STF

Merval Pereira: Precedente perigoso

A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de tirar da jurisdição do juiz Sergio Moro, de Curitiba, partes da delação da Odebrecht, sob a alegação de que não têm relação com a corrupção da Petrobras, abre um caminho perigoso para a sociedade e benéfico para Lula, que pode chegar até à anulação da condenação do ex-presidente pelo TRF-4.

O objetivo da defesa é, anulando a condenação de segunda instância, tornar o ex-presidente elegível, livrando-o da Ficha Limpa. Ao fim de uma batalha judicial que já leva vários meses, a tese da defesa de que Sergio Moro não é o juiz natural para julgar os casos não diretamente ligados à corrupção da Petrobras ganhou a chancela de três ministros do STF: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Ao mesmo tempo, a defesa do ex-presidente entrou com dois recursos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), para o STJ e o STF, contra a condenação no caso do tríplex de Guarujá (SP), alegando diversas irregularidades no processo, inclusive que o juiz Sergio Moro não deveria estar à frente do julgamento que condenou o ex-presidente Lula.

No recurso especial, a defesa do ex-presidente pede que o STJ absolva Lula ou decrete a nulidade de todo o processo. Os dois recursos também pedem que “seja afastada qualquer situação de inelegibilidade de Lula”. Esse é um recurso obrigatório pela Lei de Ficha Limpa, para que o direito de defesa seja exercido na sua integridade.

Com a decisão de ontem do Supremo, esses recursos acabaram ganhando conotação diferente, pois ela demonstra que o Supremo, em teoria, pode acolher a tese de que Moro não é o juiz natural também do processo do tríplex do Guarujá. Essa tese havia sido rejeitada tanto por Moro quanto pelo TRF-4.

Os advogados de Lula alegavam que, ao afirmar que o tríplex não está diretamente ligado à corrupção na Petrobras, o juiz Sergio Moro desfigurou a denúncia do Ministério Público. A explicação do juiz Moro na ocasião foi de que havia sido reconhecido na sentença que houve acerto de corrupção em contratos da Petrobras, e que parte do dinheiro da propina combinada foi utilizada em benefício do ex-presidente.

Para o juiz, não há nenhuma relevância para caracterização da corrupção ou lavagem de onde a OAS tirou o dinheiro para o imóvel e reformas. Dinheiro é fungível, isto é, pode ser trocado por outros valores iguais. O próprio Sergio Moro escreveu em uma de suas sentenças: “Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos da Petrobras foram usados para pagamento indevido para o ex-presidente”.

Para Moro, não importa de onde a OAS tirou o dinheiro, mas somente que a causa do pagamento tenha sido contrato da Petrobras. No caso da Odebrecht, por exemplo, o dinheiro usado para pagar os diretores da Petrobras vinha de contratos no exterior sem relação com a estatal, mas tinha como objetivo ganhar concorrências na empresa.

Dinheiro não é carimbado com sua origem, mas havia conta-corrente de propina que era abastecida com dinheiro proveniente de corrupção na Petrobras. O detalhe tragicômico é que a decisão do Supremo foi tomada no quarto agravo regimental de petição, com base em embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento.

Outro agravo que a Segunda Turma vai ainda examinar foi encaminhado pelo ministro Edson Fachin, que diz que ele perdeu seu objetivo porque os embargos dos embargos já foram julgados inconsistentes pelo TRF-4. A reclamação da defesa é de que a ordem de prisão de Lula foi dada antes que todos os embargos fossem analisados. Os embargos dos embargos, pelo próprio nome, é uma aberração, uma ação protelatória. A prisão foi decretada porque os embargos dos embargos não têm a menor possibilidade de mudar a condenação. São essas distorções do nosso Sistema Jurídico que levam à impunidade.

Em uma disputa em Goiás, Carlos Alberto Sardenberg mostrou na CBN ontem que houve oito embargos de declaração, dois agravos e dois embargos dos embargos do agravo. A ementa do STJ repete 12 vezes a expressão sem sentido “embargo de declaração dos embargos de declaração dos embargos de declaração”.


El País: STF muda de ideia e retira de Moro delação da Odebrecht que cita Lula

Segunda turma, que em outubro havia enviado trechos a Curitiba, agora diz que caso não é da Lava Jato. Defesa de Lula celebra e Gilmar Mendes sinaliza que decisão pode ter repercussão ampla

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde 7 de abril em Curitiba, teve uma rara e surpreendente vitória contra a Operação Lava Jato e o juiz Sérgio Moro cujas implicações completas ainda estão por ser conhecidas. Por maioria de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça retirar das mãos de Moro parte das delações da Odebrecht que citam Lula e remetê-las à Justiça de São Paulo. Para três dos cinco ministros, os trechos nos quais os delatores relatam o suposto repasse de verbas indevidas para Lula, incluindo a reforma de um sítio de Atibaia (SP), não estão relacionados diretamente com a Petrobras, que é a investigação original da Lava Jato, e portanto, não deveriam ficar com o magistrado em Curitiba. O mais curioso é que os mesmos ministros haviam negado um recurso da defesa do petista em outubro no mesmo caso - e por unanimidade. Agora, mudaram de ideia os ministros Antonio Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que acabou desempatando o jogo a favor do ex-presidente.

O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, comemorou e disse que a decisão corrobora o argumento reiterado da defesa de que nenhum caso do ex-presidente deveria estar nas mãos de Moro - uma vara que seus advogados consideram artificial em Curitiba após o desmembramento da Lava Jato para juízes em vários Estados. "Entendemos que essa decisão da Suprema Corte faz cessar de uma vez por todas o juízo de exceção criado para Lula em Curitiba, impondo a remessa das ações que lá tramitam para São Paulo", disse Zanin, em nota.

Apesar das palavras de Zanin, no entanto, Moro - que condenou Lula no caso do triplex do Guarujá pelo qual ele está preso - segue, pelo menos por ora, como o juiz que sentenciará o petista em dois outros casos, só que não poderá, a princípio, usar os trechos das delações da Odebrecht que o STF resolveu enviar a São Paulo. Porém, é inegável que a decisão é um revés tanto para juiz como para os procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Em um dos processo que estão em Curitiba, Lula é acusado de supostamente ter recebido propina no valor de 12,5 milhões de reais da Odebrecht. O valor é referente a um terreno em São Paulo onde, segundo delatores, seria construída a nova sede do Instituto Lula, e um imóvel vizinho ao seu apartamento em São Bernardo do Campo. Na outra ação, o ex-presidente é acusado de receber das empreiteiras OAS, Odebrecht e Schahin vantagens indevidas no valor de 1,1 milhão de reais por meio de reformas em um sítio em que frequentava em Atibaia (SP). No caso do sítio, por exemplo, a denúncia contra Lula, de março do ano passado, fala especificamente que entre 2010 e 2011, o ex-presidente se associou criminosamente à Odebrecht, "e em detrimento da Petrobras", para desviar 700.000 reais em reformas em Atibaia.

