STF
El País: Lava Jato segue emperrada no STF quase três anos após primeira lista de Janot
Lento e silencioso. Assim vem sendo o avanço dos inquéritos abertos contra políticos no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça nos últimos três anos, após as famosas listas de Janot e delações premiadas que prometiam derrubar a República. Do total de 36 denúncias feitas pela Procuradoria-Geral da República no STF no âmbito da Operação Lava Jato, apenas sete se tornaram ações penais — uma delas corre em sigilo na Corte.
Os dados são da PGR. A curto e médio prazo, isso significa que políticos com foro privilegiado que apareceram em delações de ex-diretores da Petrobras e de executivos da Odebrecht e da JBS vem ganhando tempo. O contrário do padrão que se instaurou na primeira instância durante a Lava Jato, que vem atingindo sobretudo o mundo empresarial e políticos sem foro — como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado pelo TRF-4 na última semana a 12 anos e 1 mês de prisão após uma tramitação em tempo recorde entre a primeira e a segunda instância.
As chamadas listas de Janot produziram poucos efeitos práticos. A última delas, também apelidada de lista de Fachin, foi divulgada em março do ano passado e continha nomes citados nas delações da Odebrecht. Chegou a ser apelidada de delação do fim do mundo devido aos potenciais estragos no sistema político, mas até agora bem pouco estrago fez. Janot apresentou cerca de 100 nomes de políticos e pediu a abertura de 83 inquéritos para apurar supostos crimes. Dos que estavam na lista, apenas uma pessoa foi denunciada, em agosto do ano passado, pelo então procurador-geral Rodrigo Janot: o senador Romero Jucá (MDB).
Em outubro do ano passado, a atual procuradora-geral, Raquel Dodge, reforçou a denúncia, que apontou suposto favorecimento do emedebista ao Grupo Gerdau em uma medida provisória em troca de doações eleitorais. No entanto, cabe agora ao STF dizer se há indícios mínimos de crime para que o parlamentar se torne réu. Um embate que colocará o Supremo no centro das atenções depois do midiático julgamento e condenação de Lula no TRF-4. Valerão as mesmas evidências para condená-lo?
Os demais inquéritos abertos – a primeira fase de uma possível ação penal — com base nas delações da Odebrecht estão em andamento e quatro já foram arquivados, sendo um deles por prescrição. Oito dos políticos que estavam na segunda lista eram ministros do presidente Michel Temer: Eliseu Padilha (MDB), Moreira Franco (MDB), Giberto Kassab (PSD), Blairo Maggi (PP), Helder Barbalho (MDB), Bruno Araújo (PSDB), Aloysio Nunes (PSDB), Marcos Pereira (PRB). Há também inquéritos abertos contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM) — apelidado de Botafogo na planilha da Odebrecht —, e o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (MDB).
Também estava na lista o governador de São Paulo e presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB), após ser acusado de receber recursos via caixa 2 da construtora nas eleições de 2010 e 2014. Seu inquérito corre em sigilo no STJ. Por sua vez, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), acusado pelos executivos da Odebrecht de receber 15 milhões de reais em propinas da construtora, se tornou réu no STJ em dezembro do ano passado acusado de corrupção passiva.
A primeira lista de Janot foi apresentada em março de 2015. Possuía 50 nomes e 28 pedidos de abertura de inquérito. A maioria também segue em curso. Alguns foram arquivados, como os dos senadores Fernando Collor (PTC), Antonio Anastasia (PSDB) e Lindbergh Farias (PT). Outros nomes tiveram suas ações enviadas à primeira instância e se tornaram réus, entre eles o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB). Ele acabou condenado pelo juiz Sergio Moro a 15 anos de prisão em março do ano passado por lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Dos 50 nomes da lista, ao menos 16 foram denunciados e ao menos cinco se tornaram réus. Entre eles está a senadora e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann. Ela foi acusada junto com seu marido, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, de receber um milhão de reais para a sua campanha de 2010 com recursos desviados de contratos da Petrobras. Ambos respondem pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Seu processo está bastante avançado: a PGR já fez suas alegações finais e o ministro Edson Fachin, relator do caso, já liberou para revisão seu voto. O julgamento deve ocorrer ainda neste ano na Segunda Turma da Corte.
Em setembro do ano passado, no apagar das luzes de seu mandato na PGR e após as delações dos principais executivos da JBS, Janot também apresentou denúncias contra o presidente Michel Temer (MDB) — que conseguiu escapar no Congresso de ser investigado — e o senador Aécio Neves (PSDB), além de ações coletivas contra dirigentes do PT, MDB e PP. Até o momento, todos esses processos não tiveram efeitos práticos. Antes, porém, em julho, pouco depois de estourar a gravação de Joesley com Temer, Janot pediu abertura de inquérito contra o senador José Serra, que chegou a ser ministro de Relações Exteriores do Governo Temer. Serra, porém, entrou com pedido para arquivar o pedido, uma vez que ele tem mais de 70 anos, o que acelera a prescrição de processos. No dia 24 de janeiro, mesmo dia da condenação de Lula no TRF-4, a PGR encaminhou ao Supremo a solicitação do tucano.
Em meio a um calendário eleitoral cheio de incertezas, e ainda sem uma definição sobre se Lula poderá ou não se candidatar, a Procuradoria-Geral da República, chefiada desde setembro por Dodge, assegura que "a condução das investigações em curso não está vinculada ao calendário eleitoral". A procuradora-geral já apresentou oito denúncias durante seu mandato, sendo que três delas seguem em sigilo. "Em relação aos casos decorrentes de acordos de colaboração premiada, têm sido adotadas providências no sentido de assegurar o cumprimento integral dos acordos, o que inclui as sanções penais e financeiras", afirma a Procuradoria.
