STF
Bruno Boghossian: Supremo corre o risco assumir o papel de carcereiro
Tribunal não conseguirá escapar de responsabilidade final por punições no país
Ministros do STF costumam lamentar que o tribunal tenha se afastado aos poucos de seu papel de guardião da Constituição para se tornar uma corte criminal. Ao analisar pela terceira vez em dez anos os critérios da execução de penas de prisão, o tribunal se arrisca a acumular também a função de carcereiro.
As nuances do julgamento, que começou na semana passada e prossegue nesta quinta-feira (24), lançaram ao Supremo a missão de definir quem deve ficar atrás das grades e quem tem o direito de ficar na rua. Em certos momentos, o debate sobre as leis ficou em segundo plano.
"Quando você prende alguém, não é por prazer. É porque você está protegendo pessoas e instituições", disse Luís Roberto Barroso, que defende a prisão após condenação em segunda instância. "É mais bacana defender a liberdade que mandar prender, mas eu tenho que evitar o próximo estupro, o próximo homicídio."
As divisões internas e as artimanhas adotadas pelos ministros produziram a contaminação das tarefas do tribunal. A manipulação da pauta do STF para adiar o julgamento da questão, a vinculação irremediável dessas ações com o caso Lula e a desinformação levada para dentro do plenário rebaixaram a corte.
Esse é um dos efeitos do "populismo judicial" citado no voto de Alexandre de Moraes. "Prestar contas à sociedade é obrigação do STF e de todo o Judiciário. Mas isso não se faz covardemente", afirmou o ministro.
Prender quem deve estar preso e soltar quem deve estar solto, além de não ser tarefa simples, torna o STF depositário de injustiças. Seja qual for o resultado agora, o Supremo não conseguirá escapar da responsabilidade final nas punições aplicadas a criminosos no país.
Se o tribunal decidir que uma condenação em segundo grau é suficiente para levar alguém para a cadeia, precisará revisar em tempo justo as contestações a essas sentenças. Caso defina que a prisão vale apenas após o esgotamento de todos os recursos, terá a missão de concluir os casos com a mesma celeridade.
Bernardo Mello Franco: O bolsonarismo quer aparelhar o Supremo
O bolsonarismo quer revogar a PEC da Bengala, que elevou a idade em que os ministros do Supremo se aposentam. O objetivo é aparelhar a Corte e reduzir limites ao poder presidencial
Na campanha, Eduardo Bolsonaro expôs uma receita para submeter o Judiciário: “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo”. Seu pai propôs uma fórmula alternativa: aumentar o número de cadeiras de 11 para 21, o que lhe permitiria indicar dez ministros de uma vez.
As duas ideias ficaram pelo caminho, mas o bolsonarismo não desistiu de aparelhar o tribunal. Há duas semanas, a deputada Bia Kicis propôs mudar a Constituição para antecipar a aposentadoria dos atuais ministros. Se o texto for aprovado, os juízes que já fizeram 70 anos terão que despir a toga e vestir o pijama. Isso dobraria o número de vagas à disposição do presidente até 2022.
Pela regra atual, Bolsonaro poderá indicar os substitutos de Celso de Mello e Marco Aurélio Mello. Com a mudança, ele também escolheria os sucessores de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Dos 53 deputados do PSL, 46 subscreveram o texto. Na segunda-feira, Joice Hasselmann declarou que trocar ministros do Supremo “seria muito bom”. “Se a gente derrubar a PEC da Bengala, a gente numa lapada já tira dois, três”, empolgou-se.
A PEC que elevou a idade de aposentadoria para 75 anos foi aprovada em 2015, com o voto de Bolsonaro. O objetivo da proposta, articulada por Eduardo Cunha, era impedir que Dilma Rousseff indicasse mais cinco ministros do STF. Agora que chegou ao Planalto, o presidente quer desfazer a mudança em causa própria.
O bolsonarismo vê o Judiciário como um obstáculo a seu projeto político. O Supremo já criminalizou a homofobia, barrou o Escola sem Partido e derrubou a canetada que retirava da Funai a demarcação de terras indígenas. Apesar de algumas fraquejadas, a Corte ainda impõe limites ao poder do presidente. É isso que o capitão e seus soldados querem neutralizar.
Líderes autoritários não gostam de tribunais independentes. No ano passado, o governo de extrema direita da Polônia promoveu um expurgo na Suprema Corte. Depois teve que recuar, sob pressão da União Europeia. A Hungria criou um sistema judicial paralelo, subordinado ao Executivo. A medida fortaleceu o premiê Viktor Orbán, um dos autocratas mais cortejados por Bolsonaro.
O bolsonarismo quer revogar a PEC da Bengala, que elevou a idade em que os ministros do Supremo se aposentam. O objetivo é aparelhar a Corte e reduzir limites ao poder presidencial
Na campanha, Eduardo Bolsonaro expôs uma receita para submeter o Judiciário: “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo”. Seu pai propôs uma fórmula alternativa: aumentar o número de cadeiras de 11 para 21, o que lhe permitiria indicar dez ministros de uma vez.
As duas ideias ficaram pelo caminho, mas o bolsonarismo não desistiu de aparelhar o tribunal. Há duas semanas, a deputada Bia Kicis propôs mudar a Constituição para antecipar a aposentadoria dos atuais ministros. Se o texto for aprovado, os juízes que já fizeram 70 anos terão que despir a toga e vestir o pijama. Isso dobraria o número de vagas à disposição do presidente até 2022.
