STF

Míriam Leitão: Um por todos

O habeas corpus do ex-presidente Lula será, provavelmente, o início do novo entendimento do STF sobre o momento da prisão. “Não é um caso que vincula, mas nada impede que o próprio plenário decida que o benefício deva ser estendido”, diz um ministro do STF, que é contra a mudança. O ministro Gilmar Mendes, que é a favor, também diz que o julgamento permitirá a reavaliação da prisão após a 2ª instância.
Mendes estava ontem em Portugal, mas voltará ao Brasil na noite de terça-feira, desembarcando na quarta para o julgamento do recurso do ex-presidente. Ele me explicou que o HC está sendo julgado agora como uma ação subjetiva e não objetiva. Ele diz que: “no plenário, o tribunal pode fixar nova orientação em qualquer processo.”
Há, como se sabe, dois lados no tribunal sobre essa questão. Mas, quanto à interpretação do que acontecerá na quarta-feira, não há tanta diferença na prática. “Mesmo que a decisão seja proferida num caso concreto, ela sinalizará uma mudança de entendimento do plenário”, afirma outro magistrado.
O que vai ser decidido é se o ex-presidente Lula será preso ou não, dado que ele já foi julgado em segundo grau. Se o plenário conceder o habeas corpus, a decisão acabará valendo para outros condenados em segunda instância, explica-se no STF. “Se isso acontecer, será apenas formalismo discutir se terá repercussão geral ou não porque o jogo estará jogado”, explica um ministro.
Mesmo assim, o grupo que quer que o início do cumprimento da pena passe a ser apenas após o esgotamento de todos os recursos judiciais tentará em plenário garantir que a decisão vá além de Lula e seja de repercussão geral.
É mais do que uma semana cercada de expectativa, pode ser a mudança de direção do que havia se entendido até o momento. Em 2009, o STF votou pela prisão apenas após esgotados todos os recursos, o que leva a punição do condenado para “as calendas gregas”, na expressão de um ministro. Mas, em 2016, por três vezes o STF foi ouvido e nas três vezes decidiu que após o julgamento do mérito, ou seja, a condenação em segunda instância, o réu pode começar a cumprir a pena.
O primeiro julgamento do STF em 2016 sobre o assunto foi exatamente de um habeas corpus. O resultado ficou em sete a quatro a favor do cumprimento da pena após a segunda instância. Naquela época, o ministro Dias Toffoli votou com essa posição. Depois, ele mudou de ideia, tentando encontrar um caminho do meio: votou para que fosse ouvido pelo menos o Superior Tribunal de Justiça. Em seguida, houve uma decisão cautelar de ação declaratória que está com o ministro Marco Aurélio. Depois, num caso relatado pelo falecido ministro Teori Zavascki, de repercussão geral, seis votaram a favor de que a prisão fosse após a 2ª instância. Com esses três julgamentos, o assunto pareceu pacificado. Mas não, o debate foi reaberto e agora será novamente discutido a bordo do habeas corpus de Lula. Se, como tudo leva a crer, for formada uma nova maioria, a mudança favorecerá Lula e qualquer outro condenado, pelo crime que for.
Os defensores da prisão em 2ª instância têm expectativa de que a ministra Rosa Weber mude de posição, mas é apenas a expressão de um desejo. Parece pouco provável. Ela já disse claramente que acha que só após a última instância é que um condenado deve ser preso, excetuando-se casos muito específicos. A edição de ontem do “Estado de S. Paulo” lembrou uma de suas frases em que ela diz que não vê como ter uma interpretação diversa do que a do cumprimento da pena só após o julgamento final. Em outro momento, filosofou: “Fico a pensar o tempo a escoar entre os nossos dedos e nós privarmos da liberdade alguém que não tem contra si um título penal transitado em julgado.”
Toda a celeuma é em torno de uma falsa questão, porque os tribunais superiores não discutem o mérito. Então o “transitado em julgado” faz muito mais sentido que seja após a confirmação da sentença na segunda instância, sem prejuízo do direito de recorrer contra pontos específicos. Deixar para a última instância dará aos criminosos a grande chance da impunidade. O tempo jogará a favor de quem for condenado a qualquer crime no Brasil.

Marco Aurélio Nogueira: As ruas de abril

Muita expectativa em torno da manifestação convocada para amanhã, 3 de abril, com o objetivo de protestar contra o STF e o risco de generalização da impunidade nos crimes de corrupção ou lavagem de dinheiro.

É compreensível. Não temos hoje, no País, um ambiente de grande mobilização popular e as controvérsias, que se têm intensificado de forma constante, não ajudam a criar um clima favorável à manifestação unitária dos cidadãos. Ajudam, em vez disso, a paralisar as pessoas. A indignação cívica, porém, segue em rápida ascensão, criando a sensação de que o imobilismo não permanecerá.

Há bons motivos para que as pessoas se disponham a ir para as ruas. Marcar posição contra a violência e a insegurança é uma delas, assim como pressionar para que o Judiciário não seja complacente com a impunidade e não dê marcha à ré na questão das prisões após segunda instância.

O STF atiçou a cidadania ativa. Mostrou-se confuso e errático ao aceitar o pedido de habeas corpus de Lula. Mesmo sem apreciar o mérito do pedido, deu indícios de que está disposto a abraçar novamente o “trânsito em julgado” e a presunção de inocência conforme a letra constitucional. Não há consenso a respeito e o tribunal exibe isso a todo momento. Fora dele, juristas renomados também divergem. O fator que organiza consensos e dissensos é o quanto se deseja, no momento atual, fazer avançar a luta contra a corrupção e em favor de uma justiça universal.

