STF
Luiz Carlos Azedo: As lições de Tuchman
Uma decisão do Senado hoje desautorizando a Primeira Turma pode desacreditar o Supremo e talvez até provocar uma reação contrária às expectativas quanto à decisão do plenário da Corte, o que nos levaria ao limiar de uma crise institucional
A escritora norte-americana Barbara Tuchman (1912-1989), historiadora autodidata, ficou famosa com a publicação do livro Canhões de agosto, em 1962, com o qual ganhou o Prêmio Pulitzer de não ficção, ao relatar os antecedentes e o primeiro mês da Primeira Guerra Mundial, desnudando o despreparo e a arrogância dos líderes políticos que protagonizaram o conflito. A carnificina custou 10 milhões de mortos, 30 milhões de feridos, arrasou indústrias e campos agrícolas, gerando prejuízos econômicos e dívidas impagáveis. Um mês de guerra foi o suficiente para desmoralizar e desacreditar governos, entre os quais a autocracia dos Romanov, cuja deposição resultou na Revolução Russa de 1917.
Seu livro mais conhecido, porém, é a A marcha da insensatez, lançado em 1984 nos Estados Unidos e publicado logo no ano seguinte no Brasil, pela Editora José Olympio. Teve grande repercussão por aqui, porque foi um raio de luz num momento decisivo da transição à democracia. Nele, Tuchman traça um paralelo entre momentos decisivos da História, entre os quais a Guerra de Troia, a Reforma Protestante, a Independência dos Estados Unidos e a Guerra do Vietnã, para tipificar o desgoverno provocado pela tirania, pela ambição, pela insensatez e pela decadência. Retrata a loucura política de governantes que adotam políticas contrárias aos seus próprios interesses, mesmo quando as evidências do fracasso se avultam e escolhas acertadas seriam possíveis.
Não faltam exemplos na política brasileira sobre isso, mas parece que estamos novamente num desses momentos em que as lideranças não medem as consequências dos seus atos. O presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), ao sair do encontro de ontem com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, anunciou que a sessão marcada para apreciar a decisão da Primeira Turma do STF que decidiu afastar do mandato o senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do PSDB, está mantida para hoje. E que a revogação da decisão está na pauta de votação, mesmo que o recurso impetrado pelo PSDB contra a decisão esteja para ser julgado pelo plenário da Supremo em 11 de outubro.
Desde sexta-feira, nos bastidores do Judiciário, comentava-se que a decisão da Primeira Turma, protagonizada pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luís Fux, contra os votos do relator Marco Aurélio Mello e do ministro Alexandre de Moraes, seria revista pela maioria do Supremo. Supostamente, somente o ministro-relator da Lava-Jato, Edson Fachin, da Segunda Turma, estaria solidário com a decisão. Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski seriam a favor de rever as “medidas cautelares”. Caberia ao decano Celso de Mello e à presidente da Corte, Cármen Lúcia, consolidar ou reverter essa maioria. Talvez fosse mais prudente e elegante o Senado esperar o próprio Supremo rever a decisão da Primeira Turma em vez de reiterar o poder de dispor dos mandatos de seus membros. Daria aos demais integrantes da Corte a oportunidade de rever os atos de três de seus pares.
Um velho poema
É muita ingenuidade — para não dizer insensatez — acreditar que a ordem dos fatores não altera seu resultado. Uma decisão do Senado hoje desautorizando a Primeira Turma pode desacreditar o Supremo e talvez até provocar uma reação contrária às expectativas quanto à decisão do plenário da Corte, o que nos levaria ao limiar de uma crise institucional. O aviso veio de um dos ministros vencidos na Primeira Turma: “No dia 11, o Supremo dará a última palavra. Temos que cumprir a Constituição. A última palavra e interpretação constitucional é do STF. A partir do dia 11, qualquer desrespeito a partir da decisão do STF poderá resultar em crise institucional”, admitiu Alexandre de Moraes.
A situação é realmente delicada, ainda mais porque a Câmara inicia a discussão de outro contencioso: a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, que pode ser rejeitada pela base governista. São dois episódios que tensionam a relação entre os poderes da República, ambos em razão das investigações da Operação Lava-Jato. As forças no poder destituíram a presidente Dilma Rousseff em razão dos anseios da sociedade organizada em rede, que não permanece nas ruas, mas continua sendo uma variável a ser levada em conta. Os políticos entrincheirados no governo e os agentes econômicos também não têm os mesmos interesses, ainda que a sobrevivência do patrimonialismo nos processos de modernização, historicamente, faça parte da nossa tradição ibérica.
A crise política somente se resolverá nas eleições de 2018, nas quais vale a advertência de quem retratou a formação do patriarcado brasileiro, Gilberto Freyre, autor de Casa grande & senzala, no velho poema de 1926: “Eu ouço as vozes/eu vejo as cores/eu sinto os passos/ de outro Brasil que vem aí”.
Merval Pereira: Choque de visões
Não cabe ao Senado desacatar uma decisão do STF. O caso do senador tucano Aécio Neves, que coloca em xeque uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e ameaça o país com uma crise institucional grave, é consequência de um embate que vem se desenvolvendo desde o julgamento do mensalão em 2011, às vezes sub-reptício, às vezes escancarado.
Naquela ocasião, vários políticos do governo em exercício e empresários foram condenados e presos, fato raro na História do país que deu início a um novo paradigma de interpretação da legislação penal e da própria Constituição.
Essa disputa de interpretações tem levado o Congresso a diversas tentativas de legislar em causa própria, para refrear o ímpeto dos investigadores, especialmente os procuradores de Curitiba — berço da Operação Lava-Jato, que se espalhou por vários pontos do país encontrando eco generalizado no Ministério Público e em juízes como Sergio Moro, de Curitiba, o juiz natural do caso, Marcelo Bretas, do Rio, ou Vallisney de Souza, de Brasília.
