STF

Faixa pode ter sido usada por golpistas como escudo de proteção - Marcelo Camargo/Agência Brasil

PF investiga se vândalos bolsonaristas receberam treinamento antes do ataque a Brasília

Brasil de Fato*

A Polícia Federal (PF) investiga se parte dos golpistas apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) que invadiram a Praça dos Três Poderes em Brasília no último dia 8 de janeiro recebeu algum tipo de treinamento para encarar as forças policiais. A informação foi publicada nesta quinta-feira (19) em reportagem do jornal Valor.

Segundo a apuração do jornal, uma série de evidências demonstraria que ao menos uma parte do grupo tinha sido preparada para o confronto. O uso de máscaras e luvas por muitos dos invasores seria um desses indícios. As armas brancas também não parecem ter sido escolhidas por acaso: vários usavam soco inglês e estilingue.

Objetos como cabos de bandeiras, pedaços de pau e pedras também foram usados. Além disso, até mesmo uma faixa verde e amarela de grande pode ter sido levada pelo grupo para servir como proteção contra balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo.

A reação de parte dos bolsonaristas ao gás lacrimogêneo é um dos pontos que fizeram as suspeitas avançarem, segundo o Valor. Muitos resistiram aos efeitos do gás, que, além das lágrimas, causa tosse. Mesmo após o lançamento das bombas, integrantes do grupo seguiam determinados, o que teria chamado atenção dos policiais presentes.

Outro indício, apontou a reportagem, foi a maneira como a invasão ocorreu. Enquanto um grupo partiu para o Congresso, outras duas frentes seguiram rumo ao Palácio do Planalto e à sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em movimento aparentemente coordenado.

Após ter acesso aos dados sobre a investigação, o Valor procurou a PF para confirmar as informações, mas a corporação afirmou que não comenta investigações em andamento.

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Nota oficial: Intervenção Federal e punição rigorosa aos terroristas

Cidadania23*

Os atos terroristas que estarreceram o Brasil e o mundo neste domingo, em Brasília, com a invasão e a depredação do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, demonstram a total incapacidade, senão a desídia, do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e do ex-secretário de Segurança Pública Anderson Torres.

A rapidez com que a tentativa de golpe foi debelada evidencia que os crimes contra o Estado Democrático praticados por partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro poderiam ter sido impedidos caso houvesse o planejamento e o efetivo policial necessário. Mas houve, na realidade, como demonstram inúmeras imagens, conivência das autoridades locais.

Diante da gravidade do quadro, o Cidadania se manifesta pela intervenção no Governo do Distrito Federal a fim de restabelecer a ordem. Intervenção essa que não pode ficar restrita somente à área de Segurança Pública, medida mais imediata e igualmente necessária, uma vez que não precisa de aprovação do Congresso Nacional.

As cenas a que assistimos são inadmissíveis em qualquer país civilizado e democrático. Terroristas foram escoltados até a Praça dos Três Poderes por policiais militares, que também filmaram e conversaram amigavelmente com os golpistas. É preciso lembrar, no entanto, o óbvio: as forças de segurança responder a Ibaneis e Torres, que, mesmo tendo conhecimento das ameaças, cruzaram os braços.

Pior. Enquanto bolsonaristas radicalizados tentavam abolir o Estado Democrático de Direito e depor o governo legitimamente eleito em Brasília, as referidas autoridades estavam em Miami, tendo com o mentor intelectual do golpismo. A lei precisa alcançar todos aqueles que participaram desses crimes e os financiaram, direta ou indiretamente, por ação ou omissão. E as penas, as mais rigorosas possíveis.

É preciso que a sociedade brasileira repudie esses atos terroristas e permaneça firme e vigilante na defesa das instituições democráticas e dos Poderes da República.

Roberto Freire
Presidente Nacional do Cidadania

Alex Manente
Líder do Cidadania na Câmara

Eliziane Gama
Líder do Cidadania no Senado

Texto publicado originalmente no portal Cidadania23.


Decisão de Moraes vale a partir das 18h desta quarta-feira (28) - Nelson Jr./SCO/STF

Por segurança na posse, Moraes suspende porte de armas em Brasília até segunda-feira

Brasil de Fato*

Em decisão assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a suspensão temporária do porte e transporte de armas de fogo em todo o território do Distrito Federal, visando a segurança dos eventos de posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no próximo domingo (1º).

A medida vale para todo o território do Distrito Federal (DF) a partir das 18h desta quarta-feira (28), e se estenderá até a próxima segunda (2), dia seguinte às cerimônias que marcarão o início do novo mandato de Lula na presidência da República.

A decisão de Moraes atende a um pedido da equipe de transição de governo. As preocupações com a segurança das pessoas que estarão em Brasília para a posse cresceram depois que um homem foi preso ao tentar acionar uma bomba nos arredores do aeroporto da capital federal no último sábado (24).

Quem desrespeitar a decisão deverá ser detido em flagrante por porte ilegal. Serão afetados pela medida os chamados CACs, grupo composto por colecionadores de armas, atiradores e caçadores, que tiveram o acesso a armas e munição facilitado e incentivado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).

Integrantes das Forças Armadas, do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), da Polícia Legislativa, de empresas de segurança privada e de transporte de valores não serão afetados pela decisão de Moraes.

Texto publicado originalmente no Brasil da Fato.


Fernando Cerimedo durante sua participação na audiência pública | Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado

Bolsonaristas usam Senado para reciclar mentiras e atacar urnas, STF e TSE

Maiquel Rosauro*, Lupa

Bolsonaristas transformaram uma audiência pública no Senado, na quarta-feira (30), em palco para espalhar desinformação e pedir, abertamente, um golpe de estado. Lideranças ligadas ao presidente Jair Bolsonaro (PL) usaram uma reunião da Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle (CTFC), supostamente para discutir a fiscalização das inserções de propagandas políticas eleitorais, para renovar ataques às instituições, mentir sobre o processo eleitoral e pedir às Forças Armadas para que inviabilizem a diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A audiência foi conduzida pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que propôs a realização do encontro. Apesar do tema bastante específico — e alvo de uma ação malsucedida da campanha de Bolsonaro na reta final do segundo turno —, o senador cearense aproveitou a ocasião para dar espaço a parlamentares e influenciadores que buscavam atacar as urnas eletrônicas e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Um dos participantes foi o argentino Fernando Cerimedo, que ingressou de forma virtual. Ele voltou a mentir que nem todos os modelos de urna foram auditados. Essa informação é flagrantemente falsa e já foi desmentida em detalhes pela Justiça Eleitoral.

O presidente do Instituto Voto Legal, Carlos Rocha, defendeu o relatório produzido para o Partido Liberal (PL) que apontou falha nas urnas. O estudo diz que parte das urnas teria gerado arquivos de log (registros de atividade do sistema) em que não constam seus próprios códigos identificadores. Contudo, a falha não impacta a votação, já que as urnas, além do log, também contam com o Registro Digital do Voto (RDV) e o Boletim de Urna (BU).

Vários deputados aproveitaram a ocasião para afirmar, sem nenhum embasamento, que os resultados das urnas podem ter sido fraudados. Marcelo Moraes (PL-RS), por exemplo, disse que o relatório produzido pelas Forças Armadas mostra que "sim, é possível alterar o resultado nas urnas" e que o TSE não entregou o código-fonte dos aparelhos. Ambas as informações são falsas. 

O relatório das Forças Armadas, entregue após o segundo turno, diz que “não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento” (página 1), mas não apontou nenhuma evidência de fraude. Já o código-fonte foi analisado pelas Forças Armadas. Os deputados federais Gilson Fahur (PSD-PR) e Ubiratan Sanderson (PL-RS) também fizeram alegações falsas sobre supostas irregularidades nas urnas.

A audiência pública serviu, também, para atacar o TSE. O deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS) defendeu a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Abuso de Autoridade, na qual ele próprio é um dos autores, que visa investigar o STF e o TSE. O objetivo é tornar o processo uma CPI mista (ou seja, uma CPMI), para que as duas casas legislativas atuem na investigação.

Já o deputado federal eleito Gustavo Gayer (PL-GO) acusou o TSE de parcialidade durante as eleições. Ele disse, por exemplo, que adversários do presidente puderam dizer que Bolsonaro era pedófilo e canibal. Contudo, o exemplo não é verdadeiro, já que o tribunal proibiu o uso eleitoral de vídeo que associa Bolsonaro ao canibalismo e mandou remover vídeo do PT que ligava Bolsonaro à pedofilia.

Inserções publicitárias

O ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo federal, Fábio Wajngarten, tratou do ‘radiolão’ – alegação da campanha de Bolsonaro sobre a não inserção de mídia do candidato em rádios do Nordeste. Ele disse que sua equipe foi profissional e que não houve falha no envio dos materiais, o que já foi contestado pelas rádios que afirmaram não ter recebido a propaganda

Wajngarten afirmou que a suposta falha ocorreu porque o TSE não fiscaliza se as rádios baixam os arquivos junto ao pool de emissoras. A legislação, contudo, é explícita ao dizer que a fiscalização é responsabilidade dos partidos e das coligações.

