governadores sob a mira da CPI, entre os quais o de Alagoas, Renan Filho (MDB). E, finalmente, o terceiro é que a nomeação de Renan para um cargo na CPI deixaria em maus lençóis dois de seus correligionários, os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra (PE) e no Congresso, Eduardo Gomes (TO).
Quem quer que ambicione o cargo de relator ou presidente na CPI se transformará num pivô do cenário de 2022. A dominância do MDB fortaleceria o partido na disputa pela vice do PT. Em meio às disputas intestinas, um presidente menos imiscuído, como o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), seria uma solução tão desejável quanto improvável.
No pior das hipóteses, às pilhas de cadáveres se juntarão os áudios de whatsapp, comuns entre integrantes deste governo, que a CPI não custará a obter. É a espetacularização da tragédia que vai entrar no ar. Ambas poderiam ter sido evitadas se a apuração das responsabilidades tivesse começado junto com a incúria.
Adriana Fernandes: Briga de galos
Bolsonaro, Guedes e Congresso brigam pelo Orçamento, enquanto Brasil padece com a covid
Encontraram a solução para o Orçamento? Essa é a pergunta que mais fazem em Brasília nos dias de hoje, esquecendo que os principais problemas a serem solucionados para o enfrentamento do combate da pandemia (ampliados todos os dias) continuam à espera de resposta.
Governo, equipe econômica e o Congresso se meteram numa guerra de versões e pareceres jurídicos para sustentar, cada um, a sua verdade dos fatos, e não se tem a mínima noção de como vai terminar essa briga de galos em torno da sanção da lei orçamentária.
Mais uma semana de agonia até o prazo final para o presidente Bolsonaro sancionar o Orçamento aprovado em março, já com três meses de atraso.
Nem parece que o País padece com a pandemia e que as mortes continuam em patamar inaceitável, enquanto o governo e o Congresso arrumam confusão na base do quem pode e manda mais na República - provando mais do que nunca que é de bananas.
Estão todos perdidos em discussões eternas de regras fiscais (pode isso, não pode aquilo), desconfianças mútuas, medos de traição mais à frente e ameaças de retaliação nas votações num ambiente conturbado pela CPI da Covid.
Alô!!! Tem uma pandemia aí. As falas em defesa de vacinas e súplicas de parlamentares não adiantam mais a essa altura do caos.
A nova medida que saiu da cartola do governo foi uma PEC para delimitar o alcance dos gastos para a renovação dos programas de emprego, o BEm, o Pronampe (crédito para micro e pequenas empresas) e gastos para o Ministério da Saúde.
Essa PEC não deveria nem estar na mesa de negociação agora. O governo conseguiu aprovar em março uma PEC justamente para permitir que os gastos da calamidade fossem feitos com segurança jurídica. Por que não se resolveu ali todo o enrosco jurídico para as despesas extras da covid-19?
Naquele momento, já se sabia que seria preciso mais dinheiro para a covid-19. Quando a PEC emergencial foi aprovada, o BEm já estava desenhado, como também já havia um acordo com o Congresso para renovar o Pronampe, programa que tem custo para o Tesouro que precisa repassar recursos para um fundo como garantia para os casos de calote dos empréstimos.
Empresários que seguram as demissões já avisaram que vão demitir. E os R$ 44 bilhões aprovados para o auxílio emergencial também não serão suficientes porque ele não comporta nem mesmo aqueles vulneráveis que são elegíveis ao benefício. Até as portas dos ministérios da Esplanada sabem disso.
Pipocam denúncias de que o governo está cortando os beneficiários do auxílio sem explicação. Portanto, esse corte não é sustentável por muito tempo, porque as pessoas vão provar que têm direito ao auxílio. Não dá para fazer vista grossa ao problema. Ele vai estourar.
Mas o temor de o gasto explodir e a tentativa de fazer um “combo” para resolver o impasse do Orçamento via essa PEC levou o Ministério da Economia a preferir não acionar o botão da calamidade. Faltou confiança do time econômico no próprio governo e no Congresso.
