STF
Ricardo Noblat: Aproveite o fim de semana, Lula!
Ninguém fez mais do que ele para estancar a sangria da Lava Jato
Não foi Lula que afirmou que era preciso “estancar a sangria” provocada pela Lava Jato. Ou dito de outra maneira: acabar com a Lava Jato, ou reduzir seus efeitos ao mínimo. O autor da frase famosa foi o senador Romero Jucá (RR), presidente do PMDB.
Mas ninguém, nem mesmo Jucá, nem mesmo o presidente Michel Temer, nem mesmo ultimamente o ministro Gilmar Mendes, fez mais para “estancar a sangria” do que Lula. Fez o diabo para escapar da Lava Jato e ser candidato outra vez à presidência da República.
Pressionou a então presidente Dilma Rousseff para que ela freasse as ações da Polícia Federal, do Ministério Público e da Procuradoria Geral da República que o ameaçavam, como se de fato Dilma pudesse fazer isso. Não podia. E não pareceu interessada em fazer.
Lula pediu e levou a cabeça de José Eduardo Cardoso, ministro da Justiça, seu antigo desafeto, por achar que ele dava moleza à Lava Jato. Por achar que na chefia da Casa Civil o ministro Aloizio Mercadante era um zero à esquerda, também pediu e levou sua cabeça.
Pôs Jaques Wagner, homem de sua confiança, no lugar de Mercadante. E quando temeu ser preso pelo juiz Sérgio Moro, aceitou docemente constrangido o convite de Dilma para substituir Wagner e ganhar assim o direito de só ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal.
Sem falar do que ficou registrado em célebre telefonema trocado por ele com um amigo – um ataque pesado ao Supremo a quem se referiu como “corte acovardada”. Conspirou, sem sucesso, para que os ministros do Supremo mudassem de comportamento, e quase conseguiu.
Resta-lhe aguardar a hora de ser preso. Sua defesa pouco terá o que fazer até lá. Esgotou-se quase todo o estoque de recursos ao seu alcance. Se tudo correr como parece escrito nos autos dos doutos, este será o último fim de semana de Lula em liberdade. Pelo menos por um bom tempo.
Míriam Leitão: Cármen e Rosa
O voto da ministra Rosa Weber surpreendeu até colegas do Tribunal, de um lado e de outro. Ela negou o habeas corpus ao ex-presidente Lula, mas ao mesmo tempo deixou no ar a ameaça de votar contra a prisão após a segunda instância, quando a questão for tratada de forma teórica. Ao final do voto dela, Lula estava mais perto da prisão, mas a Lava-Jato permanecia sob risco.
O país estava ontem, no começo da noite, vivendo uma situação dramática. Ficou próxima a prisão de Lula, um líder extremamente popular, ex-presidente, em pré-campanha eleitoral para novo mandato e condenado por corrupção em duas instâncias.
Quando a ministra Rosa terminou seu torturante voto, no qual ora visitava uma ideia, ora outra, em “jurisdiquês” implacável, o ministro Marco Aurélio fez uma crítica direta à presidente do STF, Cármen Lúcia, e pediu que constasse nos autos a sua afirmação de que fora a “vitória da estratégia”.
O que Marco Aurélio quis dizer é que, se a ministra Cármen tivesse colocado em discussão as duas ações declaratórias de constitucionalidade (as ADCs) relatadas por ele, teria sido mudado o entendimento da prisão após a segunda instância. Mas ao não colocar a questão de fundo em novo debate, prevalece ainda o entendimento de 2016. E foi por isso que Rosa Weber passou por cima do que acredita, que é a prisão apenas após esgotados todos os recursos, e negou o habeas corpus. Pelo princípio da “colegialidade".
Rosa avisou que, quando forem julgadas as ADCs, votará com sua convicção. Ela disse que a jurisprudência pode mudar, e que o lugar para fazer isso é o plenário do Supremo. Ontem deixou que falasse em seu voto a “voz coletiva".
Tudo permaneceu precário, todavia. O ex-presidente Lula pode ser preso, mas ficará a ameaça de tirarse do combate à corrupção o instrumento que levou a Lava-Jato até o ponto em que ela chegou. Nos últimos dias, colegas do tribunal consideravam que Rosa Weber votaria pela concessão do habeas corpus e pela mudança do entendimento da corte sobre o momento da execução da pena.
