STF

Merval Pereira: Um país no precipício

Não há nos áudios divulgados da conversa entre Joesley Batista e seus advogados nenhuma acusação contra ministros do Supremo Tribunal Federal, somente tentativas de aproximação próprias do que chamam pejorativamente de lobistas, algumas delas de tão baixo nível que revelam a verdadeira face desse empresário, que não passa de um bandido sem escrúpulos, disposto a qualquer coisa para obter vantagens para si e seu grupo.

Esse cidadão deveria estar preso e ter os benefícios obtidos com a delação anulados necessariamente, quanto mais não for para preservar o instituto da colaboração premiada que esse indivíduo manipulou em favorecimento próprio. É estranho que o Procurador-Geral Rodrigo Janot tenha colocado no mesmo patamar as acusações feitas a ministros do STF e à Procuradoria, pois somente contra seu ex-colaborador, Marcelo Miller, há fatos seriíssimos que indicam que ele ajudou os irmãos Batista a montarem suas delações quando ainda estava trabalhando como assessor de Janot.

Ao contrário de absolver o presidente Michel Temer, essa constatação só piora a situação do presidente, pois, além do diálogo que manteve com Joesley naquela fatídica noite no porão do Palácio Jaburu continuar existindo na vida real, embora possa vir a ser apagado dos autos do processo, é inevitável constatar que a intimidade com figura tão baixa, a ponto de ouvir relatos de crimes de obstrução de Justiça e estimulá-los, só o iguala moralmente a seu interlocutor.

Por obra do destino, no mesmo dia em que se tomou conhecimento da reviravolta no caso da delação da JBS, a Polícia Federal descobriu malas e caixas cheias de dinheiro, mais de R$ 40 milhões, que pertenceriam ao ex-ministro Geddel Vieira Lima, que não por acaso era o elo entre Joesley e Temer. Outro assessor, Rodrigo Rocha Loures, assumiu seu lugar por indicação verbal do próprio presidente, o que indica que aquela mala cheia de dinheiro que ele pateticamente carregava com corridinhas pelas ruas de São Paulo seria o começo de uma série de outras, como as encontradas no apartamento de Salvador.

Comenta-se que também o ex-governador Sérgio Cabral tinha um apartamento apenas para guardar dinheiro vivo, e o que parecia uma lenda urbana pode acabar se revelando mais um hábito desse bando de ladrões que tomaram conta do país nos últimos anos.

O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, transformou em denúncia o quadrilhão, acusando o ex-presidente Lula de ser o chefe de uma quadrilha que reunia a ex-presidente Dilma, o ex-ministro Antonio Palocci e todos os demais comparsas na devastação do país, resultante na pior crise econômica e social por que já passamos em nossa história.

Essa acusação chega com anos de atraso, pois já no surgimento do mensalão em 2005, e posteriormente no seu julgamento em 2011, estava evidente que o chefe da quadrilha não era o ex-ministro José Dirceu, que, coadjuvante importante do golpe, assumiu a culpa por missão de ofício de sua parte, e por impossibilidade política naquele momento de nomear o verdadeiro responsável pela miséria político-partidária em que se transformou o presidencialismo de cooptação.

O ex-presidente Lula se vangloriava de que ninguém sabia levantar a estima do brasileiro como ele, e entre seus feitos estava trazer para o país, irresponsavelmente, a realização da Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas. Pois agora se sabe que também essas glórias efêmeras foram conseguidas através de corrupção de delegados internacionais e de obras superfaturadas, tanto as viárias quanto os estádios, que se transformaram em elefantes brancos, inúteis no caos em que se encontra a infraestrutura do país.

A corrupção para atingir objetivos populistas irresponsáveis saiu do conluio da União com os governos do Estado e do Município do Rio de Janeiro, ambos do esquema político do PMDB, cujas entranhas vêm sendo reveladas. As imagens das malas de dinheiro entregues a políticos desprezados pelos que os compravam – Joesley diz em um desses novos áudios que o senador Aécio Neves, a quem também deu malas de dinheiro a pretexto de um alegado empréstimo pessoal, é um bandidão – são chocantes para o cidadão comum e nos colocam como país no mais baixo nível na escala internacional de nações dominadas por governantes populistas.

 


Bolívar Lamounier: Reforma política, muito barulho por quase nada

Confio em que Shakespeare não se amofinará por eu plagiar o título de sua celebrada comédia (Much ado about nothing). Creio, mesmo, que o bardo me concederá um duplo perdão, pois eu bem preferiria relembrar as peripécias dos amantes de Messina a discorrer sobre as frustrações que temos colhido, ano após ano, toda vez que o Congresso Nacional discute a chamada reforma política.

Para não parecer birrento, faço duas ressalvas iniciais. De um lado, minha eterna frustração se deve à timidez das propostas, ao chamado “fatiamento”, à falta de uma visão mais abrangente. Sabemos todos que o futuro econômico e social do Brasil está profundamente comprometido pela ruindade de nosso político. Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas eleitoral e de governo, o gigantismo paralisante do Congresso Nacional (três senadores por Estado!), as desproporções entre bancadas e populações estaduais e talvez, sobretudo, a necessidade de cortar a cabeça do nosso Estado-camarão, descentralizando e instituindo uma Federação viável e funcional?

Em segundo lugar, ressalvo – como é justo – a importância de uma das alterações cogitadas: o fim das coligações entre partidos nas eleições proporcionais (deputados federais e estaduais e vereadores). Devia ser um gênio o sujeito que pela primeira vez concordou com esse tipo de coligação, nele condensando uma notável coleção de falcatruas. Na quase totalidade dos casos, os partidos que recorrem a esse mecanismo o fazem apenas para somar seus votos com o intuito de atingir o chamado cociente eleitoral (a divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras a preencher em cada Estado). Como em todos os sistemas baseados na representação proporcional, só os partidos que atingem tal cociente (ou seja, que elegem pelo menos um parlamentar) participam das divisões sucessivas mediante as quais se dá a alocação de suas respectivas “sobras” de votos. E aí é que se dá o pulo do gato. Para o fim a que acabo de me referir, uma coligação é equiparada a um partido, por díspares que sejam suas ideologias, seus programas e objetivos políticos. Nada garante que se mantenham unidos após a eleição.

Outra falcatrua, à qual meus leitores talvez não tenham dado a devida atenção, é que os sistemas de representação proporcional foram inventados para permitir certo grau de diferenciação entre partidos, ou seja, a formação de identidades propriamente partidárias, ao contrário do que tende a ocorrer no chamado voto distrital puro, que personaliza muito mais a eleição, uma vez que a grande circunscrição nacional ou estadual é subdividida em circunscrições menores, cada uma elegendo apenas um candidato. Ciente da balbúrdia em que se transformou a nossa organização partidária, o leitor pode ficar com uma pulga atrás da orelha, pois já se acostumou a entendê-la como uma decorrência direta do método proporcional.

A pulga, quero dizer, a dúvida é compreensível, mas em termos históricos e teóricos o fato é indiscutível: a tendência mais partidária da representação proporcional contrapõe-se à mais individual do voto distrital (representação majoritária uninominal). Louvem-se, portanto, o fim das coligações e a adoção do salutar princípio do “cresça, depois apareça”: ou seja, a exigência de um lastro mais sólido dos partidos que se fazem presentes nos Legislativos, nos três níveis da Federação.

Não acolho com o mesmo entusiasmo as outras alterações propostas. Como registrei neste espaço poucos dias atrás, todo ano, quando nos pomos a discutir a reforma política, nosso Congresso permite entrever uma estranha inclinação a primeiro tentar agir, deixando para pensar depois. Esquiva-se, invariavelmente, de primeiro responder às questões-chave: reformar o quê, como, para quê? Em relação ao sistema eleitoral, por exemplo, em vez de responder a essas singelas indagações, a Câmara dos Deputados pôs sobre a mesa a esdrúxula ideia do “distritão”, como se substituir o vigente modelo de representação proporcional por uma fórmula plurimajoritária fosse a coisa mais simples do mundo. Graças aos céus, os nobres integrantes da Comissão da Reforma Política detonaram tal proposta com a mesma ligeireza que evidenciaram ao colocá-la em discussão.

