STF

Eliane Cantanhêde: Cartada final do STF

Ministros discutem solução engenhosa e complexa contra a prisão de Lula

Avançam as articulações de ministros do Supremo para, em tratativas com a defesa do ex-presidente Lula, acabar com a prisão após condenação em segunda instância e mudar os rumos da Lava Jato. Como a presidente Cármen Lúcia mantém firmemente sua palavra de não colocar a questão em pauta, a solução que emerge é criativa e sofisticada.

Habeas corpus (HC) só pode ser posto “em pauta” pela presidência ou “em mesa” por um deles, o que já não é usual, mas embargos de declaração em liminares podem ir ao plenário e os ministros foram buscar uma liminar de outubro de 2016 para ancorar toda a estratégia: justamente a liminar que permitiu a prisão após a segunda instância, confirmada pelo plenário em dezembro daquele ano por 6 a 5.

A defesa de Lula descobriu, e soprou aos ouvidos de ministros, que o acórdão da liminar nunca tinha sido publicado e isso abria uma brecha para a revisão. Ora, ora, o acórdão acaba de ser publicado agora, em 7 de março, abrindo prazo de cinco dias úteis para a apresentação de recursos. E, ora, ora, o Instituto Ibero Americano de Direito Público entrou com embargo de declaração no último dia do prazo, 14 de março, quarta-feira passada.

Um embargo de declaração numa liminar de um ano e meio atrás, que gerou dois meses depois uma decisão em plenário? Tudo soa muito estranho, muito nebuloso, mas faz um sentido enorme para aqueles que articulam o fim da prisão em segunda instância não apenas para Lula, mas para todos os poderosos que estão ou estarão no mesmo caso.

Lembram que escrevi, neste espaço, que havia um acordão dentro do Supremo para combinar o fim da prisão em segunda instância e do foro privilegiado? A base é uma equação: quem é contra Lula salva a pele dele para salvar a de todos os demais; quem é a favor de Lula salva a pele de todos os demais para salvar a de Lula.

Houve uma sequência de tentativas que acabaram batendo num muro intransponível: a opinião pública, que não consegue digerir a mudança de uma decisão – que já passou por três julgamentos no STF – com o objetivo óbvio, gritante, de evitar que Lula vá para a cadeia.

A primeira tentativa foi convencer Cármen Lúcia de por o habeas corpus preventivo de Lula em pauta, mas ela declarou que mudar uma jurisprudência para beneficiar um réu seria “apequenar” o Supremo. Depois, veio a sugestão de levar ao plenário os HCs de outros condenados, não especificamente Lula, mas ela divulgou a pauta de abril sem incluir a questão.

A terceira tentativa foi escalar um dos outros dez ministros para, driblando a decisão da presidente, colocar a questão em mesa e forçar a revisão. Mas quem? Gilmar Mendes já tinha o seu papel definido no script: inverter o voto e o resultado. O relator da Lava Jato, Edson Fachin, foi categórico ao dizer que não aprovava mais um julgamento sobre o mesmo assunto. Lewandowski, Marco Aurélio e Toffoli avisaram que não entrariam nessa bola dividida.

Criou-se até uma torcida para o decano Celso de Melo assumir o papel e foi aí que surgiu a solução – atribuída a Sepúlveda Pertence, ex-STF e atual advogado de Lula – de publicar a liminar de 2016, gerar um embargo de declaração e levá-lo ao plenário, criando a oportunidade para Gilmar Mendes mudar o seu voto e acabar com a prisão após a segunda instância.

Cármen Lúcia foi chamada para uma reunião na próxima terça-feira, provavelmente para discutir a ideia de, em vez da segunda instância, o plenário autorizar o cumprimento da pena após condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A prisão de Lula seria adiada por muitos meses, caso mantida; os presos após a segunda instância entrariam com HC; os futuros condenados respirariam aliviados. E a Lava Jato? O que fez, fez; o que não fez, só fará em parte.

 


Ruy Fabiano: A institucionalização do crime

Lula, PT e aliados, flagrados na prática de delitos, acusam e difamam juízes
Há uma conexão mais que simbólica entre o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol), esta semana, no Rio, e o assédio implacável (e imoral) do PT ao Supremo Tribunal Federal, para garantir a impunidade de Lula. O elo é a institucionalização do crime.
Mais que organizado, está institucionalizado. Capturou o Estado brasileiro – e o Rio não é fato isolado, senão regra geral.
Esse é o fenômeno que marca – e desfigura – a política brasileira dos últimos anos, sobretudo após a Era PT (embora a preceda). A legislação penal foi sendo, ao longo das duas últimas décadas, gradual e continuamente abrandada, a ponto de se tornar uma garantia para o infrator – e um obstáculo a quem o combate.
E é essa retaguarda jurídica às avessas que dificulta (ou mesmo impede) a ação repressora à criminalidade.
O crime está no comando e age com desenvoltura – tanto em sua versão selvagem, que vitimou Marielle e seu motorista, como em sua versão engravatada, exposta pela Lava Jato.
Lula, PT e aliados, flagrados na prática de delitos, acusam e difamam juízes (os poucos que ousam enfrentá-los), desafiam a lei, ameaçam a ordem pública com suas milícias (o “exército do Stédile”), na certeza de que não serão molestados.
E não são: parte da Justiça se intimida e outra (mais restrita, mas mais influente) se alia à causa.
Até a ONU está sendo envolvida na manobra. Quarta-feira passada, 20 ONGs, brasileiras e estrangeiras, falando em nome do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, alertaram para o “risco” da exclusão de Lula das próximas eleições. Risco para quem? Para os juízes que cumpriram a lei? Não ficou claro.
Lula foi condenado por crimes comuns – lavagem de dinheiro, corrupção passiva e ocultação de patrimônio – e é réu em mais seis processos equivalentes, um dos quais trata do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, em 2002.
Mas as tais ONGs postulam para o ex-presidente o Código Eleitoral e não o Penal; deveria, segundo elas, ser julgado pelas urnas (que, a propósito, estão também sob suspeita).
A presidente do STF, Carmem Lúcia sofre assédio de colegas e ex-colegas para que revogue a jurisprudência da prisão em segundo grau, já confirmada por três vezes por aquela Corte.
Carmem se recusa a reabrir o tema para “não apequenar” a instituição. Mas quem está preocupado com isso? O crime institucionalizado quer resultados. Sentindo-se acuado – e o destino de Lula pode determinar o seu -, parte para o jogo bruto.
Há dias, um grupo de parlamentares petistas, sem autorização, invadiu o gabinete de Carmem Lúcia para pressioná-la a ceder. Como não cedeu, teve o troco: no site do partido, foi acusada de ter adquirido sua casa de um doleiro investigado. Jogo pesado.
Com a desenvoltura que adquiriu, o lobby do crime institucionalizado perdeu a compostura. Se age assim no tapetão, nas ruas há o adicional da pólvora, que impõe suas teses a bala.
A vereadora Marielle não foi a única vítima dos criminosos naquela quarta-feira; muitos outros, dentro do cotidiano macabro da cidade, tiveram o mesmo destino.
Mas, por ser um símbolo ideológico da tragédia carioca, teve sua morte reverberada internacionalmente e seu velório transfigurado em comício, cujos oradores, indignados, defenderam (como ela própria o fazia) a manutenção do status quo que a vitimou.
* Ruy Fabiano é jornalista

