STF
Leandro Colon: Não há garantia de fim do auxílio-moradia em troca de reajuste para juízes
Lobby de magistrados cresce e STF não sinaliza fim de benefício injustificável
Sob o lobby escancarado do Judiciário, o presidente Michel Temer tem até quarta-feira (28) para decidir se sanciona ou veta o aumento de 16,38% nos salários dos juízes.
Se o bom senso e o zelo pelas contas públicas prevalecessem nos bastidores do poder em Brasília, o reajuste não teria passado a toque de caixa no Congresso —no Senado, em uma votação relâmpago, às pressas.
Político não gosta de ter problema com juiz e juiz sabe disso. Temer negociou em encontro noturno (prática nada incomum no atual governo) no Alvorada com os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux a aprovação da medida que, segundo estudo de técnicos legislativos, pode ter um impacto de R$ 4 bilhões por ano.
Em troca de engordar o contracheque dos juízes, haveria um compromisso do STF de enfim colocar em julgamento o fim do auxílio-moradia de R$ 4.377 mensais pago aos magistrados, mordomia injustificável a uma classe abastada, bem remunerada na realidade brasileira e que já desfruta de outras regalias.
Pois, bem. O reajuste passou no Congresso e depende agora de uma canetada de Temer. Na semana passada, Toffoli e o presidente do STJ, João Otávio de Noronha, aproveitaram almoço com o chefe da economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, para defender a elevação salarial.
No caso de um ministro do STF, o valor subirá de R$ 33,7 mil para R$ 39,3 mil. Haverá um efeito cascata, classificado por Noronha de “papagaiada”, na remuneração dos juízes das instâncias inferiores.
O lobby não ocorre apenas nos almoços fechados com chefes das altas cortes. Não satisfeita com um salário maior, a categoria arma um contragolpe para impedir o fim do auxílio-moradia. Na sexta-feira (23), a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) entrou com pedido para que Fux, relator das ações sobre o benefício, não o revogue imediatamente.
Fux foi quem sentou em cima do tema por longo período. Não há, até agora, garantia de que os intocáveis de toga vão perder a ajuda de custose Temer ceder e sancionar o aumento.
Rogério Furquim Werneck: Desatino tucano
É fácil perceber quão irresponsável foi a decisão do Senado de aprovar aumento salarial dessa proporção ao STF
Não há como subestimar a gravidade da irresponsável decisão do Senado de aprovar a concessão de um aumento salarial de mais de 16% aos ministros do Supremo Tribunal Federal, com o país na alarmante situação fiscal em que está.
O episódio merece atenção por ter deixado mais do que claras as colossais dificuldades que terão de ser superadas para que o esforço de ajuste fiscal que hoje se faz necessário seja levado a bom termo. Não há como ter ilusões. Nem quanto à extensão da inconsequência que ainda permeia boa parte da elite do Legislativo e do Judiciário, nem quanto à voracidade das corporações mais bem aquinhoadas do funcionalismo público.
É preciso não perder de vista as reais proporções da crise fiscal com que se defronta o Brasil. A cada ano, os três níveis de governo vêm extraindo da economia cerca de 33% do PIB em tributos e gastando mais de 40% do PIB. Na esteira do aumento recorrente de endividamento que tal desequilíbrio vem exigindo, a evolução da dívida pública como proporção do PIB tornou-se insustentável. Desarranjo fiscal tão grave vem condenando a economia a um crescimento anêmico e mais de 12 milhões de pessoas, ao desemprego.
Para que esse processo possa ser sustado e revertido, será necessário um esforço de ajuste fiscal de nada menos que 5% do PIB. Algo da ordem de R$ 350 bilhões. Se houver um plano de jogo crível, é perfeitamente possível que o ajuste possa ser feito ao longo de vários anos. Mas, para que isso seja viável, é preciso pôr em marcha um programa abrangente de austeridade fiscal em que cada bilhão fará diferença.
Visto dessa perspectiva, é fácil perceber quão irresponsável foi a decisão do Senado de aprovar um aumento salarial dessa proporção que, computado o efeito cascata, poderá engendrar gastos fiscais adicionais de até R$ 4 bilhões. Sem falar nas dificuldades que a tal prodigalidade trará a qualquer esforço mais amplo de contenção das folhas salariais dos três níveis de governo.
Não foi surpreendente que, em meio ao amadorismo com que a equipe do presidente eleito vem acompanhando a tramitação de matérias de seu interesse no Congresso, a suposta bancada bolsonarista no Senado tenha votado alegremente a favor da medida.
Mas o mais espantoso foi a decisão ter contado com o apoio maciço do PSDB. Dos 12 senadores tucanos, só Fernando Flexa Ribeiro (PA) não estava presente. O único que votou contra foi Ricardo Ferraço (ES) que, lamentavelmente, deverá deixar a Casa em breve, por não ter conseguido se reeleger. Os dez senadores restantes votaram todos a favor do aumento.
Diria um cínico que, entre esses dez, há gente enrascada que, de modo algum, consideraria a possibilidade de fazer qualquer desfeita ao Judiciário. Pode até ser. Mas o que dizer dos votos favoráveis de senadores que não padecem de dificuldades desse tipo, como Tasso Jereissati (CE) e Antonio Anastasia (MG), dois ex-governadores perfeitamente aptos a entender o impacto nefasto que a medida deverá ter sobre as contas da União e, indiretamente, sobre as combalidas finanças dos Estados?
O PSDB não se emenda. Voltou a apoiar pautas-bom bano Congresso. Desta vez, no Senado. O partido precisa entender que, se perder de vez o respeito do seu eleitorado mais ilustrado, não há muito que o futuro possa lhe reservar. É fundamental que se engaje de forma séria e determinada no gigantesco esforço de ajuste fiscal que o país tem pela frente.
Em entrevista concedida em meio à euforia da vitória de Bolsonaro, Paulo Guedes anunciou que pretende “enterrar o modelo social-democrata” (“Exame”, 28/10). É pouco provável que consiga. Mas tudo indica que, na toada em que vai, o PSDB não lhe será um problema. Muito pelo contrário.