O Brasil vive uma disputa entre os que querem usar a lei para punir as ilegalidades que ocorrem há anos — e nos levaram à situação de degradação político-social em que nos encontramos —, e os que, a pretexto de defender o estado de direito, acabam, com a interpretação restrita da lei, alimentando a percepção da sociedade de que a impunidade é a marca da Justiça brasileira.
A legislação basicamente é a mesma, o que está mudando é sua interpretação. O falecido ministro do Supremo Carlos Alberto Direito cunhou a expressão “jurisprudência evolutiva”, que explica o que está acontecendo: para os tempos atuais, já não servem mais os critérios adotados até então, que, aliás, nos levaram aonde estamos. Uma marca registrada do sistema jurídico nacional era a possibilidade de escapar de uma punição com os vários recursos existentes.
A decisão recente do STF de permitir a prisão depois de uma condenação em segunda instância trouxe um ar renovador para um ambiente jurídico envelhecido, e não é por acaso que já existem dentro do próprio STF movimentos para reverter essa decisão, que tem sido fundamental para barrar a impunidade e, por isso mesmo, incomoda os que não eram expostos à ação da Justiça e agora temem simplesmente ir para a cadeia, situação inimaginável anteriormente.
A prisão preventiva também passou a ser utilizada para impedir a ação do condenado de obstrução da Justiça, especialmente quando ele é poderoso, pelo cargo que exerce ou pela situação social. Desde o mensalão, a interpretação da lei passou a ser feita com o objetivo de punir, e não mais de ser benevolente com os que tinham poder, dinheiro, ou capacidade de influência.
A partir da Lava-Jato, essa situação foi exacerbada, e agora vão para prisão o político, o empresário, o ex-ministro e quem mais tiver de ir. Os antes beneficiados estão revoltados, porque nunca estiveram ao alcance desse tipo de ação na Justiça. Não foi outra a intenção dos que, no Congresso, queriam punir o chamado “crime de hermenêutica”, ou seja, a possibilidade de criminalizar a interpretação que um juiz dê a determinado fato do processo.
No caso dos parlamentares, por exemplo, a interpretação usual da norma constitucional era que só se podia prendê-los em flagrante por crime inafiançável. E, por isso, nunca acontecia nada. O sociólogo e jurista alemão Niklas Luhmann, um dos maiores intérpretes das teorias sociais do século XX, considerava que, para ser efetiva, qualquer medida dependia de três fatores: a tomada de decisão, a implementação dessa decisão e a consequente paz social que ela geraria.
É o caso atual, uma decisão da Primeira Turma do Supremo que corrobora uma anterior, do relator da Lava-Jato, Edson Fachin, derrubada por uma medida monocrática do ministro Marco Aurélio Mello. Como a Constituição trata de prisão de parlamentares, mas não garante a eles a impunidade, a decisão não fere a Constituição, pois a punição dada ao senador foi uma pena alternativa à prisão, que consta como do novo Código de Processo Penal.
Não cabe ao Senado desacatar uma decisão do Supremo, mesmo que alguns ministros do próprio STF, estranhamente, venham a público defender que a decisão majoritária da Primeira Turma deve ser contestada como inconstitucional.
E a paz social só será alcançada se a sociedade passar a acreditar que a lei é para todos.
O Estado de S.Paulo: FHC diz que STF é o guardião da Constituição e tem a 'decisão final'
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) está em Washington, nos EUA
Cláudia Trevisan
Sem mencionar o caso do presidente nacional licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (MG), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou nesta quinta-feira, 28, em Washington, que o Supremo Tribunal Federal (STF) é o guardião da Constituição e tem a "decisão final" no Brasil.
"Ele decide e é isso", declarou, pouco antes de o Senado aprovar regime de urgência para a proposta de rejeição da decisão do STF de afastar Aécio da Casa e submetê-lo a um regime de "recolhimento noturno". A atuação do Supremo foi apresentada por Fernando Henrique como um dos exemplos de fortalecimento das instituições democráticas depois da Constituição de 1988.
"No passado, quando confrontados com uma crise como a atual, os brasileiros estariam especulando sobre a atitude dos generais de quatro estrelas. Hoje, a maioria de nós nem sabe quais são os seus nomes, enquanto os nomes dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal são nomes familiares", afirmou.
"Essa é uma modificação profunda. Como sou velho, eu lembro-me dos tempos antigos", disse. Ele disse que o Supremo Tribunal tem problemas, mas observou que não gostaria de fazer críticas à Corte no exterior. Porém, ressaltou: "É melhor ter problemas para ajustar o Supremo Tribunal Federal do que ter problemas para colocar os militares de lado".
Em palestra intitulada "O impacto político da corrupção na América Latina", Fernando Henrique disse que, "certamente", havia corrupção no governo dele, mas afirmou que era de natureza distinta da que caracterizou as administrações do PT que o sucederam.
"Eu não fui informado, eu não era a favor, eu não permitia e essa não era a base em que meu governo se sustentava." A gestão do ex-presidente foi marcada pela suspeita de compra de votos para aprovação da emenda constitucional que permitiu a reeleição, em 1997.
Na época, o deputado Ronivon Santiago disse ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da proposta. De acordo com Santiago, outros quatro parlamentares teriam ganhado pagamento. O caso nunca foi investigado. Numa referência ao período pré-PT, que inclui o mandato dele, FHC declarou que os atos de corrupção eram "individuais" ou um "misto de clientelismo e negligência" e não "um mecanismo fundamental para um governo ganhar e manter o poder".
O ex-presidente acredita que as administrações petistas criaram um sistema de apoio parlamentar sustentado pela corrupção, por meio da cumplicidade de setores da economia e os partidos no poder. FHC acha que essa "conivência" entre interesses públicos e privados foi aceita pela sociedade em geral em razão dos programas de inclusão social do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teriam assegurado a "absolvição de qualquer transgressão - pelo menos por um período". O tucano não respondeu a perguntas da plateia e deixou o Wilson Center sem falar com a imprensa.
