STF
João Domingos: A ‘CPI da Lava Toga’
Os contrários à votação da pauta econômica e de segurança vão fazer a festa
Fundamentais para o impeachment de Fernando Collor, em 1992, para a descoberta do desvio de verbas do Orçamento da União pelos chamados “anões do Orçamento”, entre 1993 e 1994, e para se chegar ao escândalo do mensalão, em 2005, as CPIs perderam força ou tiveram suas funções invertidas nos últimos anos. De instrumento poderoso de investigação, pois com o auxílio do Ministério Público e Polícia Federal, além de contarem com o poder da publicidade da comunicação parlamentar totalmente despida de censura, muitas CPIs se tornaram instrumento de chantagem, de promoção pessoal e até mesmo de obtenção de vantagens indevidas, conforme investigações internas feitas no Senado e na Câmara e que levaram até à abertura de processos de cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar.
Como as CPIs se banalizaram demais, não foi à toa que oito parlamentares da base do governo de Jair Bolsonaro, seis deles do PSL do presidente, madrugaram na última segunda-feira, 4, para esperar a abertura da porta da Secretaria-Geral da Mesa com um pedido de instalação de uma CPI, todas elas chapa-branca ou para investigar coisas ocorridas nos governos petistas: programa Mais Médicos, Comissão da Verdade, entre outros.
Com a iniciativa, a bancada governista preencheria logo as cinco vagas de funcionamento simultâneo de CPIs, conforme determina o regimento interno da Câmara. Com isso, impediria o PT ou qualquer outro partido de oposição de aparecer com um pedido de investigação indesejável contra o governo de Bolsonaro. Do ponto da luta política, é uma estratégia. Do ponto de vista da investigação parlamentar, a perda de um instrumento que já foi poderoso e que agora tem se prestado a outras coisas, menos à investigação séria.
Se na Câmara o PSL e outros partidos do governo foram mais espertos do que o PT e a oposição, em geral, e entupiram a Mesa da Casa de pedidos de abertura de investigações sobre os petistas, no Senado está se armando uma CPI que tem tudo para nascer torta e se tornar o pior exemplo daquilo em que a investigação parlamentar foi transformada.
Trata-se da CPI que visa a investigar o ativismo judicial dos tribunais superiores. Por trás, desconfia-se que há nela uma vingança de senadores contra o presidente do STF, Dias Toffoli, que há uma semana derrubou manobra do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e determinou que a eleição para a Mesa da Casa tivesse voto secreto e não aberto. Tal CPI ganhou dos senadores o apelido de “Lava Toga”.
Nas circunstâncias em que está sendo criada, e dado o momento político delicado, essa CPI vai servir apenas para causar tumulto e jogar um Poder contra o outro. À sua sombra, os contrários à votação da pauta econômica e de segurança pública do governo vão fazer a festa. Quanto mais confusão nesse momento, melhor para atrapalhar o governo, a votação da reforma da Previdência e o pacote contra os crimes violentos e o crime organizado e o caixa 2 nas campanhas eleitorais.
Se a CPI que visa a investigar o ativismo judicial for levada à frente e concluir que há mesmo um ativismo, o que ela fará? Nada. Vai determinar aos ministros que revejam suas decisões? Na vai. CPIs não têm poder para isso. Ajudará a desmoralizar ainda mais o instrumento de investigação parlamentar. Essa CPI não tem um fato determinado. É carregada de subjetivismo. Diz o pedido de abertura dela que “a atuação dos tribunais superiores tem sido pontuada, na história recente, pelo exacerbado ativismo judicial e por decisões desarrazoadas, desproporcionais e desconexas dos anseios da sociedade”.
Se as CPIs ainda fossem sérias, essa CPI da “Lava Toga” mereceria uma CPI para apurar as circunstâncias em que foi requerida. Até porque o artigo 146 do Regimento do Senado proíbe CPIs sobre o Poder Judiciário. Deixa pra lá.
Bruno Boghossian:Supremo e Congresso se pintam para a guerra
Ministro ameaça barrar mudança em lei e senador propõe CPI contra tribunais
Apesar de apelos a uma convivência pacífica, o Congresso e o Judiciário parecem se pintar para uma guerra. O ano começou com magistrados ameaçando barrar mudanças na lei, propostas de CPI contra tribunais e um terreno fértil para o avanço inédito de pedidos de impeachment de ministros do Supremo.
O recomeço das atividades de parlamentares e juízes indica que os Poderes estão prestes a entrar em choque. Em seu primeiro discurso como presidente do Senado, Davi Alcolumbre desafiou o STF e disse que o Legislativo não se curvará “à intromissão amesquinhada do Judiciário”.
Os magistrados também tiraram a poeira da toga. Ricardo Lewandowski publicou na Folha um artigo em que fala em “limite às reformas” e avisa: se o Congresso mexer em leis para retirar direitos adquiridos, usará a caneta para “recompor a ordem constitucional vulnerada”. Seria um desastre para o ajuste econômico planejado pelo governo e para as mudanças na Previdência.
Nem Sergio Moro deve ter sossego. Integrantes do STF dizem que o pacote de combate ao crime do ministro da Justiça está cheio de buracos e que não permitirão alterações na lei para autorizar prisões após condenação em segunda instância.