Pela regra atual, Bolsonaro poderá indicar os substitutos de Celso de Mello e Marco Aurélio Mello. Com a mudança, ele também escolheria os sucessores de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Dos 53 deputados do PSL, 46 subscreveram o texto. Na segunda-feira, Joice Hasselmann declarou que trocar ministros do Supremo “seria muito bom”. “Se a gente derrubar a PEC da Bengala, a gente numa lapada já tira dois, três”, empolgou-se.
A PEC que elevou a idade de aposentadoria para 75 anos foi aprovada em 2015, com o voto de Bolsonaro. O objetivo da proposta, articulada por Eduardo Cunha, era impedir que Dilma Rousseff indicasse mais cinco ministros do STF. Agora que chegou ao Planalto, o presidente quer desfazer a mudança em causa própria.
O bolsonarismo vê o Judiciário como um obstáculo a seu projeto político. O Supremo já criminalizou a homofobia, barrou o Escola sem Partido e derrubou a canetada que retirava da Funai a demarcação de terras indígenas. Apesar de algumas fraquejadas, a Corte ainda impõe limites ao poder do presidente. É isso que o capitão e seus soldados querem neutralizar.
Líderes autoritários não gostam de tribunais independentes. No ano passado, o governo de extrema direita da Polônia promoveu um expurgo na Suprema Corte. Depois teve que recuar, sob pressão da União Europeia. A Hungria criou um sistema judicial paralelo, subordinado ao Executivo. A medida fortaleceu o premiê Viktor Orbán, um dos autocratas mais cortejados por Bolsonaro.
Elio Gaspari: O Supremo encalacrou-se
Egos inflados e idiossincrasias contribuem para colapso da colegialidade do tribunal
Pelo andar da carruagem o Supremo Tribunal Federal derrubará a prisão dos condenados numa segunda instância. Tradução: quem tem dinheiro para pagar advogados fica solto, quem não tem, rala.
Uma banda do debate diz que deve ser assim porque isso é o que diz a Constituição. Não é. Se fosse, o mesmo tribunal não teria decidido duas vezes que o condenado na segunda instância deve ficar preso.
Acima da divergência entre os ministros está a perda da colegialidade dos 11 escorpiões que vivem na garrafa da corte. Quem chamou os juízes da Suprema Corte americana de escorpiões engarrafados foi o grande Oliver Wendell Holmes, mas lá eles se cumprimentam com aperto de mão antes e depois de cada sessão. Aqui, em alguns casos, nem isso.
O ministro Gilmar Mendes tem horror a comparações com o funcionamento da Corte Suprema, mas lá os nove ministros procuram harmonizar suas divergências. Quando um de seus juízes escreve o voto da maioria, ou a dissidência da minoria, circula seu texto entre os colegas e discute emendas ou supressões.
Tudo isso é feito em sigilo, num trabalho que exige paciência e tolerância. Em raros casos, quando a corte percebe que tomará uma decisão crucial, o presidente (cuja função é vitalícia), costura uma possível unanimidade. Às vezes consegue.
No caso da prisão depois da segunda instância o Supremo está dividido à maneira dos jogos de futebol, com um time ganhando e outro perdendo. No balcão da lanchonete entende-se esse critério, o que não se entende é que o time derrotado em fevereiro e outubro de 2016 por 7 a 4 e 6 a 5 possa mudar o resultado num replay. Afinal, futebol é coisa séria.
Apesar dos esforços de alguns ministros, tudo indica que se caminha para um choque de absolutos. Numa discussão de botequim ou numa reunião de condomínio surgiria uma voz moderadora propondo uma válvula.
Por exemplo: o condenado na segunda instância poderia recorrer ao Superior Tribunal de Justiça, que deveria julgar o caso em até 120 dias. Esse mecanismo daria uma folga à turma que tem dinheiro para pagar advogado, mas anularia a fé exclusiva nas manobras procrastinatórias. Até agora, nada feito.
A rejeição da válvula indica um colapso da colegialidade do tribunal. Para isso contribuíram, entre outros fatores, egos inflados, idiossincrasias e concepções.
Há cortes cujos juízes têm carros e motoristas pagos pela Viúva, mas não se sabe de outra na qual seus veículos usem três chapas, uma de bronze (“sabe com quem está chegando”) outra com fundo branco (indicativa do serviço público) e a terceira, igual à dos contribuintes, sugerindo que os ilustres passageiros são pessoas comuns, ou impedindo que se saiba que não o são.
A Operação Lava Jato perdeu a túnica de vestal que cobria o juiz Sergio Moro e o trabalho de seus procuradores, mas sua essência persiste: ela botou na cadeia gente que praticava crimes na certeza da impunidade. Revogada a segunda instância, restabelece-se o sistema que, há dez anos, num passe de mágica, esfarelou a Operação Castelo de Areia.
À época, o STJ blindou a empreiteira Camargo Corrêa e o Supremo ratificou a decisão. Passou o tempo, mudaram os modos e a Camargo foi a primeira vaca sagrada a colaborar com o governo. Hoje ela trabalha com outro compasso.