Não foi assim que entenderam nem Toffoli nem os ministros que concordaram com ele. “Não diviso, ao menos por ora, nenhuma imbricação específica dos fatos descritos (na delação) com desvios de valores operados no âmbito da Petrobras”, lançou o ministro, de acordo com o relato da assessoria do STF. Em outro momento, o magistrado comenta que os delatores falam de favores prestados "como contrapartida pela influência política exercida pelo ex-presidente em favor do grupo", mas não especificamente ligado aos contratos da estatal petroleira.

Porta aberta para questionar Moro
A forma de desmembramento da Lava Jato, que começou em Curitiba, é um dos grandes debates da operação. Não só Lula, mas réus como Paulo Skaf (MDB), da FIESP e pré-candidato ao Governo de Estado de São Paulo, já tentaram tirar os casos de Moro - Skaf com sucesso. Nesse sentido, a derrota desta terça pode ser um sinal de alerta para Curitiba. Gilmar Mendes, que costuma enviar recados em suas frequentes manifestações à imprensa, disse que a sentença pode, sim, abrir a porta para questionar os casos sob a responsabilidade da Lava Jato no Paraná. Após o julgamento, Mendes respondeu: "Qual vai ser a implicação? Obviamente que, se se declinou para São Paulo, os processos terão que ir para lá". "Poderá haver recurso em relação a processos que estão com Moro sob argumento de que não se trata de Petrobras. E isso pode vir até aqui em outro contexto. Eu não sei quais implicações em todos os casos", disse o magistrado, segundo O Globo.

Gilmar Mendes minimizou ter mudado de ideia sobre o recurso da defesa de Lula tão pouco tempo - ele que também alterou seu entendimento sobre a questão da prisão após condenação em segunda instância. Seja como for, na imprevisibilidade que domina o STF, Toffoli deixou a porta aberta para mudar de opinião mais uma vez. Disse, de acordo com a assessoria, que "a investigação se encontra em fase embrionária" e que, por isso, "sua decisão não firma, em definitivo," com qual juiz devem ficar as delações.


Eliane Cantanhêde: Pulga atrás da orelha

Ao tornar Demóstenes Torres elegível, o STF lança uma boia para salvar candidatura Lula?

Dúvida atroz: por que o Congresso não reagiu ao Supremo Tribunal Federal, quederrubou a inelegibilidade do ex-senador Demóstenes Torres, cassado e tornado inelegível pelo Senado? E a independência entre os Poderes?

Há a suspeita de que Demóstenes foi beneficiado pelo Supremo para abrir caminho para outros políticos que estejam ou venham a estar inelegíveis. Por exemplo, Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba. Se vale para Demóstenes, pode valer para outros. Se vale para outros, por que não para Lula?

Em 2012, o plenário do Senado cassou o mandato e tornou Demóstenes inelegível por 8 anos após o fim da atual Legislatura, ou seja, até 2027. Entretanto, a Segunda Turma do Supremo (a boazinha) acaba de manter a cassação do atual mandato, mas derrubando a inelegibilidade. Estranho, não é?

Procurador do Ministério Público de Goiás e acusado de ser uma espécie de funcionário de luxo do bicheiro Carlinhos Cachoeira no Senado, Demóstenes continua cassado, mas com direito a se candidatar em outubro de 2018. A Segunda Turma alegou que as provas contra ele haviam sido anuladas, porque ele tinha foro privilegiado e não poderia ser grampeado sem autorização do Supremo. E, se foram anuladas, está também anulada a inelegibilidade. Mas mantida a cassação (?!).

É o samba do Brasil doido e vale destacar que os votos para devolver a elegibilidade de Demóstenes foram, primeiro, uma liminar do ministro Dias Toffoli, acompanhado depois na turma por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. O resultado foi por 3 a 2, com votos contrários dos ministros Celso de Mello e Edson Fachin.

“Estamos indo de encontro à decisão do Senado Federal”, disse Fachin com todas as letras, ao discordar de Toffoli, Gilmar e Lewandowski – que, aliás, presidiu a sessão do impeachment de Dilma Rousseff no Senado, que criou uma nova forma: cassação do mandato, mantida a elegibilidade. Ninguém entendeu nada, a não ser que houve um acordão entre as forças políticas, articulado pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros, e ratificado pelo então presidente do Supremo – o próprio Lewandowski.

Se a Segunda Turma do STF agora desautoriza uma consequência natural da cassação de Demóstenes (a inelegibilidade), por que senadores e deputados não se impregnaram de indignação e de brios institucionais para reclamar e clamar por autonomia?

Por que os atuais presidentes do Senado, Eunício Oliveira, e da Câmara, Rodrigo Maia, não questionaram a decisão da Segunda Turma – agora do próprio Supremo –, alegando interferência entre Poderes? A resposta parece constrangedora, mas é razoavelmente simples: porque assim como “pau que dá em Chico dá em Francisco”, também funciona o contrário: decisões pró-Demóstenes hoje podem muito bem ser pró-Lula amanhã e depois, consolidadas, de todos os implicados que tenham se tornado inelegíveis.

A diferença entre Lula e Demóstenes, neste caso, é que o ex-presidente está automaticamente tornado inelegível pela Ficha Limpa, depois de condenado por um colegiado, o TRF-4. Se, e quando, ele registrar sua candidatura, ela será alvo de questionamento e a chapa deverá ser indeferida pela Justiça Eleitoral.

Quanto a Demóstenes, ele foi cassado em 2012 e tornado automaticamente inelegível com base na Lei Complementar 64, de 1990, que estabelece causa e efeito: cassado, o político se torna inelegível por 8 anos.

Lula é ficha-suja, Demóstenes caiu na Lei 64, mas o fato é um só: assim como houve um jeitinho para Dilma e outro para Demóstenes, por que não haveria um para Lula e para sabe-se lá quantos depois? A Lava Jato não está com uma, mas com várias pulgas atrás da orelha.


Merval Pereira: Todo cuidado é pouco

Amanhã pode ser armada uma tempestade perfeita no Supremo Tribunal Federal, quando estarão em julgamento dois temas delicados para o futuro institucional do país. É provável que não haja tempo para tratar dos dois assuntos na mesma sessão, ou outra circunstância impossibilite o julgamento de um deles, mas é sempre bom ficar alerta.

Trato da votação do fim do foro privilegiado da maneira como o conhecemos hoje, que já tem oito votos favoráveis e foi liberada para a pauta depois de um pedido de vista do ministro Dias Toffoli que durou cinco meses, e da nova Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) apresentada pelo PCdoB com o intuito de abrir a porta da cadeia para o ex-presidente Lula. Outra ação, aquela que o Partido Nacional Ecológico (PEN) tentou retirar, também está pronta para ser votada.