Em vez de descomplicar, mais regras aparecem para complicar. A versão da nova PEC, antecipada pelo Estadão, deixava fora do teto de gastos (sempre ele) os programas da covid-19, além de um “jabuti” de mais R$ 18 bilhões para acomodar uma parte das emendas parlamentares do Orçamento.
Foi mal recebida e, aí, mais versões de quem era o culpado pelo jabuti ou “variante que escapou do laboratório”, na fala do ministro Guedes a interlocutores, virou o tema central da discussão nos últimos três dias em Brasília.
Apelidada de fura-teto, a PEC com esse jabuti acabou alimentando outro erro. O dinheiro para os programas da covid-19 não pode ser considerado um fura-teto.
Para chegar ao acordo, alguém precisa ceder. O presidente da Câmara, Arthur Lira, dá sinais que não pretende recuar e mandou a consultoria da Câmara preparar um segundo parecer mostrando que é possível sancionar o Orçamento sem vetos. Ele foi eleito como aquele que cumpre acordos. E precisa das emendas.
No lado oposto do Congresso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, está ouvindo lideranças e dá sinais de que pode aceitar o veto parcial. É preciso restaurar um mínimo de confiança entre as partes para sair dessa encrenca que não ajuda em nada nessa hora tão difícil para o País.
BBC Brasil: Brasil é 4º país que mais se afastou da democracia em 2020, diz relatório
O Brasil é o quarto país que mais se afastou da democracia em 2020 em um ranking de 202 países analisados. A conclusão é do relatório Variações da Democracia (V-Dem), do instituto de mesmo nome ligado à Universidade de Gotemburgo, na Suécia
Mariana Sanches, Da BBC News Brasil em Washington
Publicado em março de 2021, o documento é um importante instrumento usado por investidores e pesquisadores do mundo todo e do Brasil para definir prioridades de ações globalmente.
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De acordo com o índice, no qual 0 representa um regime ditatorial completo e 1, a democracia plena, o Brasil hoje registra pontuação de 0,51, uma queda de 0,28 em relação à medição de 2010, que ficou em 0,79.
A queda do país só não foi maior do que as de Polônia, Hungria e Turquia. Os dois últimos, um sob regime do direitista Viktor Orban e outro sob comando do conservador Recep Erdogan, se tornaram oficialmente autocracias, na classificação do V-Dem.
"Quase todos os indicadores que usamos mostram uma drástica queda do Brasil a partir de 2015. O único ponto em que o país não perdeu de lá pra cá foi em liberdade de associação", disse à BBC News Brasil o cientista político Staffan Lindberg, diretor do Instituto Variações da Democracia.
O índice é formulado a partir da contribuição de 3,5 mil pesquisadores e analistas, 85% deles vinculados a universidades ao redor do mundo.
O resultado de cada país advém da agregação estatística dos dados para 450 indicadores diferentes, que medem aspectos como o grau de liberdade do Judiciário e do Legislativo em relação ao Executivo, a liberdade de expressão da população, a disseminação de informações falsas por fontes oficiais, a repressão a manifestações da sociedade civil, a liberdade e independência de imprensa e a liberdade de oposição política.
Onda autocrática global
De acordo com o relatório, o mundo vive o que os pesquisadores consideram uma onda de expansão das autocracias iniciada em 1994.
Essa seria a terceira onda desde 1900 (as duas primeiras aconteceram entre os anos 1920-1940 e entre o começo dos anos 1960 e o final dos anos 1970).
Se, em 2010, 48% da população mundial vivia sob regimes considerados não democráticos, em 2020 esse percentual subiu para 68% e retornou ao patamar observado no início dos anos 1990.
No grupo do G-20 - que agrega as maiores economias do mundo -, além de Brasil e Turquia, a Índia também apresentou uma queda nos parâmetros democráticos tão significativa que deixou de ser considerada a maior democracia do mundo e passou a ser classificada como autocracia com eleições pelo V-Dem.
Segundo os pesquisadores, os processos de Índia, Turquia e Brasil, apesar de estarem em estágios diferentes, seguem um mesmo roteiro. "Primeiro, um ataque à mídia e à sociedade civil, depois o incentivo à polarização da sociedade, desrespeitando os opositores e espalhando informações falsas, para então minar as instituições formais", diz o relatório.