Parte importante do partido parece tomada de incontrolável furor adesista, pronta a obliterar qualquer linha divisória que possa separar os tucanos do bolsonarismo, seja lá o que isso signifique ou vieras ignificar. Outra parte, como se viu, parece entregue ao desatino e em modo de autodestruição. Até quando?
Elio Gaspari: Temer deveria zerar mimo do STF
Depois que o Senado aprovou o aumento de salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal, o presidente eleito Jair Bolsonaro disse o seguinte:
“Complica para a gente, quando fala em fazer reforma da Previdência, tirar dos mais pobres e aceitar um reajuste como esse. Está nas mãos do Temer. Não sou o Temer, se fosse, você sabe qual seria minha posição. (...) Não tem outro caminho no meu entender, até pela questão de dar exemplo.”
Faltam 48 dias para Temer passar a faixa a Bolsonaro. Será no mínimo um péssimo exemplo jogar uma bomba que poderá chegar a R$ 4 bilhões anuais no Orçamento de um governo que nem começou. Mas isso não é tudo.
O Senado aprovou o mimo ao apagar das luzes da legislatura por 41 votos a favor, 16 contra, 20 ausências e uma abstenção. A sessão foi presidida pelo senador Eunício Oliveira, que disputou a reeleição e foi mandado para casa. Metade da bancada que votou a favor do aumento perdeu a cadeira, como Romero Jucá, ou desistiu do Senado, como Aécio Neves. Por ordem alfabética, o primeiro senador solidário com o reajuste dos ministros foi Acir Gurgacz, que cumpre pena de quatro anos e seis meses na penitenciária da Papuda.
A votação foi uma clássica xepa de feira. O aumento tramitava no Senado desde 2016, mas Eunício Oliveira levou-o ao plenário em regime de urgência. O relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos, senador Ricardo Ferraço, deu parecer contrário e votou contra o reajuste.
Na sua conta, elevando-se o salário dos ministros de R$ 33.763 para R$ 39.293 provoca-se um efeito cascata que, com o tempo, vai se espalhar por toda a administração. Na mesma sessão, os senadores votaram também o aumento do salário da procuradora-geral da República. Por mais razão que tenham os ministros com seus salários, nenhum deles passará necessidades com um salário de R$ 33.763 e outros pequenos confortos. Na maioria, são pessoas patrimonialmente seguras por fortuna familiar, acumulação, sucesso profissional e mesmo por empreendedorismo.
O senador Eunício e muita gente boa garantem que o aumento irá só para os 11 ministros ou, quem sabe, só para os juízes dos tribunais superiores. Quem já viu uma comissão de frente entrar na Marquês de Sapucaí sem que houvesse atrás uma escola de samba pode acreditar nisso.
Juízes e desembargadores admitem a possibilidade de trocar alguns de seus penduricalhos depois que houver a propagação do aumento, mas não há quem garanta o sucesso dessa manobra. Muitos juízes, como Sergio Moro, recebem o auxílio-moradia e veem nele um complemento salarial. Seu derivativo carioca, o doutor Marcelo Bretas, acumula o mimo com o da mulher, que a ele tem direito pelos seus próprios méritos. (O fato de morarem no mesmo apartamento seria irrelevante.)
O troca-troca de mimos por penduricalhos nunca foi explicado direito. Se há aí um toma lá dá cá, alguém precisa mostrar a planilha com a conta, porque até agora a Viúva só dá, nunca toma.
Os salários da Justiça estão defasados, mas não se desembaralha o novelo com mimos para ministros acompanhados de inexequíveis promessas de contenções. Tudo ficaria melhor se, em vez de uma xepa de feira, Temer vetasse o aumento aprovado para os ministros, e Jair Bolsonaro chamasse sua turma para fazer a conta direito, mostrando-a aos contribuintes.
Um veto de Temer lustrará seu fim de governo e permitirá que a questão seja zerada, para ser discutida numericamente por um governo livre de ganchos processuais.
Vera Magalhães: Moro dá adeus?
A designação para o Supremo Tribunal Federal é a ambição natural e justa de alguém com a carreira do juiz federal
Quando precisou negar que seria candidato a presidente, diante de inúmeras especulações a respeito, Sérgio Moro foi direto. Disse, em diversas ocasiões, que a política não era um caminho vislumbrado por ele, e que continuaria fazendo seu trabalho de juiz.
Ao agradecer a menção pública a seu nome feita por Jair Bolsonaro, sem que haja sequer um convite oficial para o Ministério da Justiça ou para o Supremo Tribunal Federal, Moro muda radicalmente essa diretriz. Quando admite que analisará qualquer um dos convites, o coordenador da Lava Jato, numa tacada só: 1) encoraja Bolsonaro a fazê-lo oficialmente; 2) deixa antever que pode aceitar o ministério e, dali, esperar placidamente pela aposentadoria de Celso de Mello do STF, em 2020.
Os convites incluídos no mesmo pacotão por Bolsonaro e Moro são de natureza diversa. O Ministério da Justiça é um posto político, não jurídico. Aceitá-lo fará com que Moro deixe não só a Lava Jato, mas sua carreira de juiz. Mais: contribuirá para a narrativa (falsa) do PT de que o juiz agiu com intenção política ao ajudar a desnudar o petrolão e condenar Lula e outros próceres petistas.
Ele precisa disso? Certamente não. Precisa pagar este “pedágio” para ser ministro do Supremo? Tampouco.
Já a designação para a Corte é a ambição natural e justa de alguém com a carreira de Moro. Ele já teve uma passagem pelo Supremo, como juiz auxiliar de Rosa Weber, e certamente reúne os atributos de notório saber jurídico e reputação ilibada para substituir o decano.
A interlocutores, Moro tem descartado o argumento de que seu eventual aceite a um ou outro convite de Bolsonaro enfraquece a Lava Jato ou joga água no moinho da queixa petista.
Integrantes da força-tarefa da operação dizem que outro juiz assumirá as funções de Moro caso ele, de fato, deixe a 13.ª Vara da Justiça Federal em Curitiba, sem prejuízo para os trabalhos.