Mas o que estava em discussão era mais profundo e os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Luiz Roberto Barroso foram suficientes para mostrar isso. O Brasil sempre teve execução da pena após a segunda instância. Segundo Moraes, nos 30 anos da Constituição de 1988, em 23 deles, 75% do tempo, prevaleceu esse entendimento. Barroso foi mais longe e falou que tem sido assim desde 1941. O tempo em que vigorou a interpretação de que só ao fim de todos os recursos é que se pode impor o cumprimento da pena foi mínimo: de 2009 a 2016.
Os casos narrados pelo ministro Barroso falam por si. O do jornalista Pimenta Neves que dez anos depois de condenado em segunda instância de um crime do qual era réu confesso, permanecia fora da prisão pelos truques de recursos incabíveis que deixaram a prisão em suspenso. O do suplente que matou a deputada e sua família para ficar com o mandato. Pessoas que se aproveitaram das brechas da Justiça para ficarem impunes. Em apenas dois anos, houve mil casos de prescrição de pena no STJ e STF. A duração interminável dos processos leva à impunidade.
Cada um dos votos foi bem preparado e fundamentado porque se sabia que o que estava em debate era suspender ou não a pena de prisão contra um ex-presidente. Mas, além disso, era para definir que tipo de ordenamento jurídico o país terá.
O ministro Gilmar Mendes, em seu voto, tentou encontrar um caminho do meio e propôs que fosse considerado “transitado em julgado” o processo que tivesse no mínimo o julgamento encerrado no STJ. O ministro Barroso disse que era contra, mas se fosse essa a decisão, que pelo menos o cumprimento da pena deveria começar após a primeira decisão terminativa do STJ.
O importante ontem foi a persistência no esforço para combater o risco da impunidade que sempre esteve tão presente na história brasileira. Seria “devastadoramente negativo", para usar palavras do ministro Barroso, se o STF derrubasse o cumprimento da pena após a 2ª instância. Mas o risco permanece. O fio que levou o país para este momento foi tecido pela ministra Cármen. Tanto Cármen quanto Rosa foram escolhidas por governos petistas, um bom sinal da independência da Justiça.
Merval Pereira: Vitória da coerência
Vimos ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) duas mulheres se impondo com delicadeza e firmeza a atitudes surpreendentemente grosseiras de dois ministros. É verdade que Marco Aurélio Mello estava indisposto com qualquer voto contrário à sua posição e já havia interrompido colegas que votavam contra o habeas corpus de Lula, mas foi com a ministra Rosa Weber e com a presidente Cármen Lúcia que ele se excedeu, inconformado com a derrota anunciada.
Sempre irônico, insinuou que a ministra Rosa dera um voto confuso, que ele até o final não percebera para que lado ela estava indo. A ministra, conhecida por sua gentileza, respondeu com altivez, admitindo que existem pontos de vista diferentes. Mas não deixou barato, registrou sua coerência em mais de 40 anos de magistratura. Sem falar na coerência no caso específico do habeas corpus, pois ela já ressaltara que sempre seguiu a jurisprudência prevalente no Supremo.
Os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski não se conformaram quando a derrota ficou desenhada. Depois de interromper criticamente Rosa Weber, o ministro Marco Aurélio acusou a presidente Cármen Lúcia de ter vencido por uma estratégia estabelecida, ao não ter pautado as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sobre prisão em segunda instância.
A presidente Cármen Lúcia também evitou entrar em atrito com ele e Lewandowski, que reclamou de que havia um pedido para colocar as ADCs à frente. Ela simplesmente disse que a prioridade era do habeas corpus, e que havia conversado com ele sobre isso.
O fato é que alguns dos ministros que queriam dar o habeas corpus a Lula armaram um ambiente que, teoricamente, ajudaria a ministra Rosa Weber a votar em caráter abstrato, reafirmando seu voto de 2016 a favor da prisão apenas após o trânsito em julgado. O ministro Gilmar Mendes, a pretexto de ter que viajar para Portugal, pediu para antecipar seu voto e lançou a tese de que o plenário do Supremo poderia rever a jurisprudência, pois é o local em que todas as questões podem ser reabertas.