Embora o ministro Marco Aurélio já tenha anunciado que levará a ação à mesa para votação do plenário, não é mais certo que o fará, pois essa iniciativa do PCdoB ficou muito marcada como uma manobra para favorecer Lula, desde a propositura de um partido político satélite do PT quanto pelo patrono da ação, o advogado Celso Antônio Bandeira de Mello, empenhado há muito tempo em denunciar o que chama de arbitrariedades do juiz Sergio Moro e dos procuradores de Curitiba.

Caso o tema vá a votação no plenário amanhã, não é certo que se confirme a nova maioria que é apontada na ação como sua justificativa. Isso porque, mesmo que o ministro Gilmar Mendes mude seu voto de 2016, como vem apregoando, de a favor da prisão em segunda instância para apoiar o início do cumprimento da pena só após condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ), não é certo que outros ministros apoiem a nova ação, seja porque ela ficou muito caracterizada como um caso específico a favor de Lula, quanto pela necessidade de manter a jurisprudência atual por mais tempo, dando segurança jurídica às decisões do STF, como defende a ministra Rosa Weber.

Já a questão do fim do foro privilegiado nos termos em que ele hoje está colocado, a maioria já está formada em favor da visão de que ele só se aplica a casos acontecidos durante o mandato, e por causa dele. Essa nova versão do foro, proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso, já tem oito votos favoráveis, e caso nenhum ministro mude de opinião, deve ser aprovada. Como se sabe, um ministro pode mudar de opinião até a proclamação do resultado, que só acontece ao final da votação.

Há, porém, uma questão de conflito de poderes que pode provocar mais uma vez a paralisação da discussão. O Congresso também está estudando um Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sobre o tema, que é muito mais abrangente que a do Supremo. Pela proposta que estava tramitando, o foro privilegiado acabaria para todos que o detém hoje, cerca de 50 mil servidores públicos, inclusive os próprios ministros do STF. Somente os chefes de Poderes teriam direito a ele.

A discussão no Congresso foi paralisada pela intervenção na segurança pública do Rio, pois nesse período é proibido mudar a Constituição. Como em tese a intervenção terminará em dezembro, só depois disso será possível retomar a discussão.

É provável que outro ministro peça vista do processo, justamente para dar tempo ao Congresso de legislar sobre o tema. A aprovação do fim do foro privilegiado é um avanço institucional, mas se combinada com uma eventual decisão de colocar um fim na permissão para o início do cumprimento da pena após condenação em segunda instância, se tornará um retrocesso.

Nessa combinação, a maioria dos políticos que está sendo processada no STF veria seus casos retornando à primeira instância, e a partir daí teriam todos os recursos à disposição, até chegar novamente ao STF, de onde vieram, num círculo vicioso prejudicial à democracia.

Como a experiência já nos demonstrou, os processos levariam anos para terminar, e quase ninguém iria para a cadeia, se não pela reforma da sentença em uma das várias instâncias da Justiça, no mínimo pela prescrição das penas.


Merval Pereira: Tempos estranhos

Estamos vivendo tempos estranhos, vive repetindo o ministro Marco Aurélio, em tom crítico, quando alguma coisa acontece no plenário do Supremo com que ele não concorde. Os ministros que formam hoje a minoria no plenário fazem parte da maioria da Segunda Turma, que é vista como mais condescendente com os réus da Lava-Jato, e Marco Aurélio, que comunga com a visão dessa maioria, está deslocado na Primeira Turma, quase sempre saindo derrotado.

Foi na Segunda Turma, por exemplo, que a Lei da Ficha Limpa foi solenemente ignorada para permitir que o ex-senador Demóstenes Torres possa se candidatar ao Senado nas próximas eleições. Cassado por seu envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o ex-senador estava inelegível automaticamente. No entanto, os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes deram-lhe o direito de concorrer sem que a cassação de seu mandato tenha sido anulada pelo Senado.

Só assim, em tempos menos estranhos, ele poderia se livrar da Lei da Ficha Limpa, que diz expressamente que políticos condenados em segunda instância ou cassados tornam-se inelegíveis. Se três ministros do Supremo se dão ao direito de ignorar uma lei em vigor, vivemos mesmo em tempos estranhos.

O ministro Lewandowski manteve o tom crítico em seu voto em reunião recente do Supremo ao defender o direito de Paulo Maluf aos embargos infringentes, mas acabou sendo derrotado. Insinuou que o país vive um momento de exceção, como se não estivéssemos numa democracia plena.

Disse o ministro: “Em momentos de crise, como este que estamos vivendo, é preciso encarar com uma generosidade ainda maior do que normalmente o fazemos a possibilidade de interposição de recursos e a impetração de habeas corpus. Todos sabemos que acabamos de sair de um impeachment e estamos testemunhando uma intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, uma das maiores unidades de nossa federação, e a intervenção federal é um instrumento constitucional que permite a substituição da legalidade ordinária por uma legalidade extraordinária assim como ocorre no estado de defesa e no estado de sítio. É por isso mesmo que a lei maior não permite a votação de emendas constitucionais quando estejam vigentes estes institutos. Estamos, portanto, vivendo sem dúvida nenhuma uma situação excepcional”.

Lewandowski propositalmente esqueceu de esclarecer que a intervenção federal foi na Segurança Pública, e não se compara ao estado de defesa ou ao estado de sítio, que suspendem as garantias individuais, o que não acontece no Rio de Janeiro. O mesmo Lewandowski se refere ao impeachment da então presidente Dilma, episódio em que teve papel preponderante como presidente do Supremo Tribunal Federal, supervisionando os trabalhos do Senado.

E foi com seu consentimento que se rasgou ali a Constituição com uma interpretação esdrúxula do artigo que trata do impeachment, inventando uma vírgula para permitir que a presidente sancionada não perdesse seus direitos políticos. Uma das mais vergonhosas decisões dos últimos tempos, com a chancela de Lewandowski, que agora dá tons épicos à defesa dos embargos infringentes com apenas um voto da Turma, na tentativa de abrir uma senda sem fim para que, recursos sobre recursos, os réus da Lava-Jato possam escapar das punições.

A interpretação canhestra da Lei da Ficha Limpa pode ser uma nova tentativa de não inviabilizar a candidatura do ex-presidente Lula à Presidência. A defesa do ex-presidente terá que entrar brevemente com um recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para tentar anular sua inelegibilidade, o que dificilmente acontecerá. Pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem adotado a Lei da Ficha Limpa, ele provavelmente não passará. Mas sempre restará um recurso adicional ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ali veremos se a interpretação teratológica que deu ao senador Demóstenes Torres o direito de se candidatar mesmo estando cassado terá guarida na maioria do plenário.