Em seguida, quando se concentraram na chamada cláusula de barreira, deixei-me momentaneamente levar por um equivocado júbilo, querendo crer que os parlamentares se haviam finalmente convencido da necessidade de frear drasticamente a proliferação de siglas, simplificando e estabilizando a estrutura partidária, a exemplo do que fez a Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, onde um partido só tem acesso ao Bundestag se obtiver 5% da votação nacional (ou, desde 1957, três mandatos pessoais diretos, nos distritos uninominais). Começa que os nossos congressistas, a fim de tornarem o assunto mais simpático, evitaram a aspereza germânica de Sperr, que deve ser traduzido como barreira, mecanismo de exclusão, e rebatizaram o referido mínimo de votos como cláusula de desempenho. Mais importante, entretanto, é que a ideia de excluir nem lhes passou pela cabeça. Na verdade, o objetivo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 282 é outro. É estabelecer que alguns partidos são mais iguais que outros. Teremos, de um lado, os partidos que, ao atingir a “barreira”, tornam-se membros plenos da Câmara, com direito ao funcionamento parlamentar e aos recursos financeiros do Fundo Partidário; e, do outro, aqueles que, não a tendo atingido, ficam com o direito de “funcionar”, mas sem acesso ao financiamento público e demais benesses. É fácil de prever a enxurrada de ações que vai inundar o Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade dessa cláusula.

Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas de eleição e de governo?

Confio em que Shakespeare não se amofinará por eu plagiar o título de sua celebrada comédia (Much ado about nothing). Creio, mesmo, que o bardo me concederá um duplo perdão, pois eu bem preferiria relembrar as peripécias dos amantes de Messina a discorrer sobre as frustrações que temos colhido, ano após ano, toda vez que o Congresso Nacional discute a chamada reforma política.

Para não parecer birrento, faço duas ressalvas iniciais. De um lado, minha eterna frustração se deve à timidez das propostas, ao chamado “fatiamento”, à falta de uma visão mais abrangente. Sabemos todos que o futuro econômico e social do Brasil está profundamente comprometido pela ruindade de nosso político. Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas eleitoral e de governo, o gigantismo paralisante do Congresso Nacional (três senadores por Estado!), as desproporções entre bancadas e populações estaduais e talvez, sobretudo, a necessidade de cortar a cabeça do nosso Estado-camarão, descentralizando e instituindo uma Federação viável e funcional?

Em segundo lugar, ressalvo – como é justo – a importância de uma das alterações cogitadas: o fim das coligações entre partidos nas eleições proporcionais (deputados federais e estaduais e vereadores). Devia ser um gênio o sujeito que pela primeira vez concordou com esse tipo de coligação, nele condensando uma notável coleção de falcatruas. Na quase totalidade dos casos, os partidos que recorrem a esse mecanismo o fazem apenas para somar seus votos com o intuito de atingir o chamado cociente eleitoral (a divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras a preencher em cada Estado). Como em todos os sistemas baseados na representação proporcional, só os partidos que atingem tal cociente (ou seja, que elegem pelo menos um parlamentar) participam das divisões sucessivas mediante as quais se dá a alocação de suas respectivas “sobras” de votos. E aí é que se dá o pulo do gato. Para o fim a que acabo de me referir, uma coligação é equiparada a um partido, por díspares que sejam suas ideologias, seus programas e objetivos políticos. Nada garante que se mantenham unidos após a eleição.

Outra falcatrua, à qual meus leitores talvez não tenham dado a devida atenção, é que os sistemas de representação proporcional foram inventados para permitir certo grau de diferenciação entre partidos, ou seja, a formação de identidades propriamente partidárias, ao contrário do que tende a ocorrer no chamado voto distrital puro, que personaliza muito mais a eleição, uma vez que a grande circunscrição nacional ou estadual é subdividida em circunscrições menores, cada uma elegendo apenas um candidato. Ciente da balbúrdia em que se transformou a nossa organização partidária, o leitor pode ficar com uma pulga atrás da orelha, pois já se acostumou a entendê-la como uma decorrência direta do método proporcional.

A pulga, quero dizer, a dúvida é compreensível, mas em termos históricos e teóricos o fato é indiscutível: a tendência mais partidária da representação proporcional contrapõe-se à mais individual do voto distrital (representação majoritária uninominal). Louvem-se, portanto, o fim das coligações e a adoção do salutar princípio do “cresça, depois apareça”: ou seja, a exigência de um lastro mais sólido dos partidos que se fazem presentes nos Legislativos, nos três níveis da Federação.

Não acolho com o mesmo entusiasmo as outras alterações propostas. Como registrei neste espaço poucos dias atrás, todo ano, quando nos pomos a discutir a reforma política, nosso Congresso permite entrever uma estranha inclinação a primeiro tentar agir, deixando para pensar depois. Esquiva-se, invariavelmente, de primeiro responder às questões-chave: reformar o quê, como, para quê? Em relação ao sistema eleitoral, por exemplo, em vez de responder a essas singelas indagações, a Câmara dos Deputados pôs sobre a mesa a esdrúxula ideia do “distritão”, como se substituir o vigente modelo de representação proporcional por uma fórmula plurimajoritária fosse a coisa mais simples do mundo. Graças aos céus, os nobres integrantes da Comissão da Reforma Política detonaram tal proposta com a mesma ligeireza que evidenciaram ao colocá-la em discussão.

Em seguida, quando se concentraram na chamada cláusula de barreira, deixei-me momentaneamente levar por um equivocado júbilo, querendo crer que os parlamentares se haviam finalmente convencido da necessidade de frear drasticamente a proliferação de siglas, simplificando e estabilizando a estrutura partidária, a exemplo do que fez a Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, onde um partido só tem acesso ao Bundestag se obtiver 5% da votação nacional (ou, desde 1957, três mandatos pessoais diretos, nos distritos uninominais). Começa que os nossos congressistas, a fim de tornarem o assunto mais simpático, evitaram a aspereza germânica de Sperr, que deve ser traduzido como barreira, mecanismo de exclusão, e rebatizaram o referido mínimo de votos como cláusula de desempenho. Mais importante, entretanto, é que a ideia de excluir nem lhes passou pela cabeça. Na verdade, o objetivo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 282 é outro. É estabelecer que alguns partidos são mais iguais que outros. Teremos, de um lado, os partidos que, ao atingir a “barreira”, tornam-se membros plenos da Câmara, com direito ao funcionamento parlamentar e aos recursos financeiros do Fundo Partidário; e, do outro, aqueles que, não a tendo atingido, ficam com o direito de “funcionar”, mas sem acesso ao financiamento público e demais benesses. É fácil de prever a enxurrada de ações que vai inundar o Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade dessa cláusula.

Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas de eleição e de governo?

Confio em que Shakespeare não se amofinará por eu plagiar o título de sua celebrada comédia (Much ado about nothing). Creio, mesmo, que o bardo me concederá um duplo perdão, pois eu bem preferiria relembrar as peripécias dos amantes de Messina a discorrer sobre as frustrações que temos colhido, ano após ano, toda vez que o Congresso Nacional discute a chamada reforma política.

Para não parecer birrento, faço duas ressalvas iniciais. De um lado, minha eterna frustração se deve à timidez das propostas, ao chamado “fatiamento”, à falta de uma visão mais abrangente. Sabemos todos que o futuro econômico e social do Brasil está profundamente comprometido pela ruindade de nosso político. Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas eleitoral e de governo, o gigantismo paralisante do Congresso Nacional (três senadores por Estado!), as desproporções entre bancadas e populações estaduais e talvez, sobretudo, a necessidade de cortar a cabeça do nosso Estado-camarão, descentralizando e instituindo uma Federação viável e funcional?