O STF deu um tabefe no bom senso e nos cidadãos que se mostram contrários à sucessão interminável de recursos, muitos dos quais somente são julgados quando os “pacientes” já estão mortos. O STF não foi somente parcial: foi antes de tudo inoperante em termos procedimentais e jurisprudenciais. Tornou-se um fator de alimentação do desarranjo em que se vive no Brasil. Perdeu pontos preciosos junto à opinião pública, situação que impulsiona o protesto que se procura mobilizar esta semana.

A conduta do STF – e particularmente de alguns de seus integrantes – foi interpretada como benéfica a Lula e a todos os demais criminosos de colarinho branco. A indignação reverberou. Voltaram à mesa os princípios fixados por Teori Zavascki (morto em janeiro de 2017) para acelerar a balizar as investigações da Lava Jato: execução da pena depois de condenação em segunda instância, valorização da colaboração premiada como meio para obtenção de provas e legitimidade das prisões temporárias e preventivas.

O garantismo jurídico está no art. 5º da Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Seguido ao pé da letra, o preceito produz consequências conhecidas: processos excessivamente estendidos no tempo, ineficiência da Justiça, benefícios obscenos a condenados com advogados mais caros e “dedicados”. É algo que faz o Brasil ser um dos países mais garantistas do mundo sem que esteja entre os mais justos e com melhor sistema judicial.

Como escreveu o ex-ministro Carlos Velloso em artigo publicado hoje no Estadão, “a execução da condenação em segundo grau é a regra em países de boa prática democrática”. Também era assim no Brasil, até 2005-2006, quando o Supremo Tribunal reformulou a jurisprudência. Por proposta de Teori Zavascki, o entendimento foi alterado.

Agora, observa Velloso, “tenta-se, numa interpretação gramatical, voltar ao breve momento – 2009 a 2016 – em que a interpretação literal, puramente semântica, extensiva, teve lugar, realizando o ‘paraíso’ de alguns”. Para ele, “a execução da sentença condenatória, após o julgamento em 2ª Instância, é acertada. É que os recursos que podem ser apresentados a partir daí não examinam a prova, não examinam a justiça da decisão”. A presunção de não culpabilidade (CF art. 5º, LVII) não implica, só por só, impedimento da execução penal. É que “dispositivos constitucionais não se interpretam isoladamente e sim no seu conjunto. O que a Constituição garante é o duplo grau de jurisdição, ou o contraditório e a ampla defesa, com os recursos assegurados na lei processual. Esta dispõe que os recursos especial e extraordinário não têm efeito suspensivo”.

Conclusão: “Certo é que o entendimento no sentido de se aguardar o trânsito em julgado contribui para a impunidade. O número exagerado de recursos pode levar à prescrição da pena, em detrimento da sociedade e da credibilidade do Judiciário”.

http://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/as-ruas-de-abril/


Arnaldo Jordy: Quem quer justiça no Brasil?

A entrevista do juiz Sérgio Moro no programa Roda Vida, da TV Cultura, nesta segunda-feira, 26, não apenas bateu recordes de audiência e de comentários nas redes sociais, como serviu para relembrar aos brasileiros a importância da operação Lava Jato e do combate à corrupção sistêmica para o país. Essa chaga é responsável por desvios que chegam a 220 bilhões por ano, dinheiro que sai dos cofres públicos para os bolsos dos corruptos. Somente as operações escandalosas perpetradas na Petrobras e desvendadas pela Lava Jato causaram prejuízo de seis bilhões aos cofres da estatal.

O dilema que se coloca é muito claro: temos a opção de continuar a apoiar a Lava Jato para o bem do Brasil e a recuperação da sua imagem, ou concordamos que somos tolerantes a corrupção e iremos afundar cada vez mais na barbárie, no vale-tudo, no desprezo às leis e ao Judiciário. Nesse caso, vamos passar a achar normal que um gerente da Petrobras devolva 98 milhões de dólares após ser flagrado pelas investigações, ou que uma grande empreiteira como a Odebrecht tenha um departamento estruturado apenas para pagar propina, não só no Brasil, como também no exterior, onde suas operações fora da lei já foram responsáveis pela queda de um presidente, Pedro Pablo Kuczynski, do Peru, que renunciou após escândalo de compra de votos com dinheiro da empreiteira brasileira.