Merval Pereira: No último lugar
O que está em jogo é a classe política como um todo. É uma triste coincidência, e ao mesmo tempo uma explicação, que no mesmo dia em que o Brasil ficou em último lugar entre 137 países na confiança do público nos políticos, esses mesmos políticos se vejam às voltas com acusações de corrupção de todos os tipos, tendo chegado ao Palácio do Planalto formalmente a segunda denúncia contra o próprio presidente da República e seus principais assessores.
Também ontem, o Senado estava em polvorosa com a decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal, que afastou novamente o senador Aécio Neves de suas funções e proibiu-o de sair à noite. O PT, inimigo figadal do PSDB, já anunciou que votará a favor do senador tucano se o Senado se pronunciar sobre a decisão do Supremo. E soltou uma nota que, a pretexto de preservar a Constituição, critica duramente Aécio mas defende que ele não seja afastado do cargo.
Da primeira vez em que o senador Aécio Neves foi punido com o afastamento de seu mandato pelo relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, o Senado aquietou-se diante das imagens de malas cheias de dinheiro sendo distribuídas, e a voz do senador foi ouvida por todo o país num diálogo nada civilizado com o empresário Joesley Batista.
O choque das imagens e dos diálogos calou o Senado. Mas hoje todos parecem dispostos a se defender, defendendo mesmo que seja um adversário político. A discussão técnica sobre a diferença entre recolhimento domiciliar e prisão é o de menos a esta altura, pois o que está em jogo não é mais uma tecnicalidade para evitar punições dos que têm foro privilegiado, mas sim a classe política como um todo.
Mesmo na discussão técnica, a decisão da primeira turma do Supremo tem respaldo do Código de Processo Penal, que no seu artigo 319 classifica como “medidas cautelares diversas da prisão” o recolhimento domiciliar noturno e em feriados, e o afastamento de função pública quando o acusado pode fazer uso dela para prejudicar as investigações. Não houve nenhuma invenção jurídica no caso, mas a aplicação rigorosa da lei.
O que tem sido revelado nesses mais de três anos de investigação engloba todos os partidos políticos, dos mais importantes aos nanicos, e não há ninguém preocupado em acertar regras políticas de transição que deem uma pequena esperança de solução para o cidadão.
No momento, os políticos estão preocupados em armar uma reforma política que evite atingir seus interesses maiores, e todos se acertam entre si para, unidos, enfrentarem o inimigo comum, que é a Justiça.
O resultado da pesquisa do Fórum Econômico Mundial de Davos faz parte do Índice de Competitividade Global, justamente porque o combate à corrupção e a segurança jurídica quanto às decisões das autoridades políticas são itens fundamentais para medir a capacidade de competição dos países no mercado internacional.
O que as investigações da Lava-Jato estão revelando é que leis são literalmente compradas dentro do Congresso, e vantagens fiscais são negociadas em medidas provisórias que valem milhões de reais, e até de dólares. A questão é tão importante para os negócios que um dos convidados do Fórum de Davos em janeiro foi o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que defendeu a tese de que o combate à corrupção no Brasil vai ajudar a fortalecer a economia.
O contraponto desses movimentos corporativistas que voltam a tentar conter o ímpeto das investigações é a força-tarefa de Curitiba, reconhecida internacionalmente por seu trabalho. Hoje, os procuradores, representados por Deltan Dallagnol, estão no Canadá, pois seu trabalho está entre os três finalistas do prestigioso Allard Prize, que será entregue na Universidade da Colúmbia Britânica.
Há um forte trabalho de grupos de ativistas, brasileiros e internacionais, contra a entrega do prêmio aos procuradores de Curitiba, e os organizadores do prêmio estão impressionados com o movimento. Afirmam que os selecionados passam por comitês avaliadores, e que o teor das mensagens, boa parte em termos agressivos, está preocupando pela radicalização política.
Anteriormente, no ano passado, a força-tarefa da Lava-Jato já havia sido premiada, entre outros, pela Transparência Internacional, que a classificou como exemplo de investigação contra a corrupção estatal no Brasil.
Os últimos dias têm sido pródigos em revelar mais detalhes sobre a corrupção generalizada, e até mesmo recibos de aluguel apresentados à Justiça são suspeitos de manipulação. A carta de Antonio Palocci, ex-homem forte de Lula e Dilma, desligando-se do PT e acusando Lula de ter sucumbido ao que há de pior na política, é o retrato fiel desses tempos.
O Globo: Senadores reagem ao afastamento de Aécio e ministro de STF é acusado de ‘debochar’ do tucano
Senadores da base e oposição acusaram os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que votaram pelo afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato e pelo seu recolhimento domiciliar noturno de “ativismo judicial”, interferência em outro Poder, de ter extrapolado da Constituição e de ter “debochado” do parlamentar ao fazer piada no voto, como no caso do ministro Luiz Fux.
O senador Jorge Viana (PT-AC), da tribuna do Senado, disse que os ministros estão sendo vencidos pela vaidade da transmissão direta das sessões do Supremo pela TV Justiça. A Executiva nacional do PT se reuniu e vai divulgar uma nota se posicionando sobre o caso.
Os senadores cobram que a decisão seja deliberada pelo plenário do Senado, mas negam que seja uma “operação” para salvar Aécio.
— Não estou preocupado em salvar o Aécio, estou preocupado é em salvar a Constituição. Não estou querendo esconder nada — cobrou Jorge Viana, criticando a fraqueza humana dos ministros expostos a transmissão direta das sessões do STF.
Em aparte, o senador José Medeiros (Podemos-MT) acusou o ministro Fux de ter “debochado” de Aécio em seu voto, ao dizer que ele deveria ter se afastado por conta própria e como não o fez, o STF iria dar uma forcinha. Medeiros disse que o Senado tem que se posicionar imediatamente como Poder independente, “nem extrapolando nem diminuindo suas prerrogativas”.