Em segundo lugar, ressalvo – como é justo – a importância de uma das alterações cogitadas: o fim das coligações entre partidos nas eleições proporcionais (deputados federais e estaduais e vereadores). Devia ser um gênio o sujeito que pela primeira vez concordou com esse tipo de coligação, nele condensando uma notável coleção de falcatruas. Na quase totalidade dos casos, os partidos que recorrem a esse mecanismo o fazem apenas para somar seus votos com o intuito de atingir o chamado cociente eleitoral (a divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras a preencher em cada Estado). Como em todos os sistemas baseados na representação proporcional, só os partidos que atingem tal cociente (ou seja, que elegem pelo menos um parlamentar) participam das divisões sucessivas mediante as quais se dá a alocação de suas respectivas “sobras” de votos. E aí é que se dá o pulo do gato. Para o fim a que acabo de me referir, uma coligação é equiparada a um partido, por díspares que sejam suas ideologias, seus programas e objetivos políticos. Nada garante que se mantenham unidos após a eleição.

Outra falcatrua, à qual meus leitores talvez não tenham dado a devida atenção, é que os sistemas de representação proporcional foram inventados para permitir certo grau de diferenciação entre partidos, ou seja, a formação de identidades propriamente partidárias, ao contrário do que tende a ocorrer no chamado voto distrital puro, que personaliza muito mais a eleição, uma vez que a grande circunscrição nacional ou estadual é subdividida em circunscrições menores, cada uma elegendo apenas um candidato. Ciente da balbúrdia em que se transformou a nossa organização partidária, o leitor pode ficar com uma pulga atrás da orelha, pois já se acostumou a entendê-la como uma decorrência direta do método proporcional.

A pulga, quero dizer, a dúvida é compreensível, mas em termos históricos e teóricos o fato é indiscutível: a tendência mais partidária da representação proporcional contrapõe-se à mais individual do voto distrital (representação majoritária uninominal). Louvem-se, portanto, o fim das coligações e a adoção do salutar princípio do “cresça, depois apareça”: ou seja, a exigência de um lastro mais sólido dos partidos que se fazem presentes nos Legislativos, nos três níveis da Federação.

Não acolho com o mesmo entusiasmo as outras alterações propostas. Como registrei neste espaço poucos dias atrás, todo ano, quando nos pomos a discutir a reforma política, nosso Congresso permite entrever uma estranha inclinação a primeiro tentar agir, deixando para pensar depois. Esquiva-se, invariavelmente, de primeiro responder às questões-chave: reformar o quê, como, para quê? Em relação ao sistema eleitoral, por exemplo, em vez de responder a essas singelas indagações, a Câmara dos Deputados pôs sobre a mesa a esdrúxula ideia do “distritão”, como se substituir o vigente modelo de representação proporcional por uma fórmula plurimajoritária fosse a coisa mais simples do mundo. Graças aos céus, os nobres integrantes da Comissão da Reforma Política detonaram tal proposta com a mesma ligeireza que evidenciaram ao colocá-la em discussão.

Em seguida, quando se concentraram na chamada cláusula de barreira, deixei-me momentaneamente levar por um equivocado júbilo, querendo crer que os parlamentares se haviam finalmente convencido da necessidade de frear drasticamente a proliferação de siglas, simplificando e estabilizando a estrutura partidária, a exemplo do que fez a Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, onde um partido só tem acesso ao Bundestag se obtiver 5% da votação nacional (ou, desde 1957, três mandatos pessoais diretos, nos distritos uninominais). Começa que os nossos congressistas, a fim de tornarem o assunto mais simpático, evitaram a aspereza germânica de Sperr, que deve ser traduzido como barreira, mecanismo de exclusão, e rebatizaram o referido mínimo de votos como cláusula de desempenho. Mais importante, entretanto, é que a ideia de excluir nem lhes passou pela cabeça. Na verdade, o objetivo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 282 é outro. É estabelecer que alguns partidos são mais iguais que outros. Teremos, de um lado, os partidos que, ao atingir a “barreira”, tornam-se membros plenos da Câmara, com direito ao funcionamento parlamentar e aos recursos financeiros do Fundo Partidário; e, do outro, aqueles que, não a tendo atingido, ficam com o direito de “funcionar”, mas sem acesso ao financiamento público e demais benesses. É fácil de prever a enxurrada de ações que vai inundar o Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade dessa cláusula.

* BOLÍVAR LAMOUNIER É CIENTISTA POLÍTICO, SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA E MEMBRO DAS ACADEMIAS BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E PAULISTA DE LETRAS


Carlos Alberto Di Franco: Políticos “se lixam” para a sociedade

“Enquanto o Brasil precisa desesperadamente de reformas, ajustes, cortes, o Congresso se autopremia com um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, além dos mais de R$ 800 milhões do Fundo Partidário”

O escândalo da Petrobrás, pequena amostragem do que ainda pode aparecer,  é a ponta do iceberg de algo mais profundo: o sistema eleitoral brasileiro está bichado e só será reformado se a sociedade pressionar para valer.

Hoje, teoricamente, as eleições são livres, embora o resultado seja bastante previsível. Não se elegem os melhores, mas os que têm mais dinheiro para financiar campanhas sofisticadas e milionárias. Empresas investem nos candidatos sem nenhum idealismo. É negócio. Espera-se retorno do investimento.

A máquina de fazer dinheiro para perpetuar o poder tem engrenagens bem conhecidas no mundo político: emendas parlamentares, convênios fajutos e licitações com cartas marcadas.

É isso que precisa mudar. Mas o Congresso, por óbvio, não quer. Ao contrário.

Como disse Eliane Cantanhêde com sua habitual lucidez, “enquanto o Brasil precisa desesperadamente de reformas, ajustes, cortes, o Congresso se autopremia com um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, além dos mais de R$ 800 milhões do Fundo Partidário.”

Diante da imensa repercussão negativa, o plenário da Câmara dos Deputados decidiu retirar a previsão de que o fundo eleitoral com recursos públicos receba o aporte bilionário

Políticos, à esquerda e à direita, não estão dispostos a soltar o osso.

O infortúnio do cárcere e a perspectiva do ostracismo uniu adversários históricos para combater o inimigo comum: a Lava Jato e o aparato da Justiça. Mas o Judiciário também oferece seus temperos para o preparo da pizza da impunidade.

O STF, ao que tudo indica, vai revogar a saneadora decisão de que o cumprimento da pena deve ter início após condenação em segunda instância. A conhecida morosidade da Justiça vai provocar uma cascata de crimes prescritos. Resumo da ópera: os ladrões do dinheiro público vão sair por cima. Os políticos se lixam para a sociedade.

A Operação Lava Jato estará cada vez mais no olho do furacão. Não obstante excessos pontuais da Força Tarefa, a Lava Jato é o resultado direto da solidez institucional da nossa jovem democracia. É o lado bom da história.

Enquanto isso, Lula percorre o Brasil vestindo a máscara de perseguido político. E trata de puxar todos para o pântano da política anticidadã. “Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalização."  Eis uma pérola do pragmatismo lulista. O ex-presidente não fez nada para mudar esse quadro. Ao contrário, aprofundou e radicalizou.

O Brasil depende - e muito-  da qualidade da sua imprensa e da coerência ética de todos nós. Podemos virar o jogo. Acreditemos no Brasil e na democracia.

*Carlos Alberto Di Franca é jornalista


O Estado de S.Paulo: Onda de rejeição alcança até ministros do Supremo

Repúdio ao Executivo e Legislativo chega ao Judiciário, revela pesquisa Ipsos; apenas Moro e Joaquim Barbosa mantêm índice elevado, apesar de queda de aprovação

Daniel Bramatti e Gilberto Amendola, O Estado de S.Paulo

A onda de rejeição a políticos e autoridades públicas já não se limita ao governo e ao Congresso e chegou com força ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Pesquisa Ipsos mostra que, entre julho e agosto, houve aumento significativo da desaprovação a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Até o juiz Sérgio Moro enfrenta desgaste: apesar de seu desempenho ainda ser majoritariamente aprovado pela população, sua taxa de rejeição está no nível mais alto em dois anos.

