STF
Elio Gaspari: O STF quebrou um pé da Lava Jato
Chamar roubalheiras de políticos de caixa 2 sempre foi um sonho de consumo
Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os delitos de caixa dois e as práticas que lhes são conexas devem ficar no âmbito da Justiça Eleitoral. Jogo jogado.
Em 2006, por unanimidade, o mesmo Supremo decidiu que a cláusula de barreira era inconstitucional. Ao fazer isso, as togas dos 11 ministros serviram de cobertura para pequenos partidos que mamavam recursos do fundo partidário e o tempo dos horários gratuito de televisão. Veio a Lava Jato e, com ela, escancarou-se a roubalheira nacional. Graças ao clima que Curitiba criou, o Congresso aprovou uma nova modalidade de barreira.
Em 2017, o ministro Gilmar Mendes, que estava na unanimidade de 2006, disse que “hoje muitos de nós fazemos um mea-culpa, reconhecemos que foi uma intervenção indevida, inclusive pela multiplicação de partidos”. (Ele foi o único a fazer o mea-culpa, mas deixa pra lá.)
O 6 a 5 de quinta-feira poderá ser avaliado daqui a anos. Entre a unanimidade de 2006 e o mea-culpa de 2017 passaram-se nove anos.
Chamar de caixa dois as roubalheiras de políticos sempre foi um sonho de consumo. Esse truque saiu da cartola de Lula em 2005, quando surgiu o escândalo do mensalão.
Quando o Supremo matou a cláusula de barreira, os ministros sabiam que, junto com a defesa da liberdade de expressão, abriam a porteira para otras cositas más. Hoje, na estrada do caixa dois há 50 tons de capilés. Numa ponta está o candidato que aceita uma ajuda (monetária ou não) e deixa de registrá-la junto à Justiça Eleitoral. Na outra, está o magnífico Sérgio Cabral. Até bem pouco tempo ele dizia que amealhara dezenas de milhões de dólares valendo-se do desvio de dinheiro eleitoral.
Era mentira. Num exagero, mandar para a Justiça Eleitoral o processo de um coletor de propinas porque ele diz que tudo era caixa dois seria o mesmo que começar numa Vara de Família o processo do assassino de um casal que deixou quatro filhos, tornando-os órfãos.
Num voto seco, técnico, o ministro Luis Roberto Barroso sintetizou a questão: o que importa não é para onde o dinheiro vai, mas de onde ele vem. Se ele vem de propinas, o delito não é eleitoral, mas corrupção.
Barroso ficou na minoria.
A sessão do Supremo teve um momento de teatralidade com Gilmar Mendes chamando procuradores de “gângsters”, mas foi ele quem melhor definiu o debate: ”O que se trava aqui é uma disputa de poder”. Saiu satisfeito o lado de quem tenta esconder suas roubalheiras atrás do caixa dois, e quem perdeu foi a turma da Lava Jato.
O tempo mostrará as consequências do 6 a 5. Em cinco anos, a República de Curitiba destampou a panela da corrupção nacional como nenhum grupo de procuradores ou tribunal conseguiu fazê-lo desde que a Terra dos Papagaios chama-se Brasil.
A turma da Lava Jato acertou muito e errou pouco, mas tropeçou na soberba.
Sergio Moro não deveria ter divulgado o grampo de uma conversa de Dilma Rousseff com Lula sabendo que ela ocorreu fora do prazo autorizado pela Justiça. Também não deveria ter divulgado um anexo irrelevante e inconclusivo da colaboração do comissário Antonio Palocci no calor da campanha eleitoral do ano passado. Talvez não devesse ter deixado a Vara de Curitiba, e certamente os 12 procuradores signatários do acordo que criaria uma fundação de direito privado com recursos da Petrobras deveriam ter medido melhor os riscos que corriam.
Tanto a turma de Curitiba como os seis ministros do STF acharam que são supremos.
VENDA DE ALMA
Enunciando mais um pilar de sua diplomacia paleolítica, o chanceler Ernesto Araújo informou que “nós queremos vender soja e minério de ferro, mas não vamos vender nossa alma”.
Resta saber se alguém quer comprar essa alma.
RADIOATIVIDADE
O Ministério Público não quer ouvir o sobrenome Bolsonaro no caso do assassinato de Marielle Franco.
Antes que se pense que há nisso alguma forma de blindagem, o motivo real da preocupação é técnico. Se algum Bolsonaro entrar na roda, o foro do caso sai da alçada do MP. A prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz mostra que as promotoras pegaram o fio da meada.
TESTE
Como ficariam as coisas se:
1) Adélio Bispo, o autor da facada contra Jair Bolsonaro, fosse vizinho de Fernando Haddad no condomínio Vivendas da Barra.
2) Se um delegado informasse que a filha de Adélio namorara um filho de Fernando Haddad.
3) Se Adélio tivesse chegado ao local junto com um cidadão filiado ao PT.
4) Se a polícia encontrasse 117 fuzis pertencentes a Adélio na casa de um amigo dele.
CRIME DE ÓDIO
O delegado Giniton Lages, que investigava o assassinato de Marielle Franco, atribuiu o provável motivo da ação atribuída ao ex-PM Ronnie Lessa a “uma obsessão por determinadas personalidades que militam à esquerda política”. Crime de ódio, enfim. Essa é forte.
Adélio Bispo diz que esse foi o motivo que o levou a esfaquear JairBolsonaro. Até hoje não apareceu pista de mandante.
O Brasil teve outros três famosos atentados movidos pelo ódio político.
Em 1897, Marcelino Bispo atentou contra a vida de do presidente Prudente de Moraes e matou o ministro da Guerra. Em 1915, Manso de Paiva matou o senador Pinheiro Machado com uma facada. Eram lobos solitários.