Foi apoiado por Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, no que parecia uma manobra exitosa de mudar o rumo do julgamento, contra o que havia dito o relator Edson Fachin, apoiado pela presidente Cármen Lúcia. Os dois destacaram que estavam ali para julgar o habeas corpus específico do ex-presidente Lula. Mais adiante, o ministro Dias Toffoli retomou essa tese, mas a ministra Rosa Weber já não havia sido apanhada na armadilha.
Ela deixou claro desde o início de seu voto que considerava estar julgando um habeas corpus específico para o ex-presidente Lula, e recorreu ao respeito da colegialidade, que é uma tese recorrente em seus votos, e deu uma aula de como se curva à maioria dentro do critério de que o estado de direito necessita de “estabilidade” da jurisprudência e não pode estar sujeito a “variações frívolas”. Para ela, a segurança jurídica é valor característico da democracia, do estado de direito e do próprio conceito de Justiça.
A ministra teve o cuidado de ressaltar, logo no início de seu voto, que seria a quinta a votar, deixando claro que ela não daria o voto de condenação final. E salientou que um ministro não pode julgar por preferências pessoais, deixando claro que não votaria de acordo com o grupo político que a indicou ao Supremo — a então presidente Dilma Rousseff, sua amiga.
Com a decisão do Supremo, o ex-presidente Lula deve ser preso dentro de alguns dias, no máximo dez. Os advogados ainda têm prazo para impetrar o que se chama ironicamente de “embargos dos embargos”, um instrumento meramente protelatório, que é negado constantemente pelo TRF-4. Encerrado esse último ato, o juiz Sergio Moro receberá a ordem para determinar o início do cumprimento da pena.
Provavelmente ficará pouco tempo lá, pois a defesa deverá entrar com novo habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, que deve cair na Segunda Turma, da qual faz parte o ministro Edson Fachin. Se ele levar o caso para a Turma, provavelmente Lula receberá o habeas corpus, podendo ser decretada sua prisão domiciliar ou outras medidas cautelares, como tornozeleira eletrônica.
William Waack: Suprema perplexidade
Torna-se claro também que a desmoralização das instituições chegou ao STF
Vamos em primeiro lugar ao que não resta dúvidas. Qualquer decisão do Supremo Tribunal Federal sobre prisões após 2.ª instância causaria imenso descontentamento. A causa é simples: o STF deixou há tempos de ser um colegiado e se transformou num aglomerado de 11 ministros que já nem se dão ao trabalho de disfarçar que algumas de suas principais decisões obedecem a critérios políticos. Inclusive de última hora, subordinados ao “clamor popular” ou “sentimento da sociedade”.
Tornou-se claro também que a desmoralização de instituições políticas chegou ao Supremo – hoje percebido como causa de notável insegurança jurídica. A politização da Justiça e o ativismo (ou o “neopunitivismo”, como preferem alguns) de integrantes de algumas instâncias judiciais, além do Ministério Público, já são até conceitos acadêmicos examinados em eventos e seminários.
Vamos então ao que se tornou a grande dúvida. Se a política tomou conta do STF, cujas decisões impactam violentamente a política, como entender a formação de maiorias entre os 11 ministros? Apenas para comparação, não é difícil antecipar como votarão integrantes da mais alta corte americana, por exemplo, em função de biografia política e obra acadêmica de cada um deles. No Supremo brasileiro já não mais existem essas “certezas”.
Precisamos entender como os ministros captam, percebem, interpretam o que um deles chamou de “sentimento da sociedade”. E aí a confusão é tão grande e a desorientação tão completa como as que se registram no debate político brasileiro. Na hipótese mais benigna, eles entendem a política brasileira hoje como um choque de forças alinhadas a princípios como a estrita separação dos poderes (e respeito total à letra da Constituição) em oposição a doutrinas como a evolução do direito em função de demandas sociais (portanto políticas) e à necessidade de “flexibilizar” garantias, ou de reinterpretá-las, para favorecer a regeneração da política (via combate à corrupção).