"Estamos muito preocupados porque percebemos que Bolsonaro tem dado claros sinais que condizem com os padrões de comportamento de outros líderes autocráticos que vimos atuar antes, como Viktor Orban. São movimentos preocupantes para a sobrevivência da democracia brasileira", afirma Lindberg.
Ainda longe da autocracia
O índice V-Dem de 2021 foi finalizado antes da recente crise do presidente brasileiro com as Forças Armadas.
Em março, foi anunciada a saída do então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, o que desencadeou também a troca dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Em sua carta de demissão, Azevedo e Silva afirmou que "neste período (à frente da pasta), preservei as Forças Armadas como instituições de Estado", o que provocou questionamentos sobre uma possível tentativa de politização do Exército Brasileiro por Bolsonaro, que tem usado corriqueiramente a expressão "meu Exército" para se referir às Forças Armadas do país.
Antes disso, porém, o atual presidente brasileiro já atacou reiteradas vezes a imprensa, se mostrou elogioso à ditadura militar instaurada nos anos 1960 e endossou uma manifestação de apoiadores seus que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal.
Pouco antes de ser empossado, Bolsonaro chegou a afirmar que mandaria seus opositores para a "ponta da praia", uma aparente referência à base da Marinha na Restinga da Marambaia, no Rio, onde presos foram torturados e mortos durante o regime ditatorial brasileiro.
"Petralhada, vai tudo vocês pra ponta da praia. Vocês não terão mais vez em nossa pátria porque eu vou cortar todas as mordomias de vocês. Vocês não terão mais ONGs para saciar a fome de mortadela. Será uma limpeza nunca vista na história do Brasil", disse o então presidente eleito em 2018.
Esses aspectos contribuem para os atuais resultados do país. Outros índices também apontam para um retrocesso da democracia brasileira nos últimos anos, embora a queda seja mais branda.
A ONG Freedom House avaliou que a democracia brasileira atingia 79 pontos, em uma escala de 0 a 100, em 2017. Atualmente, o índice recuou para 74.
Para Lindberg, embora os dados sobre Brasil sejam preocupantes, o país ainda está longe de ser enquadrado como uma autocracia, como aconteceu com Turquia e Índia, e isso se deve à qualidade do sistema eleitoral brasileiro.
"Embora ainda haja algumas irregularidades de votação, um pouco de intimidação eleitoral ou de compra de voto, as eleições no Brasil seguem sendo livres e justas, e é possível trocar o comando do país por meio delas", diz Lindberg.
Segundo ele, o sistema de voto eletrônico, como o usado no Brasil, tem se mostrado seguro e confiável. Bolsonaro, no entanto, tem feito uma campanha pelo voto impresso no Brasil e dito que o país pode repetir a história das últimas eleições americanas, quando Trump alegou fraude sem provas, se não mudar o sistema eleitoral.
E se a guinada autocrática atinge grandes populações ao redor do mundo, de outro lado, os processos de democratização, embora aconteçam, se concentram em países menores, como o Sri Lanka, Tunísia e Armênia.
Para os pesquisadores, isso se deve ao fato de que esses países estão relativamente mais distantes da influência de potências autocráticas, como Rússia e China, e parecem ter conseguido encaminhar suas dinâmicas políticas internas para um sistema mais livre.
Cristiano Romero: Erro capital
Por que sociedade não reconhece erros do II PND e avança?
Um dos temas mais quentes do debate nacional, desde sempre, é entender por que o país fracassou e continua fracassando. O diabo é quando aparece alguém sustentando que não houve fracasso algum, afinal, temos uma das maiores economias do planeta. Aos ufanistas é imperativo lembrar que, nesse quesito, estamos em plena derrocada. O Produto Interno Bruto (PIB) do país a que chamamos de Brasil há dez anos era o 6º do mundo, agora é o 12º. Ademais, o que significa para as dezenas de milhões de pobres e miseráveis deste território viver, do jeito que vivem, numa das 20 maiores economias?