A pesquisa avaliou a opinião dos brasileiros sobre 26 autoridades de distintas esferas de poder, além de uma celebridade televisiva, o apresentador de TV Luciano Huck. Quase todos estão no vermelho, ou seja, são mais desaprovados do que aprovados. As exceções são Huck, Moro e o ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa. Os dois últimos são responsáveis pelos julgamentos dos dois maiores escândalos de corrupção do País: mensalão e Operação Lava Jato.


Para Danilo Cersosimo, um dos responsáveis pela pesquisa, o aumento do descontentamento com o Judiciário pode estar relacionado “à percepção de que a Lava Jato não trará os resultados esperados pelos brasileiros”. Outros levantamentos do Ipsos mostram que o apoio à operação continua alto, mas vem caindo a expectativa de que a força-tarefa responsável por apurar desvios e corrupção na Petrobrás provoque efeitos concretos e mude o País. “Há uma percepção de que a sangria foi estancada, de que a Lava Jato foi enfraquecida”, disse Cersosimo.

Na lista de avaliados pelo Ipsos estão três dos 11 atuais integrantes do Supremo: Cármen Lúcia, a presidente; Edson Fachin, relator dos casos relacionados à Lava Jato; e Gilmar Mendes, principal interlocutor do presidente Michel Temer no Tribunal. Os três enfrentam deterioração da imagem.

Além de Moro e Fachin, há na lista outros dois nomes relacionados à Lava Jato: o do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da operação em Curitiba. Eles também sofrem desgastes.

O descontentamento com Gilmar cresceu ao mesmo tempo em que ele ficou mais conhecido: até maio, mais da metade da população (53%) não sabia dele o suficiente para opinar. Agora, esse índice caiu para 30%. Já a taxa de aprovação se manteve praticamente estável, oscilando em torno de 3%. A avaliação crítica é maior nas faixas mais escolarizadas: chega a 80% entre os brasileiros com curso superior, e é de 50% entre os sem instrução.

Nos últimos meses, Gilmar, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se notabilizou por constantes e duras críticas ao que classifica como abusos na atuação do Ministério Público Federal em grandes investigações no País, incluindo a Lava Jato. O ministro protagonizou embates com o procurador-geral da República e chegou a chamar Janot de “desqualificado”.

Na pesquisa Ipsos, o chefe do Ministério Público Federal – que vai deixar o cargo em breve – teve seu desempenho reprovado por 52% dos entrevistados. A avaliação favorável ficou em 22%.

Evolução. Cármen Lúcia teve aumento de 11 pontos porcentuais em sua taxa de desaprovação entre julho e agosto, de 36% para 47%. Já sua aprovação está em 31% – queda de cinco pontos porcentuais em um mês e de 20 pontos desde janeiro. A avaliação favorável de Fachin caiu, em um mês, de 45% para 38%, enquanto a desfavorável subiu de 41% para 51%.

Conhecido por sua atuação no julgamento de acusados no escândalo da Lava Jato, Moro, titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba, tem seu desempenho aprovado por mais da metade da população (55%). Sua taxa de desaprovação, porém, subiu nove pontos porcentuais no último mês, de 28% para 37% – o ponto mais alto na série histórica do Ipsos, que teve início em agosto de 2015.

 

 


Fernando Gabeira: Conta de nunca chegar 

Quando cheguei à Argélia para o exílio, o pernambucano Maurílio Ferreira Lima já morava lá. Levou-me para um passeio e passou num açougue para comprar carne. Fez a transação em francês mas, ao sair, disse da porta: “pendura”. Fiquei surpreso com a naturalidade e o sorriso do açougueiro. Maurílio revelou que esta era a única palavra em português que ensinou a ele.

Cada vez que o governo vem anunciar uma nota fiscal, lembro-me de Maurílio. É como se dissessem: “mais R$ 20 bilhões, pendurem”. Maurílio pagava suas contas em dia. Ao contrário do governo, tratava apenas do que comprava, e não de projeções para o ano seguinte. O governo pendurou R$ 20 bilhões em 2017 e anunciou que vai pendurar R$ 30 bilhões em 2018.

Quem vai pagar tanto dinheiro? Eles falam em economia nos gastos públicos. Não acredito. Os dados estão aí: deputados e senadores querem alguns bilhões para financiar suas campanhas.

Se fossem só os políticos, ainda havia uma esperança. A Justiça, que tem sido aliada da sociedade na luta contra a corrupção, é muito reticente quando se discutem os supersalários que excedem o teto legal. Nesta semana, falando com um procurador que atua no Norte do país, ele me passou um quadro desolador. Há promotores que chegam a ganhar R$ 125 mil mensais.

As notícias sobre juízes do Mato Grosso que receberam até R$ 500 mil frequentaram o noticiário e saíram em paz. Um dos juízes chegou a declarar: “não estou nem aí para o espanto que a notícia causou”. Ele não está mesmo. Considera legal receber, e pronto. O próprio Supremo Tribunal Federal sempre tem se manifestado a favor de quem ganha tanto dinheiro com salário e penduricalhos.

Nesse sentido, a orfandade dos brasileiros é total. Os políticos não só desviam dinheiro como inventam fórmulas para receber fortunas através de suas leis eleitorais. E a Justiça não mostra nenhuma sensibilidade para o problema. O que fazer nessas circunstâncias?

Dentro do quadro de apatia que se criou no país, parece que a alternativa é trabalhar e separar o dinheiro do imposto, assim como muitos, em áreas de risco, saem com o dinheiro exato do assalto. Mas é uma tática que tem seus limites. A máquina burocrática brasileira é muito pesada para o país. Ela se comporta como se estivéssemos nadando em dinheiro.

O grande problema da necessária austeridade é o próprio governo. Se ele tem um projeto de reforma da Previdência que implica em sacrifícios para alguns, quem vai apoiá-lo sabendo que não há reciprocidade nos esforços? O resultado disso é a marcha da insensatez que vai nos levando progressivamente ao caos. No momento, falamos em bilhões com tranquilidade, mas já há quem calcule em meio trilhão o rombo nos próximos anos.

Mas toda essa conversa sobre números acaba sendo abstrata. Nas estradas, caiu o policiamento; nas fronteiras, a redução de verbas dificulta a ação das Forças Armadas. Nos hospitais, então, a escassez mata.

Em 2013, a sociedade intuiu que isso estava errado e se manifestou nas ruas, queria serviços decentes para os impostos que paga. Naquele momento, as grandes empresas estavam tranquilas. Se reclamavam dos impostos, a resposta foi simples: ampliar isenções. O BNDES emprestava dinheiro a juros reduzidos, e os próprios políticos ofereciam isenções. De tal forma ofereceram que, no Rio, cabeleireiros, joalherias e até um prostíbulo tornaram-se isentos. A corrupção mostrou como recursos públicos eram drenados. A quebradeira agora vai colocar também em cena algo que não era tão discutido em 2013. Pedia-se um serviço decente em troca do imposto.

Agora, num momento em que cogitam a alta dos impostos, o Brasil merece um grande debate sobre como o bolo dos recursos públicos é dividido.

Por que há tantas isenções e qual o benefício que trazem para o país? Por que uma máquina com tanta gente é tão pouco produtiva? Por que salários tão altos, tantos penduricalhos?

No Congresso participei de inúmeros debates sobre isso, tentando convencer o governo, na época, a reduzir radicalmente as viagens, que custavam em torno de R$ 800 milhões por ano. Já havia os meios para isso: teleconferência, Skype. Hoje foram ampliados com novas alternativas.