Questionada sobre a lentidão dos processos nas instâncias superiores, a PGR assegura que a "orientação é que todos os casos — inquéritos, denúncias, ações penais ou procedimentos extrajudiciais — sejam conduzidos com agilidade, e conforme os critérios previstos na legislação". A Procuradoria disse ainda que "não comenta o ritmo adotado por outros órgãos para conduzir as investigações em curso".
Já a Polícia Federal disse que não comenta sobre os inquéritos em andamento. Já o STF explica que, durante a fase de inquérito, a Corte apenas atua para observar a legalidade, autorizando diligências e prorrogando prazos. Toda iniciativa durante as investigações, argumenta o Supremo, depende da PGR e da PF.
Mônica Bergamo: Supremo vive bolivarianização de forma invertida, diz Gilmar
Almir Pazzianotto Pinto: Eleições sem lula
Com a rapidez das más notícias, aproximam-se as eleições. Embora lidere as pesquisas de intenções de voto, parece-me difícil a inclusão de Luís Inácio Lula da Silva no rol dos pretendentes à presidência da República. Analise objetiva indica serem reduzidas as chances de participar da disputa. Já não conta com o apoio de antigos companheiros, alguns presos, outros aposentados, cansados ou desiludidos.
O Partido dos Trabalhadores sofreu graves perdas no capital político acumulado na década de 1990. Encolheu, perdeu o antigo encanto, igualou-se aos demais. Acusações de corrupção provocam-lhe irreversíveis prejuízos. Encontrará dificuldades para celebrar alianças e lhe faltarão recursos destinados à campanha e à contratação de marqueteiros. Por último, Lula encontra-se na incômoda posição de condenado em julgamento de segundo grau, e corre perigo de ter a prisão decretada.
Sinto dificuldades para entender a preocupação dos adversários quanto à candidatura do único nome do PT. O PSDB, o mais aguerrido dos adversários, aparentemente nutre pelo ex-presidente sentimento de temor pânico. Foi nocauteado em quatro combates sucessivos. Se voltar ao rinque para enfrentá-lo estará com moral debilitada pela memória das derrotas, e dividido, como é habitual entre chefes tucanos.
Afastada a enigmática candidatura Lula, nivelam-se as demais. Geraldo Alckmin é honrado, bom governador e provável candidato. Não domina, contudo, a arte de eletrização o eleitorado. De perfil conservador é incapaz de atrair multidões. Com o desemprego na casa dos 12 milhões, a economia patinando, a violência à solta e o surto de febre amarela, ser-lhe-á dificultoso ultrapassar os limites do Estado e subir nas pesquisas. Contra o PSDB pesam acusações de não ter feito vigorosa oposição a Lula e Dilma Roussef, e de permanecer com um pé no governo de Michel Temer, cujo baixo índice de aprovação não lhe faz justiça.
Entre os demais pretendentes, quem poderá chegar à segunda rodada? O soturno e macambúzio Ministro Henrique Meirelles, o homem que não sorri? O senador Álvaro Dias, combativo parlamentar paranaense, mas desprovido de cacife para enfrentar campanha de tal envergadura. Cristovão Buarque, do PDT, a quem faltam a história e o carisma do falecido Leonel Brizola? Marina Silva sofreu amarga experiência ao ser derrotada com Aécio, e deixou de ser a mesma de anos passados. Joaquim Barbosa é inexperiente na areia movediça da política. No xadrez eleitoral será apenas um peão, descartável nos primeiros movimentos.
Por mais que se procure não se encontra alguém capaz vencer o desânimo da população. Dizem que Ciro Gomes tem experiência, mas é acusado de falta de credibilidade. Percorreu várias legendas e em lugar algum se deu bem. O capitão Bolsonaro limita o discurso à questão da segurança. Promete acabar com a bandidagem à bala. Não se sabe, todavia, como se articulará com o Poder Legislativo e enfrentará os desafios da desindustrialização, do atraso tecnológico, da recuperação do mercado de trabalho, da pobreza e da fome. Luciano Huck é apenas animador de auditórios. O prefeito João Dória deve sentir-se moralmente impedido de abandonar São Paulo.
Em ano eleitoral o cenário é desanimador. A tragédia emerge dos fundamentos da pirâmide política, assentada sobre partidos amorfos, afeitos a todas as negociações espúrias e alianças inexplicáveis, entre os quais os eleitores não conseguem identificar uma única liderança merecedora do voto.
Plagiando Winston Churchill, as eleições de 2018 são uma charada envolta em mistério, dentro de um enigma.
* Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabaho.
Merval Pereira: Sem prescrição
A defesa do ex-presidente Lula caminha para mais uma derrota no recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao basear sua tese na prescrição do crime de corrupção passiva, que já foi rejeitada tanto na primeira instância pelo juiz Sergio Moro quanto no TRF-4 pelo relator Gebran Neto, que foi seguido pelos outros dois desembargadores da Turma.
A alegação da defesa nos memoriais é de que “(...) se o benefício material — vantagem indevida — ocorreu em 2009, o crime de corrupção, em qualquer modalidade aventada, já teria se consumado naquele momento”. Com o prazo para prescrição de 6 anos, o crime estaria prescrito em outubro de 2015, 11 meses antes do recebimento da denúncia por Sergio Moro, em setembro de 2016. O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, condenado no mensalão e hoje atuando como advogado no Supremo, defende a tese da prescrição.