Resta, por fim, um argumento bem esgrimido por Marcelo de Moraes no BR18: cabem dois “mitos” num governo logo em seu nascedouro? Moro não é grande demais para ser um “soldado” de Bolsonaro? O fato é que o juiz não parece ter levado nada disso em consideração ao se assanhar diante de um convite nem sequer formulado. Para um enxadrista como ele, foi um lance bastante precipitado.
PREVIDÊNCIA
Bolsonaro pede contagem de votos de projeto de Temer
Na reunião com a equipe que atuou na campanha e vai estar na transição, Jair Bolsonaro pediu a Onyx Lorenzoni (DEM) que promova uma contagem dos votos com os quais poderá contar caso decida pôr em marcha o plano de votar ainda neste ano a proposta de reforma da Previdência de Michel Temer. Aliados do presidente eleito negam que haja ruídos entre o futuro ocupante da Casa Civil e o czar da área econômica, Paulo Guedes.
PRÓXIMO ROUND
Márcio França deve disputar Prefeitura de São Paulo
O bom desempenho na disputa do 2.º turno para o governo de São Paulo, que o tirou da condição de governador-tampão desconhecido para a quase vitória, deve selar a candidatura de Márcio França (PSB) à Prefeitura de São Paulo em 2020. Para ter espaço a partir do qual fazer política e não cair no esquecimento, França está sendo lançado por aliados para a presidência nacional do PSB, com a missão de fazer a ponte entre a bancada e os governos da sigla.
Merval Pereira: Susto benéfico
A percepção de parte da sociedade de que seu filho não tirou da cabeça a ameaça de fechar o Supremo, mas retratou um pensamento do próprio Bolsonaro, deu ares de verdade à ideia
A manutenção de distância confortável do candidato Jair Bolsonaro a quatro dias da eleição presidencial mostra como os votos cristalizados dos dois concorrentes praticamente impedem uma reviravolta na reta final, a não ser que algo inacreditável aconteça. Em vez de uma bala de prata, o PT gastou várias, e nenhuma acertou o alvo.
Mas balançaram a antes inabalável situação de Bolsonaro: o número de pessoas que não votariam nele aumentou, superando os que votarão com certeza. E diminuiu a rejeição ao candidato petista. Embora a diferença esteja na margem de erro, é uma boa nova para Haddad, oferecida pelo próprio adversário e os seus, que continuam sendo os principais adversários deles mesmos.
O suposto escândalo das mensagens inverídicas de WhatsApp, baseado em uma denúncia jornalística inepta, acabou sendo soterrado pelo próprio candidato petista Fernando Haddad, que se precipitou em divulgar uma fake news de primeira grandeza: avalizar a denúncia de que o general Mourão foi um torturador.
A denúncia fake deveu-se ao cantor Geraldo Azevedo, que disse em público, irresponsavelmente, que o general Mourão, vice de Bolsonaro, fora um de seus torturadores em 1969. O fato de o general ter apenas 16 anos na ocasião desmontou a alegação, que depois foi corrigida pelo próprio cantor.
O problema causado pela denúncia do jornal “Folha de S. Paulo” não justifica, porém, os arroubos retóricos de Bolsonaro em mensagem enviada aos manifestantes na Avenida Paulista, que revelam uma preocupante visão autoritária da relação da imprensa com o mandatário de um país.
O mesmo destempero que acomete o presidente Trump nos Estados Unidos — a quem Bolsonaro parece querer imitar —e o ex-presidente Lula. Os três líderes populistas aproveitam sua popularidade para incitar os militantes e apoiadores contra os órgãos de imprensa que os vigiam.
O papel da imprensa é justamente este, ser o vigia da sociedade. O presidente americano Thomas Jefferson entendeu que a imprensa, tal como o cão de guarda, deve ter liberdade para criticar e condenar, desmascarar e antagonizar.
Os petistas assumiram postura autoritária, exigindo em discursos inflamados não apenas a anulação da eleição como a censura ao WhatsApp pelo menos até o fim do segundo turno. É inacreditável que o PT exija atitudes drásticas apenas com base em uma denúncia de jornal, sem que as autoridades abram investigações.
Até agora, os petistas desacreditavam as denúncias de jornal contra os seus e, principalmente, o ex-presidente Lula, e criticavam o que chamavam de rito sumário das decisões da Justiça na Operação Lava-Jato. Anular uma eleição é decisão gravíssima que, como destacou a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, não pode ser tomada fora do tempo da Justiça “que não é o tempo da política”.
A percepção de parte da sociedade de que seu filho não tirou da cabeça a ameaça de fechar o Supremo, mas retratou um pensamento do próprio Bolsonaro, deu ares de verdade à ideia, lastreada por pronunciamentos anteriores do candidato, igualmente destrambelhados.
O ainda candidato Bolsonaro, que acha que está com uma mão na faixa presidencial, terá que, além de fechar a boca e a de seus próximos, convencer-se de que o país não aceita um governo autoritário, nem bravatas retóricas que coloquem em risco a democracia.
Dificilmente, a diferença que separa Bolsonaro de Haddad será descontada a tempo, mas a redução da distância, que deve ser confirmada ainda nesta semana pelo Datafolha, é um aviso de que o presidente, por mais votos que tenha, não tem um cheque em branco da sociedade.
Hamilton Garcia: Os perigos que se avizinham e o antídoto
Fala-se muito na campanha em fascismo e bolivarianismo, mas se o segundo expressa um objetivo explícito da política petista (vide “#EleNão! ou #ElesNão!”) – não obstante sua eludição tática por Haddad neste segundo turno –, o primeiro diz algo de potencial sobre o candidato mais bem cotado ou como ele pode vir a se tornar realidade a depender da marcha dos acontecimentos, se vitorioso for.
Olhando-se para a frente de direita que se formou em torno de Bolsonaro no rastro da crise do impeachment, vê-se um amálgama de convicções conservadoras cristãs e liberistas associadas ao antipetismo, ao par de um desenvolvimentismo lastreado no positivismo, ideologia basilar do Exército Brasileiro. Em condições normais de temperatura e pressão, não obstante o currículo e a vontade do Capitão, o novo governo teria, para ter sucesso, que se desenrolar dentro da normalidade democrática, e, para tal, contaria com grande respaldo social, popular e empresarial, e perspectiva de governabilidade no Congresso, não obstante a sombra neopatrimonialista da bancada do Centrão.