No terceiro caso, tratava-se de ódio alugado, pois havia mandante. Em 1954, a guarda pessoal de Getúlio Vargas tentou matar o jornalista Carlos Lacerda e assassinou um major da Aeronáutica. Deu no que deu.
Quatro presidentes americanos foram assassinados por ódio político. Em três casos, foram ações de lobos solitários (John Kennedy, William McKinley e James Garfield). No quarto, o de Abraham Lincoln, houve quadrilha, mas não houve mandante.
Juntando-se todos esses atentados, jamais os criminosos tiveram negócios com o jogo clandestino e com milícias. Somando-se todas as armas dos atentados brasileiros e americanos, não se chega nem perto do arsenal de 117 fuzis de Ronnie Lessa. Conta outra, doutor.
RECORDAR É VIVER
Para que os operadores políticos de Bolsonaro percebam o peso que os políticos dão aos seus pedidos.
Em 1962, o vice-presidente americano Lyndon Johnson pediu a John Kennedy a nomeação de uma juíza para Dallas. Nada feito. Johnson era um protegido do presidente da Câmara e ele avisou ao governo: enquanto ela não for nomeada, a sua pauta está trancada. A nomeação saiu no dia seguinte.
No início da tarde de 22 de novembro de 1963, diante de um mundo perplexo, Kennedy estava morto e Johnson foi levado para o avião presidencial, onde deveria prestar juramento diante de um juiz federal.
O ar refrigerado do Air Force One estava desligado e fazia um calor horrível em Dallas. O novo presidente pediu que achassem a juíza Sarah Hughes, pois queria que ela presidisse a cerimônia de sua posse.
Poucas pessoas notaram que ele fora à forra.
O Estado de S. Paulo: Toffoli vê movimento para ‘assassinar reputações’ no País
Após abrir inquérito para investigar ameaças à Corte, ministro diz ao ‘Estado’ que ação nas redes sociais atinge ‘todas as instituições e é necessário evitar que se torne uma epidemia’
Vera Rosa, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Um dia após anunciar a abertura de inquérito para investigar fake news, ofensas e ameaças dirigidas a integrantes do Supremo Tribunal Federal, o presidente da Corte, Dias Toffoli, disse que a tecnologia voltada para destruir a honra será combatida a todo custo. Nos últimos dias, o Supremo foi alvo de novos ataques nas redes sociais e recebeu críticas até de procuradores da Lava Jato.
“Esse assassinato de reputações que acontece hoje nas mídias sociais, impulsionado por interesses escusos e financiado sabe-se lá por quem, deve ser apurado com veemência e punido no maior grau possível”, afirmou Toffoli ao Estado. “Isso está atingindo todas as instituições e é necessário evitar que se torne uma epidemia.”
O tema também fará parte do cardápio do almoço de hoje entre os chefes dos três Poderes. A ideia foi do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que convidou para o encontro o presidente Jair Bolsonaro, Toffoli e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), além de ministros.
O presidente do Supremo pretende reforçar ali sua proposta de um “pacto entre os poderes” para votar reformas consideradas fundamentais, como a da Previdência e a tributária. A escalada de agressões enviadas principalmente em correntes de WhatsApp e postagens no Twitter e Facebook preocupa a Corte em um momento de crescente tensão política. No Senado, um grupo articula a criação da “CPI da Lava Toga”, a fim de investigar possíveis excessos cometidos por tribunais superiores.
“Os ataques às instituições que vitimizam todos, incluindo a imprensa séria, são verdadeiros atentados ao estado democrático de direito”, insistiu Toffoli. “Judiciário independente e imprensa livre são as bases da democracia. Foi assim que os Estados Unidos foram construídos.” Para o ministro do Supremo Gilmar Mendes, as “milícias digitais” não são amadoras. “Precisamos melhorar o sistema de defesa a esses ataques industrializados”, comentou ele.
Uma das suspeitas que devem ser investigadas agora pela Corte é a possibilidade de haver um movimento internacional sustentando as agressões nas redes sociais, com o objetivo de desestabilizar o País. “Pode ser, eventualmente, uma hipótese para atender a indústria bélica, que há muitos anos não tem uma grande guerra como cliente”, argumentou Toffoli.
A ofensiva contra o Supremo recrudesceu às vésperas do julgamento que representou uma derrota para a força-tarefa da Lava Jato. Por 6 votos a 5, a Corte decidiu que crimes ligados à prática de caixa 2, como corrupção e lavagem de dinheiro, devem ser julgados na Justiça Eleitoral. A Procuradoria-Geral da República e os procuradores da Lava Jato queriam que as investigações ficassem a cargo da Justiça Federal.
Em um movimento lançado quase ao mesmo tempo em que aliados de Bolsonaro defendiam nas redes a reforma da Previdência, o STF foi alvo de todo tipo de xingamento. Mensagens pregando intervenção e fechamento da Corte, além da Dias Toffoli hashtag #atogacontraopovo, passaram a ser comuns, principalmente no WhatsApp.
Conduta
Sob sigilo, o inquérito determinado por Toffoli, que terá como relator o ministro Alexandre de Moraes, vai investigar até a conduta de procuradores da Lava Jato, como Deltan Dallagnol e Diogo Castor. Em vídeo postado na internet, Dallagnol conclamou a população a se posicionar contra qualquer decisão do Supremo que não fosse a defendida pela Lava Jato. Castor disse que estava em curso um “golpe” contra a operação de combate à corrupção no Brasil.
A investigação do STF é vista por procuradores como uma forma de intimidar o Ministério Público. Ainda ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitou informações sobre o inquérito a Moraes. Na sua avaliação, o caso tem potencial para comprometer a imparcialidade do Judiciário, já que a função de investigar não faz parte da competência do Supremo.