— Não compete ao juiz tripudiar, fazer escárnio, ser debochado. Não é seu papel ser hilário. A lei já é dura o bastante — criticou Medeiros.
O líder da Oposição, Humberto Costa (PT-PE), disse que se houve extrapolação das prerrogativas do Supremo, o plenário do Senado deve se manifestar principalmente se houve descumprimento da Constituição.
— Imagina se nós do Senado decidimos pelo afastamento de alguém do Supremo? Se algum ministro praticar algum crime, pode ser alvo de processo de impeachment no Senado. Do mesmo modo, se um senador cometer um equívoco, ele responderá por isso, mas a lei não fala em afastamento do mandato — cobrou o senador Humberto Costa.
Senadores do PT e do PPS argumentam, entretanto, que se o processo de investigação de Aécio não fosse barrado no Conselho de Ética do Senado, o Supremo não precisaria tomar essa atitude agora.
— Se isso está acontecendo agora é porque o Senado tem sido omisso. Se o Conselho não tivesse barrado o processo contra Aécio, o Senado teria dado uma resposta e o Supremo não precisava de tomar essa atitude agora — disse Humberto Costa.
— Foi um erro o Senado não ter aberto o processo no Conselho. Agora estamos nessa situação — completou o senador Cristovam Buarque (PPS-DF).
Membros da bancada do PSDB no Senado participam de uma reunião na tarde desta quarta-feira para avaliar qual será o posicionamento da legenda sobre a decisão do Supremo.
Ao GLOBO, o senador Eduardo Amorim (PSDB-SE) afirmou que a decisão da Primeira Turma é "decepcionante".
— É difícil, não sou nenhum constitucionalista, mas é preciso ver se é isso mesmo — avaliou. — A bancada vai se reunir e ver qual posicionamento vai seguir. E acredito que não só a bancada, mas o Senado, através do presidente e talvez até da CCJ, deve tomar uma atitude — comentou o parlamentar tucano.
Folha de S. Paulo: Eunício diz que Senado pode agir 'se Constituição for ferida'
O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), indicou nesta quarta-feira (27) que pode submeter ao plenário da Casa a decisão tomada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) de impor ao tucano Aécio Neves (MG) recolhimento noturno e afastamento de seu mandato.
Embora tenha repetido o que disse na véspera, que só se pronunciará sobre o tema após ser notificado pela Justiça, ele abriu caminho para uma análise dos senadores.
"Se a Constituição foi ferida por uma decisão, e cabe ao Senado tomar decisão baseada na Constituição, obviamente que o Senado vai tomar as providências", afirmou.
Eunício disse ainda que a Constituição é "bastante clara" sobre os mandatos de deputados e senadores. "A Constituição determina o que deve ser feito. Não é o presidente do Senado que toma a iniciativa, não é o presidente do Congresso que toma a decisão. Quem tomou a decisão nesses casos foram os constituintes de 1988, que colocaram isso com muita clareza", afirmou.
O presidente do Senado disse que ainda não foi oficialmente comunicado pelo Supremo sobre a decisão tomada na terça-feira (26) pela primeira turma.
"Primeiro, o Senado precisa ser notificado sobre o teor da decisão tomada pela Suprema Corte para saber de que forma o Senado vai agir, se vai ou se não vai agir. Eu não sei qual o teor da decisão, e tenho o ato de dizer pra vocês aqui que não falo sobre hipótese", disse.
Questionado sobre o assunto, o peemedebista afirmou ainda que a Constituição não prevê afastamento de parlamentares de seus mandatos.
ARTICULAÇÕES
A decisão tomada pelo STF na terça gerou reações imediatas dos senadores. Enquanto o plenário da Casa votava um projeto que cria um fundo para financiar eleições, o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) se manifestou a favor do tucano.
"Acabamos de saber que a segunda turma do STF prendeu o senador Aécio Neves, embora domiciliarmente. Não há previsão constitucional de afastamento do senador do mandato. Não podemos permitir que o STF, contra o voto do relator, rasgue a Constituição e afaste o senador. Então o Senado tem que se posicionar o mais rápido possível", disse Renan.
A fala do peemedebista foi corroborada pelo líder da oposição, Humberto Costa (PT-PE), que pediu que a mesa diretora do Senado se reunisse para decidir "o mais rapidamente possível" o que deve ser feito.
Eunício vem sendo pressionado por senadores dos mais diversos partidos a enfrentar a decisão tomada pelo Supremo. Parlamentares fazem uma analogia ao caso do ex-senador Delcídio do Amaral, que teve sua prisão decretada pela Justiça em novembro de 2015 e confirmada pelo Senado em seguida.
Luiz Carlos Azedo: A Primeira Turma
A punição dos políticos e uma suposta limpeza ética, por si só, não seriam a solução dos problemas, pois alguém tem que governar o país e, na democracia, são os partidos e os políticos que aí estão.
Presidente licenciado do PSDB e segundo colocado nas eleições para a Presidência da República em 2014, com 51 milhões de votos (48,36% dos votos válidos), o senador Aécio Neves (MG) foi afastado do mandato pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por 3 votos a favor e 2 contra, com base em pedido de prisão apresentado pelo Ministério Público Federal, na época em que o procurador-geral ainda era Rodrigo Janot. Os cinco ministros da Primeira Turma, porém, votaram contra o pedido de prisão.A decisão contrasta com a temperança pregada pela nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que ontem falou sobre a Operação Lava-Jato pela primeira vez, em entrevista coletiva.
A votação de certa forma consolida as posições dos ministros Luis Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux em relação à Operação Lava-Jato na Primeira Turma. O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, havia encaminhado voto contrário à prisão e ao afastamento, sendo acompanhado por Alexandre Moraes. Terceiro a votar, Barroso endossou o relator quanto ao pedido de prisão, mas defendeu o afastamento, sendo seguido por Rosa Weber e Luiz Fux, no mesmo entendimento.