Fernando Gabeira: O bode na sala
Os pobres continuarão presos. O STF não se lembra deles, exceto em episódicas campanhas de mutirão
Prometi a mim mesmo que não faria, esta semana, mais um artigo defendendo prisão em segunda instância. Não são nossos argumentos que pesam.
Os ministros do STF já estão decididos. Tudo o que podem fazer é ampliar o prazo do anúncio da decisão. Usar de novo a tática do bode na sala. Anunciam ou indicam uma decisão arrasadora para uma semana e guardam sete dias mais para apresentar algumas atenuantes. Esperam com isso reduzir o desgaste de sua imagem, que não é pequeno.
Durante muito tempo, acalentaram essa decisão. Esperaram cuidadosamente o momento ideal. Ganharam a simpatia agradecida de Bolsonaro pelo gesto de proteção ao filho, encalacrado no Rio. Foi um gesto tão amplo que paralisou, por tabela, um grande número de investigações baseadas em operações financeiras.
Observaram o desgaste de Moro. De vez em quando, deram um empurrão com frases indiretas ou mesmo o discurso desqualificador de Gilmar Mendes. O otimismo que alguns tiveram com as eleições não se justificou. Nem governo nem Congresso decidiram enfrentar a corrupção de frente.
Está tudo começando, diziam alguns. Estão sendo sabotados, acreditavam outros. A qualquer momento as coisas podem mudar, concluíam.
Não mudam fácil no Brasil. Um dos dramas que nos perseguem é este: ser governado por ladrões ou ditadores. Nos momentos históricos piores, as duas características se concentram num só governo.
Mas existem alguns fatores que podem libertar dessa inevitabilidade. Um deles é a inter-relação cada vez mais estreita do Brasil com o mundo.
A volta da tolerância com a rapina pode nos trazer inúmeras dificuldades. Entrar na OCDE, por exemplo, vai para o espaço. Atrair investidores sérios também será problemático, pois, certamente, o esquema de propinas vai ser restabelecido.
Os juízes dizem que não. A esquerda limita-se a afirmar que isso não tem importância: a corrupção é uma nota de pé de página na brilhante história que pretende escrever.
Um outro fator é o nível de informação da sociedade, num período de revolução tecnológica. Nunca se falou tanto de política e, com todas as distorções, as pessoas hoje têm mais consciência do que se passa, conhecem mais a realidade.
Um dos argumentos que usam contra a decisão dos ministros não me emociona: o de que milhares de presos serão libertados.
Desde quando o país mudaria com uma simples decisão de 11 ministros? As prisões estão abarrotadas, e muitas pessoas nem foram julgadas, quanto mais em segunda instância.
O fim da prisão em segunda instância tem um alvo inequívoco: os políticos envolvidos na Lava-Jato e outras operações. Os pobres continuarão presos. O Supremo não se lembra deles, exceto em episódicas campanhas de mutirão. O que os interessa mesmo é julgar e absolver os iguais.
Viveremos, segundo eles, num estado de direito perfeito. Os advogados vão celebrar, os partidos vão celebrar, mas todos sabemos que esse estado de direito concebido por eles apenas autoriza o saque aos recursos nacionais, sem nenhum perigo de cadeia.
Há duas perspectivas para os grandes ladrões: empurrar o processo até a prescrição ou levar para o túmulo o risco de ser preso. As consequências de decisões como essa trazem um profundo descrédito na democracia. E aí reside o perigo maior. Esgotadas as formas legais de combate, sobretudo as desenvolvidas pela Lava-Jato, a memória de muitos se volta para os militares.
Os próprios militares, indiretamente, dão sinais de descontentamento com a volta da impunidade. Mas eles também se comprometeram com o governo Bolsonaro. E sem examinar algumas evidências. Bolsonaro não combateu a corrupção de frente no seu período de deputado. Ele era do PP, apoiou o Severino Cavalcanti.
Mesmo se Bolsonaro fosse de fato decidido nesse campo, dificilmente teria competência para enfrentar STF, Congresso, partidos, parte da burocracia estatal, grandes advogados.
Ele encontrou a coexistência pacífica com as diferentes dimensões do poder. Aliás, os militares sempre foram contra a corrupção de esquerda. Na hora H, abraçavam os seus aliados, como foi o caso de Maluf na eleição indireta para a Presidência da República.
O buraco é mais embaixo. Nenhuma força política isolada conseguirá desatar o nó da impunidade. É tarefa de longo alcance.
Bernardo Mello Franco: Supremo criou o abacaxi Lula
O Supremo criou o abacaxi que começará a descascar hoje. Quando um partido nanico questionou a prisão em segunda instância, Lula nem havia sido denunciado pelo MP
O Supremo criou o abacaxi que começará a descascar hoje, com transmissão ao vivo na TV. Em maio de 2016, um partido nanico questionou se a Constituição permitia a prisão de réus condenados em segunda instância. Michel Temer acabara de assumir a Presidência e Lula ainda nem havia sido denunciado pela Lava-Jato.
Em dezembro de 2017, o ministro Marco Aurélio Mello informou que estava pronto para levar o caso ao plenário. Lula continuava livre e a então presidente do Supremo, Cármen Lúcia, recusou-se a marcar o julgamento. Seu sucessor, Dias Toffoli, sentou-se sobre a ação por mais um ano e um mês. Ela só começará a ser julgada hoje, 682 dias depois do pedido do relator.