Ao admitir sua culpa e renunciar, Kuczynski mostrou muito mais dignidade do que políticos brasileiros envolvidos até o pescoço com a corrupção, mas que insistem em fingir que são vítimas, ao invés de fazer a necessária autocrítica e deixar o caminho livre para que a justiça seja feita, pelo bem do país.
É inaceitável a pressão sobre o Supremo Tribunal Federal para que reveja a regra da prisão em segunda instância. É bom salientar para os desavisados que desde o Código Penal de 1941 prevalece a regra da prisão em segunda instância, que veio até 2009, quando se decidiu pela prisão em última instância, por conta do mensalão. A partir de 2016 se restabeleceu a regra original da prisão em segunda instância. É preciso lembrar que 191 dos 194 países da ONU adotaram a prisão em primeira ou segunda instância, entre eles, França e Estados Unidos, berços de democracias duradouras e estáveis.
Alterar isso por um casuísmo eleitoral, para beneficiar um candidato que corre o risco de ser preso, de fato avilta o Judiciário. Infelizmente, essa pressão parte não só de fora, mas também de dentro da Corte. É também uma pressão a favor da impunidade para o andar de cima, para o criminoso de colarinho branco, que sempre se beneficiou da lentidão do grau recursal da Justiça no Brasil, onde quem tem bons advogados dificilmente vai para a cadeia.
Sem falar que a revisão esdrúxula dessa regra tiraria da cadeia centenas de condenados que já cumprem pena após condenação em segunda instância, também na área criminal, incluindo pedófilos e assassinos. Seria a celebração da impunidade e a volta de uma regra que permitiu a protelação de prisões de condenados até a prescrição do crime ou a chegada do criminoso a uma idade avançada, que o impede de pagar pelos seus crimes na cadeia, como vimos agora com Paulo Maluf, que, logo no começo da sua pena, ganhou direito a prisão domiciliar, por questões humanitárias, porque já tem 86 anos.
Concordo com o juiz Sérgio Moro quando ele diz que a mudança da jurisprudência sobre prisão em segunda instância seria um retrocesso terrível para os avanços da operação Lava Jato, responsável por 188 condenações contra 123 pessoas, que somam 1.861 anos e 20 dias de penas, em um país onde a impunidade para crimes de colarinho branco sempre foi a regra. Em janeiro deste ano, foi divulgado um balanço informando que a Lava Jato já havia condenado, na primeira instância e segunda instância, ao longo de quatro anos, no Paraná e no Rio de Janeiro, um total de 144 pessoas, a maioria delas, 113, em Curitiba, onde atua o juiz Sérgio Moro. O quadro muda de figura quando os denunciados têm foro privilegiado e são julgados pelo STF. Das 100 pessoas incluídas em 36 denúncias da Lava Jato ao STF, nenhuma foi condenada até agora.
Não é a toa que a Lava Jato é aprovada pela imensa maioria dos brasileiros, grande parte dos quais está disposta a ir às ruas para defender a punição dos corruptos, em uma mudança da cultura que sempre privilegiou o jeitinho e as tentativas de se dar bem em tudo. Essa é uma conduta que precisa mudar também no cotidiano de cada um, para o bem do país. Cada um quer pergunte à sua consciência: que justiça queremos no Brasil?

* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS-PA


Ruy Fabiano: O calvário institucional do País

O dramático é a circunstância de a mais alta Corte de Justiça do país não ser a solução, mas a causa da crise 

“Não se conhece, no mundo civilizado, um país que exija o trânsito em julgado”, proclamava, há 17 meses, o ministro Gilmar Mendes, na ocasião em que, pela terceira vez, o STF firmava jurisprudência favorável à prisão em segundo grau.
Hoje, Gilmar pensa (ou pelo menos sustenta) o contrário, rebaixando o Brasil à condição, segundo critério que então evocou, de país não civilizado. O tema será objeto de novo exame pelo STF.
Um fato novo o impôs. Não é de ordem jurídica, doutrinária ou moral, mas político-partidária. Tem nome e CPF: chama-se Lula.
As consequências, jurídicas e políticas (para não falar morais), serão gravíssimas. Com base na prisão em segunda instância, grande parte da clientela do Petrolão está presa. E não só ela, mas uma vasta falange de assassinos, estupradores, pedófilos e criminosos de todos os tipos e matizes. Terão de ser soltos, se Lula não for preso.
Condenado em segunda instância, por unanimidade, pelo TRF-4, com prisão decretada, Lula já estaria preso, não fosse uma liminar verbal impetrada por seu advogado, da tribuna do STF.
Fato inédito. Nem precisou ajuizar coisa alguma, papéis, protocolos – nada. Aproveitou a interrupção do julgamento, que acabara de ser adiado por duas semanas – embora convocado em caráter de urgência -, para, da tribuna, propor, e ver aceita, a suspensão da prisão. Tudo muito simples, muito sumário.
A pantomima, no entanto, incendiou o país. E colocou o STF, que se arvora em poder moderador da República, como epicentro da crise. Desde o impeachment de Dilma, não se via nada igual. Os movimentos de rua estão excitadíssimos e tudo indica que as manifestações programadas para os dias 3 e 4 farão barulho.
O habeas corpus preventivo de Lula, que será julgado dia 4, equivale a seu impeachment. A crise voltou a ter um rosto, um símbolo unificador da indignação popular, o que não ocorria desde a queda de Dilma. O dramático é a circunstância de a mais alta Corte de Justiça do país não ser a solução, mas a causa da crise.
É vista, neste momento, como guardiã não da Constituição, mas da corrupção. Tudo isso ocorre simultaneamente ao sucesso de uma série de TV, “O Mecanismo”, que, parodiando o Petrolão, confere ao Supremo o papel de instância salvadora dos criminosos.
A vida imita a arte. E a reação petista agrava o quadro. É uma reação de desafio, em que o pivô da crise, Lula, em vez de se recolher à sua condição de condenado e réu em mais seis processos, sai em caravana pelo sul do país, desancando os juízes que o condenaram e ofendendo os que se incomodam com isso.
De quebra, simula atentados que só convencem os que o produziram – eles próprios. As primeiras avaliações de especialistas indicam que os tiros, de calibre 22, foram dados com o ônibus parado, o que fez com que os petistas mudassem de assunto.
Nesse ínterim, o STF solta prisioneiros de colarinho branco – como Paulo Maluf – e limpa a ficha de um ex-senador, cassado por corrupção, Demóstenes Torres, o que cria precedente para limpar a de Lula, viabilizando sua candidatura.
Para atenuar a farra, prendem-se alguns amigos do presidente da República, Michel Temer, envolvidos em tramoias ligadas ao porto de Santos. É louvável e necessário, mas não como compensação à impunidade de Lula. Mantida a blindagem, a crise continua.
* Ruy Fabiano é jornalista

Eliane Cantanhêde: "Strike” de Toffoli

Ministro livrou Demóstenes, Maluf e Picciani para justificar HC de Lula?