Na hipótese mais realista, o choque de princípios foi ofuscado há muito por rivalidades e antipatias pessoais, lealdades políticas, prestação de favores e aquilo que alguns especialistas apontam como pura e simples incapacidade técnica de alguns integrantes da mais alta Corte. Usando linguagem dos economistas, as artimanhas para pautar ou não pautar votações ignoram a lei das consequências não intencionais (obtém-se até o contrário do que se pretende). E pioram uma atmosfera ainda mais exacerbada, à qual os ministros julgam que tem de responder sem parecer que estão respondendo.
O resultado, quando se observa as voláteis maiorias no STF, é a sensação de orfandade provocada pela falta de lideranças articuladas e que comandem respeito – o mesmo preocupante fenômeno que se registra “lá fora”. A bagunça política atual, com autoritários dizendo que imporão liberalismo a pontapés, e não autoritários dispostos a aceitar o arbítrio e o desrespeito a princípios consagrados contanto que alguém vá para a cadeia, tornou o STF um curioso espelho do que vai se espalhando depressa como atitudes frente às decisões políticas e eleitorais diante de todos nós.
Atitudes, em outras palavras, relativas a um “sentimento”. Que, no momento, se manifesta nas pesquisas qualitativas atentamente estudadas por marqueteiros em insatisfação (sobretudo entre os jovens), impotência frente à situação, insegurança, descrédito nas principais instituições, baixa autoestima e ainda grande dificuldade em descrever o perfil ideal do próximo presidente, contanto que ele seja ficha limpa. Não serve de consolo nem para justificar qualquer decisão do Supremo, mas os ministros parecem tão perplexos como todos nós.
Eliane Cantanhêde: 'Mudar para quê? Mudar para quem'
O julgamento dessa quarta-feira do Habeas Corpus para evitar a prisão do ex-presidente Lula consolidou a percepção de um acordão para tentar “estancar a sangria” e salvar a pele não só de Lula, mas de todo o mundo político envolvido na Lava Jato. A “prova” desse acordão foi a aliança surpreendente, apesar de não inédita, entre três velhos adversários na corte: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello.
Gilmar antecipou seu voto para voar de volta para Portugal e para pavimentar o caminho para Rosa Weber conceder o HC de Lula, dando-lhe o argumento de que não estava em jogo só um HC, mas um decisão de repercussão geral. Rosa é contra a tese de prisão em segunda instância, mas votou contra todos os HC de réus neste caso, com exceção de um, para seguir o entendimento da maioria do plenário em 2016. Derrotada, mas fiel à maioria.
Discretíssima, Rosa fez suspense até mesmo durante seu longo voto e só desfez esse suspense no finzinho da sua leitura. Contra Gilmar, ela considerou que o que estava sendo julgado era um HC concreto, específico, não a mudança geral da norma. Logo, prestigiou de novo o entendimento vigente da maioria.
Marco Aurélio e Lewandowski deram um pulo, mas era tarde demais. Como disse a presidente Carmen Lúcia, Rosa tinha sido claríssima contra o HC e a garantia de liberdade de Lula. Deixou, assim, um placar de 4 a 1 e a perspectiva de derrota de Lula.
“Mudar por quê? Mudar para quem?”. A dúvida manifestada por Luís Roberto Barroso resumiu a longa sessão de ontem e já vinha sendo repetida por Carmen Lúcia e pelo relator da Lava Jato, Edson Fachin, argumentando que o tribunal já votou três vezes a prisão em segunda instância, a última vez em 2016, e não houve fato novo nenhum que justifique uma revisão tão prematura.
A conclusão, sobretudo na subjetiva “sociedade”, seria de que o Supremo Tribunal Federal da República estaria mudando seu próprio entendimento para favorecer um único réu todo poderoso, ou seja, rendendo-se à força política de Lula e às pressões de seus aliados, que se autointitulam “de esquerda”.
Desse no que desse, porém, havia duas certezas dentro e fora do plenário do Supremo. A primeira é que qualquer resultado geraria fortes reações. A segunda é que a guerra para livrar Lula e os políticos da Lava Jato continua. E vai longe.