É o segundo afastamento de Aécio do Senado. O primeiro foi em maio, determinado pelo ministro-relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, da Segunda Turma, que negou, entretanto, o pedido de prisão feito à época. No fim de junho, novo pedido de prisão foi feito por Janot, sendo relator o ministro Marco Aurélio, que não somente negou o pedido de prisão como determinou a volta de Aécio ao Senado. O tucano é acusado de receber dinheiro da J&F (corrupção passiva) e atuar em conjunto com o presidente Michel Temer para impedir as investigações da Lava-Jato (obstrução da Justiça), com base na polêmica delação premiada do empresário Joesley Batista.
A votação reflete as divergências instaladas no plenário do Supremo em relação à Operação Lava-Jato, que terá que apreciar recurso da defesa de Aécio contra esse afastamento. A decisão da Primeira Turma também determina que Aécio entregue seu passaporte, não saia do país e permaneça em recolhimento noturno, ou seja, que fique obrigado a permanecer em sua residência à noite. O ministro Luiz Fux afirmou que a imunidade do parlamentar contra a prisão não serve à proteção para a prática de crimes: “Um dos pilares da Constituição é a moralidade no exercício do mandato.” Marco Aurélio repetiu o argumento usado por ele há três meses de que parlamentares só podem ser presos em flagrante de crimes inafiançáveis, hipótese que não se aplicaria ao caso. “Mandato parlamentar é coisa séria. E não se mexe impunemente em suas prerrogativas”, disse o ministro.
A diferença de entendimentos sintetiza o debate em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) e baliza o futuro das relações entre a Corte e o mundo político, que está se entrincheirando no Congresso para impedir que o Judiciário dê continuidade à Operação Lava-Jato. A começar pela segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, que inclui também os dois mais importantes ministros do Palácio do Planalto, Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-geral da Presidência). Para o Palácio do Planalto, as investigações põem em risco a recuperação da economia e a necessidade de chegar às eleições de 2018. A ameaça de ruptura institucional foi exumada pelas declarações do comandante do Exército, general Eduardo Villas-Bôas, e do general Hamilton Mourão, secretário de Economia e Finanças da Força, de que o Exército poderia intervir na política em caso de colapso das instituições e caos iminente.
Judicialização
A decisão da Primeira Turma fará recrudescer as críticas ao Judiciário. A narrativa é sob medida para os políticos enrolados na Operação Lava-Jato, que atribuem ao Judiciário uma parcela de responsabilidade pela crise política, em razão de decisões como a de considerar inconstitucional a cláusula de barreira, sendo conivente com a proliferação de partidos. A punição dos políticos e uma suposta limpeza ética, por si só, não seriam a solução dos problemas, pois alguém tem que governar o país e, na democracia, são os partidos e os políticos que aí estão. Esse é o “sistema”.
A “judicialização” da política seria uma das principais causas da crise. O patrimonialismo e o fisiologismo, heranças ibéricas do nosso passado colonial, seriam parte integrante e inescapável do mesmo processo que levou o país à modernização e nos garantiu a democracia. Não se pode, portanto, jogar a criança fora com a água da bacia. Ou seja, não vale a pena pôr em risco a democracia por causa do combate à corrupção, o que seria uma prática udenista, que engrossa o caldo de cultura favorável a uma intervenção militar. Esse é o debate que vamos assistir a partir de agora, quando as lideranças dos maiores partidos do país — o presidente Michel Temer (PMDB), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o senador afastado Aécio Neves (PSDB) — estão no olho do furacão da Lava-Jato, com seus coadjuvantes.
Míriam Leitão: O mais provável é que STF encaminhe à Câmara a denúncia contra Temer
A sessão de hoje do STF é uma das mais imprevisíveis e é nela que a nova procuradora-geral vai fazer sua estreia no cargo. A segunda denúncia contra o presidente Temer está na primeira parada, mas há uma grande dúvida sobre o que acontece em seguida. Ministros do STF admitem que na sessão tudo pode acontecer, mas que o mais provável é que ela seja encaminhada à Câmara.
A Procuradoria-Geral da República já fez a sustentação oral em defesa da tese da validade das provas mesmo em caso de rescisão do acordo de delação. Quem falou na ocasião foi o procurador Nicolau Dino. Por isso, Raquel Dodge pode falar sobre os outros itens da pauta, mas não fazer nova defesa do ponto de vista da PGR, porque passou o momento processual.
A convicção de dois ministros do STF com os quais conversei é que a denúncia tem que ser enviada imediatamente à Câmara porque, se o Supremo fizer qualquer movimento para analisar a validade das provas, já está se adiantando à investigação e, portanto, desrespeitando o preceito constitucional de que o presidente só pode ser investigado com a permissão da Câmara.
E lá o que acontece, quando chegar? O deputado Rogério Rosso (PSD-DF) faz um paralelo com a temporada de furacões:
— Se a primeira denúncia foi um furacão nível 5, a atual é tempestade de nível 1,5.
A convicção no governo é que a atual é menos preocupante do que a primeira, mas que também vai interromper a tramitação de assuntos que estavam na pauta para serem votados.
— Em 17 de maio estávamos a duas semanas de votar a reforma da Previdência. Depois daquele dia, tudo o que conseguimos com muita dificuldade foi votar a reforma trabalhista. A tramitação da denúncia interrompe o ritmo das votações inevitavelmente — diz o ministro Antonio Imbassahy.
A reforma política será resumida à proibição pelo STF das coligações, a reforma da Previdência não tem a menor chance de ser aprovada agora. A arrecadação melhorou em agosto, mas como a queda de julho foi grande demais, essa elevação não reduz muito a frustração de receita no ano, tornando difícil o cumprimento da meta, mesmo depois da sua ampliação. Neste contexto, o governo tem pouca moeda de troca para usar no esforço de vencer a segunda denúncia. Ainda assim, há riscos de novas concessões como a que está sendo feita aos ruralistas na dívida tributária que eles têm em relação ao Funrural. Quanto mais ameaçado o presidente Temer estiver, mais ele fará concessões, mesmo as que impliquem em aumento do gasto ou da renúncia fiscal.