No recesso branco da semana passada, o Supremo fez um “strike” ao libertar condenados que, há tempos, são arroz de festa e símbolos no noticiário da corrupção. Aplainou, assim, o caminho para o habeas corpus (HC) a favor do ex-presidente Lula na próxima quarta-feira e para a revisão da prisão em segunda instância mais adiante.
O procurador e ex-senador Demóstenes Torres, uma espécie de funcionário de luxo do bicheiro Carlinhos Cachoeira no Congresso, foi cassado, condenado e estava inelegível até 2023, mas obteve uma liminar para disputar as eleições deste ano. Um espanto!
O ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio Jorge Picciani, conhecidíssimo há décadas por suspeitas de corrupção e tráfico de influência, ganhou um HC para sair da cadeia de Benfica e curtir sua condenação no lar, doce lar, da Barra da Tijuca, sem tornozeleira. Uma mudança e tanto.
Na quarta-feira, o (ainda) deputado Paulo Maluf, que frequenta o noticiário policial desde os anos 1980 e foi condenado por crimes de quando era prefeito de São Paulo – de 1993 a 1996! –, passou mal de madrugada e ganhou um presentão no início da tarde: um HC para sair da Papuda, pegar uma UTI móvel e pousar anteontem na sua mansão dos Jardins, em São Paulo. Também sem tornozeleira.
Picciani, 62, tirou um câncer e tem sequelas importantes. Maluf, 86, tem problemas cardíacos e diabetes. Mas por que eles estavam presos nessas condições? Porque usaram de seus cargos, de suas fortunas ou de uma infinidade de recursos para não serem presos quando deveriam ter sido. Agora, quando são, alegam que não podem mais ser...
Por trás das decisões a favor de Demóstenes, Picciani e Maluf, o mesmo ministro, com a mesma caneta: José Antonio Dias Toffoli, que não tinha doutorado nem mestrado, tinha levado duas bombas para juiz e só virou ministro da mais alta corte porque Lula quis. Ex-advogado do PT e advogado geral da União no governo Lula, ele pode até ser uma boa figura, mas lhe faltavam predicados para o Supremo.
Nos HCs de Picciani e Maluf, Toffoli foi contra a posição do relator da Lava Jato, Edson Fachin. Especificamente no de Maluf, foi além: desautorizou uma decisão em sentido contrário dada em dezembro por Fachin, o que não chega a ser inédito, mas também está longe de ser trivial. Fachin mandou prender Maluf, Toffoli mandou soltar três meses depois.
Essa onda de bondades de Toffoli gerou projeções. A primeira é sobre o HC preventivo que pode livrar Lula da prisão na quarta-feira. Decisão difícil: o réu é Lula, a prisão em segunda instância passou por 6 a 5 em 2016, há pressões de todos os lados e 1,5 mil juízes e procuradores entregam manifesto amanhã à corte na linha de Sérgio Moro: contra a mudança.
Ao beneficiar Demóstenes, Picciani e Maluf, o ex-advogado do PT Dias Toffoli estava aplainando o terreno para amenizar o impacto de uma decisão pró Lula? Sem falar que ele é da segunda turma do STF, que livrou o líder do governo, Romero Jucá, e o empresário Jorge Gerdau no inquérito da operação Zelotes. Em seu voto, Toffoli acusou a denúncia da PGR de tentativa de “criminalizar a política”.
A outra projeção é sobre o STF após setembro, quando Toffoli substituirá Cármen Lúcia na presidência, num momento crucial para a Lava Jato e para políticos com mandato, do PT, PSDB, PMDB, PP, PTB.... Aliás, o mesmo Toffoli tinha pedido vistas do fim do foro privilegiado e o tema voltará à pauta em maio.
O foco estava em Cármen, Gilmar, Barroso e Rosa Weber, mas é Toffoli quem agora atrai todos os holofotes, a meses das eleições e quando está em jogo o destino do padrinho Lula. Audácia o ministro mostrou que tem. Até ao assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal, apesar de tudo.