Merval Pereira: Última tentativa

A próxima semana será decisiva na disputa que se trava nos bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da prisão após condenação em segunda instância, com o objetivo precípuo, porém dissimulado, de evitar a prisão do ex-presidente Lula.
O julgamento dos embargos declaratórios da defesa de Lula no TRF-4 deve ser realizado na segunda-feira, dia 26, mas a confirmação só será feita no final da próxima semana, pelo sistema eletrônico do Tribunal. Os defensores no Supremo da mudança da jurisprudência a tempo de livrar o ex-presidente da cadeia manobram para, na sessão da quarta-feira, reabrir a questão, mas apenas um dos ministros, Marco Aurélio Mello, poderá fazê-lo. Seria a última chance para mudarem a jurisprudência antes do julgamento do dia 26 do TRF-4.
Ele é o relator de duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) cujas liminares foram julgadas no final de 2016, e estão pendentes de julgamento de mérito pelo pleno do STF. Marco Aurélio já afirmou que não pressionaria a presidente Cármen Lúcia para colocar o tema em pauta, mas, não por coincidência, surgiu um fato novo que pode facilitar a reabertura do caso.
Embora tenham sido julgadas em outubro de 2016, o acórdão sobre as liminares das ADCs somente foi publicado na semana passada, o que deu margem a que fossem apresentados embargos declaratórios com efeitos infringentes pelo Instituto Ibero Americano de Direito Público, um dos autores de uma das ações.
A ementa do julgamento das medidas cautelares nas ADCs 43 e 44 é bastante clara quando estabelece que é “coerente com a Constituição o principiar de execução criminal quando houver condenação assentada em segundo grau de jurisdição, salvo atribuição expressa de efeito suspensivo ao recurso cabível”. No meio jurídico, esse texto espelha com nitidez o que a maioria da Corte, àquela altura, decidira: a execução da pena após condenação em segunda instância passou a ser a regra, e as exceções precisariam ser justificadas em decisão judicial.
O ministro Edson Fachin, relator da ementa, aproveitou para criticar o que hoje parece ser a tendência majoritária do plenário, aguardar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para decretar o início do cumprimento da pena. Para Fachin, atribuir às Cortes de cúpula do Judiciário (STJ e STF) instâncias de terceiro e quarto graus, conferindo “efeito paralisante a absolutamente todas decisões colegiadas prolatadas em segundo grau de jurisdição”, revela-se inapropriado.
Àquela altura, não havia discussão sobre a mudança de jurisprudência do STF, que retomava um entendimento que vigorava há muitos anos e só mudou em 2009. Essa é uma razão para que a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, não queira colocar em votação novamente a matéria.
Ela tem comentado que é normal o STF evoluir em seus posicionamentos, mas isso não pode ocorrer em apenas um ano e meio (a mudança anterior ocorreu 7 anos depois). Além disso, ela lembrou em entrevista à revista “IstoÉ” que essa revisão não pode partir de quem foi voto vencido. “Na Suprema Corte americana, somente os vencedores podem pedir revisão de um posicionamento. Aqui não pode ser diferente. Imagine: quem for vencido vai ficar pedindo revisão da decisão até virar vencedor.”
Outra questão fundamental é o impacto que uma revisão provocará no combate à corrupção no Brasil. Segundo ela, “o fim da prisão em segunda instância faria retroceder em 50 anos o combate à corrupção”. Os procuradores de Curitiba corroboram esse pensamento e ontem, ao comemorarem os 4 anos do início da Operação Lava-Jato, lembraram que os recursos infindáveis levariam à prescrição dos crimes, como acontecia até recentemente, e não haveria mais motivo para que alguém fizesse colaboração premiada.
As pressões sobre a presidente do Supremo Tribunal Federal vêm de várias partes, além do PT e dos advogados de Lula. Há um conluio surdo entre as diversas forças políticas que estão de alguma maneira envolvidas nas investigações e denúncias da Operação Lava-Jato e suas decorrências pelo país.
O grupo que pressiona a presidente Cármen Lúcia pretende se reunir com ela na terça-feira, mas não está certo que essa reunião se realizará. O certo é que a presidente não está disposta a aceitar passivamente uma pressão que nunca aconteceu na História do Supremo Tribunal Federal para tirar de seu presidente o poder de organizar a pauta dos julgamentos.

Merval Pereira: Perto do desfecho

O ex-presidente Lula custou, mas já entendeu que não adianta confrontar a Justiça brasileira, ao contrário de seus seguidores petistas e esquerdistas em geral. Ou melhor, talvez tenham resolvido dividir as tarefas: enquanto ele revê seu discurso, garantindo que não vai fugir do país nem promover atos de contestação à ordem de prisão que considera injusta, mas inevitável, seus seguidores continuam fazem besteira, inclusive no site oficial do PT, que republicou uma fake news acusando a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, de ter comprado a casa onde mora de um doleiro, com insinuações de ilegalidades que nunca existiram.