A oposição ainda acha possível vencer o presidente Michel Temer na Câmara, mas diz que para isso o pivô central teria que ser o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Se ele fizesse algum movimento para aglutinar apoios, o presidente cairia, na visão de dois senadores da oposição. Mas o deputado Rodrigo Maia não tem participado de qualquer movimento para se colocar como opção para a Presidência.
Ontem, o presidente Temer teve um dia para falar como estadista, através do discurso na ONU, com o qual, tradicionalmente, o Brasil abre a sessão anual da Assembleia-Geral. Aproveitou para fugir de toda a realidade. Negá-la. Nenhuma palavra sobre o que nos consome os dias no Brasil, a luta contra a corrupção, na qual ele é um dos alvos. E na questão ambiental, deu uma fakenews: a de que está combatendo o desmatamento.
Temer não tem do que se vangloriar na área ambiental. Pelo contrário. Se o dado da queda do desmatamento se confirmar, quando for divulgado o número do Prodes, do INPE, será mais um ponto fora da curva do que a reversão da tendência iniciada no governo Dilma, que já elevou em 27% o desmatamento. Temer tem usado suas sucessivas concessões ao lobby contra o meio ambiente como parte do negócio de permanecer no poder. E esses sinais vão todos na direção de estimular a grilagem e o desmatamento.
Qualquer daqueles costumeiros tumultos no Supremo hoje será bom para Temer. Quanto mais tempo a denúncia demorar a chegar à Câmara, melhor para ele. O atraso o favorece, mas em algum momento ele terá que travar nova batalha na Câmara. Mesmo se vencer na segunda votação, continuará sendo um presidente fraco, refém dos grupos de interesse no Congresso.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Merval Pereira: Decisão é da Câmara
O resultado da sessão de hoje no Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser de 7 a 4 ou 8 a 3 a favor de encaminhar a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer à Câmara, recusando assim um pedido da defesa do presidente. Mas o interessante é observar que vários ministros, diante das surpresas que têm acontecido, ressalvam que hoje em dia no país "tudo é possível".
O ministro Marco Aurélio Mello, por exemplo, espantou-se na sessão da semana passada com o pedido do advogado de Temer para o STF sustar a segunda denúncia. Disse que nunca havia visto coisa semelhante nos muitos anos em que está no Supremo. Já Gilmar Mendes, que está na posição oposta, defendeu Mariz. O mesmo embate deve acontecer hoje.
Inicialmente, o advogado Antonio Claudio Mariz pediu que o Tribunal sustasse a tramitação da denúncia até que fosse definida a situação da delação premiada da JBS.
Na prática, a questão foi sustada por uma semana, pois o STF adiou sua análise depois de ter negado, por unanimidade dos ministros presentes, a suspeição do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Nesse meio tempo, o advogado do presidente, depois de tomar conhecimento da segunda denúncia, alegou que a maioria dos fatos apontados pelo então procurador-geral ocorreu antes do exercício do mandato por Michel Temer, e por isso não pode ser investigada neste momento.
O advogado pediu, então, que o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, devolvesse a denúncia à Procuradoria-Geral da República (PGR). Fachin negou. Apesar de haver ministros no STF que concordassem com o pedido do presidente Temer, a maioria tenderia a não acata-lo, entendendo que neste momento do processo, não caberia ao STF entrar no mérito das questões apontadas pelo procurador-geral na denúncia.
A função do STF seria, nessa visão majoritária, apenas encaminhar a questão à Câmara, aguardando a decisão do seu plenário. A única razão para não aceitar a denúncia seria se ela fosse inepta. Mesmo citando casos anteriores ao mandato presidencial, há o entendimento de que ela não pode ser considerada assim porque retrata um relato de atividades que culminaram na prática de crime de obstrução da Justiça já no mandato atual de Temer.
Da mesma forma, o crime de formação de quadrilha, em que a denúncia envolve também diversos assessores e políticos ligados à cúpula do PMDB já sem fórum privilegiado, é visto como crime continuado, e o filme que a denúncia retrata, na definição de um dos ministros, tem seu desfecho nos crimes cometidos no exercício do mandato, segundo a denúncia de Rodrigo Janot.
É provável que Janot continue sendo o alvo principal das críticas e também dos elogios dos ministros que compõem o plenário do Supremo. Mesmo nesse caso, há uma tendência majoritária de atribuir a ele uma gestão positiva no combate à corrupção, mesmo que se admita que erros tenham sido cometidos, especialmente no caso da JBS.
Há ainda outra razão, não técnica, para reforçar a posição dos que não querem interromper o processo aberto: seria colocar a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em situação delicada, pois teria que rever um processo já encerrado por seu antecessor.
Assim como o Supremo não pode, na posição da maioria, rever a denúncia neste momento do processo, também a Câmara não pode devolver a denúncia à Procuradoria-Geral da República.
Mesmo que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) rejeite a denúncia, como da primeira vez, com base no fato de que a maioria dos crimes apontados ocorreu antes do exercício da presidência da República, ela não tem autoridade para devolver a denúncia, tem que enviar seu parecer para o plenário, que o julgará.
Caso seja rejeitada mais uma vez, o que é quase certo, a questão em relação ao presidente estará encerrada até que ele termine seu mandato. Se aceita-la, aí sim, caberá ao plenário do Supremo Tribunal Federal avaliar a denúncia, para aprovar o início do processo, ou rejeita-lo.
Uma questão pendente é relacionada aos demais membros acusados por Janot de pertencerem à quadrilha do PMDB, que seria chefiada por Temer. Como há uma conexão entre os acusados, mesmo os que não têm direito ao foro privilegiado são julgados no STF.