O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan pronunciou uma das frases mais geniais da história da Ilha de Vera Cruz: "No Brasil, até o passado é incerto". Malan, que ocupou o cargo de ministro nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), referiu-se na ocasião a decisões que a Justiça tomara, revendo integralmente o teor de leis e de jurisprudências firmadas pelo próprio Poder Judiciário.
O axioma de Malan é aplicável, também, a muitos outros aspectos da vida nacional. Um exemplo é justamente o debate, que já deveria ter sido concluído há décadas, quanto ao porquê do nosso fracasso econômico recente. Antes que o leitor pense que a coluna se refere ao desastre que vivemos desde 2014, quando se iniciou a maior e mais profunda recessão de nossa história, não é isso.
A referência aqui é à "mãe de todas as crises", aquela que ficou conhecida como a crise da dívida externa, cujo marco temporal foi 1982, mas que, na verdade, se instaurou entre nós pelo menos dois anos antes, quando foi deflagrada a segunda crise do petróleo.
De forma bem resumida, um rápido contexto. Por causa da primeira crise do petróleo, em 1973, o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) decidiu "isolar" o Brasil dos flagelos provocados pela alta do petróleo. A economia vivia os estertores do chamado "milagre econômico" (1967-1973), período em que cresceu a taxas superiores a 10% ao ano. Diante do aumento vertiginoso dos preços do petróleo _ o país importava na época 85% do óleo que consumia _, várias nações foram obrigadas a fazer ajustes para se adequar àquela realidade.
Geisel não foi eleito presidente pelo voto popular, mas agiu exatamente como se tivesse sido. Estávamos numa ditadura, que, instaurada desde 1964, passava por seu pior momento do ponto de vista de sua "popularidade". Filhos da classe média _ e esta deu apoio crucial ao golpe militar dez anos antes _ estavam morrendo nos porões da ditadura, que, desde 1968, com a assinatura do Ato Institucional nº 5, ampliaram-se ao incluir as polícias estaduais no aparato de repressão do regime.
Os anos de chumbo (1968-1975), como ficou conhecido o período mais autoritário da ditatura, coincidiram com o auge do "milagre". Este fato dificultou sobremaneira a defesa das liberdades e, portanto, a volta da democracia, interrompida em 1964 com a deposição ilegal do presidente João Goulart. Por outro lado, o regime militar começava a enfrentar naquele momento a sua crise hegemônica. Duas razões concorriam para isso.
A primeira foi o desgaste, junto à classe média, provocado pelo combate violento, principalmente com o uso da tortura, a grupos de guerrilha que decidiram pegar em armas para combater o regime e também a opositores políticos e da sociedade civil. Aquilo coincidiu com os primeiros impactos da crise do petróleo de 1973 na economia nacional, que, em meio a pressões inflacionárias, começou a desacelerar o ritmo de expansão.
Diante desse quadro, Geisel optou pela solução populista. O cálculo era o de que, se optasse pelo ajuste da economia, o regime perderia ainda mais apoio político e isso seria perigoso.
Numa democracia, governos são obrigados a fazer ajustes em duas situações: por causa do advento de uma crise internacional _ que, não nos iludamos, sempre nos atingirá _ ou decorrente de barbeiragens cometidas pelo próprio governo num dado momento, obrigando-o a corrigir o rumo de suas políticas. Do ponto de vista político, é melhor enfrentar crises externas porque estas, pode-se alegar, não estão sob o controle de nações como a nossa.
No caso de uma ditadura, a história mostra que esse tipo de regime tem seu ciclo e, portanto, sempre termina, e muitas vezes de forma ruinosa e violenta para todos os envolvidos _ ditadores e população. Ditaduras acabam porque os animais não sabem viver sem liberdade, o que, no caso do bicho homem, ser proibido de ir e vir é sinônimo de morte, uma vez que, dotado de inteligência, sabe o que é viver enclausurado.
As ditaduras, mesmo as longevas, e a "nossa" derradeira durou 21 anos, podem chegar ao fim de duas maneiras: por meio de um acordo que assegura uma transição pacífica no retorno à democracia ou de por meio de movimentos revolucionários, onde prevalecem a violência e o revanchismo (talvez, uma expressão mais branda para isso seja "aplicação da Justiça" com o objetivo de apuração de crimes cometidos durante o regime de exceção e aplicação respectiva de penalidades previstas nas leis).