Além de mentirosa e caluniosa, a notícia é uma estratégia burra dos aliados de Lula, pois, se já era difícil encontrar um ministro que se dispusesse a confrontar a presidente por não incluir na pauta a reanálise da autorização para o início do cumprimento da pena de um condenado em segunda instância, o vergonhoso ataque pessoal acaba com essa possibilidade pelo mero espírito de solidariedade e defesa da instituição.

O que Lula espertamente está fazendo é se preparar para uma candidatura à prisão domiciliar, em vez do cumprimento da pena em regime fechado. Ontem, depois que o ministro aposentado do STF Sepúlveda Pertence, hoje advogado de Lula, não conseguiu demover a presidente Cármen Lúcia da posição de não colocar a questão em pauta no próximo mês e meio, a defesa do ex-presidente entrou com novo pedido no Supremo, objetivando pressionar o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, a reconsiderar sua decisão de negar o pedido de habeas corpus de Lula.

Subsidiariamente, a defesa pede que, mantida a negativa, o habeas corpus seja analisado pela Segunda Turma do STF, e não pelo plenário, como determinou Fachin. Nesta Turma do STF, a tendência da maioria é pela concessão de habeas corpus, não apenas a Lula, mas à maioria dos casos apresentados. Por último, se todos os pedidos forem negados, a defesa de Lula quer que Fachin leve o habeas corpus a julgamento no plenário, mesmo sem Cármen Lúcia ter pautado.

Nada indica que terá êxito, a questão deve ser resolvida mesmo depois do julgamento dos embargos de declaração contra a condenação no TRF-4. O dia marcado para o processo ir em mesa na sessão fica público uns dias antes, e é provável que isso aconteça na sessão antecipada para o dia 26, uma segunda-feira, pois a quarta-feira 28, dia das sessões da 8ª Turma do TRF-4, é feriado para a Justiça Federal.

Esta será a primeira sessão com a composição original da turma, pois o desembargador Victor Laus terá voltado de férias no dia 23. Existe também a possibilidade de que os embargos só sejam analisados no dia 4, primeira quarta-feira de abril. Se rejeitados por unanimidade, o início do cumprimento da pena não precisa necessariamente esperar a publicação do acórdão, fica mantido o acórdão da apelação, e o extrato de ata já informa o juiz de primeiro grau, no caso Sergio Moro.

Se houver divergência, e acolhimento dos embargos parcial ou total, normalmente o juiz espera publicação de voto e acórdão e informação do TRF para execução provisória da pena, para ter ciência do conteúdo alterado da decisão. O cumprimento da decisão segue trâmite da Vara de Execuções, e por isso não ocorre no mesmo dia, mas também não demora muito.

A possibilidade de a defesa conseguir protelar a decisão com o chamado “embargo do embargo” existe, mas é pequena. A 8ª Turma do TRF-4 não tem aceito esse tipo de recurso, por entendê-lo como uma medida procrastinatória. Com o início do cumprimento da pena, a defesa do ex-presidente Lula terá que entrar com novo habeas corpus, desta vez não preventivo, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que provavelmente o recusará novamente sob o mesmo argumento: segue a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que não terá sido alterada até então.

Um novo habeas corpus será encaminhado então ao Supremo, para o ministro Edson Fachin, que pode leválo à Segunda Turma que preside ou, mais provavelmente, remeter novamente o caso para a decisão do plenário. Como tratarão do caso específico do ex-presidente Lula, a mudança da jurisprudência não está garantida, pois, por exemplo, a ministra Rosa Weber, que é a favor do trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena, tem negado os habeas corpus seguindo a maioria que se estabeleceu no último julgamento.

Pode ser também que se chegue a um acordo para colocar o ex-presidente em regime de prisão domiciliar, com algumas restrições cautelares para impedilo de participar de ações políticas enquanto seu caso tramita nos tribunais superiores.


Merval Pereira: Novos paradigmas

Há uma disputa aberta no meio jurídico para a definição dos parâmetros legais que devem ser seguidos nesse novo mundo que se abriu depois da Operação Lava-Jato, onde não há mais blindagem de autoridades ou corruptores do colarinho branco. Diversas associações de classe de advogados se mobilizam para pressionar o Supremo a mudar sua jurisprudência sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Coincidentemente, quando se aproxima do ex-presidente Lula a decretação do início do cumprimento da pena a que foi condenado pelo TRF-4.

Apesar de todas as evidências em contrário, a esquerda quer vender a narrativa de que as punições são direcionadas aos seus líderes, e cada vez que um político como o presidente do PMDB, Romero Jucá, vira réu no Supremo Tribunal Federal (STF), mais fraca fica essa versão.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por exemplo, depois de autorizar a investigação contra o presidente Michel Temer, recorreu da decisão do ministro Gilmar Mendes que proibiu em liminar concedida em dezembro do ano passado, a pedido do PT, a condução coercitiva de investigados para interrogatório em todo o país.

O partido alegou que a condução coercitiva afronta a liberdade individual e a garantia de não autoincriminação, asseguradas na Constituição. Para a procuradoria-geral da República, a condução coercitiva não fere os direitos constitucionais fundamentais e insere-se no “devido processo legal constitucional, ao garantir ao Estado o cumprimento do seu dever de prestar a atividade de investigação e instrução processual penal de forma efetiva e no tempo razoável”.

Há uma clara divergência sobre o que seja estado de direito, e é dentro dessa perspectiva que se discute também a autorização da prisão após condenação em segunda instância, que deverá levar à cadeia nos próximos dias o ex-presidente Lula. Os “garantistas” como Gilmar Mendes se batem contra medidas que chamam de “populistas”.

Mas os ministros que seguem direção oposta, como Luís Roberto Barroso, procuram avançar em decisões que reforcem a tendência de combate à corrupção em progresso nas diversas instâncias da Justiça. Como a intervenção de Barroso no indulto de fim de ano, tradicionalmente concedido pelos presidentes da República.

A presidente do STF, Cármen Lúcia, já havia suspendido parte do indulto, a pedido da procuradora-geral, por considerar que houve abuso de poder da Presidência da República ao abrandar as condições para indultar presos, e agora o ministro Barroso, atendendo ao reclamo da Justiça do Rio, liberou o indulto excluindo os crimes de corrupção. Para o ex-presidente do STF Ayres Brito, o indulto nos termos originais era um incentivo à prática do crime.