O mal-estar cresceu depois que o senador Alessandro Vieira propôs uma CPI para investigar tribunais por uso político de pedidos de vista e conflitos de interesse. Ele diz que o objetivo não é perseguir magistrados, mas jogar luz sobre as cortes. “Se isso acabar mostrando erros e eventuais crimes, paciência”, conclui.
Ricardo Noblat: Com que cara fica Toffoli?
Autoridade desafiada
Responsável pelo plantão do Supremo Tribunal Federal no último fim de semana, o ministro Dias Toffoli soube que trabalharia duro quando o Senado, na noite da sexta-feira, suspendeu a sessão que deveria ter sido concluída com a eleição do seu novo presidente.
Toffoli correu para responder às pressas e de maneira convincente a consulta do MDB sobre eventuais irregularidades cometidas durante a sessão. E pouco antes das 4 horas do sábado, sua decisão estava pronta e foi imediatamente divulgada. Cumpra-se.
Em parte foi cumprida. Mas só em parte. Na sexta-feira, por 50 votos contra 2, o Senado decidira que a eleição se faria por meio do voto aberto e nominal. Quer dizer: no painel eletrônico, apareceria o nome de cada senador e o seu respectivo voto.
Não, nada disso, decretou Toffoli. O voto teria de ser secreto porque o regimento interno do Senado manda que seja assim. E também porque em despacho recente, o próprio Toffoli já estabelecera que o voto fosse secreto. Na Câmara, por exemplo, é secreto.
A ordem de Toffoli foi ignorada por diversos senadores – entre eles, Flávio Bolsonaro, filho de quem é. Meia dúzia ou mais de senadores anunciou em voz alta em quem votaria e, para provar, mostrou a cédula preenchida com o nome do seu candidato.
Foi um escancarado gesto de desrespeito à decisão do presidente da mais alta corte de justiça do país. O desrespeito representa também um desafio a Toffoli: o que ele fará? Deixará tudo por isso mesmo? Fingirá que nada de grave aconteceu? Vida que segue?
Onyx ri à toa
De quem ele ri?
Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil da presidência da República, ri de Paulo Guedes, o todo poderoso ministro de tudo o que tenha a ver com a economia, mais conhecido como o Posto Ipiranga do presidente enfermo Jair Bolsonaro.
Guedes aproximou-se de Renan Calheiros e vice-versa contando com o apoio dele para aprovar no Senado a mãe de todas as reformas – a da Previdência. E tudo o mais que o governo viesse a precisar. Confiava na eleição de Renan para presidente do Senado.
Ao passar a perna em Renan, Onyx, o mentor da candidatura de Davi Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado, passou também a perna em Guedes que nunca lhe conferiu muita importância. Doravante, será obrigado a fazê-lo.
Alcolumbre comerá na mão de Onyx. Como também quem mais venha a precisar da sua ajuda. Ele é a quarta pessoa mais importante da República, só abaixo de Bolsonaro, do vice Mourão e de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados.
Foram subestimar Onyx? Olha o troco aí.
Bruno Boghossian: Flávio Bolsonaro aperta botão do pânico e recebe socorro generoso de Fux
Filho do presidente leva Queiroz de carona na blindagem do foro especial
Flávio Bolsonaro apertou o botão do pânico. Antes de assumir o mandato de senador, ele apelou para uma regalia do cargo e pediu proteção do foro especial na investigação sobre as finanças de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.
O filho do presidente erguia a voz ao dizer que não tinha “nada a ver com isso” e que daria explicações para “ficar longe dessa coisa”. Mas Flávio faltou ao depoimento e pediu que o caso fosse suspenso e levado ao STF. Ele ainda transportou Queiroz de carona na blindagem do foro.
Ao pedir a paralisação, Flávio dá provas de que está muito mais perto “dessa coisa” do que admitia.
O senador eleito contou com uma generosidade notável de Luiz Fux. Os advogados pediram ao STF a suspensão do caso às 15h37 de quarta (16). O ministro deu a liminar às 20h40.
Fux foi tão benevolente que mudou até seu entendimento sobre o foro. Quando o STF restringiu a regalia, o ministro afirmou que o “clamor social de combate à corrupção e à impunidade não se mostra compatível [...] com a prerrogativa”.
Na ocasião, Fux entendeu que o foro só vale em casos ocorridos durante os mandatos e relacionados ao cargo. O ministro concedeu a proteção, embora o dinheiro de Queiroz não tenha ligação com a atividade futura de Flávio no Senado.
A defesa conseguiu que Fux fizesse vista grossa até para o calendário. Os advogados dizem que o Ministério Público cometeu um ato ilegal ao pedir dados financeiros de Flávio ao Coaf em 14 de dezembro, quando sua eleição já estava confirmada —mas ele só foi diplomado no dia 18.
Ao mergulhar de cabeça num processo com o qual dizia não ter “nada a ver”, Flávio transportou a investigação para a vizinhança do Planalto. O caso será repassado em fevereiro ao relator Marco Aurélio Mello, que votou pela restrição do foro. O pedido será julgado na Primeira Turma, na qual os cinco ministros foram favoráveis à limitação do privilégio.
Os próximos passos serão um teste sobre a relação do Supremo com os novos protagonistas do poder.