Preocupado em como seria uma transição de regime em meio a uma crise econômica, Geisel lançou, com sua equipe econômica, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). O objetivo era isolar o país dos efeitos da primeira crise do petróleo. O programa trancou a economia brasileira a sete chaves para "protegê-la" da concorrência estrangeira, fundou dezenas de empresas estatais, exponenciou o endividamento externo para financiar um sem-número de projetos de desenvolvimento e expandiu a dívida pública com o mesmo objetivo.
Com o II PND, Geisel traçou a longa transição "pacífica" do regime. Militares e torturadores envolvidos até o pescoço na repressão à ditadura não queriam ser julgados pelo novo regime e, assim, não o foram. É a política, estúpido!
Em 1979, veio a segunda crise do petróleo e, três anos depois, o II PND desmonta-se como um castelo de cartas. Mas, inúmeros aspectos daquele modelo econômico (um deles, o fechamento da economia), seguem mantidos porque, o que é espantoso, parte expressiva da opinião pública ainda não chegou à conclusão do mal que ele faz ao país.
Zeina Lafit: Que falta faz um bom líder
O resultado das incertezas é o desalento do setor privado. De nada adiantam jantares com empresários para corrigir os rumos do governo
A liderança política impacta a economia dos países. E não apenas pelas escolhas de políticas públicas, mas pelo efeito indireto sobre as expectativas dos agentes econômicos. Líderes inábeis alimentam incertezas e desconfiança, gerando menor crescimento. Na pesquisa acadêmica, há poucas evidências desse fenômeno, mas alguns resultados são interessantes.*
As eleições podem melhorar o humor do consumidor. Estes ficam mais confiantes quando há perspectiva de mudança de orientação política que venha a reverter um quadro econômico considerado desfavorável.
Foi o que aconteceu no Brasil em 2018. Os índices de confiança de consumidores e empresários (FGV) cresciam conforme se consolidava a eleição de Jair Bolsonaro, mas puxados apenas pela componente de expectativas, que chegaram a atingir patamares de otimismo entre o fim de 2018 e o início de 2019.
Enquanto isso, a componente associada à avaliação da situação corrente se mantinha praticamente estável, no campo pessimista. Em seguida, a expectativa cedeu, possivelmente reagindo ao início tumultuado do governo, com atitudes desastradas de Bolsonaro e seu entorno, e os conflitos com o Congresso.
Em momentos de maior incerteza, como agora, a palavra do líder tende a ganhar peso extra na formação das expectativas dos agentes privados. Assim, cabe aos líderes agir de forma a sustentar a confiança, com atitudes responsáveis e, ao mesmo tempo, com humildade e firmeza para navegar em tempos difíceis, guiando a sociedade.
Outro resultado de pesquisa é que a confiança dos consumidores reage positivamente a posturas brandas de líderes políticos. As experiências mais bem-sucedidas, no controle da Covid-19, de países com líderes de perfil democrático e participativo — notadamente mulheres — reforçam esse ponto.
Passado mais de um ano desde o surgimento da pandemia, a postura de Bolsonaro mostra que ele nada progrediu. O presidente insiste em ataques e falas inconsistentes, equivocadas e, pior, com muitas doses de autoengano. Ele demonstra acreditar que fez tudo certo; não parece mera retórica. O problema seriam sempre os outros.
Suas declarações sobre a saúde são constrangedoras, como quando afirma que o governo federal fez sua parte na compra de vacinas — apesar de o Instituto Butantan ser responsável por 83% da vacinação até o momento —, e atribui as dificuldades na aquisição tempestiva à falta de aprovação pela Anvisa e à postura de alguns produtores.
Enquanto isso, faltam informações e estudos sobre qual o verdadeiro quadro da saúde do país e o cenário para a reversão da curva de óbitos.