Os embates persistem em diversas frentes. As pressões são diversas, mas dificilmente o STF colocará o tema da segunda instância em julgamento antes da definição do TRF-4 sobre os recursos da defesa de Lula contra sua condenação. A presidente Carmén Lúcia, que disse ontem com todas as letras que não se curva a pressões, não colocou o caso nas pautas de março e abril.

O ministro Ricardo Lewandowski, um dos que defende a mudança da jurisprudência, não só não pretende levar o tema à mesa, forçando uma nova definição da pauta, como pediu ontem que fossem retirados dois habeas corpus de sua relatoria, que poderiam ser utilizados para forçar uma nova decisão do plenário.

Muitos veem nessa mudança de comportamento de Lewandowski — ele chegou a anunciar que os habeas corpus pendentes deveriam ir juntos à pauta para unificar a jurisprudência — a certeza de que não há mais nada a fazer para impedir a prisão de Lula. Os dois casos de sua relatoria seriam fracos e poderiam, ao contrário, reafirmar a maioria a favor da prisão depois da condenação em segunda instância.

Também o presidente Temer se vê às voltas com decisões que quebram antigos paradigmas que protegiam os mandatários. A investigação autorizada pela Procuradoria-Geral da República, e consequente quebra de sigilos do presidente e de seus assessores como Rodrigo Rocha Loures, autorizada pelo ministro Luís Roberto Barroso, levou a investigação para dentro do Palácio do Planalto.

Nada de anormal se verificarmos que nos Estados Unidos, a maior democracia do mundo, o presidente Trump está sendo investigado por possíveis interferências da Rússia a seu favor durante a campanha eleitoral, assim como o foram os ex-presidentes Bill Clinton e Richard Nixon.

 


Míriam Leitão: Cenário eleitoral

Doador de dinheiro sujo sabe que agora CEO vai para a cadeia. O quadro eleitoral fica mais presente, ainda que não tenha nitidez. A semana terá lançamento de pré-candidaturas e julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula no STJ. Isso depois de uma semana em que Lula deu a entrevista acenando para Michel Temer e o presidente passou a ser investigado em mais um processo, por pedido de sua escolhida Raquel Dodge e decisão do ministro Edson Fachin.

Há vários motivos pelos quais esta será uma eleição diferente das outras. Uma delas é o financiamento. A doação legal das empresas foi proibida, a ilegal está sendo constrangida fortemente. Hoje, as empresas sabem que o CEO vai pra cadeia, que dono e herdeiro de empresa podem passar uma longa temporada na prisão. Estão todos avisados. E isso, no mínimo, terá o poder de dissuadir muita gente que em outros tempos não hesitaria em encher malas de dinheiro e enviá-las para candidatos. Caso nada disso constranja o dinheiro sujo, quem fizer uma campanha cara ficará exposto.

Os dois partidos que têm o maior volume de dinheiro do fundo partidário e do fundo eleitoral são o MDB, com R$ 304,9 milhões, e o PT, com R$ 300,9 milhões, segundo estimativa feita pelo cientista político Jairo Nicolau. Desses, o MDB ainda não disse com que candidato vai. O PT aferra-se à candidatura de Lula, que muito provavelmente será declarado inelegível. Dois candidatos que têm pontuado bem em todas as pesquisas, Jair Bolsonaro e Marina Silva, terão apenas R$ 14,8 milhões (PSL) e R$ 14,6 milhões (Rede), 23º e 24º lugares na distribuição de recursos públicos. O Podemos receberá R$ 41 milhões. Os grandes partidos ficam com a parte do leão. Ao todo serão 35 partidos recebendo o valor de R$ 2,362 bilhões do dinheiro do contribuinte. Pela estranha legislação brasileira de recursos públicos para as eleições, até os muito nanicos ou que acabaram de se formar terão direito a um bom bocado. Os três últimos serão PCO, PMB e Novo, cada um com em torno de R$ 2 milhões. A lei concentra os recursos nas oligarquias partidárias, e distribui um cala-boca para partidos sem qualquer viabilidade eleitoral.

O MDB não tem candidato a presidente desde 1994, quando Orestes Quércia ficou com 4,4% dos votos, atrás de Enéas. Desta vez, o partido tem um poder inédito: o da máquina da Presidência. Além do maior volume de recursos públicos, num tempo de vacas magras de financiamento. Resistirá ao apelo de ter um candidato mesmo que seja Temer e sua terrestre popularidade?

A entrevista de Lula à Monica Bergamo esclareceu muitos pontos. Ele criou a versão fantasiosa de conspiração americana contra a Petrobras porque essa ginástica nos fatos talvez sirva para os palanques. Com um mínimo de honestidade não dá para explicar o ataque do PT e seus aliados aos cofres da Petrobras sobre o qual há evidências acima de qualquer dúvida. Melhor dizer que tudo é culpa da cobiça americana atrás das reservas do pré-sal. O outro delírio também tem um propósito. Quando ele diz que Temer resistiu ao que ele definiu como tentativa de golpe da Globo está evidentemente querendo construir uma ponte para o futuro com seu velho aliado nas últimas campanhas, o partido do Temer.

Na campanha de Jair Bolsonaro, o economista Paulo Guedes deu entrevistas longas para explicar seu pensamento. Continua sem solução o mistério de como as ideias liberais de Guedes serão colocadas na mente intervencionista do candidato. Já nas ideias políticas, parece haver mais harmonia. À “Folha de S. Paulo”, Guedes declarou: “O Ustra disse que não torturou ninguém. Quem está falando a verdade, quem não está?” Mais de quarenta pessoas que passaram pelo Doi-Codi, entre 1970 e 1974, então sob o comando de Ustra, não podem sequer dar suas versões, porque não saíram vivas.

A eleição cuja campanha oficialmente não começou é um tabuleiro em que as pedras se movem a cada dia, mas ainda está muito longe de se saber como será o jogo para valer.

* Em 2017, exceto por uma semana, passei o ano mergulhada no trabalho neste país intenso e esqueci das férias. Por isso, sairei agora por três semanas. Vocês ficarão com o talento dos colunistas Alvaro Gribel e Marcelo Loureiro.