“Os fatos ilícitos, por mais graves que sejam, devem ser processados segundo a Constituição”, afirmou ela. Toffoli rebateu e disse que, além de haver previsão regimental para abertura do inquérito, o Código de Processo Penal estabelece que toda investigação deve ser supervisionada por um juiz. O ministro lembrou, ainda, que na época das eleições a Polícia Federal instaurou procedimento para investigar a disseminação de fake news referentes a candidatos à Presidência. Na ocasião, o pedido para apurar a existência de um esquema empresarial para interferir na disputa foi feito pela própria Raquel. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também chegou a abrir processo sobre o assunto.
“Depois que foi aberto o inquérito, a propagação de notícias fraudulentas cessou. No segundo turno não houve mais nada”, observou Toffoli, para quem a investigação também tem caráter pedagógico. “Não dá para aceitar esse tipo de coisa. Além das instituições e da sociedade como um todo, ao fim e ao cabo é a população pobre que acaba sofrendo mais as consequências.”
“Esse assassinato de reputações que acontece hoje nas mídias sociais, impulsionado por interesses escusos e financiado sabe-se lá por quem, deve ser apurado com veemência e punido no maior grau possível.”
“Os ataques às instituições que vitimizam todos, incluindo a imprensa séria, são verdadeiros atentados ao estado democrático de direito.”
Colaborou Amanda Pupo .
El País: STF impõe derrota a Lava Jato sobre caixa 2 e encampa guerra contra procuradores
Por 6 votos a 5, Supremo decide que Justiça Eleitoral deve investigar casos de corrupção com caixa 2. Toffoli abre inquérito que deve atingir membros da força-tarefa que criticaram a Corte
A Operação Lava Jato já não apresenta o mesmo vigor. Após encarcerar os empreiteiros mais ricos do país e colocar poderosos políticos atrás das grades, a operação recebeu nesta quinta-feira um golpe que, a julgar pela reação de seus partidários, pode ter decretado seu fim. Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Justiça Eleitoral tem competência para investigar casos de corrupção quando eles envolverem simultaneamente os crimes de caixa 2 de campanha e outros crimes comuns, como lavagem de dinheiro.
O receio dos membros da força-tarefa da Lava Jato é que o entendimento possa resultar em penas mais brandas para os investigados pela operação, já que a Justiça Eleitoral não é conhecida por sua rigidez. A decisão do STF retira da Justiça Federal processos contra políticos que envolvam simultaneamente crimes comuns e caixa 2 de campanha. "Hoje, começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há 5 anos, no início da Lava Jato", decretou em seu perfil no Twitter o chefe da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol.
O hoje ministro da Justiça Sérgio Moro, que atuou como juiz à frente da operação durante sua maior parte, já havia criticado na quarta-feira o entendimento que acabou prevalecendo no STF. Para ele, a Justiça Eleitoral não tem estrutura para julgar crimes comuns. "Se formos verificar estatísticas de condenações criminais pela Justiça Eleitoral, provavelmente não vamos encontrar números muito felizes. Não porque não existam crimes eleitorais, mas porque realmente o sistema é focado na organização das eleições e, igualmente, na solução de controvérsias eleitorais", disse durante palestra em uma faculdade de Brasília.
Votaram para manter as investigações na esfera federal os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Eles foram vencidos pelos votos dos ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Antonio Dias Toffoli, presidente da Corte. Para o segundo grupo de ministros, o Supremo não fez mais que reafirmar entendimento que prevalece há décadas em sua jurisprudência.
Inquérito
De acordo com os procuradores da força-tarefa, cerca de 160 condenações poderão ser anuladas a partir de agora, e os casos que correm em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná serão afetados. Eles consideram que o entendimento poderá "acabar com as investigações”. O ministro Marco Aurélio Mello vai ainda mais longe em sua análise. Para ele, as sentenças que foram proferidas antes da decisão da Corte sobre a competência da Justiça Eleitoral podem ser anuladas.
As críticas abertas dos procuradores ao Supremo não ficaram sem resposta. Toffoli abriu um inquérito para apurar ofensas à Corte, e nele se dá como certa a inclusão de procuradores como Dallagnol e Diogo Castor, que publicou um artigo para dizer que o tribunal preparava um “golpe” contra a Lava Jato. Já o ministro Gilmar Mendes preferiu usar as palavras para rebater as críticas. "Quem encoraja esse tipo de coisa? Quem é capaz de encorajar esse tipo de gente, gentalha, despreparada, não tem condições de integrar um órgão como o Ministério Público", disse, ao criticar os procuradores.
A decisão desta quinta-feira foi consequência de um questionamento baseado no inquérito que investiga o ex-prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes e o deputado federal Pedro Paulo Carvalho (DEM-RJ) pelo recebimento de 18 milhões de reais da empreiteira Odebrecht para campanhas eleitorais.
Política Democrática: ‘Crise ética decorre da democracia’, diz Manoel Martins Araújo
Professor de Direito Constitucional afirma que crise é também de crescimento e de amadurecimento do regime
Cleomar Almeida
O professor de Direito Constitucional da UFF (Universidade Federal Fluminense) Manoel Martins Araújo diz que a crise ética da sociedade decorre da própria democracia. “E temos, nos instrumentos da democracia, as ferramentas para sua superação”, afirma, em artigo publicado na quinta edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira).
» Acesse aqui a edição de fevereiro da revista Política Democrátia online
“Lembremos que a crise decorre da constatação e repulsa pela sociedade da odiosa prática delitiva da corrupção, deletéria dos recursos do Estado tão importantes para a satisfação de necessidades básicas da população”, escreve ele, para continuar: “Aquilo que antes era sabido, mas digamos, tolerado, passou a ser repudiado pela sociedade e combatido pelas instituições competentes pela adequada aplicação da lei”.