Fernando Gabeira: O bloco da saudade

Fica difícil olhar para a frente. A questão da impunidade não foi resolvida porque há um forte núcleo de resistência no STF

O verão está no fim. Sinto pela temperatura da água, pelos ventos mais frios. Na Europa, segundo Hermann Hesse, há verão que tem morte súbita: uma trovoada, dias de chuva e ele não volta mais.

Não é adequado falar das estações do ano numa página de política. Elas nos remetem à passagem do tempo, aos lances da vida passada, e só servem para ressaltar a tristeza do momento no Brasil.

Caminhamos para uma eleição imprevisível não apenas por causa das pessoas que a disputam, mas também pela falta de dados sobre o que farão, caso cheguem ao poder.

Fica difícil olhar para a frente. A questão da impunidade não foi resolvida porque há um forte núcleo de resistência no STF.

Os ministros desse núcleo não consideram o caso encerrado, pelo contrário, estão dispostos a uma luta permanente, a uma guerrilha técnica para soltar os que estão presos e impedir a prisão dos que ainda estão na rua.

Lewandowski e Toffoli são simpáticos ao PT e desprezam a luta contra a corrupção, talvez pela própria análise da esquerda que a considera um fato de pé de página nos livros de história.

Gilmar Mendes não tinha essa posição, mas ao longo desses anos tornou-se um grande adversário da Lava-Jato. Na sua fúria, ele se identifica com a esquerda na medida em que quer soltar os que estão presos e, se possível, prender juízes e procuradores.

Juntam-se a eles Marco Aurélio e Celso de Mello, que parecem comprometidos com uma generosa tese jurídica e pouco se importam com suas consequências catastróficas na vida real brasileira.

Não vou repetir o mantra de que a sociedade está dividida: este mito é um bálsamo para as minorias. A sociedade apoia maciçamente a Lava-Jato e quer punição para os culpados.

Mas o que pode a sociedade contra eles? No seu delírio de mil e uma noites na Al Jazeera, Gleisi Hoffmann disse que a imprensa manda no Supremo. Sabemos que não é assim. A imprensa reflete um clamor social contra a impunidade. O próprio comandante do Exército se viu obrigado a manifestar sua opinião sobre o tema, possivelmente por sentir que o clamor também chega às suas tropas.

Mas falta a dimensão política. O sistema partidário adotou uma posição defensiva. Todas as suas energias se voltam para neutralizar a Lava-Jato. Objetivamente, joga suas esperanças nas tramas do núcleo resistente do Supremo.

Essas duas forças, o sistema político partidário (nos bastidores) e o núcleo do STF (na frente da cena) são os artífices da tentativa de bloquear as mudanças no Brasil.

Nem sempre os políticos atuam apenas nos bastidores. De vez em quando, como aconteceu agora, surge um projeto destinado a limitar investigações e a tornar mais fácil a vida dos gestores corruptos.

Essa aliança de políticos que não dependem do voto de opinião com ministros do STF engajados na defesa da impunidade, ou embriagados nas suas teses generosas, é uma constelação difícil de ser batida.

Ela significa que ainda teremos dias difíceis pela frente. O único grande problema para todos nós será o de manter a raiva popular dentro dos limites pacíficos.

Tanto juízes como políticos envolvidos na sua teia de interesses, míopes diante da realidade que os cerca, não hesitam em colocar em risco a democracia.

Alguns são muito corajosos, outros apenas irresponsáveis. Será difícil buscar o horizonte, se não resolvermos essa questão. Ela está atravessada no futuro imediato do Brasil.


Merval Pereira: Ação para soltar Lula

O Supremo Tribunal Federal (STF), que ontem teve uma sessão sem grandes divergências e num clima ameno começou a decidir se cabem embargos infringentes nos julgamentos das Turmas, vai voltar ao olho do furacão na próxima semana quando uma nova Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) com liminar, impetrada pelo PCdoB, deve ser apresentada para o plenário.

Ao contrário das anteriores, que acabaram prejudicadas porque os responsáveis — Partido Nacional Ecológico (PEN) e OAB — desinteressaram-se do caso justamente para evitar que suas ações, impetradas há muito tempo, fossem confundidas com uma manobra para tirar Lula da cadeia, esta tem claramente esse objetivo, embora não explícito.

A ADC tem à frente o advogado Antônio Celso Bandeira de Mello, jurista respeitado, ultimamente ligado a movimentos de juristas que condenam os métodos do juiz Sérgio Moro e dos procuradores da Operação LavaJato e consideram que Lula está sendo perseguido.

Essa ADC entrou no Supremo na noite de terça-feira, e o ministro Marco Aurélio Mello foi escolhido relator por ser o juiz prevento, o primeiro a cuidar do caso. Eles alegam que com a mudança de voto do ministro Gilmar Mendes, já anunciada, formou-se uma nova maioria no plenário do Supremo, e por isso é preciso retomar o julgamento da decisão que permite a prisão após a condenação em segunda instância.

Se o ministro Marco Aurélio se dispuser a levar a ação à Mesa, com pretendia antes de o PEN desistir, ela ganha prioridade na pauta, e terá que ser colocada em julgamento. A questão, no entanto, não se limita a uma possível mudança de maioria a favor do trânsito em julgado para permitir a prisão de um condenado, mas à razão para o Supremo retomar o julgamento de uma questão que foi aprovada há pouco mais de um ano e meio. Fica explicito que se trata de uma ação de partidários para tentar livrar Lula da cadeia.

A tese da ministra Rosa Weber de que uma simples mudança de voto de um ministro, ou a mudança da composição do plenário, não justifica a alteração tão cedo de uma jurisprudência, deveria ser um paradigma no plenário.

Ela, que na votação de 2016 ficou vencida na tese de que só após o trânsito em julgado deveria ser permitida a prisão do condenado, tem votado com a maioria, respeitando a jurisprudência em vigor.

Rosa Weber defende o respeito à colegialidade, uma tese recorrente em seus votos, e deu, na sessão em que o habeas corpus de Lula foi negado, uma aula de como se curva à maioria dentro do critério de que o estado de direito necessita de “estabilidade” da jurisprudência e não pode estar sujeito a “variações frívolas”. Para ela, a segurança jurídica é valor característico da democracia, do estado de direito e do próprio conceito de Justiça.

Na sessão de ontem houve uma espécie de catarse no plenário do STF, com ministros e o subprocurador-geral da República ressaltando que é normal a divergência entre membros de um colegiado como o do Supremo e, mais que isso, ficou claro que no caso do habeas corpus dado pelo ministro Dias Toffoli a Maluf, não houve qualquer intenção de confrontar a decisão inicial do ministro Edson Fachin, que negara o habeas corpus:

“(...) Eu não subverti a decisão de trânsito em julgado. Eu não decidi contra a aplicação imediata da prisão. Na decisão liminar, ad referendum do plenário, que tomei num dia de feriado judiciário após a internação do paciente, deferi em caráter humanitário, não sem antes entrar em contato com o relator da AP 863 (ministro Edson Fachin) e não sem antes entrar em contato com a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, reportar o quadro em que se encontrava e a situação de um juiz diante deste quadro. (...) Jamais decidi contra decisão do ministro relator. Não é uma questão, portanto, de cassar decisão de colega.”