Eliane Cantanhêde: Fux infla especulações
Se Flávio Bolsonaro nem era investigado, por que tanto medo das investigações?
A liminar do ministro Luiz Fux suspendendo as investigações do Ministério Público do Rio sobre as contas do ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro é daquelas que parecem coisa de amigo, mas só podem ser de inimigo. O filho do presidente nem sequer era investigado, mas se jogou no olho do furacão. E, na sofreguidão de agradar ao presidente da República, Fux acabou dando mais um empurrão.
Em vez de “hay gobierno, soy contra”, Fux é adepto do “hay gobierno, soy a favor”. A liminar de ontem, porém, pode ter um efeito prático oposto ao pretendido pela família Bolsonaro. Em vez de suspender, ampliar e apressar as investigações.
Desde o início, as reações à história levantada pelo Coaf e divulgada pelo Estado têm sido erradas do ponto de vista jurídico, político e midiático. Não é admissível que o policial militar e ex-assessor Fabrício Queiroz, sua mulher e suas filhas não apareçam para depor. É um desrespeito inaceitável com as instituições republicanas. Para piorar, Fabrício alegou questões de saúde para não depor, enquanto aparecia bem serelepe em entrevista à TV. Sem falar na dancinha do hospital...
Em vez de esclarecer, os Bolsonaro trataram de complicar e quem cobrou publicamente explicações não foram o PT, a imprensa, a oposição, foram os generais, à frente o vice-presidente Hamilton Mourão. Se nem assim as explicações vieram, é porque provavelmente os envolvidos não as têm.
Depois de também não atender ao chamado do MP-RJ (no caso dele um mero convite), Flávio Bolsonaro agora parte para uma estratégia de altíssimo risco. Ele havia dito que não tem nada a ver com isso e que o assessor do seu gabinete é quem deveria se explicar. Se não tem nada a ver com isso, por que entrar com pedido de suspensão de investigações junto ao Supremo?
No caso de Luiz Fux, a situação é mais do que apenas constrangedora, como admitem seus colegas no Supremo. Ferrenho defensor do fim do foro privilegiado, ele usou justamente o foro para privilegiar o filho do presidente. E com argumentações questionáveis, segundo seus próprios pares, que passaram o dia ontem trocando telefonemas, informações e impressões.
Em sua decisão, Fux – que responde pelo STF nessa segunda fase do recesso do Judiciário – alegou que Flávio Bolsonaro foi eleito senador e assumirá o mandato e ganhará foro privilegiado em primeiro de fevereiro e, segundo o ministro, cabe ao plenário decidir o que deve ou não se encaixar no foro.
Só que... a decisão do plenário foi clara: o foro no STF para senadores e deputados vale para crimes cometidos durante o mandato e em função do mandato. No caso de Flávio Bolsonaro: 1) até agora, não há crime; 2) se houve algum foi quando ele era deputado estadual no Rio; 3) nada disso tem a ver com o seu futuro mandato no Senado.
Logo, tudo isso demonstra um certo desespero e joga ainda mais suspeitas, intrigas e especulações sobre os envolvidos. Uma delas, que circulava ontem em Brasília, é de que as investigações estariam evoluindo rapidamente e deixando não apenas Flávio como o próprio pai, agora presidente, numa situação delicada. A conta de Fabrício não seria abastecida só pelos funcionários? E seria um “caixa comum” da família?
O fato é que o tema viralizou na internet – um front em que as tropas bolsonaristas venceram a guerra das eleições e vinham ganhando as batalhas de governo. Isso pode mudar e os generais não estão mais sozinhos ao pedir explicações. Seus soldados nas redes também querem entender o que acontecia no gabinete de Flávio, que dinheiro era aquele, de onde vinha e para onde ia. Os Bolsonaro ganharam as eleições, não um habeas corpus para fazerem o que bem entendem. Ninguém está mais acima da lei, lembram?
Bernardo Mello Franco: Investigação parou, mas desgaste continua
Com liminar do Supremo, caso Queiroz se instala de vez na Praça dos Três Poderes. Fux atirou uma boia, mas o filho de Bolsonaro ainda pode se afogar
Não precisou do cabo nem do soldado. Na terceira semana de governo, o Supremo Tribunal Federal forneceu o primeiro alívio à família Bolsonaro. O ministro Luiz Fux mandou parar a investigação sobre Fabrício Queiroz, o motorista de R$ 1,2 milhão.
O pedido foi de Flávio Bolsonaro, o filho mais velho do presidente. Na semana passada, ele disse que não era investigado e que não tinha “nada a ver” com os rolos do ex-assessor. Dias depois, pensou melhor e pediu socorro ao Supremo. Fux matou no peito e chutou a bola para o mato.
Em dezembro, o senador eleito defendia que as suspeitas fossem esclarecidas “para ontem”. Agora apelou a uma manobra jurídica para brecar a investigação. Ele já havia faltado a um depoimento marcado pelo Ministério Público do Rio. Imitou o ex-assessor, que tem usado atestados médicos para adiar o encontro com os promotores.