Há uma discussão sobre se essa conexão leva o julgamento de todos a ser adiado até o fim do mandato presidencial, ou se seus processos devem ser separados para continuarem seus caminhos - no STF no caso de ministros e parlamentares, ou na primeira instância, como aconteceu com o ex-assessor Rocha Loures na primeira denúncia.
Essa decisão, porém, só deve ser tomada pelo relator Edson Facchin depois da proclamação do resultado pelo plenário da Câmara.
O Globo: STF não vai barrar denúncia de Janot contra Temer
Ministros avaliam que encaminhamento de acusação é automático
Carolina Brígido | O Globo
O Supremo Tribunal Federal (STF) não vai barrar a denúncia contra o presidente Michel Temer, como quer a defesa. Na sessão de amanhã, os ministros devem autorizar o envio do documento para a Câmara dos Deputados, como prevê a Constituição. Se, em votação, dois terços dos deputados concordarem, o caso retorna para a Corte para julgamento. Na avaliação da maioria dos ministros, nessa primeira fase, o Supremo tem o dever de encaminhar, automaticamente, o caso para a Câmara, sem fazer juízo de valor sobre a denúncia ou as provas nas quais o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se baseou. Pelo menos não neste momento.
Embora tenha conhecimento dessa tendência do tribunal, o relator do processo, ministro Edson Fachin, preferiu levar a questão de ordem apresentada pela defesa para o plenário do Supremo, em vez de decidir sozinho. Em junho, quando Temer foi denunciado pela primeira vez, por corrupção passiva, Fachin encaminhou o caso para a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que enviou para o Congresso Nacional. Tudo ocorreu em poucos dias.
A segunda denúncia chegou ao STF na quinta-feira, mas Fachin quis que o plenário primeiro julgasse o pedido da defesa, para não dar margem a qualquer pedido de nulidade futuro. E, também, por cortesia aos colegas.
O FUTURO DAS PROVAS DA JBS
O governo já se movimenta para barrar, na Câmara, a segunda denúncia apresentada contra Temer, por obstrução de justiça e participação em organização criminosa. A primeira denúncia, por corrupção passiva, foi apresentada por Janot ao STF em junho. Por maioria, os deputados decidiram enterrar o caso. O inquérito continua aberto no tribunal, mas as investigações só poderão ser retomadas depois que ele deixar o cargo.
Se a Câmara autorizar as investigações, a denúncia será devolvida ao STF — que, somente então, vai analisar o mérito das provas elencadas por Janot contra o presidente. A defesa de Temer lembrou que parte dos elementos da denúncia foram retirados da delação da JBS. Como ainda não foi encerrada a investigação sobre os novos áudios dos delatores da JBS, que colocam em xeque a lisura da delação premiada dos executivos, as provas poderiam ser anuladas, diz a defesa. Por isso, o mais prudente seria suspender o processo até que essas investigações fossem concluídas.
A avaliação de ao menos dois ministros e de juízes auxiliares da Corte é crítica. Ouvidos pelo GLOBO, eles consideram que a peça é confusa e mistura, em uma mesma “salada”, a suposta organização criminosa do PMDB da Câmara com a atuação dos executivos da JBS — que, na avaliação deles, deveriam ser separadas em duas investigações diferentes.
Na avaliação de um ministro, o procurador-geral agiu de maneira apressada nas últimas denúncias que enviou ao STF, já ao fim do mandato, com o intuito de limpar sua gaveta e não deixar os principais casos com pendências para sua sucessora, Raquel Dodge, que tomou posse ontem. Na PGR, Dodge e Janot pertencem a grupos diferentes.
Nos bastidores, ministros já afirmaram que as provas poderiam ser usadas nas investigações — no entanto, com o acordo de delação rescindido, as provas já não teriam mais tanta força. Há também a possibilidade de pedido de vista no julgamento de amanhã. Se isso acontecer, não seria um problema, porque Fachin não depende necessariamente da decisão do plenário para enviar a denúncia para a Câmara.
O Estado de S. Paulo: Jungmann convoca comandante do Exército para ouvir explicações sobre fala de general
Pelo Regulamento Disciplinar do Exército, Mourão pode ser punido por dar declarações de cunho político, sem autorização de seu superior hierárquico
Tânia Monteiro | O Estado de S.Paulo
Diante da repercussão negativa das declarações do general da ativa Antonio Hamilton Martins Mourão que, na última sexta-feira, 15, em palestra, defendeu a possibilidade de intervenção militar, diante crise enfrentada pelo País, caso a situação não seja resolvida pelas próprias instituições, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, convocou o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, para pedir explicações em relação às declarações do militar, para "orientá-lo quanto às providências a serem tomadas".
Jungmann, em nota, no entanto, não explica que providências poderão ser tomadas. No fim de semana, ao tomar conhecimento do ocorrido, Jungmann relatou o fato ao presidente Michel Temer e avisou que deixou nas mãos do comandante a decisão sobre como conduzir o caso.
O general Villas Bôas, depois de ouvir as explicações do contexto da fala do general, que já protagonizou outro problema político em outubro de 2015, quando criticou o governo e a ex-presidente Dilma Rousseff, disse ao Estado que o problema estava "superado".
Pelo Regulamento Disciplinar do Exército, Mourão pode ser punido por dar declarações de cunho político, sem autorização de seu superior hierárquico. A decisão de tentar abafar o caso, no entanto, parece não ter agradado a Jungmann, que queria algum tipo de sinal de que esse tipo de declaração não pode ser tolerado.
O Exército, no entanto, está tentando contornar a situação, para evitar subir a temperatura e criar um problema ainda maior já que Mourão tem uma forte liderança na tropa. Além, de acordo com integrantes do Alto Comando, Mourão está exatamente seis meses de deixar o serviço ativo e é melhor não colocar lenha no fogo, criando um novo problema.