“Houve uma manipulação da pauta”, critica Marco Aurélio. Ele sustenta que o tribunal deveria ter julgado logo a tese genérica, mas se curvou a “pressões indevidas”. Com o tempo, as pressões só aumentaram. Agora a opinião pública enxerga o caso como um novo julgamento do ex-presidente. Se o Supremo mudar a regra atual, Lula deverá ser libertado.
Em dezembro de 2018, Marco Aurélio mandou soltar todos os réus que ainda poderiam recorrer a instâncias superiores. Horas depois, Toffoli derrubou a liminar. “Foi uma decisão totalitária e autoritária. Ele partiu para a autofagia ao cassar minha decisão”, reclama o relator.
Na semana que vem, o presidente do Supremo deve defender uma “proposta intermediária”: os réus passariam a ser presos após condenação em terceira instância. Isso manteria Lula na cadeia, já que o recurso dele foi rejeitado pelo STJ. Para Marco Aurélio, a fórmula de Toffoli cheira a casuísmo. “Seria mais uma meia-sola constitucional”, afirma.
Ontem os dois ministros voltaram a se bicar longe das câmeras. Em sessão administrativa, Marco Aurélio questionou Toffoli sobre a ideia de reformar o museu do Supremo, ao custo de R$ 2,1 milhões. Ele confiou o projeto ao arquiteto Paulo Mendes da Rocha, sem licitação. “O país deve estar muito rico!”, ironizou Marco Aurélio. Sem acordo, a decisão sobre a obra foi adiada. “Acho que o presidente ficou aborrecido comigo”, diz o relator do julgamento de hoje.
Andrea Jubé: Supremo testa blindagem
Lula solto “desfulanizaria’ julgamento no STF
No começo de julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, comparou o colegiado à equipe do Capitão Nascimento: “quem está aqui, está todo dia numa Tropa de Elite, com todo mundo falando: pede pra sair". Ele afiançou que os ministros têm “couro” para resistir à pressão. Essa blindagem será testada no julgamento sobre a prisão após a condenação em segunda instância na sexta vez em que a Corte volta a debater o tema, a contar de 2009.
Se o clima não fosse de apreensão nos bastidores, com o STF sob bombardeio das redes sociais, o seguinte cenário não estaria sendo debatido: uma ala do tribunal acredita que se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitasse a progressão para o regime semiaberto aumentariam as chances de se formar a maioria contra a execução antecipada da pena.
Essa corrente argumenta que um cenário de Lula literalmente “livre” poderia “desfulanizar” o julgamento. Segundo esse grupo de ministros, com Lula solto, eventual declaração de inconstitucionalidade da prisão em segunda instância não seria recebida pela opinião pública como uma decisão “pró-Lula”.
De fato, os efeitos desse entendimento podem beneficiar cerca de 190 mil presos que segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cumprem a pena antecipada.
Essa avaliação interna do Supremo foi levada a Lula, mas o presidente resiste a aceitar a progressão da pena. Ele espera que o STF julgue o habeas corpus onde requereu a anulação do processo relativo ao triplex de Guarujá invocando a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça.
Lula está convicto de que a migração para o semiaberto fragiliza o discurso de “preso político”. Ele se veria submetido às mesmas condições que os ex-tesoureiros do PT João Vaccari Neto e Delúbio Soares: usaria tornozeleira, teria de morar em Curitiba e cumprir restrições de horários e de vida social. “Não quero uma pena mais leve, quero minha inocência”, disse à agência France 24.
Já o PT aguarda com ceticismo o julgamento porque dos três desfechos possíveis, apenas um deles beneficia Lula. 1) O STF pode manter o atual entendimento; 2) entender que a prisão após a condenação em segunda instância é ilegal; 3) modular o entendimento para que a execução provisória da pena comece logo após o julgamento do recurso pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a terceira instância do sistema brasileiro.
Apenas a segunda hipótese favorece Lula, porque o petista teve o apelo na ação sobre o triplex rejeitado pelo STJ. Se não for compelido a migrar para o semiaberto, ele permaneceria detido na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba porque já foi julgado pelo STJ.
Em julho, esta coluna informou que o ministro Alexandre de Moraes sinalizou a interlocutores o voto contrário à prisão em segunda instância. A se confirmar este aceno, o placar desta quinta-feira seria de 7 votos a 4 contra a execução da pena antes do esgotamento dos recursos.
Em abril do ano passado, no julgamento do habeas corpus que evitaria a prisão de Lula, Moraes posicionou-se a favor da prisão em segunda instância, e o placar favorável ficou em 6 votos a 5.
O placar esperado para quinta-feira é o seguinte: Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes julgariam inconstitucional a prisão em segunda instância. Parte deste grupo acompanha a modulação de Toffoli para que a detenção do condenado ocorra após a análise do apelo no STJ.
Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia votariam pela legalidade da prisão na segunda instância.
Como no julgamento anterior, Rosa Weber tende a acompanhar a maioria. E embora tenha julgado inconstitucional a prisão antecipada, o voto do decano Celso de Mello agora seria incerto, segundo uma fonte credenciada da Corte. São os votos de Moraes, Rosa Weber e do decano que podem formar o placar de 7 a 4.