Chamou atenção dos parlamentares a ausência do ministro das Comunicações, Fábio Faria, que foi convidado e respondeu ao colegiado que não participaria da audiência. No final do mês passado, ele disse que se arrependeu de ter feito a denúncia sobre as inserções nas rádios.

Golpismo declarado

Após mais de nove horas de audiência pública, a deputada federal Aline Sleutjes (PROS-PR), que tentou sem sucesso eleger-se senadora em 2022, sugeriu uma intervenção do Legislativo, sugerindo que a diplomação do presidente eleito, marcada para o próximo dia 12, não seja realizada. "Precisamos agir rápido, dia 12 tem uma diplomação que eles querem que aconteça. Nós não podemos deixar as coisas acontecerem até o dia 12 porque dia 12 já foi. Nós só temos 11 dias, senador, para vocês, aqui no Senado, fazerem a parte de vocês, para nós, na Câmara, fazermos a nossa parte e para as Forças Armadas fazerem a parte dela", declarou a deputada.

Outro lado

Lupa entrou em contato com Fernando Cerimedo, Marcelo Moraes e Gustavo Gayer. Os dois primeiros não retornaram, e a reportagem será atualizada se houver resposta. Gayer se limitou a enviar uma receita e não comentou sobre a audiência.

Texto publicado originalmente no portal Lupa.


Lula reuniu-se com Arthur Lira em 30 de novembro para discutir a PEC da Transição

O que é o orçamento secreto, que será julgado pelo Supremo

Made for minds*

O Supremo Tribunal Federal deve iniciar nesta quarta-feira (07/12) o julgamento de ações que questionam a constitucionalidade do orçamento secreto, um mecanismo pouco transparente de transferência de recursos públicos para atender a interesses de parlamentares criado em 2020, no segundo ano da gestão Jair Bolsonaro (PL).

As ações foram propostas por quatro partidos – Cidadania, PSB, PSOL e PV – e questionam a falta de transparência sobre autoria, valor e destinação das emendas de relator, que compõem o orçamento secreto, além da falta de critérios técnicos para alocação das verbas e a escolha arbitrária dos parlamentares beneficiados.

Os processos tramitam sob a relatoria da ministra Rosa Weber, atual presidente o Supremo. É possível que o julgamento seja concluído apenas no próximo ano, caso algum dos ministros da corte decida pedir vista.

A ministra já havia concedido em novembro de 2021 uma decisão liminar que suspendeu o orçamento secreto, mas no mês seguinte liberou o mecanismo após o Congresso ter alterado as normas sobre sua aplicação e passar a exigir a indicação do nome da pessoa que havia solicitado a emenda, como um deputado ou um senador.

Porém, essa regra deixou uma brecha para manter em segredo o parlamentar interessado. Ela permitiu que um "usuário externo", ou seja, qualquer pessoa, fosse incluída como a interessada na emenda, escondendo o padrinho político.

Campanha e governo de transição

O orçamento secreto foi um dos temas explorados na campanha eleitoral deste ano por opositores de Bolsonaro. Simone Tebet, candidata derrotada do MDB a presidente, que apoiou no segundo turno a campanha vitoriosa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disse que o orçamento secreto poderia ser o "maior esquema de corrupção do planeta Terra".

Lula também criticou o mecanismo e prometeu na campanha acabar com orçamento secreto. Atualmente, porém, o presidente eleito vem sinalizando que apoiaria uma solução intermediária, que mantenha as emendas de relator desde que elas sejam transparentes e destinem verbas para programas alinhados às prioridades estratégicas do governo.

A nova posição do petista contribui para que ele construa um entendimento com os atuais presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que são grandes beneficiários das emendas de relator e pretendem se reeleger para o comando das duas Casas.

Por sua vez, com Lira e Pacheco contemplados, aumenta a chance de Lula conseguir a aprovação pelo Congresso, ainda neste ano, da PEC da Transição, que amplia o limite de gastos nos dois primeiros anos do novo governo.

Os presidentes da Câmara e do Senado planejam apresentar ao Supremo uma outra alternativa para as emendas de relator, de acordo com o site Poder360. Segundo essa proposta, todas essas emendas seriam transparentes e vinculadas ao nome do congressista responsável, e 95% das verbas seriam divididas de forma proporcional às bancadas de cada partido – o restante teria seu destino decidido pelos presidentes de cada Casa, com 2,5% para cada um deles.

Como funciona hoje

O orçamento secreto é uma maneira de o governo e o comando da Câmara e do Senado distribuírem verbas públicas para atender interesses dos deputados e senadores que os apoiam.

As autorizações para destinar essas verbas são incluídas no Orçamento depois de ele já ter sido aprovado, por meio das emendas parlamentares.

Há quatro tipos de emendas: as individuais (indicadas por um congressista específico), de bancada (atendem às bancadas de cada unidade da Federação), de comissão (solicitadas por esses órgãos colegiados do Congresso) e de relator.

As usadas no orçamento secreto são as emendas de relator, sob o código RP9. Elas são incluídas pelo relator-geral do Orçamento, um parlamentar escolhido a cada ano para ser o responsável pela redação final do texto.

As emendas de relator costumavam ser usadas apenas para fazer pequenas correções no Orçamento. Em 2020, uma nova regra mudou isso.

Essas emendas passaram a destinar bilhões de reais para obras, compras de veículos e diversos outros gastos, sem transparência e às vezes ligados a indícios de corrupção.

A nova regra foi criada para assegurar apoio dos parlamentares do Centrão a Bolsonaro. O orçamento secreto foi revelado pelo jornal O Estado de S.Paulo em maio de 2021.

Por que ele se chama secreto

A mídia batizou o mecanismo dessa forma porque é impossível identificar em alguns casos qual deputado ou senador é o responsável pela criação da emenda. No começo, também era muito difícil identificar o destino do dinheiro.

Quando ele veio à tona, funcionava assim: o relator-geral incluía no Orçamento uma emenda genérica destinando verbas extras a um órgão do governo – para o Ministério do Desenvolvimento Regional, por exemplo.

Em seguida, os parlamentares que tinham acordos com o governo ou com o comando da Câmara e do Senado enviavam à pasta ofícios – não disponíveis ao público – pedindo a transferência de verbas da sua "quota" para, por exemplo, asfaltar vias de trânsito ou comprar tratores. O dinheiro era então repassado.

As primeiras reportagens sobre o orçamento secreto identificaram suspeitas de compras superfaturadas de máquinas e equipamentos agrícolas com essas verbas.

Apesar de o Congresso ter alterado as regras sobre as emendas no final de 2021 para atender ao Supremo, a figura do "usuário externo" manteve a falta de transparência do mecanismo. No primeiro semestre deste ano, essa estratégia respondia por um terço do total das emendas de relator negociadas, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo.

Em 4 de outubro, foram realizadas as primeiras prisões em uma operação da Polícia Federal (PF) sobre o orçamento secreto. O esquema, revelado pela revista Piauí, envolve o registro de consultas e procedimentos médicos falsos no Sistema Único de Saúde (SUS) para justificar o recebimento de verbas do orçamento secreto em pequenas cidades no Maranhão e no Piauí.

Uma das pessoas presas foi Roberto Rodrigues de Lima, ele mesmo um "usuário externo". Em seu nome, havia R$ 69 milhões em emendas do orçamento secreto – sem que estivesse claro qual era o parlamentar interessado.

A PF já havia realizado outras operações para apurar desvios ligados ao orçamento secreto em verbas destinadas para educação e saúde em Rio Largo (AL) e para obras de pavimentação em cidades do Maranhão. Há outras investigações em andamento.

Qual é o envolvimento de Bolsonaro no orçamento secreto

Bolsonaro foi eleito em 2018 com um discurso de que não repetiria as práticas adotadas por presidentes anteriores para construir e manter coalizões governamentais no Congresso, o que ele chamava de "velha política".

Ao assumir o poder, porém, ele percebeu que seria difícil governar só com o respaldo de seus eleitores, sem negociar apoios de deputados e senadores. Em 2019, ele teve uma taxa de sucesso legislativo no Congresso de 31%, a menor desde a redemocratização, segundo levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB). Essa taxa mede o êxito do governo na transformação dos projetos de sua autoria em norma.

Para reverter esse cenário, Bolsonaro começou a abrir espaço no governo a políticos do Centrão e deu aval à criação da nova regra para as emendas de relator, que resultou no orçamento secreto.

Ao fazer isso, Bolsonaro garantiu apoio do Congresso ao seu governo e proteção contra um eventual processo de impeachment. Por outro lado, abriu mão do poder de decidir o destino de uma parte relevante das verbas públicas disponíveis.

Os maiores beneficiários das emendas de relator eram integrantes da base de apoio a Bolsonaro no Congresso. Esses parlamentares, por sua vez, capitalizaram politicamente a destinação dessas verbas em suas campanhas eleitorais e no apoio aos seus candidatos, como ao próprio Bolsonaro.

Após perder as eleições, testemunhar a debandada de ex-aliados do Centrão e enfrentar dificuldade para fechar as contas do governo, Bolsonaro encaminhou em novembro ao Congresso um projeto de lei para remanejar os recursos das emendas de relator para despesas obrigatórias previstas no Orçamento deste ano.