Na economia, mais constrangimento. Bolsonaro julga a agenda bem encaminhada e culpa o IBGE pela elevada taxa de desemprego, cuja metodologia “atendia ao governo da época”. Em que pesem as dificuldades técnicas das pesquisas em meio à pandemia, atacar o órgão é um desserviço que concorre com seu corte de verbas.
Ao mesmo tempo, é coerente com a falta de zelo com o desenho de políticas públicas, que, antes de mais nada, depende da qualidade das pesquisas.
O problema não fica na retórica e tampouco restrito ao presidente. O autoengano também acomete seu entorno e impede a necessária correção de rumos.
O governo errou muito na gestão fiscal e isso se reflete nos preços de ativos e no quadro econômico mais instável. Mesmo assim, houve displicência na elaboração do Orçamento deste ano. Assunto sério demais para ser tratado como foi.
Como se não bastasse, agora não sabem consertar. Os desdobramentos recentes sugerem novos furos no teto de gastos, e sem medidas compensatórias. Mais combustível para a deterioração do ambiente econômico.
É curioso que, mesmo assim, alguns analistas defendam o aumento de gastos públicos, sob inspiração do (controverso) pacote de Joe Biden. Temos um Estado sem capacidade de planejamento, uma crise fiscal que alimenta o risco inflacionário e um governo que gasta mal os recursos públicos. Alimentar o Leviatã fiscal nas atuais circunstâncias seria um grande erro.
O resultado desse quadro de incertezas e falta de perspectivas, agravado pelo presidente, é o desalento do setor privado, como revelam as novas quedas dos índices de confiança. De nada adiantam jantares com empresários para corrigir os rumos do governo.
*Para uma breve resenha e mais detalhes, ver Georg Müller e Steffen Osterloh (2018), “How do politics affect economic sentiment? The effects of uncertainty and policy preferences”.
Vinicius Torres Freire: A geração dos jovens que não verão país nenhum
Na vida adulta, geração que chega aos 30 só viu país empobrecer e se barbarizar
As projeções de crescimento da economia para o ano que vem começam a cair para a casa do 1%. É apenas chute vagamente informado, mas essa bola deve cair mesmo no pântano em que vivemos faz tempo. Em 2022, bicentenário da Independência, serão nove anos de pobreza piorada. Ainda estaremos colonizados pelos nossos piores monstros.
Imagine-se uma brasileira que teve a boa sorte de terminar a faculdade no último ano antes da catástrofe, em 2013, nos seus 21 anos. “Boa sorte” porque apenas 1 de cada 4 jovens de 18 a 24 anos está no ensino superior ou concluiu este curso. Há quem tenha largado a escola muito antes e terá vida pior. No ano que vem, essa brasileira fará 30 anos. Terá passado a primeira parte de sua vida adulta em um país em destruição. É apenas um símbolo de uma catástrofe duradoura, uma de várias gerações perdidas.
No ano que vem, o país ainda será mais pobre do que era em 2013: a renda (PIB) per capita deve ser ainda 7,5% menor. Pelas estimativas atuais, voltaremos a 2013 apenas em 2027. Mas chute econômico não é destino. Assistir bestificado à presente destruição vai nos garantir futuro tenebroso.
Mal ou bem, países do centro do mundo planejam a reconstrução depois da epidemia. São grandes projetos de economia verde e pesquisa científica e tecnológica, como biotecnologia e inteligência artificial.
Qual o lugar do Brasil nesse futuro? Uma zona de catástrofe ambiental e sanitária, talvez por isso objeto de sanções econômicas e políticas.
Nossos produtos industriais logo serão ainda mais obsoletos em termos tecnológicos e ambientais. Talvez não queiram também nossos grãos, ferro e petróleo, por prevenção ambiental ou porque a China passou a plantar soja na África ou porque o país é infecto ou avilta o trabalhador. Com o troco que nos sobrar, compraremos produtos “verdes” ou máquinas inteligentes reais e virtuais etc. inventados com pesquisa subsidiada no mundo rico.
O plano Bolsonaro é o avesso podre dos planos de reconstrução: é devastação ambiental e da Educação, sob mando de um adepto do espancamento de crianças. São tempos de dr. Jairinho e dr. Jairzinho.