Toffoli fez questão de ressaltar que quando recebeu o HC, em fevereiro, não deu a liminar, mas que em março permitiu a prisão humanitária pois a situação de Maluf era diversa, com o agravamento do estado de saúde.

O julgamento continua hoje, mas já há maioria aceitando a utilização dos embargos infringentes nos julgamentos das Turmas, restando definir quantos votos são necessários para que eles possam ser usados. A discussão está em se basta um voto a favor do réu ou se são necessários pelo menos dois, já que no plenário são necessários quatro votos num colegiado de 11 ministros.

Com embargos infringentes, haveria um novo julgamento no plenário do STF. A concessão do habeas corpus a Maluf também será decidida hoje, e se for aprovada, o ministro Toffoli defendeu que Maluf seja colocado em liberdade, pois com a decisão de acatar os embargos infringentes, seu julgamento não se encerrou.


Merval Pereira: PSDB sem rumo

A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de, por unanimidade, aceitar a denúncia contra o senador Aécio Neves, tornando-o réu de uma ação penal por corrupção ativa e obstrução da Justiça devido a um suposto empréstimo recebido em malas de dinheiro de Joesley Batista é um duro golpe não apenas no ex-candidato tucano à presidência da República como em todo o PSDB.

No plano regional, fica quase impossível Aécio Neves tentar a reeleição ao Senado, e até mesmo uma cadeira na Câmara dos Deputados em Brasília parece fora de seu alcance neste momento. Além disso, a pré-candidatura ao governo de Minas do senador Antonio Anastasia deve naufragar.

O ex-governador mineiro aceitou o encargo como uma missão partidária, para dar um palanque forte a Geraldo Alckmin em Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país. Com essa carga que representa o processo contra Aécio Neves no Supremo, dificilmente ele manterá sua candidatura, pois a esta altura não há mais serventia para os tucanos nesse sacrifício.

Se continuar será por um dever partidário, mas não há mais razão para acreditar na possibilidade de os tucanos mineiros serem competitivos em Minas. Sem contar que o ex-presidente do partido Eduardo Azeredo pode ser condenado em segunda instância nos próximos dias pelo chamado mensalão mineiro.

O candidato tucano Geraldo Alckmin estará enfraquecido em Minas e também em São Paulo, onde o atual governador Marcio França prepara-se para uma guerra com o tucano João Dória pelo governo do Estado e terá provavelmente um candidato a presidente a apoiá-lo que não será Alckmin, mas o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa.

O ex-governador paulista Geraldo Alckmin ainda tem contra si o perigo de uma delação premiada de Paulo Preto, tido como operador do PSDB, e a indefinição do centro político, fragmentado em diversos candidatos. Ele já está perdendo votos no Sul-Sudeste para o ex-tucano Álvaro Dias, e até mesmo em São Paulo Jair Bolsonaro tira nacos consideráveis do eleitorado tucano, sem falar no centro-oeste, onde o pessoal do agronegócio tende a preferi-lo devido a uma campanha agressiva contra as invasões do MST.

No nordeste Alckmin perde condições de se recuperar para Marina Silva, que herda parte do eleitorado de Lula e disputará o eleitorado tucano nacional decepcionado com o partido. Também o PSB tem força regional no nordeste a partir de Pernambuco, e se tiver um candidato como Joaquim Barbosa terá condições de entrar no mercado de votos lulista.

Sem contar com a popularidade na região de Ciro Gomes, que vem herdando parte do espólio de Lula, mesmo à revelia do PT. Para piorar a situação dos tucanos, o presidente Michel Temer, aconselhado por Sarney, faz questão de ter um candidato para defender seu governo. Se ninguém se dispuser, pois até o momento a tarefa é rejeitada por todos os partidos, que, na frase de Temer, querem namorar o MDB, mas nenhum quer casar, o próprio presidente se dispõe a essa tarefa.

Segundo a análise de Sarney, seu maior erro foi não ter um candidato que pudesse chamar de seu, para defendê-lo dos ataques, que vieram de todas as direções. O mesmo acontecerá a Temer se ele não conseguir ser representado nessa eleição presidencial, muito parecida com a de 1989.

A diferença fundamental até agora não mostrou sua influência intuída pelos políticos tradicionais: a força das coligações partidárias, das máquinas eleitorais, o tempo de televisão e o fundo partidário. O cientista político Alberto Carlos de Almeida fez um balanço do nível de rejeição dos candidatos a presidente e explica porque esse índice converge para um mesmo patamar.

Para ele, a razão é prosaica: o fato de Lula ter passado para a oposição. Na série, fica claro que ele chega ao máximo da rejeição no mês anterior ao impeachment, e partir do momento em que deixa de ser governo, começa a cair a rejeição.

Como ele assumiu a proa da oposição ao governo, ofuscou os demais, saindo de 45% para 35%, enquanto os outros subiram de 15% para 25%. Uma explicação complementar, segundo Alberto Carlos de Almeida, é que a rejeição é a todos os que se colocam na política, inclusive Lula, que continua sendo o mais rejeitado.

O aumento da rejeição de Bolsonaro se explica pela maior exposição. Alberto Carlos de Almeida ainda acha que a polarização PT – PSDB pode ser repetida, e pega uma declaração de Alckmin para reforçar sua tese: “Bolsonaro no segundo turno é um passaporte para o PT”, disse ele.

Do lado dos tucanos, ele ressalta que quando se somam os votos de Alckmin e de Álvaro Dias, que tem DNA tucano, o PSDB chega a 12%. Se as coisas andassem normalmente, também o DEM estaria na aliança com os tucanos. Ele continua achando que o tempo de televisão e a maior parcela do Fundo Partidário darão vantagens aos grandes partidos.


El País: Aécio Neves, réu na Lava Jato e um fardo incontornável para o PSDB

Senador por Minas Gerais se divide entre defesa no STF e a busca por seu futuro político. Alckmin tenta se blindar dizendo que "lei é para todos" e cúpula tucana evita cravar destino

Por Afonso Benites, do El País

De candidato que quase venceu a eleição presidencial de 2014 a uma incógnita eleitoral em 2018 e um fardo para seu próprio partido. Esse é Aécio Neves, o senador do PSDB de Minas Gerais que nesta terça-feira, dia 17, tornou-se réu no Supremo Tribunal Federal pelos crimes de corrupção passiva e obstrução à Justiça no âmbito da Operação Lava Jato. Algumas horas após da derrota sacramentada, quase nenhum tucano mineiro se animava a comentar o futuro político do principal nome do partido no Estado. Extraoficialmente, três deles disseram ao EL PAÍS que dificilmente Aécio se candidatará a algum cargo eletivo. E, se o fizer, tentará concorrer a uma das 53 vagas mineiras na Câmara dos Deputados. Uma tentativa de reeleição ao Senado é incerta. Apesar de essa ser sua vontade principal.