Na avaliação do autor, os avanços democráticos, principalmente no acesso às informações e na circulação das ideias, ampliando o controle social, são os ingredientes subjetivos da crise: a sociedade repele a cultura da impunidade, rechaçando, também, a corrupção. “O nó górdio está no fato de que a sociedade, não obstante o funcionamento eficiente do Judiciário e do Ministério Público, não acredita que as nossas instituições políticas serão capazes de enfrentar o desafio de dar um basta à impunidade”, ressalta.
A crise, de acordo com Araújo, também é de crescimento e de amadurecimento da democracia. “ E resultará, ao que tudo indica, na depuração do nosso ordenamento jurídico e político, adequando as ansiedades da sociedade a institutos que, hoje, desafiam os princípios do Estado Democrático de Direito”.
O professor observa também que a discussão sobre o foro privilegiado segue em conflito com o princípio da isonomia. “Tal instituto aparentemente desafia tal princípio, sempre suscitando críticas à sua instituição”, diz. “As constituições democráticas, na verdade, adotam como princípio a vedação à instituição de juízos especiais ou de exceção, admitindo-se o foro privilegiado como garantia ao exercício de funções cujos titulares devem ser protegidos contra ações políticas que podem ter, nos julgamentos judiciais, mecanismo de pressão”, pondera.
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O Estado de S. Paulo: Alinhado a Guedes, Toffoli tenta limpar pauta-bomba de R$ 50 bilhões no STF
Presidente do Supremo pautou para este semestre pelo menos seis processos referentes a questões tributárias que aguardam há anos por julgamento: para a equipe econômica, falta de segurança jurídica acaba afugentando investimentos
Amanda Pupo e Rafael Moraes Moura, de O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Alinhado com o Ministério da Economia, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, quer limpar neste primeiro semestre uma pauta de julgamentos que podem resultar em uma perda potencial de R$ 50 bilhões aos cofres públicos. Desde que assumiu a presidência da Corte, Toffoli faz acenos ao Executivo e ao Legislativo de que o STF está sensibilizado com a situação das contas públicas.
Segundo apurou o Estado, Toffoli decidiu pautar neste semestre processos tributários que aguardam uma decisão da Corte há muito tempo (um deles tramita há dez anos e meio), ou que foram interrompidos por pedidos de vista (mais tempo de análise). É um esforço totalmente alinhado à visão da equipe econômica de que é preciso segurança jurídica para atrair investimentos.
Um desses casos é o que trata do pagamento do PIS por empresas prestadoras de serviço. Essas empresas questionaram uma mudança na legislação que acabou elevando a alíquota de contribuição. Em julgamento no Supremo, a União já conseguiu maioria na discussão. Mas um pedido de vista acabou postergando o fim do julgamento, que está parada na Corte desde o início de 2017. Na Justiça, pelo menos 400 processos aguardam decisão.
Esse julgamento deve ser retomado na quarta-feira. No mesmo dia, Toffoli se reúne com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e secretários do Tesouro e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
O cálculo das perdas potenciais com os processos no STF foi feito a pedido do Estado pela PGFN e pela Advocacia-Geral da União (AGU), considerando seis processos, a maioria envolvendo questão tributária.
Na visão de especialistas ouvidos pela reportagem, no entanto, será preciso aguardar a conclusão desses julgamentos para verificar se a preocupação institucional de Toffoli será compartilhada pelos outros dez ministros que compõem o tribunal.
Visão. Toffoli e Guedes jantaram no início do mês, quando discutiram uma blindagem jurídica para afastar o risco de a reforma da Previdência ser contestada na Suprema Corte. O problema tributário, apesar de não ser prioridade do governo neste momento, também foi debatido, numa avaliação de que é preciso simplificar normas e leis fiscais e tributárias para enfrentar o alto grau de judicialização.
É o mesmo entendimento da procuradora da Fazenda Nacional, Alexandra Maria Carvalho Carneiro, que coordena a atuação judicial da PGFN perante o STF. Ela destacou que a legislação tributária brasileira é dispersa e confusa, gerando dúvidas no contribuinte que acabam parando na Justiça.
“É um número enorme de leis sobre o mesmo tributo, leis que são revogadas e revisadas, dá-se benefício ali, aqui, e depois retira. É um conjunto de leis muito complexo. E no Brasil existe uma cultura de judicializar tudo”, observou.
Alexandra acompanha cerca de 160 processos tributários que tramitam na Corte. Essas ações têm a chamada repercussão geral: quando o STF decide algo, o entendimento deve ser seguido por juízes de todas as instâncias do País.
Bernardo Mello Franco: Celso de Mello e a função do Supremo
Em voto contra o obscurantismo, Celso de Mello afirmou que o Supremo não pode se curvar às pressões do tribunal do Facebook. Sua independência ainda fará falta à Corte
Celso de Mello foi o único ministro do Supremo a protestar quando o então comandante do Exército, general Villas Bôas, disparou um tuíte para emparedar o tribunal no ano passado. Ontem o decano voltou a mostrar por que a sua voz é fundamental para afirmar a independência da Corte.
Celso é relator de uma das ações que pedem a criminalização da homofobia. A maioria dos países desenvolvidos tem leis para combater os crimes de ódio contra homossexuais. O novo governo pressiona o Judiciário e o Congresso para manter o Brasil fora do clube.
Na quarta-feira, o presidente disparou dois tuítes sobre o julgamento. Ele elogiou a sustentação do advogado-geral da União, que falou em “estabilidade” e “pacificação social” ao discursar contra as ações. Os ministros entenderam o recado: se a Corte contrariar o Planalto, voltará à mira das falanges governistas.
As posições de Jair Bolsonaro sobre o tema são conhecidas. “Sou homofóbico, sim, com muito orgulho”, informou, num vídeo gravado em 2013. Em outra entrevista, ele disse preferir que um filho “morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”.
Esse tipo de declaração já foi tido como um suicídio político. Hoje em dia, rende votos e curtidas nas redes sociais. A intolerância virou ativo para candidatos que surfaram a onda conservadora em 2018. Agora a turma também quer enquadrar o Supremo. Alguns ministros já indicaram que aceitaram a tutela.