Desmontam-se agências e a participação democrática nos conselhos de Estado, avilta-se ou se assedia o corpo técnico de servidores, perseguem-se professores, acelera-se a destruição da pesquisa científica. Capangas oficiais e paramilitares, milícias, talvez colaborem para a implantação de um autoritarismo temperado por farisaísmo, fundamentalismo religioso, patriotada militaresca e ignorância lunática.
Nos acostumamos aos quase nove anos de catástrofe econômica assim como nos acostumamos agora aos 3 mil mortos por dia ou aos crimes de responsabilidade semanais de Jair Bolsonaro. Resta força apenas para combater o regresso autoritário. O Brasil se acostumou a não ter futuro.
É pior do que nos anos perdidos para o horror social e a inflação dos 1980/90. Então se tentava reconstruir um país: Constituição, estabilidade econômica, alguns direitos sociais.
Ainda assim, nossos desastres vêm de longe, pelo menos desde a recessão que começou em 1981, desatino final da ditadura militar. Desde então até 2019, o PIB per capita do Brasil cresceu 36%. O dos países já ricos (OCDE), 85%. O do mundo, 75%. É o aspecto econômico de um fracasso longo e maior. A diferença agora é que morreu ou está para morrer, sem UTI, a ideia de sucesso ou de progresso.
“Não Verás País Nenhum”, dizia o título do romance presciente de Ignácio de Loyola Brandão (aliás de 1981). Tratava de um Brasil em que a Amazônia se tornou um deserto, em que São Paulo fede a cadáveres e em que militecnos comandam um governo autoritário.
Conrado Hübner Mendes: Agora, agora e mais agora, STF
Cabo Kassio e soldado Toffoli fazem amor com o presidente por telepatia
A urgência do STF do presente não é mais decidir casos conforme critério transparente e previsível de prioridade. O STF tem urgência em sobreviver como instituição relevante.
Submetidos a assédio permanente, em público e nos porões, de presidente da República que comete crimes comuns e de responsabilidade em série, ministros não dispõem de equipamentos potentes de autodefesa.
Um inquérito heterodoxo foi tudo o que puderam tirar da cartola. Não bastassem inimigos externos, apoiados pelo gangsterismo militar e falanges robotizadas, o STF tem que neutralizar inimigos internos, seus cabos e soldados íntimos.
Agora, agora e mais agora? Essa pergunta dá título a um dos grandes podcasts da pandemia, narrado pelo historiador Rui Tavares. Ele relata “histórias da história”, episódios do último milênio em que pessoas viviam um presente tomado por fanatismo, ódio e intolerância.
“Agora, agora e mais agora” serve também para expressar o senso de urgência em grau máximo que deveria nortear o comportamento do tribunal diante do precipício. Mais do mesmo deixará o STF ao sabor do acaso. Manter a liturgia da normalidade não disfarça mais nada. Melhor perceber o que o enfraquece e investir no que lhe dá força.
A característica determinante da fragilidade do tribunal está na constatação de que o “STF”, como instituição colegiada, quase não existe. O que chamamos de STF, boa parte do tempo, não passa de um agregado lotérico de ações ou omissões individuais. Isso fragiliza o tribunal não só pela irracionalidade burocrática, mas pela excessiva personalização de cada gesto.
O tribunal é cobrado não por obediência a precedente, à jurisprudência ou a argumento constitucional qualquer, mas pelas afinidades de Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Rosa Weber, Cármen Lúcia etc. Cada decisão ganha uma cara, um temperamento, um endereço privado.
Tribunais não precisam funcionar assim. Converter as partes num todo, ou 11 ministros num STF, é mágica institucional decisiva para a reputação e a autoridade de um tribunal. Mais do que qualquer outra instituição democrática, um tribunal deve adotar métodos que façam o todo ser mais respeitável que as partes e também a soma das partes.
Registros da história do heroísmo judicial destacam juízes que conseguiram liderar colegiados em situações de risco, imprevisibilidade e mudança. Nunca o que fizeram sozinhos.