Ocorre, porém, que a falência do sistema político e a crise estrutural do modelo liberal-rentista de democratização, a par da elevada temperatura política bafejada pelo PT como tática de sobrevivência ao Petrolão, conspiram contra essa normalidade, junto com a falta de concatenação programática da frente bolsonarista e a perspectiva bolivariana da “resistência ao fascismo” – ambas podendo suscitar movimentos violentos na sociedade.^
Para tornar mais sombrio o quadro, enquanto na fase lulopetista foi possível “distribuir" os ganhos econômicos com a exuberância comercial do protagonismo chinês e da bolha ocidental – desperdiçando as chances de um “salto à frente”, em termos produtivos, com uma inclusão social pelo trabalho/aprendizado –, na fase bolsonarista o Brasil estará obrigado a enfrentar seus velhos e novos problemas e dificuldades, o que exigirá sacrifícios até aqui não admitidos pelos grupos dominantes – inclusive os aninhados nas altas esferas do Estado e nas corporações financeiras.
É certo, por outro lado, que algo se pode fazer na frente econômica com resultados positivos no curto-prazo para o governo – dois anos talvez –, seja simplificando os procedimentos normativos arrecadatórios, abrindo novas possibilidades de comércio com os países ricos, sustentando um câmbio de maiores possibilidades comerciais para a indústria e mesmo surfar na esperada onda da retomada econômica adiada pelo naufrágio precoce do Governo Temer. Ocorre que tal agenda, sem tocar nos problemas estruturais de longo-prazo da economia, pode propiciar apenas um fôlego, um novo vôo de galinha dentre tantos já vistos desde a recessão dos anos 1980.
No médio e longo-prazos, os gargalos estruturais tenderão a amplificar as fraturas existentes no seio da coalizão de direita, que, uma vez no governo, se transformará numa coalizão mais ampla, incluindo o liberalismo pragmático e mesmo o neopatrimonialismo, derrotado em sua dúplice aliança com o PSDB e o PT. Neste caso em especial, as perdas vitais dos segmentos neopatrimoniais, impostas pelos fatos, tenderá a afastá-los do governo na perspectiva de voltarem ao poder numa aliança com o lulopetismo que, para ser viável, teria que ser precedida de uma nova maquiagem moderadora dos “companheiros".
Bolsonaro se mantém à proa da disputa flertando com uma ruptura com o sistema – como ficou claro em seu último pronunciamento às manifestações verde-amarelo –, mas parece fadado, por suas alianças liberais e a correlação de forças no interior do aparato militar, a, por enquanto, inaugurar apenas uma ruptura com o mecanismo (neopatrimonial) – o que não é pouco, nem fácil! –, o que significaria, de fato, uma troca na direção do bloco histórico em crise, responsável pela transição democrática desde 1985, e cuja hegemonia é detida pelo capital financeiro, que conheceu, até aqui, dois formatos: o liberal-patrimonialista de Sarney&Collor e o social-patrimonialista de LILS, com um híbrido em Itamar&FHC.
A nova direção liberal-conservadora sobre o velho pacto democrático teria como objetivo pôr ordem no modelo, revertendo a bagunça deixada por Mantega&cia e, de quebra, despejando as oligarquias neopatrimoniais do poder, abrindo assim espaços para maior racionalização do Estado e ajudando a reverter as expectativas negativas sobre o país, recompondo o ambiente propício ao crescimento e à retomada do emprego.
Operar tal mudança, necessária mas não suficiente para nos recolocar na rota do desenvolvimento, além do custo político elevado, pode não surtir os efeitos esperados pela população, o que a levaria ao desencanto e consequente fortalecimento da oposição, o que poderia animar os bolsonaristas, apoiados no setor desenvolvimentista de sua coalizão, a uma tournant no sentido de um novo bloco histórico, o que exigiria um programa econômico voltado para a produção e não simplesmente para o consumo, deslocando o sistema financeiro global de seu papel atual de fiador principal de nossa estabilidade macroeconômica e política.
A hipotética viragem, a depender do contexto político em que ocorra e do álibi que o lulopetismo poderá lhe fornecer, no curto-prazo, provocaria forte inquietação nos mercados e, por consequência, abalaria a frente governativa de centro-direita, podendo levar, inclusive, à suspensão das garantias constitucionais (estado de sítio) ou até mesmo a medidas mais graves no caso da ausência de consenso no Estado de como lidar com a crise.
Paradoxalmente, a previsível resistência petista ao “fascismo" pode render bons frutos à nova política, quer em termos do isolamento das oposições na sociedade, quer do alinhamento defensivo do Estado contra a ameaça de caos que ela pode encerrar, abrindo espaços para uma uma reforma política conservadora, inclusive com mudanças constitucionais para restringir o pluralismo político e aumentar a estabilidade governamental (voto distrital puro).
No caso de não se conseguir produzir tal consenso no âmbito do Estado, o prolongamento do cenário caótico, em meio a conflitos de rua entre esquerda e direita, pode assistir ao aparecimento de milícias paramilitares em ambos os extremos, abrindo espaços para a emergência de um inédito movimento fascista no país – cujos braços armados, diga-se de passagem, já se encontram virtualmente constituídos, embora ainda não plenamente politizados.
Neste cenário sombrio (hipotético), tal como na eleição em curso, nos fará falta uma terceira via capaz de suplantar o petismo e impedir, de novo, a vitória da extrema-direita. O problema aqui é que a desorientação da centro-esquerda é ainda mais forte que as perdas parlamentares sofridas pelo PSDB, PPS e Rede, ao fim do primeiro turno das eleições, o que compromete seu protagonismo na oposição – qualquer que seja o resultado do segundo turno.
O antídoto ao perigo que se insinua está numa frente política capaz de enfrentar o virtual desafio do novo bloco histórico autoritário, de extrema-direita, colocando, à semelhança deste, o foco da inclusão na retomada da produção industrial como resposta ao esgotamento da fórmula financista, baseada em consumo e endividamento das famílias, ao mesmo tempo que procura restaurar a governabilidade e preservar a democracia por meio de uma reforma política que racionalize o sistema partidário (representação) por meio de um modelo eleitoral misto, com listas pré-ordenadas, e medidas punitivas efetivas aos partidos cujos representantes se envolvam em crimes tipificados contra o bem público.