Merval Pereira: O impacto da corrupção

O que explica o paradoxo de a corrupção ser a maior preocupação hoje do brasileiro, e o ex-presidente Lula ser o candidato preferido desse mesmo eleitor? Estudos do cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas do Rio, baseados em pesquisa de opinião experimental realizada em parceria com os professores Lucia Barros, da USP e Rafael Goldzmidt, da FGV, mostram como funciona a mente do eleitor, influenciada por questões de ideologia e também por cálculos de custo/benefício.
Claro que a falta de informação acerca do envolvimento do candidato em corrupção é um fator importante nessa decisão, mas o gasto em políticas públicas (bens públicos) modera o impacto negativo de corrupção na probabilidade de reeleição, especialmente em países pobres.
Mesmo eleitores informados podem votar em governantes supostamente corruptos se eles esperam receber benefícios materiais que outros partidos ou candidatos não podem garantir.
Eleitores são mais propensos a escolher candidatos desonestos quando eles compartilham da mesma ideologia. Esse efeito é mais forte quando ideologias econômica e social são congruentes. Quando eleitores são informados de que políticos são corruptos, eles são menos propensos a percebê-los como tal quando compartilham da mesma ideologia.
A forma como corrupção é percebida afeta a escolha do eleitor. Quando eleitores percebem que seu candidato é corrupto, são motivados a buscar outras razões para continuar o apoiando. Esse processo leva a um cálculo cognitivo enviesado que favorece a decisão que os eleitores já haviam tomado.
Mas, pesquisas anteriores feitas em parceria com o cientista político Marcus Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, demonstram que prefeitos com contas rejeitadas pelos tribunais de contas têm chances cerca de 30% menores de se reeleger. Testes mostraram que a maioria dos eleitores votou no Candidato A, que não tinha passado corrupto. Também votaram mais frequentemente no candidato B quando era suspeito de corrupção (33% na média) do que quando condenados por corrupção (11% na média).
Sistemas políticos capazes de punir corrupção podem gerar responsabilidade (“accountabillity”) eleitoral. Funcionam não apenas punindo comportamentos desviantes mas, também impactam a formação da percepção do eleitor e de suas escolhas eleitorais.
Condenar e impor penalidades pode desencorajar comportamentos desviantes no futuro e libertar eleitores enfeitiçados por corruptos. Punição judicial é a chave para que o feitiço de candidatos corruptos se dissipe.
Apesar de mostrar Lula ainda em primeiro lugar, a pesquisa espontânea do Datafolha revela que o número de indecisos, brancos e nulos atingiu 46% após a condenação do ex-presidente. Isso sugere que parcela de eleitores já começa a buscar alternativas ao ex-presidente Lula.
Também subiu de 48% para 53% a fatia de eleitores que não votaria em um candidato apoiado por Lula. Para o cientista político Carlos Pereira, a insistência em sua candidatura, além de poder levar o PT a perder as eleições, pode também levar seu partido a perder a capacidade de aglutinar os outros partidos de esquerda em torno de seu protagonismo político e eleitoral conquistado desse 1989.
“A condenação do ex-presidente Lula e seu impedimento legal de concorrer à Presidência podem se traduzir no melhor cenário para a reestruturação competitiva do próprio PT e de seus aliados de esquerda”.
Se tudo correr dentro da legislação em vigor, Lula não poderá disputar o primeiro turno, pois sua candidatura será rejeitada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quando for apresentada. Pela Lei da Ficha Limpa, assim que terminarem os recursos no TRF-4, a defesa de Lula tem que entrar no STJ pedindo a suspensão da inelegibilidade.
Se ganhar a liminar, seu recurso terá prioridade para ser julgado, e creio que perderá no plenário do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que dará a decisão final antes do prazo de registro das candidaturas, em agosto. Nesse caso, quando o TSE recusar-se a aceitar sua candidatura, já haverá uma decisão de tribunal superior, com base na Ficha Limpa, e a decisão será rápida. A não ser que o Supremo Tribunal Federal interfira no jogo eleitoral, mudando o sentido da Lei da Ficha Limpa. O que seria uma afronta à democracia.

Samuel Pessôa: Prisão em segunda instância

Definir cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado é perder luta contra a corrupção
No direito penal americano, o réu é preso na primeira instância. No julgamento, o juiz instrui os jurados de que o réu deve ser considerado culpado mesmo se eles não estiverem 100% convictos da culpa. Basta que a dúvida seja mais fraca do que uma dúvida razoável.
Ou seja, o direito americano considera explicitamente no seu ordenamento a possibilidade do erro jurídico. É possível condenar uma pessoa inocente. Mesmo que os jurados não estejam certos da culpa, se o conjunto probatório for muito consistente —isto é, se, em razão do conjunto probatório, a probabilidade de a pessoa ser inocente for extremamente baixa, segundo o juízo dos jurados—, o sistema jurídico americano instrui os jurados a considerar a pessoa culpada.
Qualquer pessoa que tenha feito um curso introdutório de estatística sabe que existe um teorema que estabelece que, se um sistema jurídico for construído de sorte a ser impossível condenar um inocente, também será impossível condenar um culpado. Qualquer sistema jurídico estabelece, a partir de toda processualística, uma ponderação entre um erro, condenar o inocente, e outro erro, inocentar um culpado.
Se for um processo civil, isto é, entre cidadãos e que não pode redundar em pena de privação de liberdade, mas somente em compensações financeiras, o requerimento de certeza é ainda menor. Decide-se a responsabilidade civil de um cidadão para com outro de acordo com a preponderância da evidência. Quem contar a melhor história ganha o caso.
É por esse motivo que, no direito americano, é possível uma pessoa ser condenada no processo civil e absolvida no processo penal, como foi o caso do jogador de futebol americano O. J. Simpson.

Quanto maior for o número de recursos possíveis, e quanto maior for o número de instâncias recursais em seguida à Justiça de primeiro grau, menor será a probabilidade de condenar um inocente. Consequentemente maior será a probabilidade de inocentar um culpado.

Se o STF mudar o entendimento e estabelecer que o início do cumprimento da pena será apenas após se esgotarem todos os recursos possíveis na última instância, será impossível condenar um culpado em crime de colarinho-branco, que são os crimes que em geral não deixam prova material. Nesses casos a regra será a prescrição, em razão das inúmeras oportunidades de protelação.
De fato, mesmo num caso em que houve prova material claríssima, o exemplo escandaloso do assassinato da jornalista Sandra Gomide pelo jornalista Pimenta Neves, que foi réu confesso, levaram-se 11 anos para o início da pena, após o STF se pronunciar. Não me pergunte o porquê de o processo de um crime planejado, por motivo torpe e sem que o assassino tenha dado o direito de defesa à vítima, terminar no STF.
No código de Processo Penal há excrescências como “Embargo de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Extraordinário no Recurso Extraordinário no Agravo Regimental no Agravo Regimental no Agravo nº 13874499”. Demorei uns 15 minutos para copiar da página 189 do livro “A Luta contra a Corrupção”, de Deltan Dallagnol.
Assim, o entendimento do STF de que o início do cumprimento da pena ocorra apenas após o trânsito em julgado é equivalente a dizer que réus em crime de colarinho-branco com bons advogados nunca serão condenados mesmo que culpados. Perderemos a luta contra a corrupção.
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Samuel Pessôa é formado em física e doutor em economia. É pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