 


Merval Pereira: Cai a blindagem

Ao acatar o pedido da Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, de incluir o presidente Michel Temer na investigação sobre o suposto pagamento de R$ 10 milhões em propinas da Odebrecht para o PMDB, acertado em um jantar no Palácio Jaburu quando ainda era vice-presidente, o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin confirmou uma jurisprudência que havia sido interrompida na gestão de Rodrigo Janot.
Temer fora excluído do inquérito, que inclui os ministros palacianos Moreira Franco e Eliseu Padilha, porque o antecessor de Dodge argumentava que a Constituição proíbe a responsabilização do presidente por crimes cometidos antes do início do mandato.
Dodge é de uma linha diversa, que conta com o apoio de jurisprudência do Supremo segundo a qual o presidente pode ser investigado, mas não denunciado por crimes cometidos fora de seu mandato presidencial.
O ex-ministro Teori Zavascki, relator no Supremo da Lava-Jato na ocasião, concordou com Janot, mas voltou atrás meses depois, admitindo que o entendimento consolidado da Suprema Corte permitiria a abertura de investigação contra a então presidente Dilma Rousseff na Lava-Jato, caso houvesse indícios do envolvimento dela em irregularidades:

“Não se nega que há entendimento desta Suprema Corte no sentido de que a cláusula de exclusão de responsabilidade prevista no parágrafo quarto do artigo 86 da Constituição (o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções) não inviabiliza, se for o caso, a instauração de procedimento meramente investigatório, destinado a formar ou a preservar a base probatória para uma eventual e futura demanda contra o chefe do Poder Executivo.”
A principal proteção é a chamada “relativa e temporária irresponsabilidade” pela prática de atos estranhos ao exercício de suas funções, como está previsto no art. 86, § 4º da Constituição. Essa regra surgiu pela primeira vez no Brasil durante o regime do Estado Novo de Getulio Vargas na Carta Autocrática de 1937. As demais constituições republicanas jamais contemplaram a imunidade penal temporária, de tal modo que, sob todas as outras constituições, o presidente da República poderia ser processado até por fatos estranhos ao desempenho do mandato presidencial.
A Constituição de 1988 trouxe de volta esse dispositivo, que é compatível com a lógica autoritária do Estado Novo. No entanto, outras constituições de Estados democráticos também conferem ao chefe de Estado essa imunidade temporária. Na França, só é permitido que se instaure processo criminal contra o presidente da República na hipótese de crime de traição.
A posição que orienta a jurisprudência é a do decano do Supremo, ministro Celso de Mello, na época em que Fernando Collor era presidente da República, em que dizia que não poderia ser processado, a não ser por atos praticados durante seu mandato, mas ressaltava: [...] De outro lado, impõe-se advertir que, mesmo na esfera penal, a imunidade constitucional em questão [aquela do presidente da República] somente incide sobre os atos inerentes à persecutio criminis in judicio. Não impede, portanto, que, por iniciativa do Ministério Público, sejam ordenadas e praticadas, na fase pré-processual do procedimento investigatório, diligências de caráter instrutório destinadas a ensejar a informatio delicti e a viabilizar, no momento constitucionalmente oportuno, o ajuizamento da ação penal”.
Os que defendem a blindagem completa lembram que uma investigação, que eventualmente aponte crimes contra presidentes, pode gerar uma crise institucional, mesmo que não haja a condenação. Os defensores das investigações alegam que, muitas vezes, a prova se dilui com o passar do tempo, testemunhas morrem, documentos são destruídos, e é preciso preservar a capacidade de a Justiça obter informações no prazo certo, para usá-las mais adiante se for o caso.

Fernando Gabeira: Para além do dinheiro

Suprir salário que não satisfaz com o artifício de uma gambiarra como o auxílio-moradia é um equívoco dos juízes federais

Os juízes federais anunciam uma greve no dia 15 de março. De um modo geral, apoio os magistrados e os procuradores na sua luta contra a corrupção.

Conseguiram avançar muito nesse campo. Muito mais do que nós, que tentamos a mesma tarefa na política e acabamos neutralizados pela aliança transpartidária dos bandidos.

Essa história do auxílio-moradia, no entanto, não é facilmente defensável. O auxíliomoradia é definido para os que não têm casa nos lugares para onde são deslocados.

Conheci juízes em Rondônia que viajam quilômetros, fazem audiências em igrejas e dormem em redes. Um dos meus projetos de programa é viajar com eles e mostrar o que acontece num lugar remoto, quando a Justiça chega e começa a funcionar.

Esta menção é apenas para ressaltar o nível de desprendimento e idealismo que encontro em muitos deles, alguns ameaçados de morte.

Compreendo que o salário não satisfaz, não foi aumentado como se prometeu. No entanto, o caminho de supri-lo com o artifício de uma gambiarra é um equívoco.

A sociedade não aceita a insistência que pode colocar em risco a própria luta contra a corrupção, pois abre uma brecha na valiosa qualidade que é a coerência.

O Brasil vive momentos típicos de nossa cultura avessa à precaução. Discutia-se até aqui a reforma da Previdência, até que a segurança pública caiu na nossa cabeça.

Não tenho dúvidas de que, adiante, a Previdência Social cairá também na nossa cabeça. Nesse momento, certamente não só a Justiça e as próprias Forças Armadas como parte do funcionalismo público serão chamadas a colaborar, adaptando-se ao inevitável esforço nacional.

Não há dúvida que existem riscos nesse processo. Um deles é o deslocamento de bons profissionais para a iniciativa privada. Mas o que fazer? O Estado não pode competir com ela, exceto com um salário digno e a recompensa simbólica de estar servindo ao povo brasileiro.

Não acredito na eficácia de uma greve de juízes, embora seja, indiscutivelmente, legal. Na verdade, creio que abre um flanco para os adversários entrarem em cena, pois vivemos num país em que existe um grande esforço mental para justificar a corrupção, seja desqualificando juízes e procuradores, seja através da acrobacia mental dos que tudo perdoam a quem está do mesmo lado.

Não somente Lula, mas muitos intelectuais afirmam que Sergio Moro é um agente dos Estados Unidos incumbido de entregar o nosso petróleo.