O precedente favorável à prisão em segunda instância remonta a 2016, numa conjuntura de Operação Lava-Jato nas ruas e forte indignação popular. Por 6 votos a 5, o STF decidiu que um condenado deveria recorrer atrás das grades.
Dias Toffoli garante que a pressão social não influenciará os ministros. “Quem vem para cá tem que ter couro e tem que aguentar qualquer tipo de crítica”, afirmou no dia 1 de julho. Tomando a ferro e fogo a declaração, um cenário com “Lula preso” ou “Lula livre” não influenciaria a convicção dos julgadores.
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Em meio à vitória da aliança da esquerda na eleição para a Prefeitura de Budapeste, a ex-ministra e ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy começou a articular, sem alarde, a formação de uma frente única, encabeçada por ela, para concorrer à Prefeitura de São Paulo no ano que vem.
No último domingo, Gergely Karacsony derrotou o prefeito Istvan Tarlos, presidente do partido no poder - e aliado do primeiro-ministro Viktor Orbán - que tentava se reeleger. Karacsony atribuiu a vitória à unidade da oposição.
Marta, que está sem partido, se filiaria ao PDT, e concorreria com apoio de uma frente ampla formada por PSB, PCdoB e PT. O presidente do PDT, Carlos Lupi, diz que não há nada definido, mas um partido que mantém um candidato a presidente da República (Ciro Gomes) tem que ter candidato próprio na maior metrópole do país.
Lupi ressalva que a conversa com Marta ainda não ocorreu, e deve ser nesta ou na próxima semana. Ela está sem partido desde 2018, quando deixou o MDB sem tentar a reeleição ao Senado.
Mas a frente ampla sonhada por Marta não contaria com o PT. Petistas lembram que ela queimou todas as pontes quando deixou a sigla em 2015 atirando. Marta disse na época que o PT protagonizou "um dos maiores escândalos de corrupção que a nação brasileira já experimentou".
Ela também enfrentará resistência no PSB, que pretende lançar a candidatura do ex-governador Márcio França. No embate com João Doria em 2016, Marta ficou em quarto lugar, com 10% dos votos, atrás de Fernando Haddad (PT) e Celso Russomano (PRB).
Ranier Bragon: Aproxima-se a hora do acerto de contas entre STF, Lula e a Lava Jato
Pêndulo da história se move, e a Mãos Limpas brasileira encara seu julgamento
Receba minhas condolências se você foi um dos que acreditaram na lorota do capitão que, 28 anos depois de chefiar um clã suspeito de abrigar funcionários fantasmas, rachadinhas, checões do Queiroz e outras mutretas, chegaria para acabar com toda essa safadeza aí.
Esse conto do vigário fica mais evidente quando se constata que é justamente no governo e sob o beneplácito de Jair Bolsonaro que o Supremo Tribunal Federal parece ter encontrado força política para o acerto de contas com a maior operação anticorrupção do país, a Lava Jato.
O pêndulo da história se moveu e, por uma série de fatores, ministros se veem agora seguros para confrontar a Mãos Limpas brasileira e seus evidentes abusos, cometidos sob a guarida de seus inegáveis méritos.
Bolsonaro queda-se mudo, feliz com a liminar do tribunal que barrou as investigações contra o filhote Flávio --e que afetou outras, por tabela, mas se o filé mignon da prole está garantido, que se dane o resto.
Nesta quinta (17), o STF inicia a sessão que pode rever a permissão de prisão após a segunda instância. O atual entendimento da corte é um marco contra a impunidade, mas essa não é uma mera questão legal.
Personagem de 9 a cada 10 frases de bolsonaristas e preso há 556 dias, o ex-presidente Lula pode se beneficiar tanto dessa reviravolta quanto do julgamento, em breve, da suspeição de Sergio Moro --ex-manda-chuva da Lava Jato e hoje bolsonarista-- na condução de seu caso.
Há fortes indicativos de que Lula recebeu favores imorais nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. Como qualquer um, porém, merecia julgamento imparcial e punição condizente com o delito, caso provado. Os atos processuais e os indícios de conluio entre Moro e acusadores revelados pela Vaza Jato mostram cenário diverso e expõem ainda mais o exagero da pena aplicada pelo ex-juiz (9 anos e meio) e reajustada pelo lava-jatista TRF-4 (12 anos). Ao que tudo indica, aproxima-se a hora do acerto de contas entre o Supremo, Lula e a Lava Jato.
Marcelo de Moraes: STF pode derrubar prisão após condenação em segunda instância e lavajatistas reagem
O ministro Dias Tóffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, marcou para a próxima quinta o julgamento de três ações que questionam a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. O resultado pode atingir cerca de 193 mil presos, incluindo o ex-presidente Lula.
Pressão. Imediatamente depois do anúncio, a bancada lavajatista no Congresso começou a se mobilizar para pressionar os ministros do Supremo a manter a prisão após a condenação em segunda instância. A gritaria foi grande no Parlamento. "A prisão após a condenação em segunda instância é uma medida para evitar a impunidade. As ações que correm nas instâncias superiores, STJ e STF, são meramente protelatórias. Ou seja, não se julgam os fatos, e sim questões processuais, com o único objetivo de adiar o cumprimento da pena. Caso o STF decida rever a decisão, 193 mil condenados podem ser beneficiados, entre eles o ex-presidente Lula, o que é inaceitável", criticou o senador Marcos Rogério (DEM-RO).