O alto custo não é apenas com passagens, mas também com as diárias pagas aos funcionários. Por isso, quando se fala em reduzir custos e aumentar a produtividade, há sempre uma resistência. Apesar de haver gente bem-intencionada entre os funcionários, o ânimo para aumentar a produtividade de serviços públicos deveria vir do universo político.

Do mundo político não virá nada. Foi o próprio sistema político-partidário que criou esse monstro dispendioso. Os políticos, nesse episódio, não são uma solução, e sim uma parte substancial do problema. Se depender eles, o atraso se eterniza. Sempre que apertar, vão dizer: “pendurem”.

 


Folha de S. Paulo: Temer avalia testar parlamentarismo em seu governo

Temer admitiu que o Planalto quer levar adiante uma "reformulação político-eleitoral". Argumentou, no entanto, que tudo está sendo feito "de comum acordo" com o Congresso e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Vera Rosa

O presidente Michel Temer está disposto a fazer um teste parlamentarista em seu governo, no último ano do mandato. Temer quer incentivar campanha em favor de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para adotar o parlamentarismo no país, a partir de 2019, contendo uma "cláusula de transição" que permita instalar o novo sistema no fim do ano que vem.

A ideia de nomear um primeiro-ministro no segundo semestre de 2018, caso o Congresso aprove uma PEC mudando o regime de governo, tem sido discutida nos bastidores do Palácio do Planalto. Ancorada pela crise política, diante de um cenário marcado pelo desgaste dos grandes partidos e de seus pré-candidatos nas próximas eleições, a estratégia é bem aceita por dirigentes do PMDB, mas encontra resistências no PSDB.

"O parlamentarismo está no nosso programa e, neste momento de crise, nada mais oportuno do que discutir o assunto, mas não achamos que isso seja solução para 2018, quando teremos eleições", disse o presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE). "Queremos preparar o caminho para 2022", completou.

Autor da PEC que institui o sistema parlamentar de governo, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), não vê problema na adoção do novo regime no fim do mandato de Temer, se o modelo passar pelo Congresso, para assegurar uma transição pacífica.

"Eu sou favorável à implantação do parlamentarismo o quanto antes", afirmou o chanceler. "Nesse presidencialismo com 30 partidos, o País é absolutamente ingovernável. A lei eleitoral premia a fragmentação e, se não forem aprovados a cláusula de barreira e o fim das coligações proporcionais, quem for eleito em 2018, seja quem for, pegará uma situação muito complicada."

O ministro das Relações Exteriores apresentou a proposta que prevê o parlamentarismo no ano passado, quando ainda exercia o mandato de senador. Para ele, o colega José Serra (PSDB-SP) é a "pessoa talhada" para liderar a discussão no Congresso e ser o relator da PEC. Serra, no entanto, também prega a adoção desse sistema somente a partir da disputa de 2022.

Gabinete

Pelo projeto de Aloysio, o presidente seria eleito por voto direto e teria a função de chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas. Seu mandato seria de quatro anos e caberia a ele nomear o primeiro-ministro, com quem ficaria a chefia do governo.

A Câmara dos Deputados poderia ser dissolvida pelo presidente, "ouvido o Conselho da República", e o Congresso teria o poder de aprovar "moção de censura" ao governo - equivalente à demissão do gabinete -, medida que só produziria efeito com a posse do novo primeiro-ministro.

Nos últimos dias, com o avanço das movimentações políticas em torno do tema, até mesmo aliados de Temer ficaram curiosos para saber quem seria o seu primeiro-ministro. Apesar da Lava Jato estar no encalço do presidente e de seu núcleo duro, a maior aposta neste sentido recai sobre o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, alvo de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF).

Questionado sobre a viabilidade de instituir o parlamentarismo no Brasil - já rejeitado em plebiscito, em 1993 -, Temer disse que "não seria despropositado" pensar nesse regime para 2018. Dias depois, informado por auxiliares de que a ideia sofria críticas até mesmo em sua base de apoio no Congresso, o presidente foi mais cauteloso. "Se pudesse ser em 2018, seria ótimo, mas quem sabe se prepara para 2022", ponderou ele.

Temer admitiu que o Planalto quer levar adiante uma "reformulação político-eleitoral". Argumentou, no entanto, que tudo está sendo feito "de comum acordo" com o Congresso e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No dia 6, por exemplo, Temer jantou com o presidente do TSE e ministro do Supremo Gilmar Mendes, no Palácio do Jaburu, para tratar do assunto.

"Como o presidente convive muito bem com o Congresso, acredito que haverá uma sinergia", afirmou Gilmar. "Uma crise geralmente contamina a chefia de Estado e de governo. Talvez possamos separar as funções e ajustar o modelo da própria governabilidade."

Pelo cronograma traçado, outra proposta sobre mudança no sistema, avalizada pelo Planalto, será apresentada para debate ainda neste mês. É aí que, dependendo das conversas, se pretende encaixar a "cláusula de transição".

Apesar das articulações, políticos de vários partidos acham difícil emplacar o parlamentarismo agora. Para ser aprovada, uma PEC precisa de 308 votos na Câmara e 49 no Senado. São duas votações. As informações são do jornal 'O Estado de S. Paulo".


Procuradoria pede arquivamento de investigação contra Lula por obstrução à Justiça

O pedido deverá ser avaliado pelo juízo substituto da 10ª Vara Federal de Brasília, onde também corre o processo contra Delcídio e Lula pelo suposto crime de 'embaraço à investigação' pela compra do silêncio de Nestor Cerveró

Luiz Vassallo, Julia Affonso e Fausto Macedo, do Estado de São Paulo

O Ministério Público Federal no Distrito Federal envia nesta terça-feira, 11, à Justiça Federal em Brasília, pedido de arquivamento de Procedimento Investigatório Criminal (PIC), que apurava se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria agido irregularmente para, a partir de articulação com o Senado Federal, atrapalhar as investigações da operação Lava-Jato.

As informações são do site da Procuradoria da República no Distrito Federal.

A suposta tentativa de Lula de embaraçar o trabalho dos investigadores foi informada pelo ex-senador Delcídio do Amaral em acordo de colaboração premiada.

O ex-congressista afirmou, em delação, que Lula o convidou, juntamente com os senadores Edison Lobão e Renan Calheiros, este então presidente do Senado Federal, para uma reunião no Instituto Lula, em São Paulo, no ano de 2015 e que, o objetivo do encontro era impedir o andamento da Lava Jato.

Após ouvir o Delcídio e os outros senadores apontados, o procurador da República Ivan Cláudio Marx concluiu não “se vislumbrar no discurso de Delcídio a existência de real tentativa de embaraço às investigações da Operação Lava-Jato”.

O senador Renan Calheiros negou, em depoimento ao Ministério Público Federal, ter discutido na reunião a criação de um grupo de administração de crise para acompanhar a Operação Lava Jato.

Já o senador Edison Lobão negou que o tema ‘obstrução do andamento da Operação Lava Jato’ tenha sido levantado em qualquer reunião com o ex-presidente Lula.

Ainda no documento encaminhado à Justiça, o Ministério Público Federal cita um dos trechos da oitiva de Delcídio, em que ele próprio afirma que ” era menos incisivo que embaraçar, mas o objetivo era organizar os discursos e oferecer um contraponto”.

A Procuradoria da República no Distrito Federal ainda destaca que, apesar de Delcídio referir que ‘na prática o efeito pretendido era o de embaraçar as investigações da Lava Jato, que essa mensagem não foi passada diretamente, mas todos a entenderam perfeitamente”, essa afirmação demonstra uma interpretação unilateral do delator, que não foi confirmada pelos demais participantes da reunião.