Não comento frases de Lula, pois há muito defendi um habeas língua para ele. No entanto, este é um movimento tradicional da esquerda brasileira, o de fugir de seus erros e apontar para um inimigo externo.

Costumo citar um jornal comunista na Bahia que escreveu isso depois de um choque entre manifestantes e polícia, durante a II Guerra: “Zeca Patriota espancado a mando de Truman”.

Um tríplex no Guarujá pode ser tedioso. Mas ganha uma nova dimensão quando banhado à luz da política internacional, como um instrumento de agressão do império.

Infelizmente, a maioria dos políticos teme ou detesta os juízes. Não há uma boa interlocução. No entanto, um desfecho razoável para esse episódio é essencial, não só como problema salarial de uma categoria. Ele tem o potencial de estremecer a forte aliança renovadora inaugurada com a Lava-Jato.


Samuel Pessôa: Eleição à vista

Oxalá na próxima eleição nós estejamos exorcizados dos erros básicos de política econômica

Iniciou-se o ano e, após a Copa do Mundo da Rússia, o tema mais importante de 2018 será a eleição.

É muito importante que, diferentemente do que ocorreu em 2014, o debate entre os políticos seja o mais aberto e franco possível.

Naquela oportunidade, eu participei do grupo que apoiou o senador Aécio Neves e, portanto, tenho minha parte de responsabilidade no processo. O maior erro que todos nós cometemos foi esconder da sociedade a situação fiscal dramática em que nos encontrávamos.

Eu, com meus erros, fui partícipe dessa empulhação. Não me regozijo.

Há dois enfoques totalmente distintos a serem considerados nesse tema. Primeiro, o tradicional debate esquerda versus direita.

A esquerda deseja carga tributária elevada e a construção de um Estado de bem-estar social para auxiliar as pessoas a viver e sobreviver em um mundo que muda e em que o risco é enorme.
Para alcançar esse objetivo, a esquerda está disposta a elevar a carga tributária.

A direita considera que elevações da carga tributária podem ter fortes impactos sobre a eficiência e o incentivo ao trabalho, à inovação, ao esforço e à poupança. Podem, portanto, gerar no longo prazo baixa taxa de crescimento da produtividade, estagnação e, no limite, regressão econômica.

Ambos têm razão. A sabedoria do eleitor vai determinar qual projeto melhor se adéqua às necessidades de nossa sociedade no presente momento.

Esse é o debate normal entre uma economia mais liberal e a construção de um Estado de bem-estar social.

Há outra dimensão em que os projetos políticos que têm sido oferecidos à sociedade diferem. E essa distinção não está associada à disjuntiva equidade versus eficiência.

Há diferentes entendimentos entre os profissionais brasileiros de economia sobre o impacto do planejamento e da interferência estatal no processo de desenvolvimento econômico.

A divergência ocorre com relação ao papel do intervencionismo estatal no desenvolvimento econômico. Diversos economistas heterodoxos brasileiros pensam que a Coreia do Sul, por exemplo, cresceu porque o Estado interveio fortemente no espaço econômico. Em razão desse entendimento, entre 2006 e 2014, as seguintes medidas foram tomadas:

Capitalização do BNDES em R$ 400 bilhões; tentativa de reviver a indústria naval; desastrosa gestão da Petrobras, que elevou o endividamento a mais de cinco vezes a geração de caixa; alteração do marco regulatório do petróleo; intervenção desastrosa no setor elétrico, que, segundo esta Folha, deixou conta de R$ 90 bilhões; proteção do programa Inovar-Auto a uma indústria infantil há 60 anos; insistência nos anacrônicos requerimentos de conteúdo nacional; incapacidade de o governo petista encaminhar os problemas da nossa infraestrutura deficiente; a tentativa frustrada, que muito custou à CEF e ao BB, de baixar na marra o spread bancário; a tentativa frustrada de baixar na marra a Selic; a manipulação das contas públicas; as desonerações desastradas que tanto custaram ao Tesouro; a tentativa frustrada de combater a inflação congelando preços de serviços de utilidade pública; e uma longuíssima lista de erros primários de condução de política econômica.

Note que nessa lista encontram-se erros (ao menos ao meu juízo) de formulação de política econômica que não estão associados à disjuntiva equidade versus eficiência. São erros que estão associados a um entendimento equivocado da forma como funciona uma economia de mercado.

Oxalá no próximo processo eleitoral nós estejamos exorcizados dos erros básicos de política econômica e nos concentremos no fundamental do debate político.

* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV

 


Evaristo de Miranda: O STF e o Código Florestal

Essa lei vai completar seis anos de aplicação positiva e sem as catástrofes anunciadas

Começou bem o julgamento das contestações ao Código Florestal no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro relator, Luiz Fux, apresentou um voto técnico e equilibrado sobre uma ação declaratória de constitucionalidade e quatro ações diretas de inconstitucionalidade. Se o seu voto, em grande parte, for seguido por seus pares, a agropecuária terá a segurança jurídica tão necessária para produzir com sustentabilidade e competitividade.

Em tempos de enfrentamentos entre Judiciário e Legislativo, o ministro Fux destacou a qualidade excepcional do processo legislativo que resultou no novo Código Florestal (tempo de tramitação, audiências públicas realizadas, votação expressiva dos parlamentares, etc.). E enfatizou a necessidade de “deferência ao Legislativo” pelo trabalho e seus resultados. Aplausos ao labor dos deputados Aldo Rebelo e Paulo Piau, nem sempre reconhecido.

Diante da temática extremamente técnica, Fux questionou se o próprio STF tinha “capacidade institucional” para analisá-la. Ele ouviu os interessados, recebeu colaborações dos amici curiae, trabalhou arduamente com sua assessoria e realizou ampla audiência pública no STF. Nela representei a Embrapa e apresentei os impactos socioeconômicos negativos de se declararem inconstitucionais artigos do código. E entreguei um documento técnico ao ministro Fux e ao falecido ministro Teori Zavascki, criticando o uso de “princípios” para anular o trabalho legislativo.