Entre a cúpula nacional do PSDB também há uma incógnita sobre qualquer candidatura de Aécio. O EL PAÍS questionou os senadores Cássio Cunha Lima (PB) e Tasso Jereissati (CE) se, diante do atual cenário, eles achavam que Aécio teria alguma chance nas eleições deste ano. A resposta de ambos foi exatamente a mesma: “Tem de perguntar aos mineiros”.

Aécio Neves se tornou um constrangimento algo incontornável para os tucanos, pelo menos por enquanto. Como ainda comanda a máquina partidária do PSDB em seu Estado, o segundo maior colégio eleitoral do país, e tem certa influência no diretório nacional, do qual era presidente até o ano passado, só Aécio poderá anunciar sua decisão se concorre ou não a um cargo eletivo.

"Cabe a ele definir o que vai fazer e como fazer", limitou-se a dizer o pré-candidato à presidência do PSDB, Geraldo Alckmin. Antes, no entanto, fez coro com outro senador peessedebista, Ricardo Ferraço (ES), que gravou vídeo para dizer que a “lei é para todos”. "Não existe justiça verde, amarela, azul ou vermelha. Só existe Justiça. Decisão judicial se respeita e a lei é para todos, sem distinção", afirmou Alckmin, segundo a Folha de S. Paulo.

Capital político minguante
Desde que se viu envolvido no escândalo da JBS, no qual foi flagrado em diálogos duvidosos com o empresário e criminoso confesso Joesley Batista, Aécio viu seu capital político ruir. De Joesley, Aécio recebeu 2 milhões de reais em espécie. O empresário diz que o dinheiro era propina. O senador, empréstimo.

Após esse escândalo vir à tona, o parlamentar chegou a ser afastado do Senado Federal, se licenciou da presidência do PSDB e foi vaiado na convenção do próprio partido. Até correligionários de primeira hora, como o senador Antônio Anastasia, que é seu afilhado político e foi seu vice-governador, afastaram-se. No PSDB mineiro Anastasia é o único nome para concorrer ao Governo. Mas enfrenta a rejeição de Aécio, que tem remado contra ele.

As escolhas eleitorais de Aécio nos dois últimos pleitos se demonstraram equivocadas. Pimenta da Veiga perdeu para o petista Fernando Pimentel no primeiro turno para o Governo em 2014. Em 2016, foi a vez de João Leite perder para Alexandre Kalil (PHS) a disputa por Belo Horizonte, a capital mineira. “O PSDB no nosso Estado era o Aécio. Mas os últimos movimentos eleitorais, sua derrota para a Dilma [Rousseff] no próprio Estado e agora a denúncia aceita pelo Supremo o enfraquecem, sem dúvida”, afirmou um deputado tucano.

“Estou sendo acusado tendo como base uma ardilosa armação"
Seja como for, a inflexão mais importante no calvário político de Aécio foi mesmo nesta terça, quando, por unanimidade, os juízes da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal aceitaram a denúncia da Procuradoria Geral da República contra ele. Por quatro votos a um, os magistrados concordaram que ele também deveria responder pelo delito de obstrução à Justiça. O voto contrário, neste quesito, foi dado pelo ministro Alexandre de Moraes. A acusação dá conta que Aécio teria tentado usar de sua influência enquanto líder político e senador para embaraçar as investigações pela Polícia Federal. O caso teria ocorrido em 2017, quando Moraes era ministro da Justiça do Governo Michel Temer e filiado ao PSDB. A Polícia Federal era, na época, subordinada a esse ministério.

Durante o julgamento, o ministro relator, Marco Aurélio Mello, entendeu que surgiram sinais de práticas delituosas e, por essa razão, a acusação contra Aécio deveria ser aceita. A defesa do tucano reclamou que as principais provas da denúncia foram obtidas de maneira ilícita, por meio de uma ação controlada sem autorização judicial. Para Alberto Toron, defensor do senador, deverá haver uma investigação sobre a atuação do Ministério Público para comprovar que a atuação de Joesley ocorreu para prejudicar Aécio. “Houve uma ação dirigida sem autorização judicial”.

Nas redes sociais, o ex-procurador-geral da República que apresentou a denúncia, Rodrigo Janot, comemorou a decisão. “Provas obtidas por ação controlada validadas. Reconhecimento de que ex-procurador agiu por conta própria. Reconhecida a validade das gravações feitas de conversas nada republicanas com autoridades da República. O discurso vazio que tentava invalidar tudo isso virou sal na água”, afirmou em seu Twitter.

Ainda não há data para o julgamento do caso Aécio Neves no Supremo Tribunal Federal - a pauta da corte é essencialmente discricionária. Até lá, ele se dividirá entre uma definição de seu futuro político e em sua defesa de uma acusação que pode lhe render de 2 a 20 anos de prisão (se somados os dois crimes em que é réu). “Estou sendo acusado tendo como base uma ardilosa armação de criminosos confessos, aliados a membros do Ministério Público, que construíram um enredo para aparentar que cometi alguma ilegalidade. Não cometi crime algum”, disse o tucano a jornalistas, sem responder diretamente se seria ou não candidato.

Nos próximos meses, o senador aguardará o desenrolar da pré-campanha eleitoral e as costuras pelas coligações. Se, remotamente, decidir concorrer a uma das duas vagas ao Senado que estarão em aberto poderá reeditar uma disputa com Dilma Rousseff (PT). A ex-presidenta transferiu seu domicílio eleitoral para Belo Horizonte e o seu partido estuda se a lança ao Senado ou à Câmara.


Hamilton Garcia: A Justiça por um voto

Em pleno séc. XXI, decorridos quase 200 anos da independência do Brasil, o supremo tribunal ainda discute o fim da impunidade no país. Sim, a egrégia corte se divide entre os que querem o fim do (virtual) foro especial por prerrogativa de meios, votando pela prisão do condenado esgotada a segunda instância forense, e os que defendem o conceito abstrato de presunção de inocência mesmo diante de um arcabouço legal que combina, astuciosamente, recorrências judiciais excessivas com prazos de prescrição penal generosos, tornando esses condenados inimputáveis, de fato, e “inocentes”, de direito.