Ainda no pedido de arquivamento, o procurador da República Ivan Cláudio Marx ressalta que o principal objetivo de Delcídio ao citar Lula na delação pode ter sido interesse próprio, com o objetivo principal de aumentar seu poder de barganha perante a Procuradoria-Geral da República no seu acordo de delação, ampliando assim os benefícios recebidos. Para o MPF, nesse caso, não há que se falar na prática de crime ou de ato de improbidade por parte do ex-presidente.

O pedido de arquivamento criminal deverá ser avaliado pelo juízo substituto da 10ª Vara Federal de Brasília, onde também corre o processo contra Delcídio e Lula pelo possível crime de ’embaraço à investigação’ pela compra do silêncio de Nestor Cerveró.

Ao mesmo tempo, cópia dos autos será encaminhada à 5ª Câmara de coordenação e revisão do MPF para análise de arquivamento no que se refere aos aspectos cíveis.

 


Alon Feuerwerker: A inversão da inércia e a naturalização das reformas atrapalham Temer. E o risco do jogar parado petista

A declaração pela PF da licitude do áudio da noite de 7 de março no Jaburu e o teor da denúncia vinda da PGR contra o presidente já eram perturbações na narrativa do Planalto para escapar do desfecho desfavorável. Mas ainda não haviam invertido o sentido da inércia. Sentido que se descobre na resposta a isto: “Se nada acontecer, acontece o quê?".

A resposta define algo muito importante para a análise: define quem depende da criação do chamado fato novo para atingir os objetivos. Até uma semana atrás esse desafio era dos que queriam derrubar o governo. A prisão de Geddel Vieira Lima e a noticiada aceleração das colaborações de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro finalmente inverteram os vetores.

Outro problema novo para os ocupantes do Palácio é uma certa naturalização da necessidade das reformas liberais. Um trunfo do atual governo era a suposta essencialidade dele próprio para que andassem bem a lipoaspiração na CLT e a imposição da idade mínima de aposentadoria. Mas espalha-se a impressão de que não é bem assim.

A CLT light nasce esta semana no Senado. Só o imponderável impedirá o desfecho. E o inferno policial-político começa a dificultar a possibilidade da mudança previdenciária. Perturba assim a “agenda”, que também é a base do projeto de continuidade pós-2018. Se antes Temer estava ajudando quem o levou ao poder, agora começa a dar a sensação de atrapalhar.

Isso costuma ser perigoso, porque não basta ao líder defender seu direito de sobreviver. Ele precisa convencer de que sua liderança é essencial para a proteção da tribo. Se a fraqueza do chefe passa a ameaçar a vida dos chefiados, estes procuram um meio de livrar-se do problema. Para que não se estrepem todos, o poder muda de mãos. Dilma caiu também por isso.

O atual presidente da Câmara tem potenciais fragilidades legais, mas se assumir definitivamente a cadeira não poderá ser investigado por atos anteriores ao mandato. É o supertrunfo de qualquer presidente, desde que tome o cuidado de não perdê-lo. E não é tão difícil assim proteger-se do risco. Só não cometer erros primários. Que de vez em quando acontecem.

Há ainda uma dúvida. Se a Câmara autorizar o processo contra o presidente da República este sai por até 180 dias. E se o STF não o condena em seis meses ele volta ao cargo. Será que nesse período o interino goza da mesma imunidade constitucional do titular? Mais um tema para a Corte decidir. Ou esclarecer, se decidir que já está decidido.

Para quem apoia o atual bloco de poder o ideal seria uma solução definitiva. Mas se o presidente renunciar ele perde o foro, e o afastamento via impeachment consumiria o tempo útil até a eleição do ano que vem. Seria uma boa maneira de esticar a confusão até lá. O que só interessa eleitoralmente à esquerda, especialmente ao PT.

PT sem marola

Por falar nisso, é compreensível que o PT não deseje facilitar um governo de transição que dê um reset de imagem e musculatura no bloco adversário. Mas só o temor da ameaça que a Lava-Jato representa à candidatura Lula explica a falta de apetite do petismo para ocupar espaços de mobilização política criados pela fragilidade do governo.

O PT não está convocando manifestações pelo #ForaTemer, não está obstruindo a reforma trabalhista no Senado. Nem a está combatendo na rua. Além disso, não assume publicamente o compromisso de revogar as reformas impopulares se voltar ao governo. Em resumo, o PT adotou a política de não fazer marola, para que nada de diferente aconteça.

É verdade que se o presidente acabar derrubado ficará mais difícil fazer a denúncia política de uma eventual condenação de Lula em Curitiba. Aliás esse é outro problema que atrapalha a sobrevivência de Temer. Nas idas e vindas do jogo do poder, a permanência dele passou a ser um incômodo para quem precisa do cartão vermelho do tribunais a Lula-2018.

Os números das pesquisas têm dado gás a essa tática petista. O PT joga parado e está capitalizando a crise de quem o tirou do poder. Mas numa luta assim é perigoso deixar o adversário respirar. Se se está perdendo por pontos é sempre possível nocautear. Se a tática petista funcionar, terá sido brilhante. Se não, restará ao PT lamentar a oportunidade perdida.

*

O apoio do PSDB a governos não tucanos é o passarinho na gaiola que o mineiro leva com ele ao entrar para o trabalho na mina. Quando o passarinho morre é hora de sair correndo.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político na FSB Comunicação

 


Fernando Gabeira: O interessante estado de direito

Há coisas que não entendo no Brasil. Ou melhor, coisas que me esforço para entender. O STF, por exemplo, negou a liberdade a uma prisioneira que roubou xampu e chicletes. Mas decidiu soltar Rodrigo Rocha Loures, que recebeu a mala preta com R$ 500 mil numa pizzaria. Sou leigo e fiquei sabendo que a mulher foi mantida na prisão porque era reincidente. Provavelmente roubou um tubo de creme dental no passado e, como essas pessoas são insaciáveis, deve ter levado também a escova de dentes.

Leio no belo livro “Triste visionário”, de Lilia Moritz Schwarcz, sobre o escritor Lima Barreto, que o médico Nina Rodrigues, expoente da Escola Tropicalista Baiana, defendia no fim do século XIX que negros e brancos eram diferentes biologicamente e o Brasil precisava ter dois códigos penais. Felizmente, as ideias racistas de Nina, que conheci pelo seu trabalho pioneiro sobre a maconha, foram sepultadas. Existe apenas um código penal.

Suspeito, no entanto, que existam diferentes estados de direito. A mais generosa versão desse conceito surgiu no país quando começou a ser desmontado o gigantesco esquema de corrupção.

A Lava-Jato é responsável apenas por um terço das conduções coercitivas no país. Nunca houve problemas até que, depois da centésima experiência, a operação trouxe Lula para depor. Resultado: um grande debate nacional sobre condução coercitiva. Em 2013, o Congresso aprovou o instrumento da delação premiada. Era destinado a desarticular o crime organizado. Ninguém protestou. Ao ressurgir na Lava-Jato, a delação premiada precisou se revalidar no contexto do novo e delicado estado de direito.

Marcelo Odebrecht disse que ensinava aos seus filhos que era feio delatar. No Congresso, a delação premiada foi definida como a tortura do século XXI. E Dilma Rousseff comparou os delatores a Joaquim Silvério dos Reis, nivelando a Inconfidência Mineira ao assalto à Petrobras.

Mostrei num curto documentário como as famílias dos presos sofrem para visitar os parentes no Complexo de Bangu, às vezes, passando a noite ao relento, à espera de uma senha.

A televisão revela agora como Sérgio Cabral recebe visitas à vontade, inclusive como chegam encomendas da rua no setor onde está preso agora. Sua mulher, Adriana Ancelmo, está solta para cuidar dos filhos, e a polícia encontrou nas casas da irmã e da governanta joias escondidas por ela. Leio nos jornais que numa excursão da Escola Britânica ao exterior, o filho de Cabral foi o único a viajar na classe executiva.