Parte da insegurança jurídica do País provém do uso, por atores sociais, de uma principiologia situada acima das leis. Evocou-se o princípio da precaução para impedir pesquisas científicas. E o princípio de vedação ao retrocesso em matéria ambiental para impedir a evolução de normas. Basta a mudança não estar de acordo com interesses e ideologias de certas organizações e esse princípio é invocado, como algo acima até da norma constitucional. Foi assim no ajuste de limites de unidades de conservação: transforma-se a legislação ambiental em cláusula pétrea.

O voto de Fux foi claro: “As políticas públicas ambientais devem conciliar-se com outros valores democraticamente eleitos pelos legisladores, como, verbi gratia, o mercado de trabalho, o desenvolvimento social, o atendimento às necessidades básicas de consumo do cidadão. Desta forma, não é adequado desqualificar determinada regra legal como contrária ao comando constitucional de defesa do meio ambiente ou mesmo sob o genérico e subjetivo rótulo de ‘retrocesso ambiental’, ignorando as diversas nuances que permeiam o processo decisório do legislador, democraticamente investido da função de apaziguar interesses conflitantes por meio de regras gerais e objetivas. Deveras, não se deve desprezar que a mesma Constituição que protege o meio ambiente também exorta o Estado brasileiro a garantir a livre-iniciativa, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzir as desigualdades sociais regionais, proteger a propriedade, buscar o pleno emprego e defender o consumidor. O desenho institucional das políticas públicas ambientais suscita, assim, o duelo valorativo entre a tutela ambiental e a tutela do desenvolvimento, tendo como centro de gravidade o bem comum que é a pessoa humana, no cenário de escassez”.

Mais ainda: “O Princípio da Vedação ao Retrocesso não se sobrepõe ao Princípio Democrático, no afã de transferir ao Judiciário funções inerentes aos Poderes Legislativo e Executivo e nem justifica afastar arranjos legais mais eficientes para o desenvolvimento sustentável do país como um todo”.

Dos cerca de 21 dispositivos contestados, Fux declarou a constitucionalidade de 19: tratamento diferenciado para pequena propriedade rural (artigo 3.º), novas regras na definição de área de preservação permanente (artigo 4.º) e de uso restrito (artigo 11), hipóteses de redução da reserva legal (artigos 12 e 13), regularização de áreas rurais consolidadas (artigo 61-A), cumprimento da reserva legal por compensação ou doação (artigo 66) e regime diferenciado para reserva legal em áreas já ocupadas (artigos 67 e 68).

Aos opositores ao cômputo da área de proteção permanente no cálculo da reserva legal (artigo 15) disse o ministro: “Não é difícil imaginar que a incidência cumulativa de ambos os institutos em uma mesma propriedade pode aniquilar substancialmente sua utilização produtiva”. E está coberto de razão. A Embrapa Territorial demonstrou: os produtores dedicam à preservação 48% de suas terras. Qual agricultura no mundo preserva tanto o meio ambiente? São 177 milhões de hectares dedicados à preservação pelos agricultores, 21% do País, enquanto unidades de conservação protegem 13%.

Já a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 7, 17 (recomposição de vegetação) e 59 (Programas de Regularização Ambiental) ficou confusa. Nos dois primeiros, o voto considerou inconstitucional a data de 22/7/ 2008, por ser “arbitrária”. Ora, essa é a data do Decreto 6.314, sobre condutas infracionais ao meio ambiente e respectivas sanções. A mesma data foi considerada constitucional por Fux em outros dispositivos.

No artigo 59, as petições solicitaram a inconstitucionalidade dos parágrafos 4.º e 5.º (dispensa de multas). A justificativa só menciona a dispensa de multas, mas o voto considera inconstitucional todo o artigo. Se o Programa de Regularização Ambiental não é constitucional, milhões de agricultores, em sua maioria pequenos, que recuperam áreas e prestam serviços ambientais, estarão na ilegalidade. Ganhos ambientais nos Estados ficam comprometidos. Será um caos institucional para o qual a Presidência da República já deveria prever medida provisória sanadora.

Em dois meses o Código Florestal completa seis anos de aplicação positiva e sem as catástrofes anunciadas por alguns. O retorno do julgamento no STF está marcado para 21 deste mês. É tempo de eliminar as dúvidas e acabar bem esse capítulo.

* Evaristo de Miranda é pesquisador da Embrapa Territorial

 


Luiz Carlos Azedo: Tristeza também faz parte

O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um pedido de habeas corpus preventivo de Lula, que pode ser preso

Domingo de carnaval não é um dia muito apropriado para falar de política, embora o tema mais badalado no carnaval deste ano, obviamente, seja exatamente a mixórdia da política nacional, cujos personagens mais ilustres são alvos sistemáticos da troça popular. Foi-se o tempo em que a apologia dos políticos vivos era enredo de escola de samba. Agora, o melhor para os políticos é passar o carnaval recolhido, porque a maré não está boa para a maioria deles.

No Rio de Janeiro, por exemplo, o prefeito Marcelo Crivela (PRB) faz o que pode para desfazer a imagem de que é o inimigo público número 1 dos foliões cariocas. Visitou o Sambódromo, recebeu o Rei Momo, Milton Junior, no Palácio da Cidade e até gravou vídeo falando que tudo está às mil maravilhas na cidade, cujo hino começa como abertura de sinfonia e acaba como marchinha de carnaval.

O vídeo de Crivela viralizou nas redes porque diz que as ruas amanhecem limpas depois da passagem dos blocos, os hospitais funcionam a pleno vapor, a guarda municipal garante a segurança dos blocos e não faltará transporte para quem quiser assistir aos desfiles no Sambódromo. Arriscou até a previsão do tempo, prometendo sol em abundância nos dias de folia. De gozação, os cariocas dizem que o prefeito estava doidão quando fez a gravação. Alegria, alegria, apesar dos tiroteios na Rocinha e em outras “comunidades”.

Não se fazem fantasias como antigamente. Boa parte vem embalada da China e lembra os super-heróis hollywoodianos. Na velho Saara, o tradicional comércio popular do Centro do Rio de Janeiro, no qual árabes e judeus vivem em plena harmonia, um adereço não custava mais do que R$ 5; uma fantasia do Batman ou da Mulher-Maravilha, R$ 49. O controle da inflação e a baixa taxa de juros ajudaram os foliões.