Fim do mundo? Integrantes da Força Tarefa da Lava Jato também se colocaram contra a possibilidade de derrubada da prisão após a condenação em segunda instância por entender que as investigações feitas até hoje poderiam ser comprometidas. Mas havia ceticismo até mesmo do ministro da Justiça, Sérgio Moro, em relação à mudança de interpretação do Supremo.
Novela infinita. O grande problema é que a questão da segunda instância se transformou numa novela interminável dentro do Supremo por conta da prisão de Lula. Volta e meia, o mesmo assunto retorna à pauta, com outro enfoque, mas, no fundo, tratando sempre de algo relacionado à prisão de Lula.
Equilíbrio. E outro problema é que a interpretação dos ministros sobre o assunto é muito dividida. Qualquer decisão que venha a ser tomada pode ser definida por um voto de diferença. E, sem maioria clara, o debate vai se eternizando.
Centrão ajudando Lula? Outra decisão pode também favorecer o ex-presidente no Congresso. A CPI do BNDES tenta aprovar o relatório que pediu o indiciamento de mais de 70 pessoas, incluindo os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, além de Joesley e Wesley Batista por envolvimento em irregularidades em operações feitas pelo banco no exterior. Um acordão envolvendo deputados da esquerda com setores do Centrão se organiza para derrubar o indiciamento de Lula e Dilma.
Absurdo. Conversei com o presidente da CPI, deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), sobre essa possibilidade. "Isso seria um absurdo", disse. "A CPI fez um trabalho muito bom, investigando as irregularidades com muita responsabilidade. Se esse movimento acontecer corremos o risco de jogar fora um trabalho muito bom. Prefiro não acreditar que isso possa ocorrer", disse. O relatório precisa de 18 votos favoráveis para ser aprovado.
Eliane Cantanhêde: STF se meteu numa enrascada
Não há votos para as soluções colocadas e não há outras para substituí-las
A verdade nua e crua é que o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu adiar a decisão sobre regras para as alegações finais de réus delatados por um único motivo: um impasse. Não há votos para as soluções colocadas e não há outras para substituí-las.
Mais ou menos como o Reino Unido se meteu numa enrascada ao decidir pelo Brexit sem ter articulado as regras para a saída da União Europeia, os ministros se meteram também numa grande confusão ao diferenciar o réu delatado do réu delator, definir que o delatado tem a última palavra e criar mais uma interrogação sobre a extensão da decisão e sobre o futuro da Lava Jato.
O presidente da Corte, Dias Toffoli, tentou articular uma solução mista para reduzir o impacto, juntando duas regras: a primeira é a de que só terá direito à anulação de sentença o delatado que tiver reclamado desde a primeira instância para falar por último; a segunda é a de que haja comprovação de “prejuízo” do réu com a manifestação final do delator.
As duas regras são altamente polêmicas. A proposta de Toffoli faz o oposto do que o habitual, garantindo direito retroativo, não daqui para a frente, porque só atinge quem, lá atrás, ainda na primeira instância, pediu direito para falar por último. Isso cria dois réus. Um é beneficiado porque pediu o direito antes da decisão do STF e o outro, não. Os dois têm a mesma situação, mas um se lasca e o outro se dá bem.
A outra regra proposta é igualmente complicada: haver ou não “prejuízo” para o réu carrega uma altíssima dose de subjetividade e acarretaria uma onda de recursos e pedidos de habeas corpus.
Diante da falta de uma saída, ou solução, a decisão foi adiada novamente, de hoje para a próxima semana. Assim como no Brexit, não há modelos razoáveis para “modular” a decisão que foi tomada antes pela Segunda Turma e, agora, é endossada pelo plenário por 7 votos a 4.
César Felício: Um voto de desconfiança
Congresso já tinha respondido a Moro; agora foi o STF
O alcance da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que potencialmente pode anular sentenças proferidas no âmbito da Operação Lava-Jato só deve ser conhecido na próxima semana. Há uma primeira vítima clara, contudo, chamada Sergio Moro. Para quem quer ser um integrante da corte suprema na próxima vaga que se abrir, é uma derrota e tanto.
O escândalo provocado pela divulgação dos diálogos de Moro com integrantes da Força-Tarefa, obtidos pelo site “The Intercept” em circunstâncias obscuras, chega plenamente ao estágio das consequências concretas. Se Moro foi contido na troca de mensagens, o mesmo não pode se dizer dos procuradores de Curitiba e quem paga a fatura política é o ministro. A aprovação do projeto de lei do abuso pelo Legislativo e a derrubada dos vetos presidenciais já havia sido uma resposta. Ontem ficou transparente o troco do Supremo. O ministro Gilmar Mendes deixou no ar o que motivava a decisão, em uma menção indireta a integrantes da Força-Tarefa. “Chamam-nos de vagabundos, falam mal do ministro Fachin, ultrapassam todos os limites, mentindo, e nós temos que honrar a Lava-Jato?! Precisamos honrar as calças que vestimos!”
É provável que a decisão do STF seja delimitada de modo a não ter um efeito disruptivo na cena política brasileira. É provável que dias, quando não semanas, ou quem sabe meses, sejam consumidos de forma febril nesta discussão. O fato é que não se tratou ontem, em termos políticos, naturalmente, de um julgamento a favor de alguém. O que houve foi um voto de desconfiança.