No entanto, na sentença condenatória, que foi aceita pelo TRF-4, o juiz Sergio Moro argumentou expressamente, nos itens 877 e 888, que parte dos benefícios materiais foi disponibilizada em 2009, quando a OAS assumiu o empreendimento imobiliário, e parte em 2014, quando das reformas, e igualmente, quando em meados daquele ano, foi ultimada a definição de que o preço do imóvel e os custos das reformas seriam abatidos da conta-corrente geral da propina, segundo José Adelmário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, presidente da empreiteira.
Foi, portanto, escreveu Moro, um crime de corrupção complexo e que envolveu a prática de diversos atos em momentos temporais distintos de outubro de 2009 a junho de 2014, aproximadamente. Nessa linha, o crime só teria se consumado em meados de 2014, e não há começo de prazo de prescrição antes da consumação do crime.
O relator no TRF-4, desembargador Gebran Neto, aumentou a pena de Lula pela “alta culpabilidade”, sendo 8 anos e 4 meses por corrupção passiva e 3 anos e 9 meses por lavagem de dinheiro, dois crimes distintos cujas penas são somadas por “concurso material” entre as condutas, sem contar para o cálculo da prescrição.
Baseando-se na tese de Moro, confirmada pelo TRF-4, mesmo que não houvesse aumento da pena, o crime de corrupção passiva não estaria prescrito. O de lavagem de dinheiro não entra na disputa judicial, pois, na interpretação do Supremo, trata-se um crime permanente, cuja execução se prolonga no tempo. Nos Tribunais Superiores há o entendimento de que a ocultação é um crime permanente.
O balanço das decisões do STJ divulgado recentemente mostra que os recursos que tiveram a defesa como parte solicitante, seja advogado ou defensoria pública, apresentaram resultados pouco animadores para os condenados: em 0,62%, absolvição; em 1,02%, substituição da pena restritiva de liberdade por pena restritiva de direitos; em 0,76%, prescrição; em 6,44%, diminuição da pena; em 2,32%, diminuição da pena de multa; em 4,57%, alteração de regime prisional.
Isso acontece porque tanto o STJ quanto o STF só podem analisar questões de direito e não de fato. O primeiro verifica se houve violação às leis federais, e o Supremo, violações à Constituição. Podem rever o mérito, mas raramente o fazem. Tendo sido mantida a condenação, e aumentada a pena, é difícil que o STJ admita uma prescrição que foi rejeitada pelas duas instâncias anteriores.
Se houvesse a hipótese de a pena ter sido aumentada no TRF-4 para impedir a prescrição do crime, estaria determinada uma ilegalidade, pois esta não é uma das razões para agravar a pena de um condenado. No julgamento do mensalão houve uma discussão sobre o tema entre os ministros Luís Roberto Barroso e o relator Joaquim Barbosa.
Barroso, que só participou do julgamento na fase dos embargos infringentes e ajudou com seu voto a absolver os réus, inclusive José Dirceu, da acusação de crime de quadrilha, insinuou que houve a exacerbação de certas penas para evitar a prescrição de crimes.
Surpreendentemente, foi interrompido por Joaquim Barbosa, que, como relator, era o responsável por sugerir as penas: “Foi feito para isso sim”, afirmou. O ministro Barroso tentou levar a decisão sobre formação de quadrilha para a prescrição da pena, sem que o mérito fosse julgado, mas acabou defendendo a absolvição de todos os condenados no caso de quadrilha, pois considerou inexistentes as características daquele crime.
A polêmica afirmação de Joaquim Barbosa não teve consequências, pois acabou prevalecendo a absolvição.
PS — Na coluna de domingo, me referi à súmula 291 do STF, quando se trata da súmula 691, que diz que “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar”. (Com a assessoria técnica do advogado criminalista João Bernardo Kappen).
Mary Zaidan: Nas mãos do Supremo
Com togas e linguajar nem sempre compreensível para a maioria dos mortais, os integrantes do STF serão protagonistas determinantes nas eleições.
Eles não disputam votos, não têm número de inscrição, muito menos retrato nas urnas. Com togas e linguajar nem sempre compreensível para a maioria dos mortais, os integrantes do STF serão protagonistas determinantes nas eleições deste ano. Vão definir não só o destino do ex-presidente Lula, condenado em segunda instância a mais de 12 anos de prisão, mas de outras dezenas de políticos que gozam de privilégio de foro, tema pronto para entrar na pauta da Corte.
A queda do foro não tem o condão de fazer com que os mais de 200 processos de políticos andem rapidamente nos seus estados de origem. Mas, ainda que não haja tempo para que as ações produzam efeitos condenatórios, elas cairiam como bombas nas bases dos acusados.
No STF, a lista de julgamentos próximos inclui os processos do pré-candidato Jair Bolsonaro, por injúria e apologia ao crime, e o da senadora Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, ao lado do marido Paulo Bernardo, ex-ministro de Lula e Dilma Rousseff.
Por se tratar de crime contra a honra, uma eventual condenação de Bolsonaro não o impede de disputar votos. Só impõe danos para além dos fiéis que o aplaudem. Sem papas na língua e fazendo disso o seu marketing, o parlamentar é réu por ter dito que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada por ser muito feia.
Gleisi e Bernardo têm problemas de maior monta. Acusados de receber R$ 1 milhão de propina da Petrobras para a campanha de 2010, o casal pode amargar penas de ressarcimento de R$ 4 milhões, além da cassação do mandato da senadora e a consequente inelegibilidade. Depois de mais de três anos, a ação está em fase adiantada. Já passou pelo relator Edson Fachin e está, desde o último dia 2, nas mãos do revisor Celso de Mello.