Já as fantasias das escolas de samba são outra história, estão cotadas em euros e dólar, porque desfilar na Sapucaí virou pacote turístico. Para sair numa das alas da Mangueira, uma fantasia não fica por menos de R$ 1.600; na Império Serrano, a Ala das Feras cobra R$ 1.000. Na São Clemente, Paraíso do Tuiuti e na Unidos da Tijuca, era possível pagar R$ 700 para desfilar no primeiro grupo.

Habeas corpus

Carnaval tem de tudo. Por exemplo, depois da morte do Jamelão, não existe ninguém mais rabugento no mundo musical carioca do que o Alfredinho, dono do Bip-Bip, na Almirante Gonçalves, em Copacabana, que abriga uma das mais tradicionais rodas de samba da cidade. Seu bloco sai à meia-noite e um minuto do sábado de carnaval e às 23h59 da terça-feira Gorda. Para evitar superlotação, ele sempre diz aos desconhecidos que não pretende abrir o único boteco self-service carioca durante o carnaval e diz que não sabe se o bloco vai sair. É sempre mentira!

Tristeza também faz parte do carnaval, que nos diga a belíssima Máscara Negra, samba de Zé Kéti, eternizado na voz de Dalva de Oliveira. E o habeas corpus do folião de raça, aquele descrito em prosa e verso por Ary Barroso e Elizeth Cardoso, em Camisa Amarela, que mergulha no turbilhão carnaval com um reco-reco na mão e só reaparece na Quarta-feira de Cinzas cantando A Jardineira.

Mas eis que chegamos à política. O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um pedido de habeas corpus preventivo da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, que pretende evitar a prisão do ex-presidente. Além disso, Fachin submeteu a decisão final ao plenário do STF, formado por 11 ministros. Lula está condenado a 12 anos e 1 mês em regime semiaberto pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4), em um processo da Lava-Jato. Pela decisão dos desembargadores, a pena deverá ser cumprida quando não couber mais recurso na 2ª instância da Justiça.

A defesa de Lula, que agora tem à frente o ex-presidente do STF Sepúlveda Pertence, apresentou habeas corpus ao STF pedindo que o ex-presidente não seja preso até o processo transitar em julgado. Pleiteava que o caso fosse analisado pela Segunda Turma, formada pelos ministros Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Dias Toffoli. A datada decisão será definida pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia. Não foi uma boa notícia para o petista, que luta na Justiça para não ser preso, nem enquadrado na Lei da Ficha Lima, que o torna inelegível, ou seja, deixa-o fora da disputa eleitoral de 2018.


Eliane Cantanhêde: Lula: golpe de mestre?

A inclusão de Pertence na defesa de Lula tem poder simbólico e risco aritmético

O ex-presidente Lula deu um golpe de mestre para tentar escapar da prisão depois de o TRF-4, de Porto Alegre, julgar os embargos de declaração contra sua condenação a 12 anos e 1 mês: a contratação do advogado José Paulo Sepúlveda Pertence, ex-presidente do Supremo.

Pertence é grande amigo de Lula e um dos ícones do Supremo, sempre citado e reverenciado nos votos de ministros dos mais diferentes estilos e correntes. Seu reforço na defesa de Lula não tem apenas esse significado, ou esse peso simbólico, mas pode ter resultados práticos.

Analistas da cena jurídica e política veem na inclusão de Pertence na defesa de Lula (pro bono ou não) uma possibilidade também de um novo equilíbrio de votos no STF quanto à questão mais sensível: a prisão já após segunda instância, ou seja, sem o processo passar pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), chegar ao Supremo e ser considerado “transitado em julgado”.

O que chamou a atenção é que houve dois movimentos simultâneos: enquanto a defesa anunciava o reforço de Pertence, as redes sociais espalhavam que ele é primo da presidente do Supremo, Cármen Lúcia, mineira como ele. Isso foi encarado como uma tentativa de acuar a ministra, que votou sempre a favor do cumprimento da pena após a segunda instância e poderia se considerar impedida para julgar um caso do “primo” Pertence.

A isso se soma uma outra questão: a chefe de gabinete do ministro Luiz Fux é casada com um filho de Pertence, o que poderia gerar o mesmo efeito: o de levar o ministro a se considerar impedido para julgar a questão. Como Cármen Lúcia, Fux também votou a favor da prisão após a segunda instância.

Pertence foi o patrono da indicação de Cármen Lúcia para o Supremo no governo do amigo Lula, cheio de elogios para aquela procuradora de Minas, que tinha sido boa aluna de Direito e cultivava a fama de ser dura e “de esquerda”. Um é de Sabará, a outra é de Espinosa, na região de Montes Claros, e um parente distante da ministra tinha o sobrenome Pertence. Por isso os dois se cumprimentavam como “primos” no Supremo, mas eles não são primos nem têm parentesco direto.

Aliás, já há um precedente para manter Cármen Lúcia no julgamento de questões que tenham Pertence na bancada de defesa. Ela julgou normalmente um processo contra o banqueiro André Esteves, que era defendido pelo ex-ministro, sem nenhum motivo para se declarar impedida.

A questão tem um aspecto praticamente aritmético. Como, em 2016, o plenário do Supremo aprovou, por seis a cinco, a prisão após condenação em segunda instância, qualquer mexida pode inverter o placar e impedir a prisão. Seria o caso, por exemplo, do impedimento de Cármen Lúcia e de Fux, dois dos votos vitoriosos.

Uma das dúvidas que havia foi respondida nesta semana, quando o ministro Alexandre de Moraes, que assumiu na vaga de Teori Zavascki, morto em acidente aéreo, votou pela primeira vez sobre a questão e se manifestou a favor da prisão após a segunda instância num outro processo, o do deputado João Rodrigues (PSD-SC), condenado pelo mesmo tribunal de Lula, o TRF-4.

Isso tudo significa que os dois personagens-chave no destino de Lula no STF passam a ser Sepúlveda Pertence, que pode levar ao impedimento de Fux, e, ora, ora, o ministro Gilmar Mendes, que votou a favor da execução da pena em segunda instância, mas admitiu mais de um vez rever sua posição. Logo, eis mais um dilema típico da confusão que o Brasil vive: Lula está nas mãos de um grande amigo, Pertence, e de um adversário público, Gilmar Mendes.