A Transparência Internacional Brasil, organização que atua para defender o combate à corrupção, considera que o orçamento secreto é o maior processo de "institucionalização da corrupção" de que se tem registro no Brasil.

"O que a gente chama de institucionalização da corrupção é uma forma de dar um verniz legal, institucional, a uma prática absolutamente corrupta na sua essência, que é a apropriação do erário público para interesses privados, sejam eles políticos, de reprodução de poder, ou pecuniários mesmo, interesses materiais", afirmou o diretor executivo da organização, Bruno Brandão, à BBC Brasil.

Qual é o valor do orçamento secreto

Em 2020, primeiro ano do orçamento secreto, as emendas de relator tiveram R$ 13,1 bilhões em valores aprovados. No ano seguinte, a cifra foi para R$ 17,14 bilhões. Neste ano, são R$ 16 bilhões, segundo o OLB. Nesses três anos, a soma de valores autorizados chega a R$ 46,2 bilhões.

Desde o início do orçamento secreto, seu montante superou em muito o destinado a emendas individuais e de bancada, que eram as mais usadas até então para atender pedidos dos deputados e senadores.

Em 2022, o valor aprovado para as emendas de relator foi 50% maior do que o das emendas individuais, e o triplo do das emendas de bancada.

Com tanto dinheiro a mais indo para o orçamento secreto, o volume de recursos disponível para o governo definir prioridades e decidir livremente onde gastar diminuiu. Para manter esse mecanismo, o governo teve de cortar verbas de outras políticas públicas, como da Farmácia Popular.

Em 2019, as emendas parlamentares representavam 5,4% do gasto com despesas discricionárias do governo. Neste ano, elas são 24% do valor aprovado para essas despesas.

Na prática, isso significa que cada vez mais são os deputados e senadores que decidem para onde irão as verbas, com menos transparência e coordenação de prioridades.

Texto publicado originalmente no portal Made for Minds.


Sandro Caron, em imagem sem data; policial é cotado para a direção-geral da Polícia Federal no novo governo Lula | Foto: Divulgação/Governo do Ceará

Aliados de Lula tentam emplacar lava-jatista na direção-geral da PF; nome gera polêmica

Andréia Sadi, Julia Duailibi e Octavio Guedes,*g1

A atuação de aliados do presidente eleito Lula (PT) a favor do delegado Sandro Caron para dirigir a Polícia Federal levantou discussão interna e polêmica no grupo de transição. Isso porque Caron foi responsável pela Diretoria de Inteligência Policial (DIP) da Polícia Federal durante a Lava Jato, operação que levou à prisão Lula em 2018.

Caron atuou junto com o então diretor-geral da PF, Leandro Daiello, durante as fases de maior repercussão da operação, quando o ex-juiz Sergio Moro gozava de prestígio inclusive perante a corporação – depois foi considerado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) parcial no julgamento de Lula e teve mensagens com procuradores da operação divulgadas pela Lava Jato.

Nos últimos dias, no entanto, segundo o blog apurou, Caron passou a ser citado como um dos nomes cotados para a vaga. Outro nome cotado é o de Andrei Passos, que foi chefe de segurança da campanha de Lula.

Dentro da PF, delegados ouvidos pelo blog confirmam que passou a circular como cotado o nome de Caron, que tem a simpatia do ex-governador do Ceará Camilo Santana (PT) – de quem foi secretário de Segurança Pública e Defesa Social –, que é próximo de Lula e cotado para um ministério. Advogados próximos a Daiello também trabalham por ele.

Na transição, no entanto, o nome é visto com resistência uma vez que seria pouco provável que Caron não soubesse dos métodos da operação que sempre foram questionados pela defesa de Lula e pelo PT em geral.

Caron já foi superintendente da PF no Ceará e no Rio Grande do Sul.

Texto publicado originalmente no portal do g1.


Bolsonaro dá entrevista em Brasília em 7 de outubro. — Foto: Rafael Sobrinho/ TV Globo

Ministros do STF veem ‘cartilha autoritária’ em defesa de reforma

Andréia Sadi | G1

Três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pelo blog afirmam que o presidente Jair Bolsonaro (PL) está chantageando ao propor uma reforma da Corte.

Como a GloboNews revelou em 5 de setembro, a ideia circula desde maio no Palácio do Planalto, mas ganhou força após ser verbalizada pelo próprio presidente diante de possibilidade de vitória no segundo turno.

Esses ministros do STF preferem não polemizar publicamente e preferem aguardar o resultado das eleições. Mas nos bastidores, chamam a ideia de "cartilha autoritária".

“[Hugo] Chávez fez na Venezuela, [Viktor] Orbán na Hungria, idem na Polônia. É a cartilha autoritária. Roosevelt tentou nos Estados Unidos, mas o Congresso rejeitou", afirma um integrante do STF.

Outros veem uma nova chantagem de Bolsonaro para que, se reeleito, o ministro Alexandre de Moraes arquive inquéritos que miram a família do presidente e aliados.

Em agosto, bolsonaristas já haviam feito um movimento semelhante, buscando um pacto que envolveria o arquivamento desses inquéritos em troca do fim dos ataques do presidente às Cortes superiores e da incitação a protestos no 7 de setembro.

Em busca de saber qual a chance de uma reforma do STF passa, ministros do STF procuraram a cúpula do Congresso.

Na Câmara, o Centrão – que comanda a Casa – confirma que a ideia circula por lá, mas diz que qualquer discussão só vai ocorrer após o segundo turno.

Integrantes não bolsonaristas do Senado também confirmaram a existência da ideia de reforma do STF, e deram detalhes: a proposta para mudar regras para o STF inclui:

  • Elevar o número de ministros dos atuais 11 para 16;
  • Estabelecer mandato fixo, hoje inexistente;
  • Aumentar a idade mínima dos indicados de 35 para 50 anos;
  • Permitir que o Congresso indique ministros – atualmente, só o presidente pode fazê-lo.
  • Vetar decisões monocráticas (tomadas por um só ministro) que afetem outros poderes – como, por exemplo, alguma que busque obrigar o Congresso a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Só poderiam decisões colegiadas.

*Matéria publicada originalmente no portal G1. Título editado


Luiz Inácio Lula da Silva

É possível dizer que Lula foi inocentado na Lava Jato?

Mariana Schreiber*, BBC News Brasil

O petista havia sido considerado culpado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas o STF anulou essas condenações por entender que Lula não teve seus direitos respeitados ao longo dos processos conduzidos pelo então juiz Sergio Moro.

Hoje candidato à presidência, Lula cita o fim das condenações como prova da sua inocência e afirma que foi perseguido pela Lava Jato.

"Eu tinha certeza que esse dia chegaria. Esse dia chegou com o voto do (ministro do STF Edson) Fachin, de reconhecer que nunca teve crime cometido por mim, de reconhecer que nunca teve envolvimento meu com a Petrobras. E todas as amarguras que eu passei, todo o sofrimento que eu passei, acabou", disse o ex-presidente no ano passado.

A declaração se referia à determinação do ministro Edson Fachin para que os processos julgados por Moro em Curitiba fossem anulados e julgados por outro juiz, em Brasília. Na decisão, Fachin entendeu que o Ministério Público (MP) não demonstrou que havia envolvimento da Petrobras nos supostos crimes de Lula, requisito necessário para o caso ser julgado na vara de Moro.

Essa decisão foi confirmada pela Segunda Turma do STF, que depois também julgou Moro como tendo sido um juiz parcial nos processos contra o petista, o que reforçou a anulação das condenações.

Para críticos do ex-presidente, como os processos foram anulados por razões técnicas, não ficou provada a inocência de Lula frente às acusações. Na visão desse grupo, ele não foi "inocentado" pela Justiça. Seu principal adversário na eleição, o presidente Jair Bolsonaro, inclusive, costuma se referir ao petista como "descondenado".

"Quando o Supremo Tribunal Federal anulou o caso Lula, muitas pessoas passaram a falar que ele foi inocentado, quando ele não foi inocentado. Três tribunais, primeira, segunda e terceira instâncias, juízes independentes, mais os ministérios públicos que atuavam perante essas instâncias de modo independente, entenderam que existiam fortes provas, não só de corrupção, mas de lavagem de dinheiro também", disse o ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol, em um vídeo compartilhado em julho nas suas redes sociais.

"E aí o Supremo vem e ele não inocenta o Lula. O Supremo não disse que não existiam provas. Ele não entrou no mérito. O Supremo anulou por uma questão formal, do mesmo modo como anulou, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o Supremo, os grandes casos contra corrupção no país. O sistema de Justiça nosso foi feito para garantir impunidade dos poderosos que roubam nosso país. Essa é a verdade", disse ainda o ex-procurador e agora candidato a deputado federal.

Nesta reportagem, a BBC News Brasil relembras as principais acusações contra Lula, explica porque as condenações foram anuladas e traz a opinião de diferentes juristas para a questão: afinal, Lula foi inocentado na Justiça?

Mas antes de abordar esses três pontos, é importante entender o princípio da presunção da inocência, previsto na Constituição brasileira. Segundo esse princípio, toda pessoa é considerada inocente até que se prove o contrário em um julgamento realizado dentro da lei. Dessa forma, com a anulação dos processos contra Lula, ele recuperou seu status de inocente perante a Justiça.