Seja como for, é chegada a hora de se enfrentar a crise política e econômica que o oportunismo político e a incompetência intelectual,varreram, desde 1988, para debaixo do tapete.
Não está escrito nas estrelas que o bolsonarismo derivará em fascismo – isto não faz parte da nossa tradição republicana e para tal existem freios conhecidos, embora não infalíveis –, mas é certo que entre as variáveis propícias para tal está a natureza da oposição que se fará ao (provável) novo governo, e, nela, Ciro Gomes se constitui numa esperança de solução democrática. Torçamos para que ele se coloque à altura da tarefa, nesta fase delicada de nossa vida republicana.
José Hermida: Um país com licença para odiar
Uma parte importante da população votará no próximo dia 28 sob a crença de que estará evitando que o Brasil se transforme em uma Venezuela
Há um fértil campo de estudo no Brasil para psicólogos cognitivos. Uma parte importante da população votará no próximo dia 28 sob a crença de que estará evitando que seu país se transforme em uma Venezuela. Para impedir isso, esses eleitores planejam entregar o poder a um ex-militar que, em quase 30 anos de carreira política, proferiu centenas de frases de desprezo pelas normas, costumes e valores da democracia. Esse é o homem, Jair Bolsonaro, chamado para salvar o Brasil das garras bolivarianas do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou entre 2003 e 2016, sem que ninguém percebesse que o país estava se tornando uma Venezuela.
Como tantas vezes na história, o autoritarismo avança impulsionado por uma corrente popular na qual três grupos convergem: os convencidos, os oportunistas e os indiferentes. O núcleo original de convencidos é engrossado pelos nostálgicos da ditadura militar e fiéis ao culto da violência incrustado na medula do país. Com o descontentamento social no último mandato do PT, surgiram movimentos que alimentaram, especialmente nas redes sociais, um direitismo cada vez mais radical. Depois, aliaram-se os fanáticos religiosos, em guerra contra Sodoma e Gomorra. Em apenas alguns meses, o alcance se multiplicou a milhões de pessoas enfurecidas pela corrupção generalizada, pelo desaquecimento econômico e pelo crime cotidiano, e que compraram a promessa de uma mão firme.
Os oportunistas continuam fluindo em ondas sucessivas. Depois do mundo endinheirado, agora são os políticos de centro-direita -- e alguns de centro-esquerda -- que, desde o triunfo do candidato ultradireitista no primeiro turno, estão correndo para socorrer o vencedor. O grupo dos indiferentes teve uma base de apoio mais sutil, porém decisiva. Poucas coisas favoreceram tanto o ex-capitão de paraquedistas do que o relato -- predominante, por exemplo, nos meios de comunicação -- de que dois extremos estão disputando as eleições: direita e esquerda. Oportunistas e indiferentes compartilham sua surdez diante dos discursos e atitudes de Bolsonaro. Como na campanha o candidato reprimiu suas explosões, se tranquilizam pensando que estamos diante de um fanfarrão que se acalmará quando chegar ao poder.
O candidato também pediu aos seus seguidores que parassem com os atos violentos. E parece que o ouviram. Nos dias seguintes à sua vitória no primeiro turno, várias notícias relatavam dezenas de ataques de valentões simpatizantes do ultradireitista: um eleitor do PT assassinado, insultos e espancamentos de gays e lésbicas ou uma suástica tatuada no corpo de uma garota. Aconteça o que acontecer no próximo dia 28, o sucesso de Bolsonaro já concedeu uma licença para odiar entre os brasileiros. Não será mais necessário subir no trem do horror que seus seguidores passeiam nas redes sociais e ler o que dizem sobre os negros, feministas e homossexuais.
Se Bolsonaro conquistar a presidência, há motivos para temer que alguns levem essa licença longe demais. No país em que 57 ativistas ambientais foram assassinados no ano passado, o líder de extrema direita anunciou, depois do primeiro turno, que um dos seus principais objetivos é "acabar com qualquer tipo de ativismo". Em um país onde 5.000 civis são mortos a cada ano por tiros disparados pelas forças de segurança, Bolsonaro proclama que "o policial que não mata não é policial". Esse país de quase 210 milhões de habitantes, onde em 2017 houve 445 mortes em ataques contra homossexuais, pode ter em poucos dias um presidente com licença para a homofobia. E atrás dele, uma multidão de legionários do ódio.
El País: Repúdio do STF à ameaça de filho de Bolsonaro tenta marcar limite na eleição
Ministros da maior Corte do país e representantes de magistrados se queixam de filho de presidenciável, mas presidente do STJ não vê gravidade no discurso
Ataque à democracia. Discurso golpista. Sinais de crime. Assim reagiram alguns dos ministros do Supremo Tribunal Federal à fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro(PSL-SP) em que sugeriu que a mais alta corte do país poderia ser fechada por “um soldado e um cabo”. Eduardo é filho do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) e foi reeleito como o deputado mais votado do país, com 1,8 milhão de votos. O forte repúdio às declarações por parte de integrantes do Supremo e de outras personalidades, como ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, obrigaram tanto o parlamentar quanto o candidato à Presidência a se retratarem. Foi mais um episódio de idas e vindas na cúpula bolsonarista em relação a declarações autoritárias –depois de prometer "varrer do mapa bandidos vermelhos", Bolsonaro disse nesta segunda respeitar a oposição– e traz à tona o debate sobre os limites que as instituições podem impor à retórica usada por integrantes da campanha de extrema direita.