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Uma ampla coalizão de políticos sob investigação na Operação Lava-Jato trabalha ativamente nos bastidores do Supremo para que o habeas corpus de Lula seja concedido
Todo o ritual dos ministros foi no sentido de uma decisão favorável ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no julgamento do seu pedido de habeas corpus hoje, no Supremo Tribunal Federal (STF). O pronunciamento da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, pedindo serenidade à população diante da polêmica causada pelo julgamento, foi o primeiro indicativo de que a correlação de forças entre os ministros já havia se alterado no sentido de mudar a jurisprudência vigente, que determina a execução imediata da pena para réu condenado em segunda instância, caso de Lula, condenado a 12 anos e 1 mês de prisão por causa do tríplex de Guarujá, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre.
Senhor da situação, o ministro Gilmar Mendes, grande artífice da nova maioria formada sobre o tema, mandou recado sereno de que votaria contra a execução de pena em segunda instância, indiferente às pressões da opinião pública. E sustentou a tese, rebatendo o ministro Luís Roberto Barroso, seu desafeto, de que o Supremo não deve se curvar às opiniões majoritárias da sociedade, pois, se fosse esse o caso, não seria necessário a sua existência. Bastaria uma pesquisa do Ibope em lugar da sentença. É vero, o Supremo existe para firmar posições contra a maioria, sempre que preciso for defender a Constituição de 1988. Esse é o seu papel primordial.
Em entrevista em Lisboa, Mendes deu uma pista do que pode vir a justificar a exceção para o caso do habeas corpus de Lula e evitar que o princípio seja aplicado a todos os condenados em segunda instância que está presa: “Para mim é uma grande confusão que nós temos de esclarecer. Se o juiz após a segunda instância pode prender, ele tem de fundamentar, explicar por que ele está aplicando a prisão. Se de fato há uma automaticidade, nós temos de esclarecer. Porque há uma grande confusão”, afirmou Mendes.
As pressões sobre os ministros só cresceram de ontem para hoje. Há manifestos de advogados e juristas a favor do habeas corpus, abaixo-assinados de promotores, delegados e juízes de primeira instância. Centenas de milhares de mensagens nas caixas postais de Cármen Lúcia e os demais ministros. A maioria quer que Lula cumpra a pena imediatamente, em regime fechado. Nos bastidores, a conversa gira sempre em torno de um enigma: o voto da ministra Rosa Weber. Ela votou contra o entendimento de que os réus devem ser presos imediatamente após condenação em segunda instância, foi vencida na Corte quando a jurisprudência atual foi aprovada. Desde então, porém, cumpre à risca essa jurisprudência e rejeita os pedidos de habeas corpus.
Em princípio, o voto de Rosa Weber decidirá o julgamento por seis a cinco. Pode ser que seja um segredo guardado a sete chaves pela ministra, mas os sinais de fumaça emitidos pelos demais integrantes da Corte sinalizam que desta vez votará a favor do habeas corpus. Pode ser que tenha confidenciado a um dos colegas a mudança de posição, talvez a Cármen Lúcia, pois são amigas. O que explicaria o pronunciamento da presidente da Corte. São assumidamente a favor do habeas corpus os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski; contrários, Cármen Lucia, Luiz Fux, Edson Fachin. Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Somente uma saída salomônica pode alterar esse placar para um resultado amplamente majoritário, o que ajudaria o Supremo a enfrentar o desgaste da decisão.
Boi de piranha
Ontem houve protestos em centenas de cidades de Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. Em Brasília, uma chuva torrencial, com muitos raios e trovões, dispersou milhares de manifestantes, justamente quando a manifestação na Esplanada dos Ministérios começava a encorpar. O banho de água fria foi bastante emblemático, pois era isso mesmo que a ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte, desejava que acontecesse.