MDB
O MDB hoje é uma sombra do que já foi, mas o emedebismo segue saudável e mais vivo do que nunca. Desaparece a sigla como elemento central da política brasileira, mas, sobrevive o princípio, a razão de existir que tornou o partido protagonista do chamado presidencialismo de coalizão.
O que um dia foi o MDB hoje é representado pela soma deste partido com o Centrão, o DEM e o PSDB congressual. É um eixo moderador, ou diluidor, das vontades presidenciais: tudo que sai do Palácio do Planalto de uma forma transforma-se em outra depois de passar no Congresso dominado pelo emedebismo. O conceito formulado pelo filósofo Marcos Nobre para explicar a dinâmica política nos governos FHC, Lula e Dilma no primeiro mandato mostra sua resiliência.
Este eixo moderador tende a apoiar uma reeleição do presidente Jair Bolsonaro, na opinião do cientista político Carlos Pereira, da FGV do Rio, também estudioso do MDB. Analisando tanto casos brasileiros como de outros países, Pereira constatou que partidos sem definição ideológica clara e com grande base congressual tendem a crescer como linha auxiliar. Quando se tornam protagonista, sob a ribalta, encolhem.
Pereira lembra que em 2015 o então PMDB tinha a presidência das duas casas legislativas, a Vice-Presidência, sete governos estaduais, entre eles o do Rio de Janeiro e o do Rio Grande do Sul, 18 senadores, 66 deputados federais e seis ministérios. Ao optar por patrocinar uma ruptura política e disputar nas urnas a eleição presidencial no ano passado, o partido perdeu metade de seu tamanho, aproximadamente. “O PSDB e o PT, quando estiveram no poder, superaram crises de governabilidade nos momentos que estavam em sintonia com o PMDB”, comenta Pereira.
Os partidos que encarnam o emedebismo hoje piscam o olho para Luciano Huck, andam de mãos dadas com João Doria, mas gostariam mesmo de ser o esteio da governabilidade de Bolsonaro. O próprio PSDB, mesmo tendo um presidenciável óbvio como o governador de São Paulo, não foge a esta força centrípeta. Não é produto do acaso tucanos terem tido a relatoria da reforma da Previdência na Câmara e no Senado e terem estado no centro da negociação do lado do Executivo, por intermédio de Rogério Marinho. Doria deverá ser o candidato tucano, mas pode ter dificuldades de unir o partido contra o Planalto. O ar da oposição é rarefeito. A grande aliança com o Planalto, porém, não depende dos que encarnam hoje o emedebismo.
“A grande diferença entre Bolsonaro e antecessores é que ele não aposta em coalizão permanente, quer estabelecer uma aliança conforme a sua agenda no momento. Nada garante que estas coalizões pontuais se reproduzam nas eleições. O presidente se recusa a dar estas garantias”, diz Pereira. Ao demarcar esta distância do eixo moderador, o presidente aumenta o risco que ele próprio corre, segundo o cientista político. “Se escândalos se aproximarem de seu círculo mais íntimo, o presidente passa a estar sujeito a pautas-bomba, por exemplo”, afirma.
Desigualdade
Cinco meses seguidos de saldo líquido positivo na criação de empregos formais e o melhor agosto na geração de vagas desde 2013 são números tão eloquentes que mereceram comemoração presidencial anteontem pelo Twitter.
Há sinais de que já funciona, há algum tempo, a engrenagem que Bolsonaro prometeu acionar, a de que o trabalhador está sujeito a ter menos direitos para ter mais emprego. Isto porque a desigualdade no mercado de trabalho cresce, mesmo depois que a tendência de aumento do desemprego se deteve, conforme indicou o estudo
“Estagnação desigual: desemprego, desalento, informalidade e a distribuição de renda do trabalho no período recente” (2012-2019), de Rogério Jerônimo Barbosa, publicado este mês pelo boletim do Ipea,
O levantamento mostra que desemprego e desalento não são mais os motores para o crescimento da desigualdade. Tanto um como o outro pararam de crescer em 2017, primeiro pela expansão da informalidade e depois porque as perdas no setor formal se estancaram, após a lipoaspiração pela qual a CLT passou. Agora, registra o autor, as disparidades entre os trabalhadores são o principal fator. “ Benefícios e direitos típicos (e sazonais) do setor formal se tornaram mais escassos e concentrados”, indicou.
O crescimento de desigualdade constatado pelo estudo não é banal. Em 2014, os 50% mais pobres ficavam com 5,7% da renda obtida pelo trabalho. No primeiro trimestre de 2019, este percentual desceu para 3,5%. Já os 10% mais ricos tinham 49% e agora estão com 52%.
Igor Gielow: Maior derrota da Lava Jato mudará configuração política do país
Se condenação de Lula acabar sendo revista, aliados veem vantagem para Bolsonaro
Ainda é preciso saber o tamanho do estrago que a decisão do Supremo Tribunal Federal fará na prática sobre condenações da Operação Lava Jato, algo que será definido na modulação do julgamento da tarde desta quinta (26).