A prisão de Lula — na esteira da detenção de Odebrecht, Cunha, e outros expoentes do sistema neopatrimonial — não passa de apenas mais um capítulo na longa batalha para pôr fim à justiça seletiva instituída entre nós ao longo dos séculos. O revolucionário veredicto sobre o Mensalão petista (2012) — esquema inspirado no Mensalão tucano de MG —, que, sintomaticamente, transformou o relator do caso, Joaquim Barbosa, em herói nacional, foi o primeiro sinal de que a democratização das estruturas de Estado poderia ter, enfim, um desfecho melhor no Poder Judiciário do que aquele verificado no Legislativo e no Executivo desde 1985.

Todavia, estamos longe de poder cantar vitória, basta ver a frente ampla articulada no Congresso Nacional, que vai do PT ao PP, passando pelo MDB e parcelas do PSDB, assim como no STF, que abrange de Toffoli&Lewandowski a M.A.Mello, passando por Mendes e um embaraçado (e hesitante) decano, todos a advogar do “estancamento da sangria” à impunidade possível — ou seja, prisão após terceira instância (STJ) com vagas promessas de reversão da chicana institucionalizada. O apertado placar (6×5) que negou acolhimento ao pedido de libertação de Lula, no STF, dá a dimensão do risco de retrocesso.

Iludem-se os que acham que estamos diante de mero conflito conjuntural, marcado pela polarização política. Antes, se trata de uma virada histórica em potência: de uma Justiça nascida sob o signo do colonialismo e do escravismo — que se adaptou, lenta e imperfeitamente, ao capitalismo sem as devidas rupturas —, à outra democrático-republicana, impulsionada pela redemocratização recente, que logrou alcançar os setores sociais marginalizados, através dos juizados especiais (pequenas causas, 1984) e da Defensoria Pública (acolhida na Constituição de 1988).

O que, na verdade, está em jogo, depois de muitas mutações acomodatícias, é uma ruptura com o DNA da Justiça brasileira, formado no encontro do direito costumeiro engendrado pelo latifundismo colonial dos donatários, e seu sistema de exploração escravista e despótica do trabalho nas plantations — onde o senhor de terras (e pessoas) exercia poderes de magistratura e de administração local, inclusive cobrando tributos[1] —, com a emulação do direito jurídico liberal-burguês sob a égide dessa dominação. A variante liberal do nosso código de leis foi, para além do marginalismo intelectual de nossas elites, denunciado por Oliveira Vianna[2], um emolduramento para a problemática emergência da sociedade civil (burguesa) no Brasil, com poucas mudanças reais na vida material de trabalhadores rurais e urbanos.

Assim, não só a institucionalização da Justiça, no Império, esteve na dependência das relações econômico-sociais mercantilistas, como, em seu desenvolvimento ulterior capitalista (República), o sistema político alicerçado sobre esta dominação vetou mudanças democráticas, traduzindo em sentido reacionário, nas leis, a máxima conservadora hobbesiana da “justiça como a distribuição a cada um do que é seu”[3], cabendo, como de hábito, à grande maioria da população quase nada em termos de garantias (caso da pequena-burguesia e dos trabalhadores urbanos) ou efetivamente nada (caso dos trabalhadores rurais).

Enquanto no Brasil do séc. XIX o Estado se desenvolvia sob a égide monopolista do exclusivismo agrário-mercantil, nos EUA do séc. XVIII o capitalismo do Nordeste dava mostras do poder da livre-iniciativa nativa ao vincular Justiça e bem comum na Constituição da nação (1787), deixando aos escravistas a jurisdição regional (Sul), abrindo, assim, as portas para a modernização sem inviabilizar a economia e a unidade do país — adiando o conflito radical (guerra civil) por quase um século. Entre nós, ao contrário, o “Norte” — que aqui era SP — se viu cercado por um “Sul” — que aqui era o Nordeste — generalizado, que impôs ao país a pax oligárquica da qual estamos tentando nos livrar até hoje, baseada em princípios gerais de igualdade e justiça, sustentados nas constituições, porém, desmentidos por leis específicas de exceção ao princípio basilar — como o foro privilegiado para autoridades que praticam crimes comuns — e por normativas processuais que engendram mecanismos reais de fuga da sentença para ricos e empoderados.

Tudo isso, hoje, está em cheque, mas, politicamente falando, é possível que a virada paradigmática em curso não encontre sua melhor expressão, nas eleições que se aproximam, em candidaturas democráticas antineopatrimonialistas, dada a inclinação das esquerdas, de variados matizes, e do centro, à conciliação de coisas inconciliáveis. Se esta impressão se confirmar, infelizmente, a mudança virá por meio dos intempestivos movimentos jacobinos de sempre, que, amiúde, acabam, por falta de discernimento e excesso de convicções, provocando efeitos colaterais imprevisíveis e indesejáveis, sem, necessariamente, entregar o que promete.

[1] Vide Karina B. Pinheiro, O Poder Judiciário através da história, in. <http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=17685&revista_caderno=9#_ftnref4>.

[2] Instituições Políticas Brasileiras (vol. II), ed. Itatiaia-USP-UFF/BH-SP-Niterói, 1987, cap. I.

[3] Apud Renato J. Ribeiro, in. F.Weffort, Os Clássicos da Política (Vol. 1), ed. Ática/SP, 1989, pp. 72-73.


Merval Pereira: Mudança de paradigma

O fortalecimento do Ministério Público nos últimos anos, gerado pela Constituição de 1988, que já provocara controvérsias em situações pontuais como a atuação dos procuradores Luiz Francisco Fernandes de Souza durante o governo Fernando Henrique, considerado um petista disposto a encontrar crimes no governo tucano, e José Roberto Figueiredo Santoro, ligado ao senador José Serra e tido como um tucano de carteirinha, vem ganhando destaque a partir de uma ação mais estruturada do órgão, explicitada de maneira vigorosa a partir do processo do mensalão.

Há um grupo de ministros no Supremo Tribunal Federal (STF), capitaneado por Gilmar Mendes, que se incomoda com esse empoderamento e vê nele o germe de um estado policial. O choque prossegue com a visão do Direito que vem sendo adotada por outros colegas seus, que se permitem interpretar a Constituição, às vezes para alargar seu alcance. O ex-presidente do STF Ayres Britto acha que o ponto de inflexão foi o julgamento do mensalão, que ele presidiu. A partir dali teria sido aberto um caminho para concretizar a máxima de que todos são iguais perante a lei.

Ayres Britto tem uma visão otimista do futuro do país, garantindo que é possível encontrar-se no texto constitucional a solução para todos os problemas que afligem nossa democracia. Um exemplo de como a interpretação da Constituição pode levar a soluções criativas foi a proibição do nepotismo.

O ideal é que houvesse uma lei que proibisse a nomeação de parentes até o terceiro grau para cargo em comissão nos três Poderes. Na falta da lei, Ayres Britto interpretou a Constituição para dizer que os princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade impedem o nepotismo. É uma visão que utiliza um pouco mais os princípios constitucionais para produzir os resultados que a sociedade demanda.