Já a opinião pública segue bem dividida. Uma pesquisa da consultoria Quaest de junho mostrou que 48% dos eleitores acreditam que Lula foi condenado corretamente, contra 43% que têm opinião contrária.

1. Relembre os processos contra Lula

O petista enfrentou uma série de acusações na Operação Lava Jato. Hoje, todos os desdobramentos na Justiça estão encerrados ou suspensos.

Grosso modo, houve dois caminhos para a conclusão desses processos: em alguns deles, Lula foi absolvido, ou seja, a Justiça considerou que não havia provas de que havia cometido crimes; em outros, as condenações foram anuladas porque os direitos do petista foram desrespeitados.

Um dos casos em que ele foi absolvido, por exemplo, foi o processo conhecido como "Quadrilhão do PT", em que Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff e outros petistas eram acusados de formar uma organização criminosa.

"A denúncia apresentada, em verdade, traduz tentativa de criminalizar a atividade política. Adota determinada suposição — a da instalação de 'organização criminosa' que perdurou até o final do mandato da ex-presidente Dilma Vana Rousseff — apresentando-a como sendo a 'verdade dos fatos', sequer se dando ao trabalho de apontar os elementos essenciais à caracterização do crime de organização criminosa", escreveu o juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal em Brasília, na sentença que absolveu os acusados.

Na maioria dos casos contra Lula na Lava Jato, porém, os processos foram anulados ou interrompidos porque a Justiça entendeu que houve ilegalidades contra o ex-presidente.

Ou seja, nessa segunda situação, não houve uma análise final de mérito das acusações, para decidir se elas eram verdadeiras ou falsas, por que não é possível fazer essa análise em um processo em que os direitos do acusado foram desrespeitados.

Isso ocorreu, por exemplo, nos dois processos mais conhecidos, em que Lula chegou a ser condenado: o do tríplex do Guarujá e o do sítio de Atibaia.

No primeiro, o petista foi acusado de receber uma cobertura no Guarujá, cidade no litoral paulista, do grupo OAS como um suposto acerto por desvios de recursos da Petrobras durante o governo petista.

No segundo, Lula foi acusado de ser beneficiado por obras realizadas por OAS e Odebrecht em um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo, que pertencia a um amigo seu e que o ex-presidente frequentava com sua família. Também nesse caso, a força-tarefa da Lava Jato dizia que essas benfeitorias foram bancadas com dinheiro desviado da estatal.

O que dizia a defesa do petista?

Em ambos os casos, a defesa de Lula argumenta que os dois imóveis jamais pertenceram a Lula. Os advogados também afirmaram que não havia qualquer prova concreta de que as obras foram pagas com dinheiro desviado da Petrobras, já que essas acusações se baseavam na palavra de delatores ou de outros réus do processo, que estariam tentando se beneficiar na Justiça ao acusar Lula.

No caso do tríplex do Guarujá, o petista havia comprado com sua então mulher, Marisa Letícia, um apartamento de dois quartos no mesmo prédio do triplex. Mas a cooperativa que iria construir o empreendimento faliu e a obra foi assumida pela OAS.

Foi após essa mudança que a cobertura teria sido reservada para Lula ao invés do apartamento de dois quartos. Ele e Marisa Leticia chegaram a visitar o imóvel para ver as obras realizadas pela OAS no triplex.

Na visão da acusação, o apartamento estava sendo personalizado para o casal e não havia sido passado formalmente para nome de Lula como forma de ocultar o crime.

Já a defesa diz que a OAS estava tentando vender o tríplex ao ex-presidente, que o casal visitou o apartamento para avaliar sua compra, mas que acabou desistindo do negócio.

Lula no local do velório do neto, quando deixou a carceragem da Polícia Federal em Curitiba durante seu período na prisão

Lula e seus advogados sustentavam ainda que as acusações seriam fruto de uma perseguição da Lava Jato contra Lula, com apoio de parte da imprensa brasileira, para tirá-lo da vida política.

Nos dois processos, Lula foi julgado culpado pelo então juiz Sergio Moro. Nas sentenças, Moro considerou que os imóveis não estavam no nome de Lula como forma de ocultar os benefícios que estaria recebendo ilegalmente e, por isso, o condenou por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

As duas condenações foram confirmadas depois pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região. No caso do triplex, isso ocorreu ainda em 2018, o que tornou Lula inelegível naquela eleição. Ele também foi preso naquele ano porque o STF autorizou a prisão após condenação em segunda instância.

2. Por que os processos julgados por Moro foram anulados?

Primeiramente, o STF entendeu, em março de 2021, que esses processos não deveriam ter tramitado na Justiça de Curitiba. Pouco depois, em junho, a corte decidiu também que Moro não julgou Lula com imparcialidade.

Com essas duas decisões, as condenações foram consideradas nulas, mas Lula ainda poderia responder às acusações em novos processos, a serem realizados na Justiça de Brasília.

No entanto, esse retorno à estaca zero acabou provocando a prescrição da pretensão punitiva. Ou seja, terminou o prazo estabelecido na legislação penal para possível punição dos crimes, caso Lula fosse considerado culpado.

E quando não há mais possibilidade de punição, as acusações são arquivadas definitivamente. Ou seja, Lula não pode mais ser julgado nos casos do triplex e do sítio de Atibaia.

Que diferença faz Lula ser processado em Curitiba ou Brasília?

Existe uma regra no direito penal brasileiro que determina que um processo criminal deve ocorrer na vara do local onde o suposto crime ocorreu. Por exemplo, se um assassinato acontece no bairro carioca de Copacabana, o julgamento ocorre na Justiça do Rio de Janeiro.

Essa regra serve para evitar que um processo seja direcionado para um juiz específico, contribuindo para a neutralidade do julgamento.

Inicialmente, os casos da Lava Jato estavam concentrados na vara do então juiz Sergio Moro. Isso ocorreu porque a operação, que teve sua primeira fase em março de 2014, começou a partir de desdobramentos de investigações contra organizações criminosas que atuavam no Paraná, envolvendo doleiros e o ex-deputado federal do PP José Janene.

No entanto, com o avançar das investigações e as informações obtidas em acordos de delação dos primeiros investigados, a operação passou a apurar crimes em outras regiões do país, nem sempre relacionados a Petrobras.

A força-tarefa da Lava Jato, porém, argumentou que havia uma conexão entre esses crimes e que todos deveriam ser investigados pela operação e julgados por Moro.

Desde o início da Lava Jato, a defesa de vários investigados contestaram essa decisão e pediram que os casos fossem redistribuídos para outras varas de outros Estados.

A partir de 2015, diversos processos foram redirecionados principalmente para Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. No entanto, o STF determinou que todos os casos que envolvessem a Petrobras deveriam ser mantidos com Moro. Como o Ministério Público acusava as empreiteiras de terem usado recursos desviados da estatal para beneficiar Lula, os processos do ex-presidente continuaram na vara de Curitiba.

No entanto, em março de 2021, ministro Edson Fachin acolheu o argumento da defesa de que, na verdade, não havia elementos concretos na acusação comprovando que o petista teria interferido diretamente em contratos da Petrobras para favorecer OAS e Odebrecht em troca do tríplex ou das obras no sítio. Sua decisão depois foi confirmada pela Segunda Turma da Corte.

Para a professora de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e procuradora da República Silvana Batini, que atuou em casos da Lava Jato do Rio de Janeiro, foi um erro não ter se adotado critérios mais objetivos para delimitar a competência dos casos da Lava Jato no início da operação.

"Quando (a Lava Jato) começou, era a primeira vez que você lidava com uma mecânica tão vasta de fatos ligados entre si. Então, você podia ter uma interpretação sobre competência técnica muito extensa, que tornava o juiz de Curitiba quase um juiz universal. Isso aconteceu e o Supremo deixou", afirmou à BBC News Brasil.

"Depois, quando o Supremo veio colocar um freio, colocou, criando um critério que não existia na lei. Disse: 'Olha, (permanece na Vara de) Curitiba só o que for Petrobras'. Não existe competência em razão da vítima. Inventaram aquilo. Então isso tudo, realmente, dá um visão de como (houve) uma insegurança jurídica que o próprio Supremo acabou plantando", disse ainda.

O impacto da Lava Jato

Por trás da decisão de Fachin de tirar os processos contra Lula de Curitiba havia o contexto de enfraquecimento da Lava Jato.

Em 2019, a série de reportagens Vaza Jato, do portal Intercept Brasil, revelou supostos diálogos privados da força-tarefa da operação, inclusive conversas entre o procurador Deltan Dallagnol e Sergio Moro, que indicavam uma espécie de conluio por parte do Ministério Público e do então juiz nos processos contra Lula e outros acusados.

Esses diálogos mostravam, por exemplo, que Moro teria sugerido aos procuradores ouvir uma testemunha que poderia incriminar o petista.

Foi nesse contexto que ganhou força o pleito antigo da defesa de Lula para que Moro fosse declarado suspeito nos processos que havia julgado o petista antes de deixar a magistratura para virar ministro no governo de Jair Bolsonaro.

Um dos argumentos dos advogados era, por exemplo, a condução coercitiva que o petista sofreu em 2016, mesmo sem ter sido previamente intimado a depor, como prevê a lei.