O caso Queiroz mostra que a chegada ao poder já mudou as convicções da família presidencial. Na campanha, Jair e Flávio gravaram um vídeo contra a blindagem dos políticos com mandato. “Eu não quero essa porcaria de foro privilegiado”, disse o chefe do clã, enquanto o herdeiro concordava com a cabeça. Eleito senador, ele não esperou a posse para reivindicar a proteção. Bastou o primeiro escândalo e o discurso moralista ficou para trás.
Os Bolsonaro não foram os únicos a mudar de ideia. Em novembro, Fux votou a favor da limitação do foro a atos praticados no exercício do mandato. Agora blindou o filho do presidente num caso anterior à eleição. Quando o motorista operava sua caixinha milionária, o futuro senador ainda dava expediente na Assembleia Legislativa do Rio.
A investigação parou, mas o desgaste continua. Com o recurso de Flávio ao Supremo, o caso Queiroz se instala de vez na Praça dos Três Poderes. Em fevereiro, pode ganhar novo impulso ao chegar à mesa do ministro Marco Aurélio Mello. Fux atirou uma boia, mas o primogênito de Bolsonaro ainda corre o risco de se afogar.
El País: Flavio Bolsonaro vai a STF por foro privilegiado e eleva temperatura da crise Queiroz
Defesa de senador eleito pede para que caso mude de instância e barra avanço de investigação sobre ex-assessor. Ação contraria discurso da família sobre prerrogativa e constrange aliados e o ministro da Justiça, Sergio Moro
A investigação envolvendo o ex-assessor dos Bolsonaro Fabrício Queiroz ganhou, nesta quinta-feira, novos contornos que jogam gasolina no constrangimento político provocado pelo caso, em plena estreia do novo Governo. O senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) acionou o Supremo Tribunal Federal para que a corte suspendesse as apurações do Ministério Público do Rio de Janeiro a respeito das movimentações financeiras suspeitas de Queiroz. O pedido foi acatado de forma liminar pelo ministro Luiz Fux. Os advogados do parlamentar argumentam que o MP obteve dados sigilosos de forma ilegal junto ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), e teria “burlado” alguns controles legais no procedimento. Além disso, a defesa do filho do presidente também acena com um pedido para que uma eventual investigação envolvendo Flávio fique com o Supremo devido à prerrogativa de cargo do senador eleito - apesar de o STF ter restringido as regras de foro privilegiado no ano passado para abarcar apenas supostos crimes relacionados com os mandatos federais.
O movimento de Flávio Bolsonaro endossado pelo plantonista Fux, na prática, congelou as investigações pelo menos até 31 de janeiro, quando termina o recesso e o STF volta a funcionar normalmente. O caso, então, deve ser analisado pelo relator Marco Aurélio Mello. O passo provoca desconforto para o clã inteiro, incluindo o presidente da República. Tanto o mandatário quanto seus filhos - além de Flávio, o deputado Eduardo e o vereador Carlos - já se manifestaram no passado de forma contrária ao foro privilegiado, o direito que detentores de certos cargos têm de só serem julgados por determinadas cortes: “Quem precisa do foro privilegiado?”, escreveu Eduardo. "Eu não quero esta porcaria de foro!", afirmou Jair em um vídeo no qual aparece ao lado de um Flávio que concordava com o que ele dizia.
O pedido da defesa também constrange o ministro da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro, que quando esteve à frente da Operação Lava Jato sempre apontou o expediente do foro privilegiado como sendo um fator de morosidade no Judiciário e impunidade. O procurador da República Deltan Dallagnol, que coordena a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, se manifestou no Twitter contra a decisão de Fux. “Com todo o respeito ao ministro Fux, não há como concordar com a decisão, que contraria o precedente do próprio STF. Tratando-se de fato prévio ao mandato, não há foro privilegiado perante o STF. É de se esperar que o ministro Marco Aurélio reverta a liminar”, escreveu. O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot foi mais sintético, e escreveu apenas "Heinnnnnnnn???" no Twitter ao compartilhar uma reportagem sobre a suspensão do processo. Até aliados dos Bolsonaro se manifestaram contra, como a deputada estadual eleita Janaína Paschoal e integrantes do MBL (Movimento Brasil Livre).
Mudança de estratégia
A solicitação de Flávio também chamou a atenção tendo em vista que desde que o escândalo veio à tona, com informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras(Coaf) de que Queiroz teria movimentado mais de um milhão de reais em sua conta, o parlamentar sempre disse não ser investigado. “Continuo com minha consciência tranquila, pois nada fiz de errado. Não sou investigado”, escreveu em 8 de dezembro no Twitter. Agora uma interrogação paira sobre esta afirmação. Agora, em nota divulgada no Instagram, a assessoria de Flávio afirma que o pedido foi feito "tendo em vista que, ao ter acesso aos autos do procedimento, verificou ser o senador objeto de investigação", e que isso "atrai a competência do STF - única autoridade competente para decidir sobre o foro adequado à continuidade das investigações."
Em sua decisão nesta quinta, Fux escreve que a defesa alegou que “depois de confirmada sua eleição para o cargo de senador da República, o órgão ministerial local [MP-RJ] requereu ao Coaf informações sobre dados sigilosos de sua titularidade, abrangendo o período de abril de 2007 até a data da implementação da diligência, a pretexto de instruir referido procedimento investigativo”. Ainda segundo a defesa, “o procedimento investigatório é baseado em informações obtidas de forma ilegal”. Por fim, Fux afirma que caberá ao relator do caso, o ministro Marco Aurélio, tomar uma decisão definitiva sobre o pedido dos advogados de Flávio.