A narrativa petista, esperta como sempre, é de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo transformado em bode expiatório do caixa dois eleitoral, enquanto seus adversários enrolados na Lava-jato são beneficiados pela impunidade. Na verdade, o que está acontecendo é justamente o contrário. Uma ampla coalizão de políticos sob investigação na Operação Lava-Jato trabalha ativamente nos bastidores do Supremo para que o habeas corpus de Lula seja concedido. Temem o chamado efeito Orloff, “eu sou você amanhã”. Nas palavras do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), decano da Câmara, Lula é uma espécie de “boi de piranha”, aquele que é jogado ao rio para ser comido pelos peixes vorazes, enquanto a boiada passa à distância segura. No caso, uma legião de caciques do MDB, PP, DEM, PSDB e de outras legendas menores.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-e-veio-chuva/
Eliane Cantanhêde: O Brasil treme
Guerra pró e contra Lula no STF tem manifestos, protestos e ameaças
Prender ou não prender Lula, essa é a questão por trás de uma guerra de torcidas poucas vezes vista no estádio chamado Supremo Tribunal Federal, onde 11 ministros estarão em campo amanhã, cercados por manifestantes barulhentos e expostos para milhões de telespectadores irados pelo País afora.
As torcidas juram que falam “em tese”, ou agem “por princípio”, a favor ou contra a prisão após condenação em segunda instância, mas é óbvio que todos eles falam e agem motivados por algo bem concreto: o pedido de habeas corpus preventivo em favor do ex-presidente Lula. Até por isso a agitação só explode agora, na semana da decisão.
A evolução frenética e espantosa do número de apoiadores do manifesto a favor da prisão em segunda instância diz tudo. A coleta de assinaturas começou na quinta e logo já eram 500, chegaram a 1.500, pularam para 3 mil, dispararam para 4 mil e atingiam quase 5 mil ontem, na entrega ao Supremo.
Essa torcida, que reúne juízes, promotores e procuradores, tenta não personificar sua causa nem focar em Lula, alegando genericamente que acabar com a prisão em segunda instância vai ter um efeito cascata danoso para a sociedade e benéfico para homicidas, latrocidas, estupradores, traficantes...
O contra-ataque partiu de entidades de advogados e defensores públicos, que também ontem entregaram manifesto ao Supremo, com 3.262 assinaturas, em sentido contrário: condenando a prisão após segunda instância. Argumentam que ninguém (especialmente ricos e poderosos?) pode ser considerado culpado e cumprir pena antes de esgotados todos os recursos (20 ou 30 anos depois?).
Enquanto os manifestos sacudiam os ânimos já exaltados da mais alta corte do País, o Distrito Federal, São Paulo, Minas e outros Estados tremiam – literalmente –, sob o efeito de um terremoto originado nas profundezas da Bolívia e transmitido em ondas para o Brasil. É justo: o Brasil exporta bombas da Odebrecht, os vizinhos pagam com terremotos.
Os tremores continuam hoje no Brasil, com manifestantes anti-Lula, ops!, a favor da prisão em segunda instância, na Praça dos Três Poderes, na Avenida Paulista e em várias capitais e grandes cidades. Amanhã, semifinal do campeonato, será a vez dos apoiadores de Lula, ops!, dos contrários à prisão em segunda instância, empunharem suas bandeiras vermelhas para pressionar o Supremo. Ou “sensibilizar os ministros”, como dizem de um lado e de outro.
Ontem, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, se reuniu com o diretor-geral da Polícia Federal, Rogério Galloro, para discutir a segurança do prédio e dos ministros. Não só porque essas torcidas andam cada vez mais violentas, até dando tiros em caravanas, mas também pelas ameaças ao relator da Lava Jato, Edson Fachin.
Foi por causa desse clima de Fla-Flu que Cármen Lúcia decidiu fazer um pronunciamento pela TV Justiça, pedindo “serenidade”. Não adianta muita coisa, mas é um dever do, ou da, presidente de um Poder falar pela instituição numa hora como essa.
Aliás, não é só o Supremo que está em pé de guerra, nem sujeito a ameaças, pressões, manifestos e terremotos. O que dizer do Congresso, onde os maiores partidos (PT, PSDB e MDB) veem seus quadros voando pela janela partidária sob o sopro da indignação popular? E do Planalto, com o cerco a Temer chegando a seus principais amigos e gerando o fantasma de uma terceira denúncia?
Dê no que dê amanhã no Supremo, o resultado vai ser gritaria, confusão, profusão de acusações. Se o HC de Lula for negado, a reação virá do PT, PCdoB, PSOL e seus movimentos satélites. Se for acatado, como tudo indica, a ira será de todo o resto. E o risco de Rosa Weber, coitada, será ganhar um pixuleco para chamar de seu.