Conversas entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol foram reveladas pelo Intercept Brasil

Com o aumento do desgaste da Lava Jato, foi aumentando a expectativa de que Moro seria declarado parcial nos processos contra Lula. O que se diz nos bastidores de Brasília é que Fachin queria evitar que Moro fosse declarado suspeito e, por isso, decidiu aceitar o pedido da defesa para retirar os processos da vara de Curitiba. O ministro de fato argumentou na sua decisão que, após a mudança dos casos para outra vara, não fazia mais sentido julgar se Moro era ou não parcial.

A preocupação de Fachin seria evitar que a declaração da suspeição do ex-juiz tivesse efeito mais amplo de anular não só as condenações, mas todas as investigações contra Lula realizadas na vara de Curitiba.

A maioria do STF, porém, discordou de Fachin e, com isso, a Segunda Turma analisou a suspeição de Moro e declarou que ele foi parcial contra Lula, provocando a anulação de todas as investigações.

3. Afinal, Lula foi inocentado nos casos do triplex e do sítio?

Gustavo Badaró, advogado e professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo (USP), explica que o termo inocentado não existe dentro da linguagem jurídica e é usado de forma coloquial. Dentro das normas jurídicas, lembra ele, uma pessoa acusada pode ser condenada ou absolvida.

Segundo Badaró, com a anulação da condenação de Lula, ele "é tão inocente quanto quem nunca foi processado".

Na sua avaliação, porém, não seria adequado, numa linguagem leiga, dizer que Lula foi inocentado nos casos do triplex e do sítio porque isso passa a ideia de que ele foi absolvido nesses processos.

"Tem um certo jogo de palavras que ao dizer 'o Lula foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal' parece que você está querendo dizer que o Supremo deu um atestado de idoneidade pra pessoa. A mim, parece que dá uma ideia de que o Poder Judiciário declarou absolvição", ressaltou.

Já para Davi Tangerino, advogado e professor de Direito Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), não faz sentido colocar a questão se Lula foi ou não inocentado, a partir do momento em que os processos foram considerados nulos.

"Para alguém ser inocentado ou condenado, existe um pressuposto lógico, no Estado Democrático de Direito, que ele tenha sido julgado, entre outras coisas, por um juiz imparcial. Então, nos casos da Lava Jato (julgados por) Moro, quando você tem a declaração pelo Supremo de parcialidade do Moro, o binômio condenado ou inocente não faz mais sentido porque ele pressupõe uma denúncia recebida por um juiz competente e imparcial, um julgamento, e aprovação de uma sentença", argumenta

"Quando você retira dessa equação o juiz parcial, desaparece, via de consequência, o binômio condenado ou inocentado, e aí continua a valer o quê? A presunção de inocência", reforçou.

A procuradora Silvana Batini também diz que a discussão é irrelevante do ponto de vista jurídico. Já no campo político, nota ela, cabe a cada eleitor fazer seu juízo sobre Lula.

"No aspecto jurídico, não tem a menor relevância o que aconteceu, o fato de ele ser inocentado ou não ser inocentado. Os processos do Lula desapareceram porque foram anulados", disse.

"Não se obteve nenhum juízo definitivo sobre responsabilidade criminal dele. Se reconheceu que o processo estava nulo, então não é possível fazer juízo nenhum sobre aqueles fatos hoje. Se não tem nenhum juízo definitivo sobre culpa, o que prevalece é a presunção da inocência. Isso é o que a lei diz, o que a Constituição diz. No plano político, isso aí é absolutamente incontrolável, cada eleitor que faça as suas análises", ressalta.

Procurada a conceder entrevista à reportagem, a defesa de Lula se manifestou após a publicação.

"Nosso trabalho jurídico resultou no encerramento, nas mais diversas instâncias, de 26 procedimentos que foram abertos indevidamente contra o ex-presidente Lula durante a perseguição promovida contra ele pela "operação lava jato" e seus desdobramentos. Também conseguimos a primeira decisão proferida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU em favor de um cidadão brasileiro, reconhecendo que Lula sofreu violação aos seus direitos fundamentais previstos no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU", disse o advogado Cristiano Zanin, por meio de nota.

"Foi um trabalho que necessitou de muita resiliência, muito fôlego e o uso de uma visão multidisciplinar do Direito, pois tivemos que passar quase 6 anos defendendo a inocência de Lula e os inúmeros vícios presentes nos processos e procedimentos abertos contra ele nas mais diversas frentes. Felizmente, conseguimos vencer o caso e permitir que Lula pudesse resgatar todos os seus direitos, inclusive os direitos políticos, permitindo que ele seja o candidato à Presidência da República mais bem posicionado nas eleições deste ano", acrescentou Zanin.

Divisão

Mesmo que cerca de metade da população considere o petista culpado, segundo pesquisa Quaest de junho, diversas sondagens eleitorais têm apontado Lula como favorito para vencer a eleição presidencial em outubro.

Com o acirramento da corrida eleitoral, a tendência é que os adversários de Lula usem cada vez mais o escândalo de corrupção na Petrobras durante o governo petista para tentar tirar votos do ex-presidente.

Mesmo que o STF tenha entendido que a operação cometeu abusos, R$ 6 bilhões desviados da estatal foram devolvidos após acordos de colaboração, leniência e repatriações. A expectativa é que PT rebata esses ataques reafirmando a inocência de Lula e acusando a Lava Jato de ter perseguido o partido politicamente.

Para reforçar esse argumento, os petistas costumam lembrar que Moro e Dallagnol entraram de vez para a política e são candidatos na eleição desse ano.

*Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.


Foto: Reprodução Flickr/Cimi

Revista online | Os reflexos do atraso no julgamento do marco temporal e a política anti-indígena do governo federal

Nicolas Nascimento, Paloma Gomes e Rafael Modesto, especial para a revista Política Democrática online (45ª edição: julho/2022)

O julgamento do marco temporal, Tema 1031/STF, encontra-se adiado e mais uma vez fora da pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), ocasionando insegurança jurídica a muitas terras indígenas, independentemente se área demarcada ou não. O caso, que teve seu julgamento iniciado em 2021, põe em pauta duas teses em disputa: de um lado o marco temporal e, do outro, o indigenato.

O marco temporal incumbe aos indígenas o ônus de comprovar a posse, ou a disputa pela posse das suas terras, pelas vias de fato ou por uma ação judicial, na data da promulgação da Constituição Federal, para que possa haver a demarcação do território reivindicado, ignorando todo o histórico de invasão, violência e esbulho, muitas vezes com a contribuição direta do poder público.

Veja todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online

No período da ditadura militar, e na história mais recente, como se pode constatar do Relatório Figueiredo e do Relatório Nacional da Comissão Nacional da Verdade (CNV), os indígenas eram caçados vivos, mortos a metralhadora; dinamites eram jogadas nas aldeias e, quando não, lançavam açúcar misturada a estricnina nas comunidades. Quando pegos vivos, eram amarrados de ponta-cabeça e cortados vivos, à facão, do púbis à cabeça. Ainda, essa tese, além de desconsiderar a violência física, não leva em conta que os povos indígenas não podiam, até 1988, postular em juízo por conta da vigência do regime tutelar, como não podiam disputar a posse das suas terras pelas vias de fato, já que estariam expostos a toda sorte de violência.

Do outro lado, defendida pelos indígenas, a tese do indigenato sustenta o direito originário dos povos ao território tradicionalmente ocupado. Essa tese está consagrada na Constituição Federal, nos artigos 231 e 232 – o Estatuto Constitucional Indígena. Essa tese se baseia no direito originário dos indígenas e na doutrina de João Mendes Júnior, de 1912.

Veja, a seguir, galeria de foto:

Faixa contra o Marco Temporal protesto | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Faixa fora Xavier e fora Bolsonaro | foto: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Movimento contra o Marco temporal | Foto: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Faixa - Sangue indígena nenhuma gota a mais! | Foto: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Foto do jornalista e do indigenista | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Faixa - Terra protegida acesso interditado... | Foto: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Faixa Justiça para Dom e Bruno | Foto: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Apresentação no movimento contra o Marco temporal | Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Faixa justiça pela povo indígena | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Faixa Governo Federal Ministério da Justiça Fundação Nacial do índiio Tupinambá de Olivença | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Faixa por uma funai que proteja os povos indígenas | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Protesto contra o marco temporal na capital federal | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
A terra não pertence ao homem | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Nosso direito é originário - Faixa | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Sangue indígena nenhuma gota a mais | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Faixa de Fora Bolsonaro protesto | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Faixa de demoarcação do T.I Tupinambá de Olivença já | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Contra o Marco Temporal em preto e branco | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Faixa fora Marcelo xavier da Funai | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Protesto contra o marco temporal | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Na luta, na memória, na resitência e pela sobrevivência | Foto: Créditos: Cimi - Conselho Indigenista Missionário - Flickr
Faixa contra o Marco Temporal protesto
Faixa fora Xavier e fora Bolsonaro
Movimento contra o Marco temporal
Faixa - Sangue indígena nenhuma gota a mais!
Foto do jornalista e do indigenista
Faixa - Terra protegida acesso interditado...
Faixa Justiça para Dom e Bruno
Apresentação no movimento contra o Marco temporal
Faixa STF - Nosso direito é originário
Faixa justiça pela povo indígena
Faixa Governo Federal Ministério da Justiça Fundação Nacial do índiio Tupinambá de Olivença
Faixa por uma funai que proteja os povos indígenas
Protesto contra o marco temporal na capital federal
A terra não pertence ao homem
Nosso direito é originário - Faixa
Sangue indígena nenhuma gota a mais
Faixa de Fora Bolsonaro protesto
Faixa de demoarcação do T.I Tupinambá de Olivença já
Contra o Marco Temporal em preto e branco
Faixa fora Marcelo xavier da Funai
Protesto contra o marco temporal
Na luta, na memória, na resitência e pela sobrevivência
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Faixa contra o Marco Temporal protesto
Faixa fora Xavier e fora Bolsonaro
Movimento contra o Marco temporal
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Faixa Justiça para Dom e Bruno
Apresentação no movimento contra o Marco temporal
Faixa STF - Nosso direito é originário
Faixa justiça pela povo indígena
Faixa Governo Federal Ministério da Justiça Fundação Nacial do índiio Tupinambá de Olivença
Faixa por uma funai que proteja os povos indígenas
Protesto contra o marco temporal na capital federal
A terra não pertence ao homem
Nosso direito é originário - Faixa
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Faixa fora Marcelo xavier da Funai
Protesto contra o marco temporal
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Merece destaque a urgência e a importância do julgamento do Tema 1031/STF, pela Suprema Corte, para as futuras gerações. O desinteresse com que o STF trata o tema, com sucessivos adiamentos, nesse atual contexto onde está em curso uma política anti-indígena impregnada na estrutura do Estado, acaba por favorecer os ataques às populações tradicionais, suas terras e às riquezas naturais nelas existentes.

Atualmente, todos os processos de demarcação em curso estão suspensos, sob a justificativa de que o voto do Ministro Edson Fachin, no Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, favorável à tese do indigenato, assim teria determinado. Ao contrário, o que estão suspensos são as ações possessórias, as anulatórias de procedimentos de demarcação e o Parecer 001/2017, da Advocacia-Geral da União (AGU), que institucionalizava a tese do marco temporal. Mas nunca os processos de demarcação, muito menos o art. 231, da Carta de 1988, nem mesmo o Decreto 1775/1996, que regula o procedimento demarcatório.

Diante da inércia da Suprema Corte, quanto ao julgamento do Tema 1031/STF, os casos de violência contra indígenas continuam aumentando, a exemplo da situação dos Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul, que sofrem constantemente com invasões ao seu território, sobretudo por fazendeiros, bem como com ataques da polícia militar, sem ordem judicial. Mais recentemente, viveram cenário de guerra, inclusive com uso de helicóptero como plataforma de tiro, onde um indígena foi morto e muitos outros ficaram gravemente feridos.

https://open.spotify.com/episode/01jx6wc5ZFaioliN9QycTd?si=lOTKPnsIRIacjM3q7uXbzg

Outra situação crítica, largamente difundida na mídia, é a situação dos indígenas do norte do país, sobretudo nas regiões mais isoladas e de difícil acesso, como o Vale do Javari, Terra Indígena (TI) Yanomami, (TI) Mundukuru, (TI) Apyterewa, entre outras. Nessas áreas, o tráfico de madeira, de armas, animais silvestres, drogas, biopirataria, o garimpo e outras práticas violentas assolam os povos indígenas.

O que assistimos atônitos, é a mais completa desarticulação das políticas de proteção ambiental e a precarização dos órgãos responsáveis, o que abre caminho para a atuação do crime organizado, em claro prejuízo aos povos originários.

À par disso, Projetos Legislativos tentam implementar a tese do marco temporal, a exemplo do PL 490/2007. No executivo, ademais de o parecer 001/2017, da AGU, ter sido suspenso pelo STF, a Fundação Nacional do Índio (Funai) ainda toma a tese ruralista como instrumento jurídico. Daí que cabe ao judiciário, por meio da Suprema Corte, finalizar o julgamento do Tema 1031/STF, para, ao declarar inconstitucional a tese do marco temporal, garantir mais segurança aos povos indígenas e suas terras de ocupação tradicional, contra toda e qualquer sorte de violência.

Por fim, necessário evidenciar que a reversão do atual quadro de violência contra os povos indígenas e seus defensores, de usurpação das suas terras tradicionalmente ocupadas e da destruição ambiental, não se dará tão somente com a finalização do julgamento do Tema 1031/STF e a derrocada do marco temporal. A mudança real necessitará de esforços institucionais e políticas frontalmente contrárias ao que se tem hoje instalado no Poder Executivo. É necessário fazer cumprir a Constituição Federal de 1988 e implementar a tese do indigenato.

Sobre os autores

*Nicolas Nascimento, Paloma Gomes e Rafael Modesto são advogados e compõem a Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O Cimi é um organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que, em sua atuação missionária, conferiu um novo sentido ao trabalho da igreja católica junto aos povos indígenas.

* Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de julho/2022 (45ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Ribeiro foi o ministro da Educação mais longevo do governo Bolsonaro

Por que investigação sobre Milton Ribeiro e pastores foi parar no STF?

BBC News Brasil*

A operação prendeu o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro em um caso que investiga se houve a prática de tráfico de influência e corrupção no período em que ele comandou a pasta.

Na quarta-feira (22/6), ele chegou a ser preso, mas foi liberado no dia seguinte após um pedido de habeas corpus ser aceito pelo desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).

O caso, no entanto, mudou de patamar na quinta-feira (23/6) após o surgimento de suspeitas de interferência do presidente Jair Bolsonaro na investigação.

O esquema investigado pela Polícia Federal envolvendo Milton Ribeiro foi revelado pelos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo.

Segundo as reportagens, pastores evangélicos cobravam propina de prefeituras para terem verbas da Educação liberadas.

À época, o então ministro Milton Ribeiro negou envolvimento em irregularidades, e Bolsonaro chegou a dizer que colocaria seu rosto "no fogo" por ele. Apesar disso, Ribeiro acabou pedindo demissão do cargo.

As suspeitas de interferência nas investigações sobre o ex-ministro foram levantadas pelo Ministério Público Federal (MPF), que acompanha o caso.

Segundo o órgão, foram interceptadas ligações de Milton Ribeiro ao longo das investigações em que ele revela o temor de ser alvo de uma operação da PF.

Em uma chamada com um familiar, Ribeiro menciona uma conversa em que alguém teria manifestado essa preocupação.

"Não! Não é isso... ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... em casa... sabe... é... é muito triste. Bom, isso pode acontecer, né? Se houver indícios, né...", diz em um trecho do áudio interceptado pela PF.

Por causa dessas suspeitas, o MPF pediu que parte dos autos fosse enviada ao STF para apurar se houve interferência de Bolsonaro no caso.

O MPF pediu que parte do caso fosse enviado ao STF porque, por ser presidente e pela suposta interferência ter ocorrido durante o seu mandato, o foro para que Bolsonaro seja investigado é o STF.

As suspeitas são de que informações sobre a investigação podem ter sido vazadas para Ribeiro.

A transcrição do diálogo faz parte da decisão do juiz federal Renato Borelli, responsável pelo caso na primeira instância, ao atender o pedido do MPF.

As suspeitas de interferência levantadas pelo MPF no caso envolvendo Ribeiro não foram as únicas desde a deflagração da operação.

Na quinta-feira, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma reportagem apontando que o delegado da PF responsável pela investigação sobre o ex-ministro, Bruno Calandrini, teria enviado uma mensagem de texto a colegas da corporação dizendo que não teria tido autonomia e independência para conduzir o caso.

Segundo a mensagem, o fato de Milton Ribeiro não ter sido levado diretamente a Brasília após a prisão, como estava previsto, mostraria que teria havido interferência.

Após a publicação da reportagem, a PF divulgou uma nota informando que abriu um procedimento para investigar as alegações feitas pelo delegado.

Suspeitos soltos

Na quinta, o TRF1 ordenou que o ex-ministro da Educação e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura fossem soltos.

A informação do habeas corpus concedido pelo desembargador Ney Bello foi confirmada pela BBC News Brasil.

Na decisão, Bello afirmou que o Ministério Público defendeu que fossem adotadas medidas cautelares que não fossem a prisão.

"O próprio órgão acusador ofereceu parecer contrário às prisões, o que demonstra claramente a desnecessidade, pois quem poderá oferecer denúncia posterior ou requerer arquivamento acreditou serem desnecessárias e indevidas as detenções", diz o texto.

Bello disse ainda que o ex-ministro não teve acesso ao processo judicial e que isso torna a prisão ilegal.

"Num Estado Democrático de Direito ninguém é preso sem o devido acesso à decisão que lhe conduz ao cárcere, pelo motivo óbvio de que é impossível se defender daquilo que não se sabe o que é."

"Assim, a defesa - para ser ampla - precisa ser efetiva durante a instrução processual e isto só é possível se ela tiver conhecimento daquilo que já conhece o órgão acusador e foi utilizado na construção da própria imputação penal pelo magistrado a quo."