O pedido de suspensão feito pelo senador eleito também reacende o debate sobre foro privilegiado. Em maio de 2018 os ministros do tribunal alteraram em parte a abrangência deste dispositivo para senadores e deputados federais, restringindo-o para crimes cometidos durante o exercício do mandato. Os fatos investigados pelo Ministério Público do Rio abrangem um período de 2016 a 2017, quando Flávio ainda era deputado estadual, sem direito a foro privilegiado. Os casos envolvendo vereadores e deputados estaduais são de competência do Tribunal de Justiça local.
A defesa de Flávio afirma que, apesar do novo entendimento, a decisão da própria Corte abre uma brecha para a contestação. O advogado do parlamentar cita em seu pedido trecho do próprio acórdão do STF: “A conjugação dos critérios exercício do mandato e em razão da função exigirá que esta Corte continue a se pronunciar, caso a caso, se o crime tem ou não relação com o mandato. E essa análise terá que ser feita pelo próprio STF, a quem compete definir se o processo permanece no tribunal ou desce para a primeira instância”.
Além de Flávio, o caso Queiroz também esbarra no próprio presidente, que possui imunidade inerente ao cargo. O Coaf identificou transferências do ex-assessor para a conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que totalizaram 24.000 reais. O mandatário afirmou que o valor dizia respeito a uma série de empréstimos feitos por ele ao motorista, quitado com cheques de 4.000 reais. A conta da mulher teria sido usada porque ele não teria disponibilidade de ir ao banco em função da rotina de trabalho. O presidente sempre negou qualquer irregularidade, e disse não ter declarado o valor do empréstimo em sua declaração de Imposto de Renda porque os valores eram pequenos e muito parcelados, e acabaram se "avolumando".
Luiz Carlos Azedo: Caminho aberto para Renan
“Supremo faz um movimento de reaproximação com o Congresso, ante a ameaça de uma hipertrofia da relação com o Executivo”
Cada macaco no seu galho, digamos assim. Esse foi o sentido da decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que ontem negou o pedido para que eleição da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados fosse realizada com votos abertos. O pedido havia sido feito pelo deputado federal eleito Kim Kataguiri (DEM-SP), que se lançou candidato ao comando da Casa, contra seu atual presidente, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). A decisão foi um recado de que o Supremo não pretende interferir em assuntos que são prerrogativas do Congresso.
O voto secreto não é uma garantia de que Maia terá vida mais fácil para ser reconduzido ao comando da Câmara, apesar do apoio de 12 partidos que já contabiliza, entre os quais, a bancada do PSL, a segunda da Casa. O apoio do PT, que tem a maior bancada, subiu no telhado depois que Maia fechou com os governistas. No seu caso, o voto aberto talvez fosse até mais vantajoso, haja vista que seu principal adversário, o deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), tem amplo trânsito no chamado “baixo clero”, que é formado pela maioria dos deputados. Se houver traição, as chances do adversário aumentam muito, porque Maia costurou seus apoios via cúpulas dos partidos.
Por tabela, a decisão de Toffoli beneficia, sobretudo, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que pretende voltar ao comando do Senado. Uma decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello determinava que a votação no Senado fosse aberta, mas acabou derrubada por Dias Toffoli, cuja decisão encerrou um ciclo de intervenções do Supremo em assuntos regimentais do Congresso:
“A escolha da Mesa Diretiva importa, para além de uma seleção do dirigir administrativo da Casa, uma definição de ordem política, intimamente relacionada à natural expressão das forças político-ideológicas que compõe as casas legislativas — que se expressa, por exemplo, na definição das pautas de trabalho e, portanto, no elenco de prioridades do órgão — impactando diretamente na relação do Poder Legislativo com o Poder Executivo. Essa atuação, portanto, deve ser resguardada de qualquer influência externa, especialmente de interferências entre Poderes”, sustenta o presidente do STF.
Regras do jogo
Toffoli esclareceu que o sigilo também faz parte das regras do jogo democrático, ao contrário do senso comum: “Por se tratar de ato de condução interna dos trabalhos, ou seja, interna corporis, o sigilo dessa espécie de votação, também no âmbito do Poder Judiciário, se realiza sem necessidade de que os votos sejam publicamente declarados”. Trocando em miúdos, ao reestabelecer o paradigma da independência e harmonia entre os Poderes, sinalizou que o Supremo faz um movimento de reaproximação com o Congresso, ante a ameaça de uma hipertrofia da relação com o Executivo. Há uma grande diferença entre um governo desgastado por denúncias que é formado a partir de um processo de impeachment, como o de Michel Temer, e o novo governo de Jair Bolsonaro, recém-eleito, hegemonizado por generais do Exército e predisposto a governar por decretos e medidas provisórias.
Nesse aspecto, as mesas do Congresso terão um papel decisivo, a da Câmara por ser o ponto de partida para a aprovação dos projetos do Executivo; a do Senado, por ser a Casa revisora, com importante papel em assuntos de Estado e federativos, como a indicação de ministros de tribunais superiores, integrantes de agências reguladoras, autoridades monetárias e diplomatas. Há um jogo de bastidor entre os Poderes, no qual a bola já está rolando.