Se a mulher de Cabral ajudá-lo, de novo, a roubar R$ 1 bilhão do povo do Rio, inclusive com prêmios por conceder aumento da passagem de ônibus, creio que, pela leitura da lógica do STF, irá para a cadeia. Dura lex sed lex, no cabelo só Gumex, dizia o velho anúncio. A mulher que roubou o xampu deve ser jovem, desconhece slogans publicitários do passado.

Há algum tempo, desisti de esperar uma reação previsível do Supremo. Carmem Lúcia, de vez em quando, me consola prometendo que o clamor das ruas será ouvido.

De vez em quando, sim, o clamor das ruas será ouvido. Mas o sistema politico partidário brasileiro envolve com seus tentáculos os próprios ministros do Supremo. O ubíquo Gilmar Mendes articula leis no Congresso, encontra-se com investigados, discute o preço do boi com Joesley Batista e foi padrinho da casamento de Dona Baratinha, herdeira do clã que enriqueceu cobrando caro para que o povo do Rio viaje nos seus ônibus vagabundos.

A Lava-Jato lançou a ideia de que a lei vale igualmente para todos. É uma ideia tão antiga que pronunciá-la parece apenas repetir um lugar comum. Vencemos a etapa em que o racismo teorizava um código penal para brancos e outro para negros.

Mas a realidade mostra como existe ainda um grande caminho a trilhar. A lei não é igual para todos. Ela afirma que os portadores de diploma universitário têm direito à prisão especial.

E cria uma dessas situações que talvez só possa se resolver numa peça de ficção. Nas cadeias do Rio, em condições tão distintas, os cariocas que Sérgio Cabral arruinou e o novo rico que a corrupção alimentou.

Na realidade concreta do cotidiano, é um conflito insolúvel. A lei vale para todos, contudo, entretanto,você sabe como é, estamos no Brasil, um país que, definitivamente, não tolera roubo de chicletes. Como dizem os defensores do estado de direito, vivemos o perigo de um estado policial. Hoje o chiclete, amanhã um quilo de açúcar, daqui a pouco os homens podem nos levar pelo simples desvio de um milhão de dólares.

No tempo da corrupção, éramos felizes e não sabíamos. Ninguém tinha feito delação premiada. Era possível comprar eleições em nove países do continente e, sobretudo, comprar uma Olimpíada. O complexo de vira-lata foi jogado no lixo; do pingue-pongue ao polo aquático, gritávamos: Brasil, com muito orgulho e muito amor.

Aí, chegou a polícia.

* Fernando Gabeira é jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/o-interessante-estado-de-direito-21569500

 


Ricardo Noblat: Para estancar a sangria

À luz dos fatos recentes, combinemos assim: senador pedir R$ 2 milhões a empresário para pagar despesas com advogados não é nada demais. Só interessa a eles.

Não importa que o dinheiro tenha sido entregue dentro de uma mala, sem registro da transação. E que a irmã do senador tenha tentado, mais tarde, vender ao empresário um imóvel da família a preço exorbitante. Assunto particular, ora essa...

Combinemos também que deputado filmado pela Polícia Federal correndo com R$ 500 mil dentro de uma mala só revela o quanto é inseguro circular livremente em locais públicos de qualquer grande cidade.

É verdade que o dinheiro lhe fora dado como pagamento de propina. Mas acabou devolvido. Em troca, o agora ex-deputado está proibido de sair de casa à noite e nos fins de semana. Não está de bom tamanho?

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que devolveu o mandato ao senador escreveu que a trajetória política dele é elogiável, que ele tem fortes ligações com o Brasil e que só ao Senado cabe punir os seus, preservando-se o equilíbrio entre os poderes da República.

É irrelevante, de certo, que o mesmo ministro, há alguns meses, tenha afastado do cargo o presidente do Senado. Acabou desautorizado por seus pares.

Não é vedado a um juiz pensar, hoje, de uma forma e amanhã de outra. O ministro que mandou prender o ex-deputado da mala, por exemplo, disse que o fez porque ele “prosseguiria aprofundando métodos nefastos de autofinanciamento em troca de algo que não lhe pertence”.

Certamente a prisão foi relaxada porque o ex-deputado desistiu de aprofundar seus “métodos nefastos de autofinanciamento”. Passou o perigo, pois.

O senador agora reconciliado com o mandato funcionou como âncora para impedir que seu partido abandonasse o governo. Se tal ocorresse, o governo retaliaria liberando votos para cassar seu mandato.

De volta às funções, e por coerência, o senador atuará com mais desenvoltura ainda para que o presidente da República denunciado por corrupção passiva continue firme e forte como deve ser.

Infelizmente para o governo, o ex-deputado da mala não poderá ajudá-lo a sobreviver mesmo que débil. Pegaria mal vê-lo arrastar-se por aí com uma incômoda tornozeleira eletrônica.

Sua maior contribuição à estabilidade das instituições será manter-se calado. Por coincidência, nada mais do que coincidência, foi libertado poucos dias depois de avisar que estava disposto a delatar. Era o que faltava...

Celebremos o que há de mais positivo. Por folgada maioria de votos, o STF validou a delação dos executivos do Grupo JBS que ameaça a sorte do atual e dos ex-presidentes Dilma e Lula. Quer dizer: segue valendo a lei das delações assinada por Dilma e depois amaldiçoada por ela.

A decisão do tribunal deixou entreaberta a porta para revisão de delações contaminadas por ilegalidades. Quais? Qualquer uma. Não lhe parece justo?

O Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, cujo mandato termina em setembro, já teve seu substituto escolhido – a procuradora Raquel Dodge, de notável biografia e desafeta dele.

Foi o segundo nome mais votado por seus colegas. O primeiro, irmão do governador do Maranhão, adversário de José Sarney, era a favor da cassação de Temer. Foi o ministro Gilmar Mendes que sabiamente aconselhou Temer a escolher Raquel.

Espera-se que o juiz Sérgio Moro condene Lula, esta semana. Então o país poderá respirar aliviado. Não é?

* Ricardo Noblat é jornalista

Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/meus-textos/noticia/2017/07/para-estancar-sangria-03-07-2017.html

 


Fernando Gabeira: Conversa num barco encalhado

Na semana passada nosso barco encalhou perto da Baía dos Pinheiros, no litoral sul do Paraná. A maré baixou rápido e ficamos mais ou menos perdidos: só tínhamos as coordenadas e um rádio. Não havia o que fazer, exceto esperar a maré subir. Alguém me provocou: nosso barco está encalhado como o país.

Nessas horas de espera a gente alonga a conversa. Disse que de uma certa forma . Até lá estaremos encalhados de uma forma diferente do pequeno barco colado na lama do fundo do mar. Haveria muita turbulência e, como estamos no final de uma grande investigação, muitas situações repetidas.

A de Temer, por exemplo, afirmando que não há provas, dizendo-se vítima de uma perseguição. Quem não ouviu essa fala em outros atores da grande série político-policial?

Embora às vezes a gente se sinta perdido na complexidade da crise brasileira, é possível achar um rumo. Ele passará pela sociedade e pelo Congresso. Vamos entrar num período eleitoral, e a sociedade costuma ter mais peso nessas épocas. O Congresso torna-se mais sensível às pressões populares. De memória, lembro-me apenas de uma grande exceção: a derrota na emenda Dante de Oliveira.

Enquanto o barco não sai do lugar, movido pelos ventos da legitimidade, há muito o que fazer na espera. Num barco, temos de distribuir as bananas, agasalhar a garganta do sudeste frio que sopra no litoral. Num país é preciso saber o que se quer enquanto estamos à espera de voltar a navegar. Fora Temer, ou fica Temer.

A Câmara terá que decidir isto. Mas não o fará sozinha. Se a pressão social a levar a aceitar a denúncia contra Temer, é o fim para ele. Só restará, depois de visitar a União Soviética, passar umas férias no Império Austro-Húngaro.