José Antônio Dias Toffoli, presidente do STF, foi um dos que cobrou respeito pela corte e pelo regime democrático após as declarações de Eduardo Bolsonaro. “Não há democracia sem um Poder Judiciário independente e autônomo. O país conta com instituições sólidas e todas as autoridades devem respeitar a Constituição. Atacar o Poder Judiciário é atacar a democracia”. Mas a reação mais forte já havia surgido antes na nota que o decano do STF, Celso de Mello, enviou ao jornal Folha de S. Paulo. Disse ele: “Essa declaração, além de inconsequente e golpista, mostra bem o tipo (irresponsável) de parlamentar cuja atuação no Congresso Nacional, mantida essa inaceitável visão autoritária, só comprometerá a integridade da ordem democrática e o respeito indeclinável que se deve ter pela supremacia da Constituição da República!!!! Votações expressivas do eleitorado não legitimam investidas contra a ordem político-jurídica fundada no texto da Constituição!”.
Já imaginou milhares de pessoas nas ruas pedindo a volta do STF ou clamando pelo retorno de um ministro do STF que sofreu um impeachment?
“Estas afirmações merecem, por parte da Procuradoria-Geral da República, imediata abertura de investigação porque, em pese se deva analisar o contexto da declaração, isso é crime da Lei de Segurança Nacional, artigo 23 inciso III, incitar a animosidade entre as Forças Armadas e instituições civis. Isso é crime previsto na Lei de Segurança Nacional”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes durante um evento em São Paulo. O ministro Marco Aurélio Mello, também do STF, disse ao jornal O Estado de S. Paulo que nos deparamos com “tempos estranhos” e o conteúdo da declaração denota que “não se tem respeito pelas instituições pátrias”.
Série de desculpas
Com a repercussão negativa de sua fala, o próprio Eduardo tentou minimizá-la e pediu desculpas. “Se fui infeliz e atingi alguém, tranquilamente peço desculpas e digo que não era a minha intenção", declarou em seu perfil das redes sociais. Mais cedo, seu pai, que lidera as pesquisas eleitorais com ampla vantagem sobre Fernando Haddad (PT), disse que “se alguém falou em fechar o STF, precisa consultar um psiquiatra”. E, nesta segunda-feira, em entrevista ao SBT, Jair Bolsonaro disse que já chamou a atenção de seu herdeiro. “Eu já adverti o garoto, o meu filho, a responsabilidade é dele. Ele já se desculpou”. Também repetiu algo semelhante à TV Record e ao Jornal Nacional, da TV Globo - o candidato, que se recupera do atentado a faca, não tem sofrido com o recolhimento na campanha, já que os principais canais fazem minientrevistas exclusivas diárias com ele. Para completar, Bolsonaro ainda mandou uma nota ao decano Celso de Mello.
Essa série de pedidos de desculpas, contudo, também foi alvo de queixas entre os ministros do STF. “Não é possível que simplesmente se afirme isso e diga-se que estava brincando. Não se brinca com democracia, com o Estado de direito, com a estabilidade republicana”, reclamou Alexandre de Moraes.
Entre os representantes de classe, também houve duras reações. A Associação dos Juízes Federais afirmou que espera “dos candidatos e integrantes das campanhas, no mínimo, mais equilíbrio, serenidade e uma postura de respeito institucional. Não há caminho possível fora da democracia e da ordem constitucional”. Enquanto que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) disse que a fala reflete inconformismos momentâneos que não devem afetar o Judiciário. “O Brasil vive uma democracia plena, as instituições estão consolidadas, essas falas não têm o condão de abalar as estruturas, que são muito fortes”, afirmou a presidente em exercício da entidade, a juíza Renata Gil.
O discurso da AMB é semelhante ao da ministra do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Rosa Weber, segundo ela, nenhum juiz se abalará pela fala de Eduardo Bolsonaro. A ministra Rosa Weber, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), disse que a magistratura se mantém firme. “No Brasil, as instituições estão funcionando normalmente. E juiz algum no país, juízes todos no Brasil [que] honram a toga, se deixa abalar por qualquer manifestação que eventualmente possa ser compreendida como conteúdo inadequado”.
A Procuradoria-Geral da República não se manifestou até a conclusão desta reportagem. Os opositores da família Bolsonaro aproveitaram as reações negativas para criticar o presidenciável. O dia também registrou raras notícias positivas para Haddad, com a declaração de apoio de Marina Silva (REDE) e com aproximações com Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati, do PSDB. Na prática, porém, apenas o partido esquerdista PSOL agiu contra Eduardo Bolsonaro. Os advogados da sigla apresentaram um pedido formal de investigação contra o deputado Eduardo pelos crimes de ameaça e atentado contra a divisão de poderes.
“A declarações são gravíssimas por si só. Fossem elas meras bravatas de um deputado federal já seriam sérias e preocupantes. Mas, colocadas no contexto da eleição presidencial e da reiteração de declarações deste jaez pelo candidato à presidência, por membros da chapa e por coordenadores de campanha, as referências do declarante ganham o contorno preocupante e supostamente criminoso de atentado ou ameaça ao estado de direito e à democracia”, disse Juliano Medeiros, presidente do PSOL, no documento que pede a investigação.
Uma das poucas autoridades que não viu gravidade na fala do parlamentar foi o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha. “Nitidamente não vi nenhuma intenção de ameaça. Estão exagerando na dimensão do que ele falou. Ele respondeu a uma pergunta: 'e se o Supremo não deixar alguém legitimamente eleito assumir?' O Supremo não faria isso”, disse à Agência Brasil após um evento no Rio de Janeiro. Antes de presidir o STJ, Noronha foi o corregedor-geral do Conselho Nacional de Justiça e decidiu, no ano passado, dar andamento aos processos disciplinares apenas contra os magistrados que se manifestaram contrários ao impeachment de Dilma Rousseff (PT), mas não aos que foram favoráveis à queda dela.
Demétrio Magnoli: Fux e as crianças
Imerso em sua arrogância, ministro diz que protegerá os cidadãos
Luiz Fux é um homem de muitos princípios — tantos, que seleciona o mais conveniente para cada circunstância. O juiz chegou ao STF quando sugeriu a José Dirceu que absolveria os réus do mensalão (“eu mato no peito”).
Já ministro, entre a lei e a palavra empenhada, optou pela primeira, condenando-os. Mais tarde, empurrou a lei para um bueiro e escolheu o corporativismo, estendendo o auxílio moradia a toda a magistratura. Agora, tritura a Constituição para reinstalar a censura prévia, proibindo a realização e a publicação de entrevistas com o presidiário Lula.