Os frequentes recursos de Lula também prometem dar trabalho. Primeiro ao STJ, que já negou dois deles, depois ao TSE, que analisará o impedimento da candidatura pela Lei da Ficha Limpa, e, por fim, ao STF.
Desde o julgamento do Mensalão, o primeiro a despachar políticos para atrás das grades, o Brasil desenvolveu um gosto por promotores e juízes. Ainda que hoje só reste um mensalinho — todos os políticos presos à época estão soltos, só os operadores do esquema continuam na cadeia –, com as transmissões ao vivo e em cores das sessões, a Corte Superior, até então tímida, ganhou luzes e fama, produziu astros e heróis.
Como bem disse a presidente do STF, Cármen Lúcia, ao se referir à impossibilidade de se rever a autorização de prisão aos condenados em segunda instância em benefício de Lula, a Corte não pode se apequenar.
Nem se agigantar. Basta que ela cumpra, com celeridade, seu papel de fazer valer a Constituição. Do contrário, deixará o país inteiro sub judice.
* Mary Zaidan é jornalista.
Ricardo Noblat: O objetivo oculto do pedido de habeas corpus para Lula
Prisão em segunda instância deverá ser reexaminada pelo STF
A defesa de Lula atirou numa direção para acertar em outra quando entrou, ontem, no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de habeas corpus preventivo para evitar sua eventual prisão depois do julgamento de seus recursos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região que o condenou a 12 anos e um mês de cadeia no caso do processo do tríplex.
Naturalmente, atirou na direção de impedir a prisão que o tribunal de Porto Alegre está pronto para decretar em breve, talvez daqui a dois meses no máximo. A direção oculta a ser acertada é provocar no STF a reabertura da discussão em torno do poder concedido à segunda instância da justiça de prender quem seja condenado por ela.
Na sessão de reabertura dos trabalhos do STF, depois das férias de fim de ano, a ministra Cármen Lúcia deu sinais claros de sua falta de vontade para pôr em pauta a decisão tomada e reafirmada pelo tribunal de deixar o destino dos condenados nas mãos dos juízes de segunda instância. Mas é possível que sua vontade acabe contrariada.
O pedido de habeas corpus deverá ser relatado pelo ministro Edison Fachin, que tende a recusá-lo. No entanto, Fachin poderá preferir não decidir sozinho, submetendo seu voto ao exame da segunda turma do tribunal da qual faz parte. Ali, há mais quatro ministros, e todos favoráveis a cassar da segunda instância o poder de prender.
São eles: Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Gilmar, que antes votou pela prisão em segunda instância, votará contra. Os demais confirmarão o voto que deram no julgamento em que foram derrotados por 6 x 5. Como evitar o que seria lido aqui fora como algo feito por encomenda para salvar Lula da prisão?
Levar à decisão ao plenário do STF formado por 11 ministros. E seja o que Deus quiser – ou melhor: o que eles quiserem.
https://veja.abril.com.br/blog/noblat/o-objetivo-oculto-do-pedido-de-habeas-corpus-para-lula/
Cristovam Buarque: A verdade do momento
Dirigentes petistas perderam o sentimento da realidade, a noção da verdade
O jornalista Fernando Gabeira publicou neste jornal, no dia 25, artigo sob o título “O momento da verdade”, onde mostra que, ao não aceitar a condenação de Lula pela Justiça, o PT demonstra seu divórcio entre a imaginação política dos militantes e a verdade do sentimento da nação. Não houve, como esses dirigentes esperavam, um levante popular contra a Justiça. Porque não há uma causa em jogo. Trata-se apenas de manter ou não o Lula na disputa presidencial, sem um rumo diferente para o Brasil.
O que há de mais grave é que o PT não entendeu a gravidade do momento: não reconhece seus erros, não percebe que o mundo real aposentou a falsa verdade entranhada nas mentes dos seus militantes. Depois de quase duas décadas, as falsas narrativas — da “ascensão da classe média pela Bolsa Família”, do “salto científico pelo Ciência Sem Fronteiras”, da “revolução educacional pelas vagas na universidade” — transformaram-se em realidades alternativas, que não apenas criaram narrativas, mas se acreditam nelas.
A tragédia brasileira é não poder contar com o imenso potencial do PT e do Lula, porque eles perderam o sentimento da realidade, a noção da verdade, a credibilidade das propostas e o patrocínio de um novo rumo para o Brasil. E isso se deve por terem abandonado propostas de economia eficiente, sociedade justa, civilização sustentável, política ética. Perderam o vigor transformador que apresentavam, passando a acreditar na imagem de verdade que criaram para justificar o poder pelo poder, inclusive de que o Temer seria ótimo presidente se a Dilma tivesse algum problema que a impedisse de continuar seu mandato.
O povo não foi à rua para atacar a Justiça porque não vê uma causa por trás do PT ou de Lula. Em 1964, foi preciso usar tanques e soldados para impedir o povo de ir à rua pela legalidade e pelas reformas em marcha lideradas por Goulart. Hoje, o impeachment foi feito dentro da legalidade, o substituto foi escolhido pelo PT; o partido ficou 13 anos no poder, sem deixar qualquer reforma em marcha, apesar da expansão de programas assistenciais ameaçados pela inflação e recessão.
O povo não foi para a rua na semana passada porque não viu causa transformadora para defender e pela qual lutar; além de perceber no PT um partido condenado eticamente sob fortes evidências de corrupção na Petrobras, fundos de pensão etc., com indícios de benefícios injustificados, remunerações superfaturadas, compra de apartamento na praia e sítio de lazer.