Ontem o decano deixou claro que não está neste grupo. Ele transformou seu voto em libelo contra o avanço do obscurantismo. Lembrou que a Constituição protege os direitos das minorias, atacadas por porta-vozes de “doutrinas fundamentalistas”.
Celso disse saber que será “mantido no índex dos cultores da intolerância, cujas mentes sombrias que rejeitam o pensamento crítico”. Mesmo assim, defendeu que é preciso afirmar a “função contramajoritária” do Supremo — ou seja, sua independência em relação às patrulhas ideológicas e ao tribunal do Facebook.
O ministro se aposentará no fim de 2020, ao completar 75 anos. Fará falta à Corte e ao país.
Elio Gaspari: Os juízes no deserto de juristas
Pesquisa sobre magistrados contou tudo e sua digestão ajudará o debate
Os juízes brasileiros vivem num deserto de jurisconsultos. Isso foi o que revelou a pesquisa da Associação de Magistrados Brasileiros depois de ouvir 4.000 doutores ativos ou aposentados. Diante de um pedido para que citassem três juristas que viam como referências importantes para o direito brasileiro, mencionaram cerca de 3.000 nomes. Os professores Luiz Werneck Vianna, Maria Alice de Carvalho e Marcelo Burgos filtraram os mais citados e disso resultou uma lista de 47 juristas. Apesar de seus 196 anos de existência, o Supremo Tribunal Federal só produziu nove nomes.
Da atual composição da corte entraram quatro: Luís Roberto Barroso, Celso de Mello, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Barroso, com 320 citações entre os juízes de primeiro e segundo graus, só perdeu para o monumental Pontes de Miranda (1892-1979), autor de mais de 300 obras. Entre os ministros de tribunais superiores, teve uma solitária menção, enquanto Pontes de Miranda ganhou cinco. (Conhecendo o tamanho dos egos do meio, os professores listaram as preferências dos juízes por ordem alfabética.)
A cultura jurídica dos magistrados que responderam à pesquisa revela grande respeito por autores que lidam com o lado processual da máquina e, em alguns casos, por advogados que produziram competentes manuais. Exagerando, pode-se dizer que são como pilotos que leem tudo sobre o funcionamento das aeronaves, mas não consideram relevante a autobiografia de Charles Lindbergh, a primeira pessoa a atravessar o Atlântico, num voo solo de 33 horas a bordo de um monomotor. Podem ter razão.
Juristas como Vitor Nunes Leal e Hermes Lima, ex-ministros do STF cassados em 1968, ficaram de fora. Na outra ponta, José Carlos Moreira Alves, procurador-geral do general Emílio Médici, nomeado para a corte em 1975, também não entrou. Alfredo Buzaid, ministro da Justiça da ditadura de 1969 a 1974, teve uma citação, mas Francisco Campos, o grande jurista do Estado Novo, autor do preâmbulo do primeiro Ato Institucional, não se classificou.
É surpreendente que entre os autores das 15 obras acadêmicas e filosóficas mais citadas pelos magistrados estejam apenas dois americanos. Isso numa época em que o direito brasileiro sofre as dores do parto da delação premiada e se discute a introdução de um mecanismo da "plea bargain" sem que haja sequer tradução consolidada para o instituto. (O ministro Sergio Moro diz que é "solução negociada", mas há quem fale em "transação penal") Mais de 80% dos magistrados brasileiros gostam da ideia. É verdade que o direito americano é diferente do brasileiro, mas, se o negócio é importar jeans, rock e leis, a discussão melhorará quando alguém citar Oliver Wendell Holmes (1841-1935), um campeão das liberdades públicas que ainda por cima combateu pelo Norte durante a Guerra da Secessão.
O relatório da pesquisa chama-se "Quem Somos -- A Magistratura que Queremos" e está na rede. Foram 198 questões que produziram cerca de 800 tabelas. É um tesouro em si porque mergulhou na vida dos magistrados e, acima de tudo, porque a equipe de professores fez esse mesmo trabalho há 20 anos. Desta vez, sua realização foi coordenada pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça. Poucos países do mundo puderam fazer a mesma coisa. Sua completa digestão deverá levar algum tempo.
Quem quiser começar a examiná-la partindo de temas atuais, pode ter um auxílio começando pela questão 176, a da "situação de moradia": 70% dos juízes de primeiro grau e 93% daqueles do segundo grau vivem em casa própria.
Bruno Boghossian: Aliados de Bolsonaro tentam dar um golpe do pijama no Supremo
Proposta de antecipar aposentadoria de ministros é truque para emparedar o tribunal
Há 50 anos, os generais da ditadura decidiram mandar para casa três ministros do STF considerados obstáculos ao regime. Victor Nunes Leal tinha 54 anos quando ouviu no rádio a notícia de sua aposentadoria forçada. Ele se virou para um colega que jantava em sua casa e disse: “O senhor já não está falando com um ministro do Supremo”.
Aliados de Jair Bolsonaro querem dar um novo golpe do pijama no tribunal. A ideia é mudar a Constituição para antecipar a idade de aposentadoria dos ministros de 75 para 70 anos e abrir caminho para que o presidente possa indicar, de uma só vez, quatro integrantes para a corte.
A manobra é mais do que oportunista. Em 2015, o Congresso aprovou a PEC da Bengala, que aumentou a idade de aposentadoria no Judiciário para 75 anos —uma malandragem para impedir Dilma Rousseff de fazer novas indicações para o STF. Bolsonaro votou a favor da proposta.
Agora, o casuísmo pode ser duplicado. Numa artimanha para acomodar a lei a seus interesses políticos, os parceiros do governo querem revogar a PEC para tirar da corte Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Mudariam o equilíbrio do tribunal sem precisar chamar um cabo e um soldado.