No seu despacho, o principista invoca os limites legais à propaganda eleitoral para justificar seu veto ao trabalho jornalístico, confundindo deliberadamente assuntos desconexos. Ele sabe que viola a lei. Mas o faz porque quer e pode, operando no terreno da desinstitucionalização do país e da anarquia judiciária.
A confirmação da liminar fuxiana pelo presidente da corte, Dias Toffoli, acelera a “autofagia” do Supremo (apud ministro Marco Aurélio). Mas, sobretudo, sedimenta um precedente: de direito dos cidadãos, a liberdade de imprensa fica rebaixada à concessão de uma reinventada “Divisão de Censura Federal”, que passa a funcionar clandestinamente no gabinete dos ministros do STF.
O episódio guarda um segredo. O pedido de liminar oriundo do Partido Novo — uma igrejinha de auto-intitulados liberais sempre prontos a apelar pelo veto de candidaturas e pela censura à imprensa — foi encaminhado ao presidente do STF, que estava no país, mas desviou-se misteriosamente até o colo de Fux. A decisão do Censor, derrubada por Lewandowski, acabou reimposta por um Toffoli ressurgido da noite escura. A triangulação entre o partido e dois ministros que fazem tabelinha tem os contornos clássicos de uma ação entre amigos. A exposição do segredo é, porém, menos relevante que o exame das bases filosóficas da restaurada censura prévia.
Num artigo recente, publicado pela Revista de Jornalismo ESPM, Eugênio Bucci e Carlos Eduardo Lins da Silva identificaram a emergência do “jusbonapartismo” — o poder bonapartista de um Judiciário que se ergue acima da lei. Eis a chave para decifrar o ato de censura prévia. Fux argumenta que a “relativização excepcional da liberdade de imprensa” (isto é, a censura prévia) destina-se a evitar a “desinformação do eleitor”, a “confusão do eleitorado”.
É direito criativo em estado puro: a fabricação expressa de uma Constituição alternativa. Imerso no lago de sua arrogância, o Censor declara que protegerá os cidadãos de si mesmos. A nação, formada por crianças, será tutelada por um ente de consciência paternal, que é ele mesmo.
Desde o mensalão, o PT clama aos céus pela implantação do “controle social da mídia”. No núcleo do conceito petista, encontra-se a noção de que uma representação da “sociedade” deve exercer a prerrogativa de censura, a fim de presevar os cidadãos indefesos de ideias venenosas propagadas pela “mídia”. Ironicamente, é Fux, esse militante improvável, quem realiza o sonho do partido. Só que no lugar de “conferências” “conselhos” ou “comitês populares” gerados pelo governo (isto é, de fato, pelo Partido), o ministro atribui ao STF o papel de Poder Tutelar.
Num tuíte de agosto, Trump referiu-se do seguinte modo aos jornalistas: “De propósito, eles causam grande divisão e desconfiança. Eles também podem provocar guerra! Eles são muito perigosos e doentes!”. O arco do “controle social da mídia” abrange correntes ultranacionalistas de direita nos EUA e na Europa e regimes autoritários de esquerda, como os de Cuba e da Venezuela. No Brasil, funciona como ponto de encontro do lulismo (“mídia golpista”) com o bolsonarismo (“mídia vermelha”). Fux, o Censor, não proíbe a entrevista de Lula por divergir do lulismo, mas por concordar doutrinariamente com ele.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Bruno Boghossian: Algo está errado quando juízes querem ser árbitros da arena eleitoral
Tutelar o eleitor e interferir no debate político não cai bem ao Judiciário
O avanço das ações de combate à corrupção deu protagonismo inédito ao Judiciário na vida do país. O trabalho de magistrados produziu revelações que imprimiram uma marca permanente em partidos e agentes políticos. Algo está fora do lugar, entretanto, quando juízes pretendem assumir também o papel de árbitros da arena eleitoral.
Em agosto, o juiz Sergio Moro achou melhor adiar para novembro o depoimento de Lula em um dos processos que correm contra o petista. “A fim de evitar a exploração eleitoral dos interrogatórios, seja qual for a perspectiva, reputo oportuno redesignar as audiências.”
O magistrado acrescentou uma crítica ao réu nesta segunda-feira (1º) e afirmou que o ex-presidente “tem transformado as datas de seus interrogatórios em eventos partidários”.
O comentário serviu de introdução ao despacho em que o juiz tornou públicos, a seis dias da eleição presidencial, trechos da delação de Antonio Palocci. O ex-ministro acusa Lula de ter conhecimento dos esquemas de corrupção na Petrobras e diz que o PT financiou ilegalmente suas campanhas políticas.
A divulgação do depoimento, com clara influência sobre o processo eleitoral, reforçou no PT o discurso de que o Judiciário age para prejudicar o partido. Moro sabia disso e buscou uma defesa prévia: “A farsa da invocação de perseguição política não tem lugar perante este juízo”.
No Supremo, Luiz Fux também olhou o calendário ao proibir uma entrevista de Lula à Folha. O ministro julgou razoável tutelar o eleitor, “considerando a proximidade do primeiro turno”, e afirmou que declarações do ex-presidente provocariam “confusão”. A única confusão até agora se deu no tribunal, que precisará discutir o caso no plenário.
Os juízes exercem um bom ofício quando tomam decisões para garantir direitos e punir aqueles que desrespeitam a lei, em qualquer dia do ano. Interferir e tentar mediar o debate eleitoral não cai bem a quem exerce essa função —“seja qual for a perspectiva”, como escreveu Moro.
Folha de S. Paulo: Lewandowski, do STF, autoriza Folha a entrevistar Lula na prisão
Jornal argumentou que decisão da 12ª Vara Federal em Curitiba que negou a permissão impôs censura à atividade jornalística
Por Reynaldo Turollo Jr.
BRASÍLIA
O ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), autorizou a colunista Mônica Bergamo, da Folha, a entrevistar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na prisão.
Lula está preso em Curitiba desde 7 de abril após ser condenado em segundo grau na Lava Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O despacho é desta sexta-feira (28) em uma reclamação feita pelo jornal, que argumentou ao STF que uma decisão da 12ª Vara Federal em Curitiba que negou a permissão para a entrevista impôs censura à atividade jornalística e mitigou a liberdade de expressão, em afronta a decisão anterior do Supremo.