A incapacidade para ver a realidade está impedindo o Brasil de beneficiarse do que ainda sobrevive no PT, inclusive aqueles que não se corromperam pelo poder ou por dinheiro com falsas narrativas. O Brasil ganharia muito se eles fizessem uma autocrítica e pedissem desculpas ao país pelos erros cometidos. Seria a verdade do momento para ajudar o Brasil a enfrentar o arriscado futuro próximo, que está ameaçado pelos desastres que cometeram.
Miguel Reale Júnior: Homem incomum
Ele se julga acima da lei. As comparações com Tiradentes, Mandela e Jesus ajudam a entender
Em 10 de agosto de 2016, editorial deste jornal intitulado O que resta a Lula já denunciava a estratégia por ele adotada de transformar “a vitimização em sua principal – se não única – linha de defesa”. Anotava-se que o ex-presidente não se importava em achincalhar a imagem da Justiça brasileira no exterior, pois seu interesse estava em inventar argumentos que transformassem os agentes da lei, dedicados a investigá-lo, em algozes “a soldo das elites interessadas em alijá-lo da eleição presidencial de 2018”.
Essa desonesta e simplista explicação assomou a grau mais elevado diante da confirmação da condenação por unanimidade no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. Na noite da decisão, na Praça da República, em São Paulo, Lula voltou com a cantilena ao dizer, com absoluta irresponsabilidade, ter havido um pacto entre o Poder Judiciário e a imprensa: “Resolveram que era hora de acabar com o PT e com a nossa governança no País. Eles já não admitiam mais a ascensão social das pessoas mais pobres desse país e dos trabalhadores”.
O PT, por sua vez, em nota acusa “o engajamento político-partidário de setores do sistema judicial, orquestrado pela Rede Globo, com o objetivo de tirar Lula do processo eleitoral”.
O confronto com o Judiciário, acusado de fazer parte de plano das elites para impedir a candidatura de Lula, permitiu que mal informado deputado do Bloco de Esquerda de Portugal, em artigo no jornal O Público, chegasse à desfaçatez de afirmar que o juiz Sergio Moro é “um homem do PSDB”.
A vitimização torna-se mais eficaz quando se cria um inimigo imaginário, que encarna o mal e persegue quem faz o bem apenas por maldade e egoísmo. Assim o PT e Lula decretaram o monopólio da sensibilidade moral de se preocupar e implementar soluções para a imensa desigualdade social existente no Brasil. Inventa-se um mal-estar da elite, incomodada com a melhoria de condições de vida da população pobre, como se a riqueza geral e o desenvolvimento de todos não fossem, até por motivos de lucro – se não por busca de justiça social – um objetivo da denominada “elite”.
Lula e seus acólitos relativizam a moralidade administrativa, transformando, sem nenhuma vergonha, fatos concretos de flagrante desonestidade em mera perseguição, adotando o ataque a monstros imaginários (complô do Judiciário, imprensa e elite incomodada) como expediente de defesa, na falta de argumentos jurídicos.
Mas se há um governante que se aliou às forças mais retrógradas deste país foi Lula. Tornou-se amigo dos donos e diretores das principais empreiteiras e uniu-se a políticos, homens da ditadura, representativos do que há de pior como atraso e amoralidade na nossa política: José Sarney e Paulo Maluf.
Ao Maluf foi beijar a mão em sua casa no Jardim América. De Sarney tornou-se grande amigo. Assim, em 2009, quando Sarney, presidente do Senado, era acusado de autorizar nomeações secretas, Lula disse o absurdo próprio de tratamento entre membros da elite: “Penso que ele tem história no Brasil, suficiente para que não seja tratado como uma pessoa comum. O MP deveria prestar a atenção na biografia do presidente Sarney. Sarney não roubou, não matou. Nem todo desvio administrativo é crime”.
Em 2010, ao ser perguntado, em visita ao Maranhão, se lá estava “para agradecer o apoio da oligarquia Sarney”, Lula, enraivecido, acusou o repórter de ser preconceituoso, aconselhando-o a se tratar: “Quem sabe fazer uma psicanálise para diminuir o preconceito”. Nessa entrevista, mostrou a pior mentalidade da elite atrasada ao arrematar: “Uma pessoa, na medida em que toma posse, ela passa a ser uma instituição e tem de ser respeitada”.
Na eleição de 2010, Lula apoiou Roseana Sarney como candidata ao governo do Maranhão. Agora Sarney afirma em nota: “Lula é um grande líder do Brasil. Sua condenação gera uma grande frustração a expressiva parcela do povo brasileiro. Seu amigo pessoal, sempre testemunhei sua preocupação com a coisa pública. Lamento a decisão”.
Lula considera-se alguém, tal como ajuíza Sarney, a não ser tratado como pessoa comum. Além da vitimização, apenas é possível explicar suas atitudes, após a decisão do TRF-4, como fruto de se achar também incomum, uma instituição da elite intocável pela lei; esta é para pessoas comuns. Tanto assim que bravateou, dizendo dispor-se a ficar com os três juízes um dia inteiro, televisionado ao vivo, para que lhe “mostrem qual o crime que o Lula cometeu”. Réu VIP, a merecer dos julgadores tratamento especial: passar um dia inteiro discutindo o processo com o condenado!
No dia seguinte, ungido candidato à Presidência, Lula pôs-se como juiz dos juízes, acima da lei, ao dizer não haver razão para respeitar a decisão que o condenou. As comparações com Tiradentes, Mandela e até Jesus Cristo ajudam a entender.