Mas uma coisa parece inexorável: salvo uma excepcional reação nas ruas do país em favor da Lava Jato, algo que as últimas manifestações indicaram ser improvável, a ação judicial e policial que mudou a paisagem política do Brasil recebeu seu maior golpe e dificilmente recuperará o ímpeto original.
Isso não significa que não haverá novas fases, com camburões e cenas midiáticas a que os brasileiros se acostumaram desde 2014. Em outras ocasiões, os integrantes da Lava Jato se mostraram diligentes em mostrar força dado o apoio com que contavam no imaginário popular.
Mas o Supremo colocou um freio no voluntarismo, de resto já bastante esvaziado, da turma de procuradores, policiais e juízes curitibanos. Haverá choro e ranger de dentes, mas talvez só isso.
A partir daqui, ainda sob o impacto das revelações do modus operandi da força-tarefa pelos vazamentos do The Intercept, o escrutínio sobre todos os procedimentos tenderá a ser redobrado. Se outros julgamentos acabarem sendo anulados e refeitos pelo tecnicismo encontrado em Brasília acerca dos delatores, muita energia será gasta antes de a operação retomar um norte.
Aqui fica a ressalva feita no começo do texto. A tal modulação vem sendo discutida com muito interesse nos meios jurídicos e políticos em Brasília porque, obviamente, ela determinará se Luiz Inácio Lula da Silva poderá deixar sua cela e voltar ao debate público.
Para vários atores, inclusive os militares que antes viam na soltura de Lula algo inaceitável, o petista na rua ou em casa é algo já "precificado", usando aqui o jargão do mercado financeiro.
Entre alguns aliados de Jair Bolsonaro (PSL), a hipótese já é vista até como boa: manterá um clima de flá-flu ainda mais acirrado, e a radicalização que o presidente vem abraçando nos últimos meses pode inclusive indicar uma preparação para essa realidade.
Mas isso ainda é muito hipotético, e Lula enfrentará outros julgamentos à frente. O mais importante, no momento, é o impacto que a decisão pode ter na configuração política do país.
Desde que a Lava Jato emergiu, a devastação que suas revelações provocaram estabeleceu uma nova régua para os políticos, que foram divididos entre culpados e inocentes, sem direito a zonas cinzentas. Isso foi determinante para a aniquilação do PT na eleição municipal de 2016 e um dos fatores centrais para a ascensão do bolsonarismo.
Daí a ironia óbvia, a de que o enterro da Lava Jato ocorra sob os olhares do mesmo Bolsonaro que tanto se apegou a ela como peça de campanha. Sergio Moro, seu combalido ministro da Justiça e símbolo da operação, tenderá a seguir como totem oco de uma época passada.
Naturalmente, os ganhos permanentes da Lava Jato estão colocados, e políticos redobram seus cuidados quando caem em tentação. Mas o esvaziamento simbólico da operação abre uma dúvida razoável sobre o que virá a seguir em termos de demanda do eleitorado.
Se os fichas limpas não mais serão as estrelas e a dita velha política ainda se arrasta após o terremoto que a abateu, o embate de 2020 que antecede o pleito presidencial de 2022 poderá trazer algum novo híbrido ao palco.
A alternativa, não desprezível, é a consolidação de uma dicotomia entre PT/esquerda e o bolsonarismo, o que sugere um pesadelo para as siglas e lideranças centristas.
Bruno Boghossian || Plano do governo para mudar Receita e Coaf reflete oportunismo
Aliança entre Planalto e STF contra abusos acelera esforço para estancar a sangria
O ex-senador Romero Jucá deve estar com inveja. Em poucos meses, o novo governo pôs de pé um pacote para estancar a sangria e redefinir a atuação de órgãos encarregados de fiscalizar atividades financeiras. A ideia ganhou velocidade rara depois que os farejadores se aproximaram da família do presidente e de outras autoridades.
Nas últimas semanas, o ministro Paulo Guedes anunciou a intenção de fatiar a Receita Federal e mudar a estrutura do Coaf —que produz relatórios sobre movimentações suspeitas de dinheiro. O objetivo declarado é limitar a influência política sobre as duas entidades e reduzir sua autonomia para evitar abusos.
Não foram poucas as ocasiões recentes em que órgãos de fiscalização ultrapassaram as fronteiras da lei, mas o movimento de reforma, por enquanto, cheira a oportunismo.
A atuação do Coaf e da Receita tem sido alvo de críticas justas das figuras mais poderosas da cena política. A insatisfação parece ter criado entre os personagens dispostos a frear esses excessos uma aliança incomum —com o Supremo, com tudo.
A decisão do ministro Dias Toffoli de suspender investigações baseadas em relatórios detalhados do Coaf, a pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, lançou a primeira ponte. O freio nos inquéritos deu respaldo à articulação do governo para fazer mudanças no funcionamento do órgão, especialmente depois que o presidente do conselho criticou o despacho de Toffoli.
O STF abriu mais um caminho ao mandar interromper apurações da Receita sobre movimentações financeiras de ministros do tribunal. Em pouco tempo, a equipe de Bolsonaro começou a esboçar um novo organograma para a entidade, a fim de circunscrever seus trabalhos.
A atuação ilegal de alguns auditores e servidores explica a reação, mas ela já nasce contaminada pelas circunstâncias políticas. Mudando algumas letras de lugar, o redesenho institucional pode muito bem se transformar num projeto de esvaziamento das estruturas de controle.