Os que são contrários a essa visão consideram que os procuradores de Curitiba e o juiz Sergio Moro estão se excedendo, precisam ser contendidos, e o lugar ideal para contê-los é o STF. E que a interpretação constitucional leva a soluções ilegítimas e transformam o Supremo em legislador, papel que é do Congresso.

Alegam eles que os direitos individuais dependem da manutenção dessas proteções jurídicas que hoje estariam sendo ultrapassadas pela ação da Operação Lava-Jato. Há outra disputa mais política, que não tem a ver com partidos, mas com um aliança tácita de grupos sociais.

Quando a Lava-Jato começou a atingir todos os partidos, houve uma reação dos políticos de centro-direita, como PSDB, PMDB, PP, que começaram a tentar se resguardar de possíveis penalizações. E ministros como Gilmar Mendes viram nesse avanço da Lava-Jato uma criminalização da política.

Esse embate de visões, num momento em que o país vive situação anômala que tanto pode levá-lo a uma refundação como a uma crise ainda mais profunda, faz com que queiram mudar a maneira de investigar da Lava-Jato, como Moro interpreta a Constituição, como os procuradores de Curitiba perseguem agressivamente os que cometeram crimes de corrupção.

Gilmar Mendes chegou a se exaltar na semana passada dizendo que ninguém poderia lhe dar lições de combate à corrupção. Mas suas atitudes garantistas, além da explícita amizade com o presidente Michel Temer e com caciques políticos, o tornaram um dos ministros preferidos do PT, no momento em que os interesses confluem.

Essa preferência existe à sua revelia, diga-se de passagem. Recentemente ele criticou o PT. Para Gilmar Mendes, Lula está sendo vítima de sua própria obra, ao ter feito, entre outras coisas, más indicações para o STF.

“Foram péssimas indicações para o Supremo. Pessoas que não tinham formação, não tinham pedigree. Privilegiou-se a escolha de pessoas ligadas aos movimentos LGBT, ao MST, de causas, de grupo afro, sem respeitar a institucionalização do país”. Referências que podem ser vistas como indiretas em direção aos ministros Edson Fachin, acusado de ser ligado a movimentos sociais, especialmente ao MST; ao ministro Luís Roberto Barroso, que aprovou como advogado as uniões homoafetivas e o aborto de anencéfalos, e a Joaquim Barbosa, ex-presidente do STF.

Palestra
Prossegue o périplo de ministros, juízes e advogados pelas principais universidades dos Estados Unidos e Europa, diante da curiosidade sobre a situação brasileira. O professor Gustavo Binenbojm será um dos palestrantes do simpósio jurídico promovido pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, ao lado do Ministro Luís Roberto Barroso, da procuradora-geral da República Raquel Dodge e dos juízes Sergio Moro e Marcelo Bretas.

 


Demétrio Magnoli: Lula não é um preso político

PT e PSOL não se opõem à subordinação da Justiça ao governo, com a condição de que seja o seu governo

11 de julho de 2017. Na entrada do teatro Bolshoi, os espectadores foram informados do cancelamento da estreia do balé Nureyev, substituído de última hora pela peça de repertório “Dom Quixote”. Segundo a justificativa oficial, os ensaios tinham sido insatisfatórios.

No mês seguinte, o premiado diretor da peça, Kirill Serebrennikov, um crítico contumaz de Putin, compareceu a um tribunal de Moscou, que o sentenciou a um ano de prisão por corrupção.

Nureyev não estreou porque o Kremlin vetou a celebração de um gay —e, ainda por cima, emigrado– pela icônica companhia teatral. Serebrennikov foi condenado por razões políticas, não por corrupção. Lula não é um preso político, independentemente do que se pense sobre a sentença de Moro.

Na Espanha, autoridades do antigo governo da Catalunha respondem, em prisão cautelar, a acusações de rebelião. Os partidos nacionalistas catalães e o esquerdista Podemos classificam os encarcerados como presos políticos.

Os processos, porém, não mencionam ideias, mas ações: a convocação, em outubro passado, de concentrações populares para impedir que agentes policiais fechassem os locais de votação do plebiscito separatista, declarado ilegal pelo Tribunal Supremo. Discute-se, nos processos, se o grau de violência usado contra os policiais é suficiente para caracterizar rebelião contra a unidade espanhola.

Todo o contexto é político, mas os réus não são presos políticos. A Espanha distingue-se da Rússia pela independência do Judiciário. O Brasil figura ao lado da Espanha —e, por isso, Lula não é um preso político.

Preso político, ou preso de consciência, é o indivíduo encarcerado por suas ideias, mesmo quando a sentença descreva crimes comuns.

Na Turquia, desde o fracassado golpe de Estado de 2016, os tribunais condenaram centenas de jornalistas, professores e funcionários públicos por conluio com os golpistas. Os céleres processos turcos dispensaram provas firmes. Na Venezuela, o líder opositor Leopoldo López foi condenado a quase 14 anos de prisão por incitamento à violência nos protestos de rua de 2014.

A promotora-geral, responsável pelo caso, partiu para o exílio em 2017 e denunciou a fraude judicial da qual participou. Na Turquia e na Venezuela, há presos políticos; no Brasil, não. É que, aqui, os tribunais não são tentáculos do governo.

A prisão política é um ato de origem política, nunca de raiz judicial. Na Espanha, a propaganda secessionista é livre —tanto que partidos separatistas disputam eleições e, na Catalunha, exerceram o governo regional.

Na Rússia, na Turquia e na Venezuela, os governos limitam as liberdades civis, perseguindo opositores por meios judiciais. Na Espanha, como no Brasil, políticos governistas estão presos por corrupção. Na Rússia, na Turquia e na Venezuela, ao contrário do Brasil, a proximidade do poder é garantia de impunidade.

De Delúbio a Lula, passando por Dirceu e Palocci, todos os condenados petistas foram declarados presos políticos pelo PT –e, no caso de Lula, o PSOL aderiu à prática. Mas PT e PSOL não inscrevem Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Geddel ou Maluf no mesmo círculo. A razão para a duplicidade nos conduz à Venezuela: os dois partidos não se opõem à subordinação da Justiça ao governo, com a condição de que seja o seu governo.

Juízes erram, cedem a preconceitos, engajam-se em cruzadismos, sofrem pressões legítimas ou escandalosas (como a do comandante do Exército). Por isso, é tão importante o debate sobre a revisão judicial.

Mas, no Brasil, o governo não controla os tribunais, algo que Temer e seus aliados sabem por experiência própria. Decorre daí que nem a crença na tese delirante de uma conspiração universal dos juízes autoriza tratar Lula como preso político. O PT e o PSOL declaram-no preso político pelo mesmo motivo que tratam Leopoldo López como preso comum.

* Demétrio Magnoli é doutor em geografia humana e especialista em política internacional.