Bolívar Lamounier: Graúdos e miseráveis

O STF deve assumir o ônus do que possa advir das ruas se os cidadãos decidirem cobrar justiça de verdade
Em cada dois brasileiros que conheçam a Constituição de 1988, um dirá que ela trouxe mais avanços que retrocessos, o outro dirá o contrário. Não entrarei na controvérsia, porque mudo de opinião de um dia para o outro, dependendo do aspecto que esteja considerando.
Numa questão crucial, porém, não tenho dúvida de que ela trouxe um retrocesso, ou pelo menos não promoveu o avanço que teria de ser promovido. Refiro-me à estrutura do Judiciário. O Brasil é o único dos 194 países da ONU que não admite a prisão de um condenado a partir da condenação em segunda instância.
E como temos quatro instâncias recursais — acima dos TRFs (tribunais regionais federais) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) há STF (Supremo Tribunal Federal) —, fácil perceber que um sentenciado bem provido de meios pecuniários pode estender o processo indefinidamente, até atingir a prescrição da pena. Os malefícios inerentes a tal configuração são imensos, e tornam-se infinitamente mais graves quando os integrantes do STF tendem-se a se comportar de maneira claramente facciosa, como passou a acontecer em decorrência das vagas abertas no período Lula/Dilma. Hoje, não há como negar que a maioria decide segundo os interesses dos dois governos petistas, que lhes proporcionaram a suprema honraria da nomeação para a Egrégia Corte.
Com uma penada, o STF pode na prática tornar letra morta a autonomia de um Tribunal Regional Federal, como aconteceu no famigerado julgamento do dia 22 de março, quando o Supremo se debruçou sobre o habeas corpus impetrado por Lula para não ser preso imediatamente após a sentença exarada pela segunda instância. Atuando como Corte de Apelação, o TRF-4, sediado em Porto Alegre, confirmou por unanimidade a decisão tomada em primeira instância pelo juiz Sergio Moro; e não só a confirmou, agravou-a, ampliando a pena de nove anos e meio para doze anos e um mês de reclusão em regime fechado.
Atropelando o TRF-4, o STF suspendeu a sessão porque um de seus supremos integrantes tinha um compromisso no Rio de Janeiro, e foi além, concedendo uma medida cautelar para Lula não ser preso até o término do julgamento. Com tal estrutura e uma composição nitidamente facciosa, podemos afirmar sem temor de erro que o STF instituiu um sistema de castas: a justiça dos graúdos e a dos miseráveis. Deve, pois, assumir o ônus do que possa advir das ruas se os cidadãos decidirem cobrar justiça de verdade.

Fernando Gabeira: O ovo da serpente

Há um declínio da experiência democrática das três últimas décadas. A radicalização pode levar país a uma saída messiânica

Alguns analistas dizem que os mais velhos hoje já não entendem seus filhos e são condenados a viver, no mundo digital, como imigrantes no próprio país.
Meu caso é mais prosaico. Sinto-me como imigrante no Brasil ao assistir a uma sessão do Supremo Tribunal Federal.
O Brasil que habitava desde a redemocratização pelo menos tinha esperanças. O que se vê hoje é o declínio de toda a experiência democrática das três últimas décadas. O sistema político foi engolfado pelos custos de campanha, corrompeu-se e perdeu o contato com a sociedade.
O Supremo mostrou-se uma parte apenas desse corpo em decomposição. Não apenas pelo mérito de sua discussão, mas também pela forma. Quem iria supor que num momento histórico um ministro iria alegar, ao vivo, uma viagem para interromper a decisão. Ou que, também num momento histórico, era necessário respeitar o horário regimental.
Levamos o Brasil mais a sério. É impensável que, numa grande questão nacional, se reunissem por duas horas, fizessem uma hora de lanche e voltassem cansados, sem condições de raciocínio.

As coisas acontecem, e tudo o que dizem aos repórteres é: isto é inadmissível. Muitas coisas no Brasil hoje são consideradas, justamente, inadmissíveis: violência política, tiros, troca de insultos.
Solidário com todas as vítimas, tento avançar um pouco e perguntar: o que produz tantas coisas inadmissíveis no Brasil? E como entender suas causas e recuperar a convivência?
Muitas vezes citado em momentos críticos, o filme de Ingmar Bergman “O ovo da serpente” mostra os conflitos na Alemanha na ascensão do nazismo. As circunstâncias são diferentes mas uma lição histórica, que talvez valha para outros momentos, é que a ascensão de um movimento autoritário não é algo que se afirma em contextos de grandes erros estratégicos da esquerda.
O Brasil está dividido em torno de uma concepção de justiça. Toneladas de provas, milhões de dólares, ruína da Petrobras, todos esses fatos descobertos pela Lava-Jato não podem ser negados.
Até podem, mas a um preço muito alto para a própria democracia. O Supremo hesita agora num momento decisivo, o da prisão de Lula.
Esta hesitação leva em conta os movimentos de massa, pró e contra. Mas quando democráticos, não fazem tanto mal quanto a perda de confiança na Justiça, um ácido que corrói a convivência e estimula saídas desesperadas.
A tática de lançar a candidatura de Lula acabou ofuscando a própria campanha eleitoral. Em outro país, ela já teria começado. Lula, por sua vez, não se comporta como candidato a presidente, mas sim à própria liberdade.
Em vez de estarem em jogo os principais lances da reconstrução nacional, a discussão estacionou num debate que sucessivos julgamentos já tinham esgotado. Infelizmente, a esquerda vê como adversário quem reconhece a realidade dos fatos e, com isso, coloca num campo adversário milhões de pessoas que não são autoritárias nem fascistas.
A crise que estamos vivendo é resultado do fracasso de um longo governo da esquerda. Seus erros estimularam o surgimento de inúmeras tendências na direita, inclusive a mais autoritária.
O jogo da radicalização pode ser jogado com gosto por alguns. No entanto, seu desdobramento seria um país dividido, uma saída messiânica de um lado ou de outro. Esse argumento não comove nem direita nem esquerda autoritárias. Ambas contam com o conflito como dinâmica de sua estratégia de poder.
Mas é preciso fugir da lógica que cria milhões de imigrantes no próprio país.