“Não há como se chegar a outra conclusão, senão a de que a decisão reclamada [da Justiça em Curitiba], ao censurar a imprensa e negar ao preso o direito de contato com o mundo exterior, sob o fundamento de que 'não há previsão constitucional ou legal que embase direito do preso à concessão de entrevistas ou similares', viola frontalmente o que foi decidido na ADPF 130/DF”, escreveu o ministro.
No julgamento da citada ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental), o Supremo garantiu “a 'plena' liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia”.
“O STF, em inúmeros precedentes, mesmo antes do julgamento da ADPF 130, já garantiu o direito de pessoas custodiadas pelo Estado, nacionais e estrangeiros, de concederem entrevistas a veículos de imprensa, sendo considerado tal ato como uma das formas do exercício da autodefesa”, afirmou Lewandowski.
“Ressalto, ainda, que não raro, diversos meios de comunicação entrevistam presos por todo o país, sem que isso acarrete problemas maiores ao sistema carcerário [...] Portanto, permitir o acesso de determinada publicação e impedir o de outros veículos de imprensa configura nítida quebra no tratamento isonômico entre eles, de modo a merecer a devida correção de rumos por esta Suprema Corte”, concluiu.
O ministro determinou que a Justiça em Curitiba seja comunicada da decisão e que agende, em acordo com a Folha, a data da entrevista.
Luiz Carlos Azedo: A chave da cadeia
“A Segunda Turma do Supremo é pródiga na concessão de habeas corpus para os réus da Operação Lava-Jato. Dirceu deverá permanecer em liberdade até ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça”
A pesquisa eleitoral divulgada ontem provocou nova alta do dólar – ultrapassou a barreira dos R$ 4 e chegou a R$ 4,48 nas casas de câmbio –, porém, a imprevisibilidade do cenário eleitoral aumentou ainda mais com a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu manter em liberdade o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-tesoureiro do PP José Cláudio Genu, ambos condenados em segunda instância na Operação Lava-Jato. A decisão consolidou o entendimento da Turma de que a execução imediata da pena após condenação em segunda instância precisa ser examinada caso a caso. Com isso, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem uma porta aberta para conseguir um habeas corpus em favor do petista, cuja candidatura a presidente da República ainda não foi impugnada. Embora, pela Lei da Ficha Limpa, o petista seja inelegível.
Conhecida como Jardim do Éden, a Segunda Turma é pródiga na concessão de arquivamentos e habeas corpus para os réus da Operação Lava-Jato. Dirceu está condenado a mais de 30 anos de prisão, mas deverá permanecer em liberdade até ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. O ex-ministro começou a cumprir pena em maio, por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, mas foi solto um mês depois por ordem do STF. Toffoli votou pela soltura, mas o relator da Lava-Jato, o ministro Luiz Edson Fachin, pediu vista, ou seja, mais tempo para analisar a questão. Mesmo com o pedido de vista, os outros três ministros da Turma (Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski) decidiram conceder liberdade a Dirceu até que Fachin devolvesse o processo para julgamento.
Ontem, o caso voltou à pauta da Segunda Turma. Fachin votou pelo entendimento majoritário do Supremo no sentido de autorizar as prisões após condenação em segunda instância e sustentou que não se pode conceder habeas corpus de ofício nesse caso. Foi atropelado pelo ministro Dias Toffoli, que citou vários precedentes no Supremo. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski acompanharam Toffoli. Decano do STF, o ministro Celso de Mello votou com Fachin, mas ambos foram votos vencidos por 3 a 2. Fachin vem sendo voto vencido constantemente. Além de Lula, outros réus da Lava-Jato que estão presos deverão pleitear habeas corpus para sair da prisão, entre os quais os ex-deputados Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, ambos do MDB.
O Supremo está se tornando um fator de instabilidade no processo eleitoral, por causa das disputas entre seus ministros. A Primeira Turma e a Segunda, por exemplo, têm entendimentos distintos em relação à jurisprudência sobre execução da pena após condenação em segunda instância. Caso se confirme a ida da ministra Cármen Lúcia para a Segunda Turma, no lugar de Toffoli, que assumirá a Presidência do Supremo, pode ser que se forme uma nova maioria sobre o mesmo assunto, com entendimento contrário à decisão de ontem. Em contrapartida, embora negue essa intenção, Toffoli pode pautar nova votação sobre o mérito da questão no plenário do Supremo.
Pesquisa
A pesquisa divulgada pelo Ibope na segunda-feira está sendo decantada por analistas e candidatos. Revela que a estratégia de Lula para se manter na mídia deu certo, pois está com 37% de intenções de votos, mas gerou estresse entre os petistas porque outros números mostram as dificuldades para a transferência de votos em favor do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, seu vice e substituto virtual. Quatro de cada 10 eleitores consultados dizem que não votarão em Haddad, mesmo que esse seja uma indicação de Lula. O efeito imediato na campanha de Lula foi acirrar a divergência entre fazer a substituição logo ou protelar ao máximo a manutenção da candidatura do ex-presidente da República, cuja impugnação está prevista na Lei da Ficha Limpa, mas essa é uma batalha jurídica que pode chegar a 17 de setembro.
Também houve tensão na campanha de Alckmin, que subiu nas pesquisas de 5% para 7% no cenário sem Lula. Está atrás de Bolsonaro, que sobe para 20%; Marina, para 12%; Ciro, que vai a 9%. Para Alckmin, o grande desafio é chegar ao segundo turno. O tucano conta com a vantagem estratégica de ter mais tempo de televisão, recursos financeiros e capilaridade da campanha. Esse raciocínio valeria também para Haddad, daí a expectativa de que possa ultrapassar Bolsonaro, Marina e Ciro. Entretanto, a pesquisa está mostrando que essa não será uma tarefa fácil, principalmente porque Bolsonaro, Marina e Ciro estão com bases eleitorais muito resilientes. Com um cenário tão imprevisível, as turbulências no mercado financeiro já começaram, com alta do dólar e queda da bolsa de valores.