Quanto ao processo, Lula e seus sequazes repetem à exaustão não haver provas, acentuando o fato de não constar como dono do apartamento. Provas há, basta prestar atenção aos votos proferidos. O argumento de o imóvel não estar em seu nome é confessar o crime de lavagem de dinheiro, disfarçando a propriedade, cuja titularidade seria depois decidida, ocultando o bem recebido.
Inverte-se, com má-fé, o raciocínio: o Lula deixa de ser candidato porque foi condenado diante de fatos concretos de corrupção e lavagem de dinheiro, e não condenado para não ser candidato. Mas ser eleito presidente não deixa de ser um modo de tentar escapar dessa e de outras possíveis condenações.
Lula fala tanto de medidas em favor dos pobres, mas a herança deixada por Dilma e pelo PT foi uma imensa recessão, com PIB negativo na ordem de 3,7% e mais de 12 milhões de desempregados, além da inflação de dois dígitos. Nada foi pior para os pobres do que a errática política econômica e o populismo fiscal eleitoral do PT. Mas, isso Lula tenta esconder.
* Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras. Foi Ministro da Justiça
Cristian Klein: Três juízes, 40 milhões de votos e R$ 50 milhões
Judiciário vira ator central da 'vontade manufaturada'
O momento da política brasileira é confuso, a pesquisa do Datafolha divulgada nesta quarta-feira aponta para mais incertezas na corrida presidencial e não custa recorrer aos clássicos para entender o que se passa. Foi Joseph Schumpeter, o economista austríaco, em sua análise influente e ácida sobre a democracia, o autor do conceito de "vontade manufaturada".
Eleições não refletem o resultado da vontade geral e espontânea de um povo, de uma sociedade, em abstrato. Seus resultados são fabricados. Há uma longa "cadeia produtiva" na qual uma malha de atores planejam, articulam, moldam a disputa, muito antes de chegar a vez de o cidadão comum opinar. O eleitor escolhe quando o cardápio está pronto. É mais um consumidor do que a emanação de vontade própria.
Eleição deriva da palavra elite e é um processo de escolha que tem características aristocráticas. A rigor, o sorteio, praticado na Grécia antiga, seria o método democrático por excelência, como lembrou o cientista político francês Bernard Manin. (Talvez não fosse má ideia diante da encalacrada em que se transformou o caminho para a seleção do próximo presidente da República). Tais formulações rebaixam as expectativas a respeito de um sistema dito democrático.
Desde a publicação de "Capitalismo, Socialismo e Democracia", em 1942, as pesquisas eleitorais ganharam em sofisticação e relevância e incorporaram cada vez mais a vontade prévia do eleitor. Levantamentos quantitativos e qualitativos podem derrubar uma candidatura. Antecipam o que o consumidor quer ou não como produto no mercado eleitoral. Mas a ideia de que o cidadão comum está na maior parte do tempo alheio à construção da oferta eleitoral ainda sobrevive.
Em regra, os atores que influenciam o processo são os políticos e os econômicos. A novidade na conjuntura brasileira para 2018 é a presença monolítica do Judiciário como instituição central para a elaboração da "vontade manufaturada".
Os três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que condenaram Lula são, até o momento, os grandes eleitores da corrida presidencial deste ano. Formaram o que pode ser considerado o primeiro turno, de fato, ao Planalto. Os votos de três magistrados se sobrepõem à preferência de 34% do eleitorado, no cenário mais provável pesquisado pelo Datafolha. Lula teria cerca de 40 milhões de votos se a eleição fosse hoje.
Mas a decisão tem o condão de retirar do páreo o favorito que venceria em todos os cenários, na primeira rodada, e na segunda etapa de votação. Lula vai recorrer, não está morto, mas está inelegível, pela Lei da Ficha Limpa. O primeiro turno de 2018 ocorreu em Porto Alegre, no dia 24 de janeiro.
Sem o petista, o levantamento do Datafolha mostra uma eleição indefinida, em que até a posição do fenômeno Jair Bolsonaro não está assegurada. Por enquanto, se apresenta como forte candidato, se mantiver o patamar de 20%. É o suficiente para chegar ao segundo turno, sobretudo se confirmada a tendência de fragmentação de candidaturas como em 1989. Até o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) - velho frequentador de telejornais, porém peça inexpressiva no tabuleiro presidencial - registrou 6%.
No entanto, sem estrutura partidária, será complicado para Bolsonaro deter o avanço dos adversários. Seja da máquina política do PSDB - ainda que o governador Geraldo Alckmin não tenha decolado -; seja de algum candidato outsider e mais ao centro como o apresentador Luciano Huck - que também está abaixo do que se esperaria de figura tão midiática e popular -; seja pela migração das preferências por Lula para outro candidato do PT ou ligado à esquerda, especialmente Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT), no momento os maiores beneficiários do banimento do petista da disputa.
Jaques Wagner marcou apenas 2% mas tende a crescer na medida em que sua imagem, durante a campanha, for associada à de Lula. O poder de transferência de votos do ex-presidente se reduziu em relação à última pesquisa, mas ainda é propulsor para candidatura de qualquer apadrinhado - sobretudo num cenário de fragmentação: 27% dos eleitores afirmam que o apoio de Lula os faria votar, "com certeza", num candidato indicado pelo petista, e 17% disseram que "talvez" votassem. Se apenas metade do primeiro grupo mantiver a disposição até outubro, o candidato lulista já atingiria 13,5%.