Os exemplos clássicos de John Marshall e Earl Warren da Suprema Corte americana não são maiores do que as experiências de Aharon Barak, na Suprema Corte israelense, de Carlos Gaviria, na Corte Constitucional colombiana, de Albie Sachs e Arthur Chaskalson, da Corte Constitucional sul-africana, de Rosalie Abella na Suprema Corte canadense.
Tampouco são maiores do que Pedro Lessa, Victor Nunes Leal e Sepúlveda Pertence na história do STF, ou mesmo Ribeiro da Costa, que teria prometido fechar o tribunal e entregar a chave ao ditador Castelo Branco se decisão do STF não fosse cumprida.
Há reformas que o STF poderia fazer já, por sua conta. Depende de desapego e liderança para republicanizar a agenda, reprimir a obstrução do cabo e do soldado e tomar decisões corajosas com sofisticação jurídica e o selo do colegiado. A angústia de olhar para o tribunal em busca de arrojo e liderança e lá encontrar Luiz Fux, Dias Toffoli e Gilmar Mendes não é razão para desistir.
Hoje o colegiado do STF decide se mantém a decisão monocrática de Barroso que reconhece direito de minoria do Senado de abrir CPI e o dever de Rodrigo Pacheco de abri-la. Rumores dizem que o STF vai “modular” essa decisão elementar e dar ao Senado a liberdade para ampliar o objeto da investigação e postergar a CPI.
Seria um “caminho do meio” para atender a Bolsonaro, que prometeu dar porrada em senador e induziu falsa equivalência entre os deveres de abrir CPI e abrir impeachment (não os 111 pedidos de impeachment contra ele, mas os pedidos contra ministros do STF). Com base na fórmula “ou bota tudo ou zero a zero”, mandou o recado.
Cair na arapuca juvenil tramada por senador e presidente da estatura de um Kajuru e um Bolsonaro é melancólico demais para qualquer biografia. Melancólico sobretudo para um tribunal que, se não tem das histórias mais admiráveis nos anais da Justiça, exibe um orgulho espalhafatoso em cada cerimônia, um êxtase da autoimportância em cada discurso. É cafona e arcaico, mas não precisaria ser covarde.
*Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.
Bruno Boghossian: Com manobra no Senado, crescem chances de CPI não dar em nada
Mudança abre caminho distrações que podem acabar poupando Bolsonaro na pandemia
A missão número um de Jair Bolsonaro era "mudar o objetivo" da CPI da Covid. Com a ajuda do Congresso, o presidente conseguiu. O Senado ampliou o foco da investigação e incluiu o dinheiro federal repassado aos estados. De quebra, parlamentares começaram a criar empecilhos para a realização das sessões. Na prática, cresceram as chances de a comissão não dar em nada.
Bolsonaristas já trabalham para que a CPI só exista no papel. O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB), quer que o colegiado só se reúna depois que a vacinação avançar. Ele espera ter o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), que era contra o funcionamento da comissão agora.
Se não for possível segurar o andamento dos trabalhos, a base governista tem outras saídas. A decisão de transformar a CPI numa investigação abrangente, como pediu Bolsonaro, abre caminho para manobras diversionistas que podem acabar poupando o presidente.
Com a ampliação de escopo, a comissão passa a incluir as ações de estados e municípios “no trato com a coisa pública” durante a pandemia. Isso significa que a CPI pode investigar praticamente qualquer despesa com verba federal em qualquer lugar do Brasil. É o suficiente para distrair senadores que não estiverem interessados em investigar Bolsonaro.
Os integrantes da CPI também ganham poder para mirar adversários políticos e desafetos. Aliados de Bolsonaro estão de olho em rivais do presidente nos estados, enquanto outros senadores, interessados em concorrer a governos estaduais em 2022, querem aproveitar para desgastar concorrentes locais. O Planalto deve se beneficiar da confusão.
A blindagem de Bolsonaro vai depender do comportamento dos 11 titulares da CPI. O governo não conseguiu escalar uma tropa de choque fiel, mas a comissão terá uma minoria de oposicionistas convictos e uma maioria de senadores do centrão ou de partidos sem alinhamento político claro. O Planalto tem muito a oferecer para esse grupo.