Bolsonaristas colhem assinaturas de apoio ao projeto. A deputada Bia Kicis (PSL) subiu à tribuna nesta terça (12) para dizer que a proposta atende ao “clamor das redes sociais”. Ela quer presidir a Comissão de Constituição e Justiça, mas começa mal ao tentar torcer a legislação para favorecer seu grupo político.
Em entrevista ao SBT em janeiro, Bolsonaro festejou a PEC de 2015 e disse que não faria “gestões para revogar” a medida. Ele deveria passar essa orientação a seus seguidores.
O novo Congresso decidiu enfrentar o Judiciário, mas flerta com uma crise que pode pulverizar a relação entre as instituições. A popularidade do STF está no buraco, mas um expurgo seria injustificável. Mudar a regra do jogo quando for conveniente é só um truque barato para atropelar desafetos e concentrar poder.
Vera Magalhães: Equilíbrio frágil
Se der certo arranjo que une adversários de antes num suposto pacto pró-superação da crise, aumentam as chances de a reforma da Previdência prosperar
Às vésperas da volta de Jair Bolsonaro, o governo tenta armar o meio de campo da articulação política para que o presidente arbitre, finalmente, a proposta de reforma da Previdência que mandará ao Congresso. No domingo, alertei que esta composição não era mera contagem de base aliada na Câmara e no Senado. A concertação com o Judiciário e o Ministério Público tem um peso crucial para as chances de sucesso da emenda. E os movimentos desta semana demonstram que o Planalto tem consciência disso. Se a composição será bem-sucedida e duradoura é mais complexo de estimar.
O almoço que reuniu o presidente do STF, Dias Toffoli, e o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) forneceu a imagem necessária a passar o recado aos exércitos de lado a lado: a hora é de distensionar as relações entre Executivo e Judiciário. Por isso, nada de marolas.
Alguns fatos aparentemente isolados atendem a esse comando: a Receita veio a público informar que o ministro Gilmar Mendes não é alvo de investigação; no Senado, a CPI da Toga morreu antes de nascer; nas redes sociais, foram silenciados os clamores pela revogação da emenda que esticou a aposentadoria compulsória dos juízes, a chamada “PEC da Bengala”, ideia que estava sendo vendida como forma de “expurgo” dos ministros hostis ao governo.
Por fim, o ministro Luiz Fux suspendeu duas ações penais contra Bolsonaro. Ora, dirão, a Constituição determina que presidentes não podem ser processados por fatos anteriores ao mandato. Verdade. Mas não custa lembrar que ainda ontem Michel Temer era presidente e isso não foi óbice para que enfrentasse inquéritos que escrutinavam sua vida e a da família.
Toffoli tem feito vários acenos a um suposto “pacto” para que o País supere suas múltiplas crises. Isso, no entanto, não impede sinais trocados, como a liminar concedida por ele mesmo na madrugada de um sábado enfiando a colher de pau na eleição para a presidência do Senado.
É frágil esse arranjo que une adversários de antes num suposto pacto pró-superação da crise. Se der certo, aumentam as chances de a reforma da Previdência prosperar. Falta chamar um ator para o baile do entendimento: o Ministério Público, que organiza um indecente piquete contra a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pela perda de privilégios. E que vai tentar inviabilizar a reforma, pela mesma razão.
MEIO AMBIENTE
Brumadinho não mudou dogmas do governo para política ambiental. Mais do que a falsa polêmica sobre o que Ricardo Salles acha ou deixa de achar de Chico Mendes, a entrevista do ministro do Meio Ambiente ao Roda Viva foi ilustrativa de que a tragédia de Brumadinho, que resultou na morte de mais de 300 pessoas, não alterou a forma como ele e o governo Jair Bolsonaro enxergam a questão ambiental.
Nas palavras de Salles, fiscalização, regulamentação, licenciamento, preservação e metas são sempre sinônimos de estorvo ao desenvolvimento econômico, e não preocupação real que tem impacto na vida das pessoas e no futuro do País.
O ministro despreza estatísticas em nome de “causos” exóticos evocados para demonstrar a ineficiência da fiscalização e das normas.
O que colocará no lugar não fica claro. Mesmo depois de Brumadinho, segue falando em termos como autolicenciamento. Entope de ideologia o debate que pretensamente quer desideologizar. Nesse contexto, o que Salles acha de Chico Mendes é o menor dos problemas.
El País: Supremo se livra de CPI no Senado, mas segue na mira em Brasília e nas redes
Requerimento de CPI da ‘Lava Toga’ foi arquivado. Advogado promete apresentar pedidos de impeachment de ministros do STF que testarão nova composição da Câmara Alta
O Senado estava prestes a tensionar ainda mais a conturbada relação com o Poder Judiciário quando deu um passo atrás nesta segunda-feira. Em apenas um dia da semana passada, um senador novato, o ex-delegado da Polícia Civil Alessandro Vieira (PPS-SE), conseguiu obter as 27 assinaturas necessárias, ou nada menos que um terço da Casa, para abrir a Comissão Parlamentar de Inquérito apelidada de “Lava Toga”, uma CPI para investigar a atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Era o passo mais forte no contra-ataque desenhado pelos senadores, muitos investigados pelo próprio Supremo e incomodados com a decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, de referendar a eleição com voto secreto para presidente do Senado, no dia 2. Porém, depois do vazamento da informação de que o ministro do STF Gilmar Mendes estava sendo investigado pela Receita Federal e de uma série de articulações no fim de semana, três senadores retiraram o apoio à apuração: Tasso Jereissatti (PSDB-CE), Kátia Abreu (PDT-TO) e Eduardo Gomes (MDB-TO). O movimento obrigou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a arquivar o pedido de investigação.