A dificuldade é que o processo de transferência precisaria ser feito o quanto antes e, no PT, a disposição é de bancar Lula até o limite do impossível. Nesse sentido, a prisão do líder petista pode até ser, paradoxalmente, vantajosa eleitoralmente pois tende a definir o rumo do partido na disputa. Decidir no meio do caminho, sem construir a alternativa, aumenta o risco de fim melancólico para as pretensões de um PT a serviço dos destinos de Lula.
Em contraste, o sentimento de injustiça e a necessidade de sobrevivência podem dar ao PT um espírito de coesão que parece faltar à equipe de Bolsonaro neste período de pré-campanha. O deputado federal não carece apenas de recursos de fundo partidário e eleitoral e do tempo de TV, mas de entendimento mínimo entre os auxiliares.
De acordo com uma fonte muito próxima ao pré-candidato, consultada pela coluna, a equipe original de Bolsonaro rachou durante o fracassado processo de migração do PSC para o PEN/Patriota. Não fazem mais parte do núcleo duro da equipe o advogado Bernardo Santoro, o ex-árbitro de futebol Gutemberg de Paula Fonseca e Rodrigo Amorim, que foi vice de Flávio Bolsonaro, filho do deputado, na chapa que disputou a prefeitura do Rio no ano passado. Eram "os três porquinhos" como o interlocutor a eles se refere, ao sugerir que teriam feito supostas negociações escusas à revelia do pré-candidato nos diretórios que passaram a comandar.
O grande receio de Bolsonaro, mesmo depois de ter acertado a filiação ao PSL de Luciano Bivar, ainda é levar uma pernada e ver seu nome rifado pela sigla na reta final. "Já ouvi que nossa candidatura vale R$ 50 milhões e um ministério", diz o interlocutor do parlamentar. É muita vontade de manufaturar.
Luiz Carlos Azedo: Prisão quase inexorável
A presidente do STF, Cármen Lúcia, sepultou as possibilidades de reverter a decisão dos desembargadores de Porto Alegre, que condenaram Lula a 12 anos e 1 mês de prisão, antes de a pena começar a ser executada
Complicou-se ainda mais a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ontem sofreu mais uma dura derrota judicial: o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Martins rejeitou o pedido de habeas corpus preventivo da defesa. Lula está condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, em regime fechado e execução imediata. Apenas um embargo de declaração de seus advogados o mantém em liberdade.
A defesa de Lula recorreu ao STJ com o argumento de que a medida fere a Constituição, que diz: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ocorre que uma súmula do STF determina que os réus condenados em segunda instância comecem a cumprir a pena imediatamente, independentemente da posterior apreciação do caso pelos tribunais superiores. A defesa de Lula tentou atalhar o TRF-4 com o pedido de habeas corpus.
A defesa de Lula persistiu na politização dos processos judiciais aos quais responde, ao afirmar que a prisão de Lula teria “desdobramentos extraprocessuais, provocando intensa comoção popular — contrária e favorável — e influenciando o processo democrático”. Martins rechaçou os argumentos: “O receio de ilegal constrangimento e a possibilidade de imediata prisão não parecem presentes e afastam o reconhecimento, nesse exame liminar, da configuração do perigo da demora, o que, por si só, é suficiente para o indeferimento do pedido liminar”. Segundo o ministro, não existe ameaça de prisão ilegal, o que justificaria o habeas corpus preventivo.
A decisão do ministro surpreendeu o mundo político. Há duas semanas, Martins deu liminar a favor da posse de Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho. Mas a decisão foi cassada pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, que ontem descartou a possibilidade de rever a jurisprudência da prisão após condenação em segunda instância em razão da situação de Lula. “Em primeiro lugar, o Supremo não se submete a pressões para fazer pautas. Em segundo lugar, a questão foi decidida em 2016 e não há perspectiva de voltar a esse assunto”, disse a ministra. Martins e a presidente do STF, portanto, estão em sintonia.
Afronta
A estratégia de Lula em relação aos processos que enfrenta na Operação Lava-Jato vem se revelando um fracasso absoluto. Na medida em que a primeira condenação, a nove anos e meio de prisão, pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, saiu da primeira para a segunda instâncias (no caso, o TRF-4), o petista subiu o tom dos ataques ao Judiciário, ao mesmo tempo em que reforçou o discurso político de que haveria um complô para fraudar as eleições, impedindo-o de disputar a Presidência. Esperava que isso tivesse repercussão favorável nos tribunais superiores, que não são formados apenas por juízes de carreira. Deu tudo errado.
O que está sendo posto em xeque, com a estratégia do PT, é o respeito à Constituição e à democracia por Lula e seus aliados, exatamente o contrário do que apregoam com base no senso comum de que o julgamento das urnas seria mais legítimo do que o dos tribunais. Há todo um debate no mundo jurídico sobre a execução de penas a partir da segunda instância, que é adotada em vários países democráticos. No caso brasileiro, esse recurso foi acolhido porque o princípio do “transitado em julgado”, principalmente nos casos de crimes de “colarinho branco”, estava sendo um instrumento de impunidade.
Recentemente, porém, a discussão voltou à baila no Supremo Tribunal Federal (STF). A mudança de opinião do ministro Gilmar Mendes, que era favor da execução da pena após condenação em segunda instância, e a entrada do ministro Alexandre de Moraes, no lugar do falecido ministro Teori Zavascki, alimentam as especulações sobre a revisão da jurisprudência. A aposta da defesa de Lula era explorar essa contradição e protagonizar uma alteração na jurisprudência. A radicalização do seu discurso político e a postura desrespeitosa em relação aos magistrados que o condenaram acabaram provocando um efeito contrário. Agora, a decisão de Carmem Lúcia sepulta as possibilidades de reverter a decisão dos desembargadores federais de Porto Alegre, antes de a pena começar a ser executada.