Míriam Leitão: As dúvidas da Justiça

O ministro Gilmar Mendes disse que pedófilos e traficantes já poderiam ser presos mesmo antes da decisão, de 2016, de prisão após condenação em segunda instância, porque se admitia “a prisão provisória sempre que justificada”. Contesta o que disse o juiz Moro sobre o risco de possível mudança no STF. Sendo assim, se houver mudança no Supremo será benefício endereçado aos condenados por corrupção?
Essa é a dúvida que fica. Se os outros criminosos continuarão podendo ser presos, após a condenação em segunda instância, então por que esta discussão agora?
O ministro avisou que discorda do que o juiz Sérgio Moro disse ao Roda Viva e que reproduzi na coluna de ontem. Moro contou que em menos de dois anos a 13ª Vara Federal executou ordem de prisão de 114 condenados em segunda instância. Número bastante expressivo se for considerado que se refere apenas a uma única vara. São condenados pelos mais variados crimes: 12 são da Lava-Jato e de casos como tráfico de drogas, peculato e pedofilia. Gilmar argumenta que o entendimento do STF de 2009, que estabelecia o cumprimento da pena só após a última instância, já autorizava a prisão nesses casos.
— A propósito, pedófilos, traficantes e outros ficavam presos pela jurisprudência de 2009, pois ali se admitia a prisão provisória sempre que fosse justificada, sempre que presentes os pressupostos da prisão provisória — disse o ministro.
O ministro registrou dois casos em que houve isso. Um deles, um condenado a 44 anos por tráfico de drogas, pena que foi reduzida para 38 anos.
— A prisão está devidamente justificada pois o paciente é o responsável pelo transporte da droga e pela liderança de membros de organização criminosa — disse o ministro Gilmar.
O outro, também condenado por tráfico de drogas, apanhado com quase uma tonelada de maconha e cuja pena foi de 11 anos em regime inicial fechado. Gilmar disse que manteve a prisão porque havia risco de “reiteração delitiva”.
Esses casos mostram na verdade o acerto da decisão de prisão após a condenação em segunda instância, e não o contrário. Porque terão que ser analisados caso a caso os que poderão cumprir pena. E os políticos certamente terão a vantagem da tramitação prolongada dos processos.
Aliás, esta foi uma semana dos benefícios para alguns. Ganharam no STF os deputados Jorge Picciani, Paulo Maluf, o senador Romero Jucá e o ex-senador Doméstenes Torres. Cassado pelo plenário do Senado em 2012, e sem direitos políticos até 2027, Demóstenes recebeu do ministro Dias Toffoli uma liminar que permitirá que ele se candidate.
O ex-senador foi acusado de receber vantagens indevidas do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Em 2016, a Segunda Turma do STF considerou ilegais as escutas da Polícia Federal durante a Operação Monte Carlo, porque elas não foram autorizadas previamente pela corte e teriam que ser porque Demóstenes tinha foro privilegiado. Como as provas foram anuladas, o ministro Toffoli devolveu a Demóstenes o direito de se candidatar já nas eleições deste ano. O advogado do ex-senador, Pedro Paulo Medeiros, explicou que, se as gravações foram consideradas ilegais, é como se elas nem tivessem existido.
Ontem, Toffoli também mandou para a prisão domiciliar o ex-deputado Paulo Maluf, que se queixou de dores nas costas na prisão. Maluf trocará o presídio da Papuda pela sua luxuosa residência nos Jardins, em São Paulo. Quem também ganhou prisão domiciliar foi o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio Jorge Picciani, que também alegou motivos de saúde. Segundo a defesa, ele tem câncer de próstata e não recebe os cuidados devidos na prisão. Toffoli concordou e foi seguido por Ricardo Lewandowski. A divergência ficou com o ministro Edson Fachin, voto vencido.
Romero Jucá conseguiu escapar de uma das muitas denúncias que pesam contra ele. Por unanimidade, a Segunda Turma rejeitou a acusação de ter recebido propina do empresário Jorge Gerdau. Segundo a procuradoria, ele teria favorecido o grupo com alterações em MPs que tramitavam no Congresso.
Aumentam os temores de que esteja se formando uma verdadeira operação de desmonte de tudo o que o Brasil construiu nos últimos anos na luta contra o crime dos poderosos.

Merval Pereira: Civilização regressiva

Os sintomas de uma sociedade em degradação moral. São de características distintas os atentados políticos que mataram a vereadora do PSOL Marielle Franco; as ameaças ao ministro Edson Fachin e à sua família — reveladas no programa “Roberto D’Avila”, na GloboNews —; e os tiros que atingiram ônibus de uma caravana do ex-presidente Lula no Sul do país. Mas são sintomáticos de uma sociedade em degradação moral acelerada.
A vereadora carioca, ao que tudo indica, foi assassinada por grupos de bandidos incomodados com suas denúncias em favor dos habitantes da comunidade de onde veio, a Favela da Maré, contra arbitrariedades de policiais e milicianos.
As ameaças ao ministro Fachin visam, na acusação de Roberto Veloso, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a “intimidação do magistrado, em razão de estar conduzindo os processos relativos à Operação Lava-Jato na Suprema Corte brasileira”.
E os tiros contra a caravana de Lula, acusa o PT, são um atentado contra o que ele representa como liderança popular no país. Como se vê, não apenas o assassinato da vereadora Marielle tem conotações de crime organizado.
 