O ex-ministro foi preso pela Polícia Federal (PF) na manhã de quarta-feira. Além de Ribeiro, os dois pastores são suspeitos de operar um "balcão de negócios" no Ministério da Educação (MEC) e na liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). A operação foi batizada de Acesso Pago.

Todos os investigados negam qualquer envolvimento em irregularidades.

O FNDE é um órgão ligado ao MEC e controlado por políticos do chamado "Centrão", bloco político que dá sustentação ao presidente Jair Bolsonaro. Esse fundo concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios.

A ação investiga a prática de "tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos" do FNDE.

No mandado de prisão de Ribeiro, o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal em Brasília, enumera os crimes investigados e que teriam sido cometidos pelo ex-ministro: corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.

CPI

O senador Randolfe Rodrigues (Rede) afirmou que reuniu as assinaturas necessárias para a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MEC.

"Vamos passar a limpo o #BolsolaodoMEC e demais escândalos de corrupção desse governo na Educação!", disse ele em sua conta no Twitter.

No entanto, a base governista no Senado vai atuar para travar a CPI. O principal argumento usado até agora é que existem outras investigações aguardando para ser iniciadas e que esta fila não pode ser desconsiderada.

*Texto publicado originalmente em BBC News Brasil


Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apura conduta de Joana Ribeiro Zimmer, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC)

O que pode acontecer com juíza que induziu menina estuprada a evitar aborto

BBC News Brasil

Em audiência no dia 9 de maio, Ribeiro Zimmer induziu a menina de 11 anos, vítima de estupro, a desistir de fazer um aborto legal. Trechos da sessão foram divulgados em um vídeo publicado Portal Catarinas e pelo The Intercept (ler mais abaixo).

"Você vai ao médico, e a gente vai fazer essa pergunta para um médico, mas você, se tivesse tudo bem, suportaria ficar mais um pouquinho?", disse a juíza à menina.

O caso reverberou por todo o país — após repercussão negativa, a magistrada deixou a Vara da Infância onde atuava. Ela foi promovida e transferida para outra cidade. Ribeiro Zimmer alegou que já havia sido promovida antes de o caso ter vindo à tona e resolveu aceitar o novo cargo.

A Corregedoria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou, em nota, que está apurando a conduta da magistrada. O CNJ também confirmou à BBC News Brasil, por meio de sua assessoria de imprensa, que está analisando o caso e que já recebeu quatro representações contra Ribeiro, uma delas assinada por sete de seus conselheiros (o órgão tem 15 integrantes). Além disso, recebeu outras três de advogados e associação.

Mas o que pode acontecer com a juíza Joana Ribeiro Zimmer? Ela pode ser realmente punida? Qual é o passo a passo da apuração? E qual tipo de punição ela pode receber?

Há seis penas que podem ser aplicadas a magistrados quando há desrespeito a qualquer dos deveres previstos no Art. 25 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) — sendo a mais grave a demissão.

No entanto, esta não se aplica à juíza, uma vez que ela exerce a magistratura há mais de dois anos.

Sendo assim, caso seja considerada culpada ao fim da sindicância, a punição máxima que poderia receber seria a aposentadoria compulsória.

Confira abaixo:

1) Advertência

Trata-se da pena mais leve e aplicada ao magistrado que age de forma negligente em relação ao cumprimento dos deveres do cargo. Só pode ser aplicada a juízes de primeiro grau (como é o caso de Joana Ribeiro Zimmer).

2) Censura

A aplicação desta punição ocorre quando o magistrado atua de maneira negligente repetidas vezes em relação ao cumprimento do cargo. Também pode ser usada apenas na punição de juízes de primeiro grau. O magistrado punido com censura não pode constar de lista de promoção por merecimento por um ano, desde a data do trânsito em julgado.

3) Remoção compulsória

Trata-se de punição aplicável tanto a juízes de primeira instância quanto aos de segunda instância. Nesse caso, o magistrado é transferido para outra comarca de forma obrigatória.

4) Disponibilidade

O magistrado é posto em disponibilidade (inatividade remunerada) ou, se não for vitalício, demitido por interesse público, quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou remoção compulsória. Só após dois anos afastado o juiz pode solicitar seu retorno ao trabalho. O prazo, por si, não garante o retorno. Cabe ao tribunal julgar o pleito. Durante esse período, é vedado a ele exercer outras funções, como advocacia ou cargo público, salvo um de magistério superior.

5) Aposentadoria compulsória

A aposentadoria compulsória é a mais grave das cinco penas disciplinares aplicáveis a juízes vitalícios. Afastado do cargo, o condenado segue com provento ajustado ao tempo de serviço. Pode ser aplicada quando o magistrado: I - mostrar-se manifestamente negligente no cumprimento de seus deveres; II - proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções, ou III - demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou apresentar comportamento funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.

6) Demissão

Só pode ser aplicado a juízes ainda não vitaliciados (ou seja, com menos de 2 anos no cargo) Ao juiz não-vitalício será aplicada pena de demissão em caso de: I - falta que derive da violação às proibições contidas na Constituição Federal e nas leis; II - manifesta negligência no cumprimento dos deveres do cargo; III - procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; IV - escassa ou insuficiente capacidade de trabalho; ou V - proceder funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.

Como funciona o processo?

Segundo o CNJ, na apuração preliminar, a Corregedoria Nacional "procede à avaliação das provas existentes, a fim de estabelecer se houve prática de infração disciplinar, o que determina a propositura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) ou, em hipótese contrária, se as provas são frágeis ou insuficientes, pode acarretar o arquivamento do procedimento".

"Se a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, decidir pela instauração do PAD, o parecer será apreciado pelo Plenário do CNJ, quando todos os conselheiros se manifestarão sobre o caso".

"Se o pedido for aceito, haverá abertura do processo disciplinar e a magistrada terá garantida a ampla defesa e contraditório, conforme previsto na Constituição Federal. Encerrada a apuração, será apresentado relatório para nova apreciação do Plenário".

Punições como remoção, disponibilidade e aposentadoria compulsória de magistrados só podem ser aprovadas por maioria absoluta do conselho.

O CNJ foi instalado em 2005 para exercer o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.

São 15 membros, com mais de 35 anos e menos de 66, com mandato de dois anos, admitida a recondução por mais um.

O conselho é sempre presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, e a corregedoria é sempre ocupada por um ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Os demais membros são um ministro do Tribunal Superior do Trabalho; um desembargador de Tribunal de Justiça; um juiz estadual; um juiz do Tribunal Regional Federal; um juiz federal; um juiz de Tribunal Regional do Trabalho; um juiz do trabalho; um membro do Ministério Público da União; um membro do Ministério Público Estadual; dois advogados; dois cidadãos de "notável saber jurídico e reputação ilibada".

Atualmente o presidente do conselho é o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, e a corregedoria é ocupada pela ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, do STJ.

Ao longo de sua história, o CNJ puniu 126 juízes, sendo 69 (55%) com aposentadoria compulsória (punição mais severa) até outubro do ano passado, segundo a assessoria de imprensa do órgão.

Entenda o caso

Em reportagem do Portal Catarinas, em parceria com o The Intercept Brasil, divulgada na segunda-feira (20/6), é possível ouvir no vídeo a menina de 11 anos sendo encorajada a manter a gestação.

Ao falar com a criança, a juíza Joana Ribeiro Zimmer pergunta: "Qual é a expectativa que você tem em relação ao bebê? Você quer ver ele nascer?". Depois de uma resposta negativa da vítima, pergunta se gostaria de "escolher o nome do bebê" e se "o pai do bebê" concordaria com a entrega à adoção.

Também faz outras perguntas como: "Quanto tempo que você aceitaria ficar com o bebê na tua barriga para gente acabar de formar ele, dar os medicamentos para o pulmãozinho dele ficar maduro para a gente poder fazer essa retirada antecipada do bebê para outra pessoa cuidar se você quiser?"; "Você vai ao médico, e a gente vai fazer essa pergunta para um médico, mas você, se tivesse tudo bem, suportaria ficar mais um pouquinho?"; "Você acha que o pai do bebê concordaria com a entrega para adoção?"

Na audiência com a mãe da menina, Ribeiro Zimmer questiona sobre a gestação da menina.

"Quanto ao bebezinho, você entendeu que se fizer uma interrupção, o bebê nasce e a gente tem que esperar esse bebê morrer? A senhora conseguiu entender isso? Que é uma crueldade? O neném nasce e fica chorando até morrer."

"E a gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam o bebê. Então, essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal. A gente pode transformar essa tragédia."

A mãe da criança então diz: "É uma felicidade porque não estão passando pelo o que eu estou passando".

A menina teria sofrido o abuso sexual com 10 anos. O Conselho Tutelar da cidade em que ela morava quando foi violentada acionou o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) que, por sua vez, ingressou com o pedido para que a criança fosse levada a um abrigo provisoriamente.

Ela descobriu estar com 22 semanas de gravidez ao ser encaminhada a um hospital de Florianópolis, onde lhe foi negado o procedimento para interromper a gestação negado e que este só seria realizado com uma autorização da Justiça.