Além disso, afasta a possibilidade de Lula disputar as eleições, pois está inelegível. Para isso, seria necessário revogar a Lei da Ficha Limpa, que exclui da disputa eleitoral quem foi condenado em segunda instância. Sem garantia de registro, a candidatura de Lula está natimorta. Mesmo assim, a estratégia do PT é “vitimizar” o ex-presidente da República e manter sua pré-candidatura enquanto for possível. Entretanto, o estratagema somente afronta ainda mais o Judiciário. Não tem eficácia jurídica.
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Luiz Carlos Azedo: Ameaça de extinção
O Congresso, tão logo acabe o recesso, será transformado numa grande feira de mandatos. A janela aberta para o troca-troca partidário virou uma festa para os donos de partidos
As eleições de 2018 podem ser o canto do cisne da maioria dos pequenos partidos no Brasil, mesmo os chamados ideológicos, em razão da reforma política que aprovou o fim das coligações a partir de 2020 e vinculou o tempo de propaganda nas rádios e tevês ao tamanho das respectivas bancadas no Congresso. Sobretudo porque o fundo eleitoral e o fundo partidário desequilibraram ainda mais a disputa em favor dos grandes partidos. Não se considera, por exemplo, o desempenho eleitoral de candidaturas majoritárias a presidente, governadores e prefeitos, muito menos de deputados estaduais e vereadores, o que seria perfeitamente possível flexibilizar, considerando o desempenho nas eleições passadas.
Na verdade, o que houve foi uma contrarreforma política, feita para salvar os partidos fragilizados pela crise ética e suas principais lideranças, cujo poder aumentou ainda mais por disporem como quiserem dos recursos dos respectivos fundos eleitorais e partidários e da distribuição do tempo de televisão e rádio entre os candidatos proporcionais. Nunca os cartórios partidários e os presidentes de partidos tiveram tanto poder como agora para influenciar a eleição de candidatos e cooptar parlamentares utilizando esses meios materiais de campanha. A reforma foi feita sob medida para isso e a derrubada do veto ao uso ilimitado de recursos pessoais na campanha ainda serviu para tirar da jogada empresários que quisessem se aventurar nas disputas à margem dos grandes partidos, como outsiders.
Esse é o jogo que está sendo jogado na eleição. O Congresso, tão logo acabe o recesso, será transformado numa grande feira de mandatos. A janela aberta para o troca-troca partidário virou uma festa para os donos de partidos que oferecem recursos para campanha aos colegas desesperados em busca da reeleição. No último prazo de mudança de partido, às vésperas das eleições municipais, um deputado federal poderia custar, no mínimo, R$ 1,5 milhão do fundo partidário como garantia de financiamento de sua campanha de prefeito. Nos bastidores do Congresso, são conhecidos os casos em que o fundo serviu de moeda para montagem de partidos políticos, que teoricamente teriam uma vaga cativa em cada estado para oferecer em leilão. A maioria dos partidos não tem orçamento, nem planejamento financeiro, os recursos são administrados como caixa-preta, ainda que depois quase tudo apareça nas prestações de contas oficiais dos candidatos. E não estamos falando de recursos de caixa dois, nos quais ninguém fala, “pero que los hay, los hay!”
Franquias
Não foi à toa que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) em que pede a suspensão imediata de trecho de emenda que garantiu aos partidos políticos autonomia para definir livremente a duração de seus diretórios e órgãos provisórios (artigo 1º da Emenda Constitucional 97/2017). A emenda foi promulgada, no dia 4 de outubro passado, pelo Congresso, como parte da reforma política. O texto estabelece normas sobre acesso dos partidos políticos aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão para o próximo ano eleitoral, e veda as coligações partidárias nas eleições proporcionais, neste caso, em 2020.
Raquel Dodge pede a suspensão somente do artigo 1º porque, segundo ela, o dispositivo fere cláusulas pétreas da Constituição Federal e tem caráter antidemocrático, ao concentrar o poder decisório nas executivas dos diretórios nacionais e favorecer a existência de “partidos de aluguel”. O excessivo poder das cúpulas partidárias é um fato. Roberto Jefferson, que acaba de indicar a própria filha, deputada Cristiane Brasil (RJ), para o Ministério do Trabalho, e Valdemar Costa Neto, por exemplo, mesmo quando estavam presos, mantiveram férreo controle sobre o PTB e o PR, respectivamente. Para Dodge, o aval para os partidos definirem livremente o prazo de vigência dos diretórios provisórios é um obstáculo à renovação política municipal ou estadual. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já definiu que os diretórios provisórios devem ter duração máxima de 120 dias, numa resolução de 2016.
Grandes ou pequenos, os partidos mantêm por longos períodos diretórios municipais ou estaduais administrados por comissões provisórias. Dirigentes locais são nomeados a título precário e ficam sujeitos a toda sorte de imposições. As comissões provisórias tornaram-se verdadeiras franquias, oferecidas a prefeitos e governadores, que assim controlam essas legendas e, por meio delas, quem pode ou não ser candidato e em que condições. Nesse contexto, as vias de renovação da política e dos partidos acabam obstruídas, o que estimula o aumento da abstenção eleitoral e dos votos nulos e brancos, principalmente nas eleições proporcionais. A válvula de escape que ainda há, os pequenos partidos, está ameaçada de extinção. Se não houver um estouro de boiada que os favoreça, a renovação terá que se dar por dentro dos grandes partidos, o que será mais difícil ainda.