Começaria aí uma nova etapa, a escolha do novo presidente. É preciso algumas precauções básicas, pois não é possível derrubar presidentes com tanta frequência.

Entregue a si próprio, o Congresso tende a escolher alguém que o proteja da Lava-Jato. Mas não existe mais possibilidade de tomar as decisões nas madrugadas. Uma vigilância social pode conter os passos do escolhido para a transição.

O que se espera de um presidente de país encalhado é principalmente tocar a administração. Quando a maré subir, com eleitos no poder, tomam-se as grandes decisões.

Alguém me lembra que isso é não é uma situação sonhada. Mas a que a realidade nos coloca. Mesmo as eleições de 2018, embora tragam mais legitimidade aos eleitos, não devem ser vistas na categoria de sonho, mas sim de uma oportunidade, depois de tudo o que pessoas viram e ouviram sobre o sistema político partidário.

Na rua ouvem-se muito os nomes de Lula e Bolsonaro. Potencialmente pode surgir uma força de equilíbrio que suplante as duas. Não creio que aconteça o mesmo que aconteceu na França, onde houve uma ampla renovação, da presidência ao Congresso.

Mas alguma coisa vai acontecer. Enquanto a maré não sobe, há muito o que fazer no barco encalhado. É preciso que o essencial funcione.

No momento em que escrevo ouço os helicópteros da PM sobrevoando o morro. Uma dezena de tiroteios por dia, uma onda de roubos de carga, imagens de crianças deitadas no chão da escola enquanto os tiros ecoam.

Temer chegou a anunciar um plano de segurança para o Rio. Era pura agenda positiva, esse tipo de ação que fazem quando a barra está muito pesada e é preciso mudar de assunto. A dimensão da crise no cotidiano, a existência de 14 milhões de desempregados, esse pano de fundo inquietante torna a tarefa mais difícil. Quando governantes já caídos se apegam ao poder, na verdade colocam seu destino acima do destino nacional. Os reflexos na economia são sempre negativos. Encalhamos um pouco mais. A compreensão do momento vai exigir da sociedade evitar que o barco encalhado torne-se um barco naufragado. Será preciso um amplo entendimento entre todos que reconhecem a gravidade da crise, para que cheguemos em condições razoáveis em 2018.

Esta semana faltaram passaportes na Polícia Federal. É um sintoma. Se não houver o mínimo de energia na administração, daqui a pouco não faltarão apenas passaportes mas as próprias saídas.

Não é nada agradável se desfazer de dois presidentes num curto espaço de tempo. Mas o roteiro, de uma certa forma, estava escrito. Retirado o PT do governo, restaram em seu lugar os companheiros de uma viagem suja pelos cofres públicos brasileiros.

A investigação chegou a eles e à própria oposição. Não importa qual o desfecho jurídico desse imenso esforço, ele serviu para desvendar para a sociedade um gigantesco esquema de corrupção e um decadente sistema político partidário.

Daí pra frente a bola está com a sociedade.
* Fernando Gabeira é jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/conversa-num-barco-encalhado-21544014

 

 


Fernando Gabeira: Hora de desligar aparelhos

No futuro, não há estabilidade, e sim turbulência. No terceiro ano da Lava-Jato, um assessor do presidente é filmado correndo com uma mala preta. No interior da mala, R$ 500 mil de uma pizzaria. Antigamente, tudo acabava em pizza. Aqui começou numa pizzaria chamada Camelo. Depois da delação da JBS, Temer entrou em guerra com a Lava-Jato. Os métodos são os mesmos, politizar a denúncia, investir contra juízes e investigadores. Os detalhes da denúncia da JBS são conhecidos, foram repetidos ad nauseum na televisão. A iniciativa de Temer ao partir para o confronto marca mais um capítulo de uma resistência histórica à Lava-Jato.

Nas gravações divulgadas, Lula foi o primeiro a articular uma reação, criticando os procuradores, confrontando Sérgio Moro, politizando ao máximo a luta ao que chama de República de Curitiba. Lula tentou articular uma reação. Ele percebeu que todo o sistema político partidário poderia ruir. Não conseguiu avançar. Havia a possibilidade do impeachment, e o tema da luta contra a Lava-Jato caiu para segundo plano.

Num outro compartimento, as gravações de Sérgio Machado mostram a cúpula do PMDB tramando para deter as investigações. Nas intervenções de Romero Jucá fica claro que a expectativa era deter a sangria. Mas ao mesmo tempo era preciso derrubar o PT. Possivelmente, julgavam-se mais capazes, uma vez no poder, de realizar o sonho de preservação do sistema.

As intervenções de Aécio Neves, presidente do PSDB, são mais ambíguas. Aécio não assumia publicamente que era contra a Lava-Jato. No entanto, articulava leis para neutralizá-la, seja pela anistia ao caixa dois ou pela Lei de Abuso de Autoridade. No terceiro ano da Lava-Jato, Aécio é gravado tratando de dinheiro com Joesley Batista, um empresário, por boas razões, investigado em várias frentes.

A resistência do velho sistema foi se esfacelando até encontrar, agora em Temer, o último general, com uma tropa de veteranos da batalha de Eduardo Cunha, como o deputado José Carlos Marin. É um presidente impopular que se escora apenas na cativante palavra estabilidade. A mesma que Gilmar Mendes utiliza ao absolver a chapa Dilma-Temer diante de provas que o relator Herman Benjamin classificou de oceânicas.

Que diabo de estabilidade é essa? O Tribunal Superior Eleitoral, num espetáculo caro aos cofres públicos, perdeu toda a credibilidade. Mas mesmo ali, julgando um fato passado, a Lava-Jato estava em jogo. Não só porque desprezaram provas da Odebrecht.

O ministro Napoleão Nunes mostrou-se um bravo soldado do sistema em agonia. Referindo-se aos seus delatores, falou na ira do profeta passando a mão pelo pescoço, como se fosse decapitá-los. Num mesmo espetáculo, soterram provas contundentes, e um deles se comporta, simbolicamente, como se fosse um terrorista do Estado Islâmico.

Nada mais instável do que abalar a confiança na Justiça. As reformas necessárias, os 14 milhões de desempregados são uma realidade inescapável. Mas a estabilidade que o núcleo do governo está buscando é uma proteção contra a Lava-Jato. Oito ministros são investigados. O chamado núcleo duro, Moreira Franco e Padilha se agarram ao foro privilegiado.

Olhando o futuro próximo, não é a estabilidade que vejo, e sim turbulência. Um presidente desmoralizado pelos fatos policiais vai buscar todas as maneiras de se agarrar ao poder. Quando tiver de hesitar entre a estabilidade fiscal e a do seu cargo, certamente lançará mão de pacotes de bondades.

Mesmo um presidente indireto teria de seguir a sina de Lula, Renan, Jucá, Aécio e do próprio Temer. Uma das condições para que o Congresso escolha alguém é a promessa de proteção contra a Lava-Jato. Tarefa inglória. Todos falharam até agora. Por que um presidente nascido de uma escolha indireta teria êxito?

O seu trabalho seria desenvolvido num período eleitoral. A experiência mostra que nesses períodos a sociedade tem um peso maior sobre as decisões do Congresso.

Isso completa a visão de que não há estabilidade à vista, mas uma rota de turbulência. A escolha portanto é voar para frente ou para trás. Desligar ou não os aparelhos do velho e agonizante sistema politico partidário, ancorado na corrupção.

A ausência das manifestações de rua não significa que a sociedade perdeu o interesse. Pelo contrário, o impacto de espetáculos como o do TSE tem um longo alcance. É muito provável que, num momento em que achar necessário, vá comparecer com a célebre voz da rua. Se tudo o que aconteceu passar em branco, corremos o risco de nos transformar numa nação de zumbis. Com a exceção de praxe: os índios isolados da Amazônia.

* Fernando Gabeira é jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/hora-de-desligar-aparelhos-21488149