As ameaças ao ministro do Supremo Fachin também estariam nessa categoria, segundo mais uma vez o presidente da Ajufe, por ser ele “relator da maior operação para apurar desvio de dinheiro público praticado por pessoas poderosas, processando e levando à prisão pessoas até então imunes à jurisdição criminal”.
Não se pode deixar de lado que as pessoas envolvidas nessas acusações, inclusive políticos e empresários, são tratados como membros de organizações criminosas, e essas atitudes os coloca no mesmo patamar dos grupos mafiosos que atuam em outros países.
No caso do ex-presidente Lula, o atentado tem características puramente políticas, e representa uma escalada de violência que vinha tomando corpo nessa parte da caravana petista pelo Sul do país, terreno pouco favorável à candidatura do petista desde muito tempo, quando perdia para o brizolismo e, depois, para os tucanos.
Agora, aquele pedaço do território brasileiro parece ter aderido à candidatura de extrema direita de Jair Bolsonaro, embora o senador Álvaro Dias também tenha bastante força na região, especialmente no Paraná, seu estado.
Os três casos têm motivações distintas, mas representam o mesmo mal, a violência que tomou conta do país e afeta a atividade política, estimulada em sua raiz por grupos de militantes políticos que, incentivados por seus líderes, à esquerda e à direita, se sentem autorizados a agirem dessa maneira violenta.
A degradação da vida nacional, com o esgarçamento dos valores morais devido à impunidade histórica de nossos bandidos de colarinho-branco, é a razão mais profunda desse estado de coisas que vai ampliando a crise social.
A repetição infinita de casuísmos e ajustes finos para proteger os poderosos suprapartidariamente vai se sucedendo em nossas instâncias políticas, juntando num mesmo objetivo os três Poderes que em uma República verdadeira serviriam de contrapeso uns aos outros, fazendo com que se perca a crença numa atuação virtuosa das instituições, hoje voltadas para seus próprios interesses.
A desigualdade aviltante, o populismo aproveitador das dificuldades e as incertezas da maioria da população são consequências desse estado de coisas, justificando o panorama a que chegamos como Nação e civilização regressiva. E o que se apresenta como perspectiva de futuro não dá margem a grandes esperanças.

William Waack: Morrer na praia

O sinal que mais se levanta hoje no Brasil é o sinal de interrogação. Para onde vai?

Não tem nada mais difícil para quem está envolvido com o noticiário do dia a dia político do que entender o rumo de mudanças à medida que elas ocorrem. Já passei por isso, entre outras ocasiões, cobrindo a queda do Muro de Berlim, em 1989. Quarenta dias antes do evento eu estava lá, na Alemanha Oriental, reportando sobre as manifestações e fugas em massa do regime comunista. E não imaginava que faltava só pouco mais de um mês para aquele mundo todo acabar de vez. Foi só depois do muro derrubado que tudo aquilo que já era visível ficou tão claro, tão óbvio, como o caminho que levava a uma revolução.

Crises graves, e o Brasil vive uma, têm características em comum: a velocidade dos acontecimentos é uma delas (no nosso caso, a rapidez com que fomos de escândalo em escândalo, de delação em delação e, agora, de decepção em decepção). Outro aspecto em comum é a desorientação de elites pensantes (políticas, econômicas ou ambas) – para não falar de vastas parcelas da população – que passam a sofrer de perda de capacidade de “leitura” da realidade, ou seja, de antecipar fatos e suas consequências (bastante evidente nos dirigentes do PT antes do impeachment).

Mas a mais grave característica em comum a grandes crises é a deterioração daquilo que numa sociedade até certo ponto se aceitava, bem ou mal, como algum tipo de autoridade – sobretudo a moral. Avança um fenômeno de percepção negativa, e de perda de confiança, que chegou também a órgãos da Lava Jato, a conglomerados econômicos, à imprensa (especialmente os mais poderosos), a instituições religiosas e, recentemente, de maneira espetacular, ao Supremo Tribunal Federal. O sinal que mais se levanta hoje no Brasil é o sinal de interrogação. Para onde vai?

No Brasil é palpável, embora bastante subjetivo, o generalizado desejo de mudança, a indignação com a corrupção, o clamor por algo diferente – e eu me arrisco a dizer, a vontade também de enxergar alguma ordem (no sentido de direção e estabilidade). Sou obrigado a reconhecer, porém, que nossa história recente exige uma tremenda dose de paciência de todos os que ardem por mudanças. Pois temos o costume (cada um julgue se é positivo ou negativo) da “acomodação”.

Na saída da ditadura queríamos Diretas-Já, mas nos acomodamos a esperar o voto direto para cinco anos depois. Nos acomodamos à inflação, que domamos depois de uma década perdida. Nos acomodamos a uma reforma de Estado feita apenas em parte e, com gosto, nos acomodamos ao populismo fiscal irresponsável – e aos encantos de seu marketing executado com dinheiro publico desviado – que precisou de um desastre para ser tirado do poder.

Às vezes parece que para nós, brasileiros, o insustentável (como a violência) é o nosso jeito de ser. Ocorre que esse grande e caudaloso rio querendo mudanças vai se chocar nas eleições em outubro com grandes obstáculos formados por um eleitorado em boa medida apático e desanimado, pelo domínio do aparelho de Estado por grupos corporativos públicos e privados (empresas e partidos), pela percepção de que, no filme de faroeste brasileiro, até o mocinho às vezes só parece querer cuidar do dele. A imagem de grandes quantidades de água em movimento, como algo ao qual ninguém resiste, é uma das mais usadas para descrever mudanças desde que historiadores existem.

Mas morrer na praia é um grande provérbio popular.