Renan entrou em campo discretamente, embora diga que não decidiu ainda se será candidato. Na verdade, já tem maioria de votos, mas somente assumirá essa condição no fim do mês, quando a bancada do MDB no Senado formalizar seu apoio. A senadora Simone Tebet (MDB-MT) também pleiteia indicação. A oposição mais forte a Renan vem dos senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Esperidião Amin(PP-SC), que defendem a remoção do MDB do comando da Casa. No Senado, a maior bancada quase sempre ocupa a Presidência, mas o critério da proporcionalidade para a composição da Mesa e das comissões, como na Câmara, não impede o surgimento de candidaturas de oposição.
Troca de comando
Amanhã, o general Eduardo Vilas Boas passará o comando do Exército para o general Leal Pujol, o mais antigo, encerrando o ciclo de transição de comando das Forças Armadas. Na cerimônia desta quarta, o almirante Ilques Barbosa Junior assumiu a Marinha no lugar do também almirante Eduardo Leal Ferreira. Na sexta passada, o brigadeiro Antonio Carlos Moretti Bermudez assumiu o cargo de Comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), no lugar do brigadeiro Nivaldo Luiz Rossato. Bolsonaro foi a todas as trocas de comando. Na de ontem, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, defendeu o regime previdenciário diferenciado dos militares. Essa parece ser uma posição consolidada no governo.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-caminho-aberto-para-renan/
Ruy Fabiano: Um Poder sem moderação alguma
São incontáveis as decisões inusitadas
As cortes supremas, nas democracias, garantem, em regra, um insumo indispensável à ordem institucional: a segurança jurídica.
Como intérpretes da Constituição, firmam a jurisprudência e funcionam como poder moderador – mais ou menos o contrário do que tem feito, já há alguns anos, o STF, fator de instabilidade não apenas jurídica, mas sobretudo política e institucional.
São incontáveis as decisões inusitadas, como a desta semana, em que o ministro Marco Aurélio, em decisão monocrática, quis atropelar o próprio plenário da Corte, mandando libertar todos os presos condenados em segunda instância.
Seriam mais de 100 mil, contabilizados, além dos condenados na Lava Jato, criminosos de sangue, perigosos líderes de facções.
Foi uma espécie de Simão Bacamarte, do conto O Alienista, de Machado de Assis, que chegou a prender e, em seguida, soltar toda uma cidade, para no fim internar-se a si mesmo como o único louco das redondezas. Essa sensatez de Simão faltou a Marco Aurélio, que considerou seu ato normal e necessário e estaria pronto a repeti-lo.
O ato insano não se consumou graças ao presidente da Corte, Dias Toffoli, que revogou a liminar. Mas isso não o poupou da suspeita de ter participado de um ato teatral.
Na semana anterior, Toffoli adiou para abril a sessão do plenário que examinaria pela quinta vez (isso mesmo: quinta vez), em dois anos, a jurisprudência a respeito da prisão em segundo grau.
Não houve um motivo objetivo para o adiamento. Diante disso, a canetada de Marco Aurélio pode ter sido – e não falta quem disso suspeite – um balão de ensaio para avaliar a reação social à soltura de Lula. Absurdo? A tanto chegou o conceito do STF.
Jamais um tribunal mobilizou-se tanto em torno de um único personagem – no caso, Lula, condenado em segundo grau, prestes a ter nova condenação em primeiro grau e tornado réu pela sétima vez há duas semanas. Não bastasse, teve ainda seus pedidos de habeas corpus negados nas terceira (STJ) e quarta instâncias (STF).
O ex-ministro e ex-presidente do STF, Carlos Ayres Brito, diz que a Corte Suprema “é uma porta que só se abre por dentro”; ou seja, nem tudo que lá chega deve mobilizá-la. Isso, porém, não funciona para Lula e alguns de seus aliados.
Ter poupado, por exemplo, a ex-presidente Dilma Roussef, quando de seu impeachment, da perda de direitos políticos por oito anos, foi um ato de lesa-Constituição. E foi praticado por ninguém menos que o então presidente da Corte, Ricardo Lewandowski.
Em circunstâncias normais (que inexistem), seu ato seria considerado nulo de pleno direito pela própria Corte, que, no entanto, até hoje não se manifestou a respeito.
O próprio Toffoli até hoje não explicou por que mandou soltar seu ex-patrão, José Dirceu (que, em face de suas relações pessoais, deveria considerar-se suspeito para julgar), condenado em segunda instância a 41 anos de prisão. Dirceu está solto e sem tornezeleira eletrônica, em condições de inclusive deixar o país.
Se é benevolente com esses personagens, o STF não o foi em relação ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, aceitando denúncia de uma procuradora filiada ao PT de que teria incitado o estupro, quando é autor de projeto que inversamente agrava a punição daquele crime, estabelecendo castração química para os reincidentes.
Entre as imprevisibilidades que aguardam o novo governo, há ao menos algo bem previsível: a ação desestabilizadora do STF, adversário explícito do maior fator de unidade nacional – a Operação Lava Jato. Esta semana, não por acaso, a história do cabo e do soldado, como meios suficientes para fechá-lo, foi repetida em todo o país. E não como piada.