Em 2015, por conta das suas declarações, o general Mourão perdeu o Comando Militar do Sul e foi transferido para a Secretaria de Economia e Finanças, um cargo burocrático. Agora, diante da pressão política, Mourão pode ser retirado de sua função, como medida paliativa para que seu gesto não sirva de incentivo a outras manifestações.
Mas o assunto ainda está sendo objeto de discussão porque há quem entenda que puni-lo, de alguma forma, poderia levar a uma leva de solidariedade, criando um clima político considerado "desnecessário", neste momento, transformando a Força em vidraça.
A fala de Mourão, desagradou integrantes do Alto Comando que consideram que o pronunciamento "inoportuno" e que ele trouxe para os quartéis um problema que não é da classe militar, criando uma verdadeira "saia justa" para ele e para o comandante. Em nota, o ministro Raul Jungmann afirmou que "as Forças Armadas estão absolutamente subordinadas aos princípios constitucionais, à democracia, ao estado de direito e ao respeito aos Poderes constituídos". O ministro acrescenta ainda que "há um clima de absoluta tranquilidade e observância aos princípios de disciplina e hierarquia constitutivos das Forças Armadas, que são um ativo democrático de nosso País".
O comandante do Exército, general Villas Bôas, segundo a nota da Defesa, estava em tratamento em São Paulo, quando foi "convocado" pelo ministro Jungmann "para esclarecer dos fatos relativos a pronunciamento de membro do Alto Comando do Exército e orientá-lo quanto às providências a serem tomadas".
O Estado de S. Paulo: Supremo prevê relação menos tensa com nova procuradora
Ministros da Corte avaliam que Raquel Dodge conduzirá a PGR de forma mais incisiva e com menos contratempos do que antecessor
Beatriz Bulla, Breno Pires e Rafael Moraes Moura, de O Estado de S.Paulo
Depois de um desgaste na relação entre Rodrigo Janot, no fim do mandato como procurador-geral da República, e o Supremo Tribunal Federal (STF), a expectativa na Corte é de que sua substituta, Raquel Dodge, titular da PGR a partir desta segunda-feira, 18, foque no papel institucional do Ministério Público Federal, sem descuidar dos rumos da Operação Lava Jato.
A forma como Janot conduziu o episódio do áudio do empresário Joesley Batista, dono do Grupo J&F, e Ricardo Saud, ex-executivo da holding, causou desconforto no STF. Ministros e auxiliares avaliaram que, quando anunciou a descoberta de uma gravação que trazia indícios de omissão de fatos graves por delatores, Janot expôs negativamente o Tribunal por ter revelado, sem explicar o contexto, que havia citações a integrantes da Corte.
Se o perdão judicial concedido por Janot aos executivos da J&F já era alvo de questionamentos, após o episódio da gravação surgiram dúvidas sobre se a PGR se descuidou neste acordo de colaboração.
Ministros do Supremo ouvidos pelo Estado elogiam o perfil da sucessora de Janot e dizem acreditar que, pela experiência na área do direito penal, ela vai atuar de forma firme e rigorosa, sem comprometer os desdobramentos da Lava Jato.
Em um sinal de deferência à Corte, Raquel fez questão de se encontrar com ministros antes de sua posse, apresentando a equipe e entregando pessoalmente convites para a solenidade, que terá a presença do presidente Michel Temer – alvo de duas denúncias de Janot, a mais recente apresentada na quinta-feira passada ao Supremo por organização criminosa e obstrução da Justiça.
Auxiliares da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, apostam em “um novo tempo”, com uma maior harmonização das relações com a PGR.
Único ministro do STF publicamente crítico a Janot, Gilmar Mendes não esconde a expectativa pela substituição do desafeto por Raquel. “Ela é uma pessoa qualificada, tem grande experiência institucional no Ministério Público e enfrenta um grande desafio pela frente: restaurar os laços de credibilidade da Procuradoria-Geral. Tenho a impressão de que ela restaura um quadro de normalidade, de confiança e de decência nos quadros da PGR”, disse.
O ministro – que se encontrou com Temer um dia antes de ele anunciar a escolha de Raquel, segunda mais votada na lista tríplice do Ministério Público – não participou do julgamento em que, por nove a zero, o STF rejeitou afastar Janot das investigações contra Temer no caso J&F.
O procurador-geral, por sua vez, pediu que o ministro fosse afastado dos julgamentos que envolviam o empresário Jacob Barata Filho. Ele apontou “vínculos pessoais que impedem o magistrado de exercer com a mínima isenção suas funções no processo”, como o fato de Gilmar ter sido padrinho de casamento da filha de Jacob. O pedido de suspeição de Gilmar não foi analisado.
Um ministro ouvido reservadamente avaliou que, sob o comando de Raquel, a PGR pode ser mais incisiva na Lava Jato, como forma de demonstrar independência. Esse ministro, entretanto, considerou que a Procuradoria poderá também ampliar sua atuação, mirando em outras áreas, como a defesa de direitos de minorias e ambiente.
Confiança. Para o ministro Luiz Fux, Raquel cumpre bem as “funções institucionais”. “Ela encarna a figura do MP como ele deve ser, é bem equilibrada, discreta, enérgica”, disse.
Luís Roberto Barroso disse achar que a nova procuradora-geral manterá a linha de atuação de seus antecessores. “Tenho a confiança de que ela prosseguirá na linha de transformação do Brasil que a Procuradoria-Geral da República tem imprimido em sucessivas gestões que incluem Cláudio Fonteles, Antônio Fernando, Roberto Gurgel e Rodrigo Janot”, afirmou Barroso.
Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, a Operação Lava Jato estará em “boas mãos”. “A alternância (de comando) é sempre salutar. Ela (Raquel) é republicana, ela é democrática. E nós temos quadros excepcionais no Ministério Público Federal. A doutora Raquel é uma pessoa aplicada, é uma pessoa que tem os olhos voltados para os interesses nacionais permanentes”, afirmou.