“Em relação ao mal-estar, eu acho que o Parlamento é um Poder e precisa estar em harmonia com o Judiciário, assim como com o Executivo. Nada mais justo que as instituições funcionem”, ponderou Alcolumbre, instado a comentar se havia alguma animosidade com a Justiça.
O arquivamento, contudo, significa uma espécie de trégua temporária. O senador Vieira informou que estuda outras maneiras de obter apoio a investigação, se apresentando um novo pedido com outras 27 assinaturas ou apenas substituindo as que foram retiradas. “Essa não é uma demanda de um ou outro senador, mas de toda a sociedade. Não pode haver democracia se um poder for imune ao debate, críticas e fiscalizações”, afirmou ao EL PAÍS.
A ação do senador vem na esteira de uma série de manifestações nas redes sociais, principalmente entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que tenta minar a credibilidade das altas cortes e especialmente do STF. Há ao menos outras duas ofensivas em curso, que vão testar seu poder de fogo nas próximas semanas e meses. Movimentos sociais e ativistas prometem apresentar mais uma série de pedidos de impeachment de ministros do STF, que tramitam pelo Senado. Enquanto isso, na Câmara, há um movimento incipiente para derrubar a Proposta de Emenda à Constituição que aumentou de 70 para 75 anos a idade da aposentadoria compulsória dos ministros do STF e de tribunais superiores. Se revogada a chamada PEC da Bengala, o Governo Bolsonaro poderia indicar até quatro nomes para o STF até o fim do mandato –uma das agitadoras da campanha é a deputada Bia Kicis (PSL-DF).
"Ativismo judicial" e Gilmar Mendes
Em seu requerimento que solicitava a abertura da CPI, o senador Vieira ressaltava quatro razões para investigar as Cortes, que ele as definiu como distorções do funcionamento dos tribunais: 1) uso abusivo de pedidos de vista para retardar ou inviabilizar decisões do plenário; 2) o frequente desrespeito ao princípio do colegiado; 3) a distinção entre o lapso de tramitação de pedidos, a depender do interessado e; 4) a participação de ministros em atividades econômicas incompatíveis com a Lei Orgânica da Magistratura. “Temos até ministros empresários. E isso não pode, o magistrado só pode ser juiz ou professor, qualquer atividade fora disso é irregular”, disse o senador.
Há 20 anos, uma CPI do Judiciário foi a responsável por ajudar a polícia a desvendar os desvios de 169 milhões de reais da construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. O caso resultou na futura condenação do então senador Luiz Estevão e do juiz Nicolau dos Santos Neto, que ficou nacionalmente conhecido como Lalau.
Na frente dos movimentos sociais e ativistas, o primeiro alvo de pedidos de impeachment deve ser Gilmar Mendes, que já teve cinco requerimentos do tipo arquivados pelo Senado em anos anteriores. Uma reportagem da revista Veja publicada na semana passada mostrou que Mendes e sua esposa, a advogada Guiomar Mendes, são investigados por auditores da Receita Federal por delitos como corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência. O documento obtido pela revista mostra que os fiscais da Receita afirmam, de forma genérica que “o tráfico de influência normalmente se dá pelo julgamento de ações advocatícias de escritórios ligados ao contribuinte ou seus parentes, onde o próprio magistrado ou um de seus pares facilita o julgamento”.
Assim que a informação vazou, Mendes pediu que o Supremo tomasse providências. No mesmo dia, o Ministério da Economia determinou a abertura de uma sindicância para investigar os investigadores. Em nota, a Receita negou que haja provas contra Mendes e a mulher. Em sua defesa, o ministro negou qualquer irregularidade, afirmou que a Receita não pode se transformar na Gestapo (a polícia política do nazista alemão Adolf Hitler), reclamou de abuso de poder e que é alvo de ataques de sua reputação. “Causa enorme estranhamento e merece ponto de repúdio o abuso de poder por agentes públicos para fins escusos, concretizado por meio de uma estratégia deliberada de ataque ‘reputacional’ a alvos pré-determinados”, reclamou o magistrado ao presidente do STF, Antonio Dias Toffoli.
Outros pedidos devem ser apresentados contra os ministros Toffoli e Ricardo Lewandowski. O anúncio foi feito pelo advogado e jurista Modesto Carvalhosa em sua conta no Twitter. A reportagem não conseguiu entrar em contato com esse advogado. Ele é autor de outros dois pedidos que acabaram arquivados. Dos 11 ministros da atual composição do Senado, oito já foram alvos de 20 pedidos de impeachment desde o ano de 2008, todos arquivados pelo presidente da ocasião. Além de Mendes, Toffoli e Lewandowski, já houve tentativas de destituição de Roberto Barroso, Luiz Fux, Marco Aurélio Mello, Edson Fachin e Rosa Weber. Apenas Celso de Mello, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes não responderam a nenhuma representação. O principal argumento para o arquivamento era "inépcia da inicial", ou seja, que não havia a comprovação de delitos cometidos pelos denunciados.
O Globo: Receita Federal vai investigar auditores que investigam Gilmar
Ao saber de devassa feita por auditores fiscais, ministro do STF pediu providências ao presidente da Corte; Toffoli enviou ofícios à Fazenda e à procuradora-geral da República para adoção de ‘providências cabíveis’
Gilmar tem foro privilegiado e só pode ser investigado pelo próprio Supremo
Bela Megale, Daniel Gullino e Carolina Brígido, de O Globo
O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, determinou que a Corregedoria do órgão apure em que circunstância auditores da instituição instauraram investigação sobre o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão foi ratificada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Ontem, a revista “Veja” revelou que a Receita trabalha para identificar “focos de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” por parte de Gilmar e de Guiomar Mendes, mulher do magistrado.
Um relatório de maio de 2018 apontou uma variação patrimonial de R$ 696.396 do ministro em 2015, considerada sem explicação. O documento afirma que Guiomar “possui indícios de lavagem de dinheiro”. Em 2016, o casal movimentou R$ 17,3 milhões.