*Ruy Fabiano é jornalista
Oscar Vilhena Vieira: A função moderadora
A recomposição da autoridade do STF é essencial para a saúde da democracia
Vem de longe a desconfiança das elites políticas brasileiras na democracia liberal. Nossa primeira Constituição, outorgada por Pedro 1º, inspirada na restauração Francesa de Luís 18, conferiu ao imperador um papel de tutela sobre o sistema político. Além da função de chefia do Executivo, ao imperador caberia o exercício do Poder Moderador, que deveria incessantemente velar imparcialmente pela independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes (artigo 98, Constituição de 1824), o que jamais ocorreu.
Com a proclamação da República, a função moderadora, como propunha Rui Barbosa, deveria passar a ser exercida não mais por uma pessoa, mas pelo império do Direito. Ao garantir a supremacia da Constituição, o Supremo Tribunal Federal limitaria os poderes políticos, "contra os excessos do mandonismo em todas as suas violências ou trapaças".
Como sabemos, o transplante do modelo constitucional norte-americano não triunfou. Para Raymundo Faoro, "a missão política que [o Supremo Tribunal Federal] deveria representar estava destinada a outras mãos, alimentadas de forças reais e não de papel". Foram os militares e não o Supremo que, de fato, se ocuparam de dar a última palavra na solução de nossas crises políticas ao longo da República.
Alfred Stepan, emérito estudioso de nossos militares, aponta nada menos do que nove intervenções entre 1889 e 1964. Esse "intervencionismo patológico", nas palavras de Stepan, indicam para a consolidação de um novo "padrão moderador", pelo qual as elites civis, quando incapazes de resolver seus próprios conflitos no marco da institucionalidade constitucional, buscavam apoio de setores militares para desestabilizar adversários ou manter-se no poder. Foi assim em 1889, 1910, 1922, 1930, 1945, 1954, 1955, 1961 e, finalmente, 1964, quando os militares decidiram não mais se limitar a arbitrar disputas e se lançaram ao exercício do poder, sem intermediários.
Com a debacle do regime militar, marcado por uma forte crise econômica, hiperinflação, escândalos e descontrole na administração das estatais, além da mácula dos crimes contra a humanidade, o país se reconstitucionalizou. A eterna desconfiança entre as elites políticas levou, no entanto, à adoção de uma Constituição extensa e detalhista. Ao estamento jurídico e especialmente ao Supremo Tribunal Federal foram transferidos enormes poderes para zelar pela integridade da Constituição e pela estabilidade do regime.
A transferência da função moderadora dos militares para o Supremo, de fato, começou ainda no processo de transição, quando os ministros do tribunal foram chamados a decidir —informalmente— quem deveria tomar posse como Presidente da República, em face do impedimento de Tancredo Neves ("História Oral do Supremo", FGV).
Nos últimos 30 anos o Supremo paulatinamente consolidou sua posição de guardião da Constituição, exercendo também, em diversas ocasiões, a função moderadora, como nos impeachments de Collor e Dilma.
Com o acirramento dos conflitos políticos, a partir de 2013, o Supremo foi tragado para o centro da crise. Sua fragmentação, conflitos internos e outras idiossincrasias têm contribuído para que as "vivandeiras alvoroçadas" se voltem novamente para os militares, para que reassumam a função moderadora. A recomposição da autoridade do Supremo é mais do que nunca essencial para a saúde de nossa democracia constitucional; só cabe aos próprios ministros restabelecê-la.
*Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
Míriam Leitão: Os truques do último dia
Usando truque do último dia, Marco Aurélio tentou impor sua vontade aos demais ministros do STF sobre a prisão em 2ª instância
O que houve ontem no Supremo apequena a Justiça. Não faz sentido o ministro Marco Aurélio tomar uma decisão monocrática sobre assunto controverso faltando uma hora para começar o recesso. Felizmente, o ministro Dias Toffoli cassou a liminar. Esse truque do último dia foi usado ontem por dois ministros. Em uma de suas liminares, Marco Aurélio quis impor sua vontade aos demais no caso da prisão em segunda instância, tema que divide a corte e será apreciado em abril. Em outra, interferiu no programa de desinvestimento da Petrobras. O ministro Ricardo Lewandowski usou a mesma artimanha do ano passado para impor o aumento de salário dos servidores. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, aproveitou uma viagem do presidente Temer para sancionar uma lei polêmica que a área econômica sugerira vetar. Que fase!
Ninguém no país desconhece que a questão do início do cumprimento da pena é polêmica e sobre ela o STF está dividido. Portanto, uma decisão monocrática não caberia por mais arraigadas que sejam as convicções do ministro. O que está valendo é ainda a última decisão tomada pela corte, que permitiu a prisão após a segunda instância. A data para rediscussão está marcada para 10 de abril. Sendo assim, por que o ministro Marco Aurélio tomou uma decisão de último dia? “Aguardei o crivo do tribunal e nada. Encerrou-se o ano e, então, surgiu campo para a decisão individual”, me disse ele. O presidente do STF no fim do dia restabeleceu a normalidade. Agora é aguardar a decisão do colegiado.