Na decisão, a juíza Ribeiro Zimmer disse que o encaminhamento ao abrigo, inicialmente feito a pedido da Vara da Infância para proteger a criança do agressor, agora tinha como objetivo evitar o aborto. A suspeita é que a violência sexual ocorria em casa.

A magistrada afirmou que a mãe da menina disse em juízo que queria o bem da filha, mas ponderou que, se a jovem não tivesse sido acolhida em um abrigo, teria feito o procedimento de aborto obrigada pela mãe.

Outro lado

Em entrevista ao jornal Diário Catarinense após a divulgação do caso, a magistrada afirmou que não é contra o aborto.

Ela justificou sua decisão por um "conceito" da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Ministério da Saúde.

"A palavra aborto tem um conceito e esse conceito é de até 22 semanas. Esse conceito é da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Ministério da Saúde. Isso não quer dizer que eu sou contra o aborto, só que o aborto passou do prazo."

No entanto, nos três casos em que a legislação brasileira permite o aborto (estupro, risco de vida materna ou mal formação fetal incompatível com a vida), não há limite de idade gestacional.

Na entrevista, a magistrada rebateu as críticas e disse que não quer expor a menina.

"Por coerência, eu prefiro que me acusem de tudo quanto é coisa, mas a menina esteja preservada. É muita covardia eu querer me defender, eu tenho mil coisas para me defender, mas é muito covarde eu tentar me defender e expor a menina, a mãe da menina, a família. Então eu prefiro aguentar sozinha essa pressão."

Ela também falou que corre "risco de vida" e não quer dar gastos adicionais para o tribunal em relação a isso, como, por exemplo, guarda-costas para a segurança dela.

"Tem outra questão que é a segurança institucional de que os meus dados já foram quebrados e eu já corro risco de vida. Então, tem mais uma responsabilidade de não gerar um custo para o tribunal de ter que colocar seguranças, tem mais isso. Não posso sair falando por aí e o tribunal ter de ficar sustentando guarda-costas."

Ribeiro Zimmer atuava na área da Infância e Juventude desde 2004. Após promoção por "merecimento" pelo TJ-SC, ela foi transferida para a comarca de Brusque, no Vale do Itajaí, e vai atuar na Vara Comercial.

Até ser promovida, seu salário era de R$ 32.004,65 mil brutos mensais. Mas, em abril, devido aos auxílios a que tem direito, ela ganhou R$ 59.129,75 brutos.

Em nota distribuída à imprensa, a juíza Ribeiro Zimmer afirmou ser "de extrema importância que esse caso continue a ser tratado pela instância adequada, ou seja, pela Justiça, com toda a responsabilidade e ética que a situação requer e com a devida proteção a todos os seus direitos e garantias constitucionais".

*Texto publicado originalmente em BBC News Brasil


Foto: EBC

Revista online | Balanço do mês da janela partidária 

Arlindo Fernandes de Oliveira*, especial para a revista Política Democrática online

Como se esperava, uma grande quantidade de agentes políticos valeu-se da licença legal chamada “janela partidária”, também conhecida como “janela de infidelidade”, para trocar de partido durante o mês de março deste ano de 2022. 

Vale breve memória sobre como o tema vem sendo tratado pela lei e sua leitura judicial: no ano de 2007, o Poder Judiciário havia decidido que o mandato eletivo obtido nas eleições proporcionais pertence ao partido pelo qual o mandatário foi candidato. Na época, a decisão foi saudada como algo muito positivo e inovador, pois “finalmente alguém coloca alguma ordem nesta barafunda partidária”.  

Perde o mandato quem alterar sua filiação partidária, decidiu, sob aplausos, o Supremo Tribunal Federal (STF). No caso, a decisão veio em respaldo à outra, adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Havia a ressalva da justa causa, e sua definição. Depois esse entendimento foi, por pouco tempo, estendido aos mandatos obtidos pelo sistema majoritário. 

Em seguida, aos poucos, vieram as mitigações desse entendimento: decidiu-se, em 2010, excluir do dever de fidelidade partidária quem houvesse sido eleito pelo sistema majoritário, vale dizer, prefeito, governador e presidente, e, no plano legislativo, senador. São agentes políticos que recebem um voto também pessoal, alegou-se então. 

Quanto aos eleitos pelo sistema proporcional, a Lei dos Partidos havia sido alterada para ensejar, na forma como definira o TSE, que também estaria autorizado à infidelidade, isento de qualquer pena, quem saísse de um partido para participar da criação de outro. Essa decisão foi, certamente, um dos principais motores da proliferação de partidos políticos que veio a ocorrer na década seguinte. 

Daí termos, por algum tempo, poucas situações em que o detentor de mandato eletivo pudesse alterar sua filiação partidária sem ônus jurídico: caso detentor de mandato majoritário; caso participasse de criação de novo partido; caso seu partido participasse de processo de fusão ou incorporação; na hipótese de mudança substancial ou desvio reiterado da sigla do programa partidário original; e, finalmente, caso fosse reconhecida pela Justiça Eleitoral uma situação de perseguição dentro do partido. 

Na chamada Lei da Minirreforma Eleitoral (n° 13.615, de 2015), acrescentou-se nova norma à Lei dos Partidos para permitir ao parlamentar alterar sua filiação partidária, sem necessidade de justificação, no prazo de 30 dias, seis meses antes das eleições, ou seja, até o mesmo prazo exigido de filiação partidária e domicílio eleitoral para concorrer ao pleito. O chamado “transfugismo partidário” passou a dispor de uma nova e ampla licença.  

No mesmo momento, foram excluídas da Lei Partidária duas hipóteses permissivas de mudança de filiação sem ônus jurídico da perda do mando, a participação em fusão ou incorporação ou a criação de novo partido. 

Os parlamentares passaram a contar, portanto, com um mês a cada quatro anos para pular a janela da fidelidade partidária, na bem-humorada definição dos jornalistas que cobriam o Congresso.  

No texto da lei, somente poderia alterar a filiação partidária, em tese, aqueles parlamentares que ocupam um dos cargos que estará em disputa nas eleições seis meses depois, ou seja, deputados federais e deputados estaduais/distritais. Entretanto, neste ano de 2022, detentores do cargo de vereador, que não estarão em disputa no pleito de outubro, valeram-se da licença legal para também mudar de partido. Desconhecemos questionamentos judiciais a esse respeito. 

Chamam muito a atenção do observador, na análise do período da janela de infidelidade do mês de março de 2022, dois aspectos muito relevantes e pouco comentados: em primeiro lugar, praticamente desaparecem os questionamentos de natureza ética ou moral sobre a incoerência político-ideológica, o desrespeito ao eleitor e a fraude contra sua vontade de quem altera a filiação partidária como quem muda de camisa.  

Como esse comportamento, antes famigerado e denunciado como imoral e antiético troca-troca, promovido à custa de manipulações e corrupção, passou a ser do interesse de grupos políticos governantes, esse fato, de súbito, começa a ser descrito como algo inevitável, como se evento da natureza fosse observado por muitos de forma desprovida de qualquer senso crítico. 

O segundo aspecto a considerar é que as análises respectivas ao processo se limitaram a uma descrição aritmética sobre quem ganha e quem perde nas bancadas, especialmente na Câmara dos Deputados, sem apreciar outros aspectos desse contexto, os efeitos legais inclusive, como os denominadores e os divisores dos recursos dos fundos partidário e eleitoral e do tempo de propaganda no rádio e na TV. 

Por exemplo, um partido que elegeu 60 deputados federais em 2018 e perdeu 20 no troca-troca de 2022 é visto como perdedor, por ver diminuída sua bancada na Câmara. Não se vê, por exemplo, que as mudanças produzem um efeito bastante limitado na definição dos recursos do Fundo Eleitoral, e nenhum efeito na definição do volume de recursos do Fundo Partidário, que tem como referência a votação para deputado federal obtida pelo partido no pleito de 2018. Ou seja, na prática, os 40 deputados que remanesceram nesse partido terão a seu dispor os recursos que correspondem à bancada de 60 federais, pois os deputados que saíram não carregam consigo os recursos respectivos ao seu mandato (Fundo Eleitoral) ou aos votos (Fundo Partidário). 

O mesmo ocorre com relação do tempo de propaganda eleitoral na televisão e no rádio: o tempo é repartido de duas formas, 10% igual para todos os partidos e 90% na proporção da bancada de cada partido na Câmara dos Deputados, que, neste caso, é a bancada resultante da eleição anterior. 

Ou seja, ganha, em ambas as situações, o deputado federal ou o candidato a deputado federal (ou a qualquer outro cargo) que permaneceu filiado ao partido original, pois haverá um contexto de menos candidatos à reeleição com mais recursos e mais tempo de antena, ao passo que os que pularam a janela da infidelidade afluíram normalmente para partidos com bancadas mais numerosas. Serão, ao fim das contas, candidatos com menos recursos e menos tempo de TV e de rádio para suas campanhas. 

Faz sentido. Alguma coisa, afinal, deve haver para prestigiar quem se manteve coerente com o mandato partidário que a cidadania lhe concedeu. 

Saiba mais sobre o autor

Foto: Fundação Astrojildo Pereira

*Arlindo Fernandes de Oliveira é consultor do Senado e especialista em Direito Eleitoral

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática online de abril de 2022 (42ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.


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