O documento diz ainda que o “tráfico de influência normalmente se dá pelo julgamento de ações advocatícias de escritórios ligados ao contribuinte e seus parentes, onde o próprio magistrado ou um de seus pares facilita o julgamento”.
Ao tomar conhecimento da notícia, Gilmar Mendes pediu providências ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli. Toffoli, por sua vez, enviou ofícios a Cintra, Guedes, e à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitando a “devida apuração e adoção das providências cabíveis”.
“O secretário Especial da Receita Federal, Marcos Cintra, tomou conhecimento dos fatos narrados pelo ministro Gilmar Mendes e que foram objeto de comunicação enviada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, recebida nesta data. O secretário determinou, imediatamente, que a Corregedoria da Receita Federal inicie a devida apuração dos mesmos”, diz a nota do Ministério da Economia divulgada ontem.
“A decisão, tomada pelo secretário especial da Receita Federal, foi ratificada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao tomar conhecimento do Ofício nº 021/ 2019-GP, também encaminhado pelo Presidente do STF e que trata dos mesmos fatos”, concluiu o o texto.
No ofício enviado a Toffolli, Gilmar aponta “abuso de poder” por parte dos fiscais da Receita. “Causa enorme estranhamento e merece ponto de repúdio o abuso de poder por agentes públicos para fins escusos, concretizado por meio de uma estratégia deliberada de ataque reputacional a alvos pré-determinados”.
O ministro do Supremo também pediu a “adoção de providências urgentes" para “apurar a responsabilidade por eventual ilícito” e destacou que “nenhum fato concreto é apresentado” nos documentos publicados pela revista.
Gilmar destaca ainda que iniciativa como essa investigação não é “inovadora”. “Referida casuística, aliás, não é inovadora, nem contra a minha pessoa e nem contra membros do Poder Judiciário, em especial em momentos em que a defesa de direitos individuais e de garantias constitucionais desagrada determinados setores ou agentes”, afirmou. Como ministro do STF, Gilmar tem direito ao foro privilegiado e só pode ser investigado criminalmente pela própria Corte.
Em nota, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) afirmou que “nada há de ilegal ou anormal na existência de investigação na vida fiscal do Ministro Gilmar Mendes” e destacou que as autoridades tributárias devem ter um rigor maior em relação às chamadas pessoas politicamente expostas, grupo que incluiu ministro do STF, porque há “maior risco de se envolverem em casos de corrupção”.
“O que deve ser ressaltado é que não há qualquer justificativa, moral ou legal, portanto, para qualquer nível de indignação do referido ministro do STF ou de qualquer outra autoridade pública quanto à existência da investigação de sua vida fiscal”, diz o texto da Unafisco.
A associação ressaltou que os auditores fiscais têm o dever de manter o sigilo das investigações, e que “eventual quebra de sigilo deve ser rigorosamente apurada e punida”. A nota afirma, no entanto, que a apuração sobre uma eventual quebra de sigilo não pode “causar qualquer prejuízo à continuidade das investigações”.
O Estado de S. Paulo: STF vê digitais de Onyx e retaliação em discussão sobre CPI do Judiciário
Integrantes do STF ouvidos pelo Estadão/Broadcast afirmam que ministro da Casa Civil tem atuado nos bastidores para abrir colegiado e mirar a Suprema Corte
Rafael Moraes Moura e Amanda Pupo, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA – Integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) veem as digitais do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), nas movimentações do senador Delegado Alessandro Vieira (PPS-SE) para abrir uma comissão parlamentar de inquérito(CPI) e investigar o “ativismo judicial” de tribunais superiores do País. O parlamentar já coletou as 27 assinaturas necessárias e, agora, o pedido passará por uma análise da Secretaria-Geral da Casa.
Para integrantes do STF ouvidos pelo Estadão/Broadcast Político sob a condição de anonimato, a “CPI do Judiciário” – voltada em tese para investigar a atuação de tribunais superiores – mira na verdade a Suprema Corte. O STF foi palco de decisões recentes que atingiram os interesses do Congresso Nacional, como a determinação na madrugada do último sábado (2) do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, para que a votação de escolha do novo presidente do Senado fosse fechada, conforme previsto no regimento interno da Casa.
A decisão de Toffoli foi interpretada por senadores como uma forma de favorecer Renan Calheiros (MDB-AL), que acabou desistindo da disputa após parlamentares decidirem abrir o voto e revelar quem escolheram para chefiar a casa.
Ao apresentar o pedido de criação da CPI, o senador Delegado Alessandro Vieira apontou o “uso abusivo de pedidos de vista ou expedientes processuais para retardar ou inviabilizar decisões do plenário” e a “diferença abissal do lapso de tramitação de pedidos, a depender do interessado” – dois pontos que dizem respeito ao funcionamento interno da Corte.
“Não deveria haver lugares para ideologias, paixões ou vontades no Judiciário, contudo, fato é que o País tem testemunhado com preocupante frequência a prevalência de decisões judiciais movidas por indisfarçável ativismo político, muitas vezes ao arrepio da própria Constituição”, diz o pedido de abertura da CPI.
TIMING. Integrantes do STF também apontam o péssimo timing nas movimentações de parte dos senadores para a criação da CPI. Eles destacam que enquanto uma ala dos parlamentares busca retaliar o Poder Judiciário, o presidente Dias Toffoli aposta as fichas em um pacto nacional republicano com os chefes dos demais poderes para construir um caminho que garanta a aprovação de reformas, como a previdenciária.
A avaliação é a de que enquanto a cúpula dos poderes está com discurso afinado pró-reformas, senadores “aloprados” – novatos e do baixo clero – buscam tensionar o ambiente e atingir o Supremo Tribunal Federal como um todo.
Procurada, a assessoria da Casa Civil não havia se manifestado até a publicação deste texto.