O ministro Ricardo Lewandowski repetiu o mesmo truque de 2017. No último dia do ano jurídico, forçou o reajuste aos servidores públicos. O aumento havia sido dado aos servidores em parcelas anuais até 2019. Não pode ser anulado. Mas pode ser adiado. E foi isso que a área econômica fez. O gasto extra de R$ 6 bi ficaria para 2020. Lewandowski derrubou a decisão do executivo e elevou despesas do Orçamento.
O ministro Marco Aurélio também decidiu suspender os efeitos do decreto do presidente Temer que facilitava a venda de ativos pela Petrobras. Com isso, o plano de desinvestimentos da empresa fica em suspenso. O ministro concordou com a tese do PT de que cabe ao Congresso decidir sobre o assunto. A questão é que o Congresso, há 23 anos, aprovou uma emenda acabando com o monopólio do petróleo, não faz sentido que a empresa tenha que consultar o parlamento em cada compra ou venda.
Sobre o momento do início do cumprimento da pena, há uma controvérsia no STF. De um lado, alguns ministros pensam que só após o julgamento do último recurso na última instância o réu pode cumprir a pena. Outro grupo considera que a partir da confirmação da sentença por um órgão colegiado pode haver a execução provisória. Quem conhece o Brasil sabe que se prevalecer esta infinita estrada recursal os beneficiados serão os ricos e poderosos. Por isso, os procuradores da Lava-Jato ontem disseram que se não houver prisão após condenação em segunda instância não há punição para crime do colarinho branco.
Há dúvida também se uma decisão tomada em 2016 deve ser novamente apreciada em tão pouco tempo. O ministro Marco Aurélio argumentou que o ministro Gilmar Mendes mudou de ideia e a ministra Rosa Weber indicou que votará contra a prisão após a segunda instância. Ora, se ele acha que formou-se nova maioria nada mais normal que espere até abril, em vez de tomar uma medida estouvada. A única frase convincente da sua decisão solitária aplica-se à sua própria liminar: “Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida República.”
Houve outras estranhezas. O deputado Rodrigo Maia esperou sentar-se na cadeira da Presidência para sancionar a possibilidade de que os municípios descumpram a Lei de Responsabilidade Fiscal. Todo mundo sabe que essa interinidade não é para ser usada para tomar decisões dessa envergadura.
Nesse dia, ainda houve mais um fato grave. Fabrício Queiroz, assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro, não foi depor sobre suas movimentações bancárias. O próprio senador havia dito que suas explicações eram plausíveis e não tinham ilegalidade. Foi marcada nova data. Enquanto Queiroz continuar se escondendo, a dúvida permanece depositada no colo dos Bolsonaro.
Vera Magalhães: Supremo como fonte de instabilidade política e jurídica
Não se trata aqui de dizer que a Corte deva se curvar à opinião pública
O factoide produzido nesta quarta-feira, 19, por Marco Aurélio Mello com a breve liminar mandando soltar presos condenados em segunda instância serviu apenas ao propósito de desgastar ainda mais o Supremo Tribunal Federal.
Não se trata aqui de dizer que a Corte deva se curvar à opinião pública. O fato é que, de garantidor da estabilidade jurídica do País, como reza a Constituição, o Supremo tem sido, cada vez mais, a fonte a partir da qual emana toda a insegurança – não só jurídica e judicial, mas, como consequência, política.
O STF se manifestou em três ocasiões pela possibilidade de execução provisória da pena de prisão a partir da condenação em segunda instância: duas em habeas corpus, em 2016, e a terceira em julgamento do plenário virtual, que garantiu repercussão geral àquelas decisões.
Neste ano, voltou a se debruçar sobre a questão ao julgar outro HC, do ex-presidente Lula. Já há sessão marcada para abril para tratar da questão, aí sim, de forma definitiva, nas duas ações das quais Marco Aurélio é relator.
Foi a insatisfação com a demora em levar a questão à pauta que fez com que Marco Aurélio se adiantasse e exarasse essa decisão injustificável, à véspera do recesso.
Afrontou o colegiado, o presidente da Corte, a opinião pública e a segurança jurídica, às vésperas do recesso judicial e da posse do novo governo. E forçou Toffoli a, também de forma monocrática, revogar a liminar para evitar consequências mais nefastas.
E não se trata só da eventual soltura de Lula, consequência politicamente mais estridente da decisão, mas de bagunçar todo o sistema judicial do País por birra.
No caso do ex-presidente, Marco Aurélio sabe das implicações sociais e políticas de suscitar de novo esse debate às vésperas da posse de Jair Bolsonaro. Com que propósito, uma vez que o julgamento do mérito das ações das quais é relator já está marcado?
Marco Aurélio termina o dia tendo contribuído, de forma absolutamente desnecessária, para o descrédito da Corte, cujas decisões monocráticas ultrapassam em muito o razoável num tribunal que tem na colegialidade uma das suas razões de ser e não têm paralelo em tribunais superiores de países estáveis jurídica e politicamente.
E são decisões como essas, tomadas muitas vezes por vaidade e por falta de compreensão do fato de que a Corte não é mais um arquipélago de 11 ilhas impermeável ao escrutínio da sociedade, que fazem com que as pessoas considerem que o STF é uma vergonha para o País – como externou recentemente um cidadão que quase levou voz de prisão de Ricardo Lewandowski por isso.