Steve Bannon

El País: 'Destruição é a agenda do Tradicionalismo', a ideologia por trás de Bolsonaro e Trump

Benjamin Teitelbaum passou 15 meses entrevistando os principais ideólogos conservadores atuais para escrever ‘Guerra pela eternidade’, que mostra a relação entre os gurus Olavo de Carvalho e Steve Bannon com esta ideologia antimodernista e de fundamentos religiosos

Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a escalada populista com flerte autoritário dos Governos de Jair Bolsonaro Donald Trump suscita comparações com o fascismo. Mas para o pesquisador da extrema direita e etnógrafo norte-americano Benjamin Teitelbaum, autor do livro Guerra pela rternidade (Editora da Unicamp, War for eternity: inside Bannon’s far-right circle ―no título original, em inglês), a cruzada em curso contra valores modernos e democráticos nos dois países pode ser melhor compreendida a partir de uma outra doutrina menos conhecida, o Tradicionalismo (com ‘T’ maiúsculo, para diferenciá-lo do conservadorismo tradicional). Não que a alternativa seja melhor, o autor se apressa em esclarecer.

Baseado em mais de 15 meses de pesquisa e entrevistas com ideólogos conservadores como o ex-estrategista da Casa Branca Steve Bannon, o guru do Bolsonarismo, Olavo de Carvalho, e o conselheiro do presidente russo Vladimir Putin, Aleksandr Dugin, Teitelbaum descreve em seu livro como essa teoria obscura seguida por eles têm influenciando os governos dos Estados Unidos, do Brasil e da Rússia.

Nesta entrevista concedida por vídeochamada ao EL PAÍS, o professor de Assuntos Internacionais e Etnomusicologia da Universidade do Colorado (EUA) explica por que ele considera esta ideologia mais radical em suas concepções antimodernistas do que o próprio fascismo. “Há um elemento de destruição no Tradicionalismo que não necessariamente existe no fascismo”, alerta. Mesmo após a derrota de Trump e a prisão de Bannon (sob acusação de desvio de recursos para a construção do muro entre os EUA e o México), o autor avalia que as forças que eles representam continuarão vivas —e testando as instituições democráticas. Também examina como o Tradicionalismo legitima desde o racismo até a propagação de teorias conspiratórias em relação à pandemia do coronavírus.

Pergunta. Seu livro descreve como o Tradicionalismo, que até pouco tempo era considerada uma doutrina marginal dentro da própria extrema direita, alcançou influência global. Para quem ainda não leu o livro, como o senhor sintetizaria essa doutrina?

Resposta. O Tradicionalismo é originalmente uma escola espiritual filosófica que se tornou política em certo nicho. Os seguidores basicamente acreditam que a humanidade está ao fim de um longo ciclo de declínio e que vai ser concluído com destruição e renascimento. O que foi perdido neste ciclo de declínio foi o conhecimento verdadeiro da religião e também a ordem nas nossas sociedades —incluindo a diferença entre homens e mulheres, posições sociais e espirituais. No lugar disso, teríamos um mundo massificado e secularizado, neste processo de modernização. O Tradicionalismo acredita que é preciso haver um cataclismo para restaurar o que acreditam ser a verdade. Um dos elementos desse Tradicionalismo politizado de direita é acreditar que é preciso restaurar uma hierarquia onde homens arianos e líderes espirituais estão no topo, em oposição a materialistas, não-arianos e mulheres.

P. Quais as principais consequências do Tradicionalismo, e o que mais lhe surpreendeu durante a pesquisa para o livro?

R. Vou começar pelo fim. A grande consequência é que o Tradicionalismo acrescenta uma motivação espiritual para o que poderia ser simplesmente uma agenda política do populismo de direita, antiglobalista, antiprogressista. As pessoas podem aderir a isso por diferentes razões, como ressentimento econômico, racismo, antifeminismo… Mas o Tradicionalismo oferece uma motivação religiosa. E esse é um elemento importante. No caso de Olavo de Carvalho, por exemplo, ele não expressa apenas um ódio às elites, desprezo à ciência, à mídia, às universidades. Existe também a visão, um certo mandato espiritual, com o desejo de destruir grandes organizações, como a União Europeia, as Nações Unidas. A seus olhos, a destruição é uma coisa boa. Isso é assustador e preocupante. Os tradicionalistas acham que essas grandes organizações querem unificar e homogeneizar o mundo com o comunismo, ou com dominação chinesa. Então Olavo quer ver o establishment no Brasil ser quebrado em peças e fraturado: sejam os militares, a universidade, a mídia. Destruição é a agenda.

O que me surpreendeu é que não sei por que isso aconteceu agora. Olavo, Bannon e Dugin são bem diferentes. Não conseguem trabalhar juntos, não é um círculo funcional. Mas o estranho é que essas ideias extremas acabaram vindo à tona basicamente no mesmo momento, e não pelas mãos de Bolsonaro, Trump, e Putin, mas pelas mãos das figuras atrás deles, como uma espécie de Rasputin... os conselheiros místicos, influentes.

P. Desde a publicação do livro nos Estados Unidos, no início deste ano, o cenário político mudou. Bannon foi para a prisão e Trump perdeu as eleições. Como você interpreta essas mudanças?

R. Eu sinto quase como se isso pudesse liberar a verdadeira mensagem do livro, porque o real sujeito do livro não são as ações de Bannon, Olavo e Dugin. É a história mais ampla por trás disso, para entender por que em lugares diferentes, com trajetórias independentes, vimos essa ideologia aparecer. A história não é sobre a ação de indivíduos. É sobre o que está por trás disso tudo, porque nos encontramos em um momento em que as pessoas estão buscando ideologias que parecem destoar tanto do padrão. E essa ideologia não é o comunismo, não é liberalismo, não é fascismo. O Tradicionalismo é tão fora do mapa que nenhum cientista político, nenhuma think tank em Washington, ninguém no Congresso e nenhum candidato à presidência jamais ouviu falar dele. E esse movimento ainda assim se sustenta. Há tanto desencanto, tanta frustração com o status quo, que nós vemos atores buscando alternativas radicais.

P. Vários pesquisadores vêm definindo essa guinada populista de direita que estamos vivendo em países como Brasil e Estados Unidos como uma retomada do fascismo. Você discorda, então?

R. Eu discordo, e isso não é pra dizer que eu acho que é melhor. Essa definição é errada, e há um certo nível de falta de interesse e rigor que leva a essa caracterização como fascismo. Mas o único jeito de compreender essa ideologia é levá-la a sério e ouvir o que ela realmente diz, em vez de olhar apenas a fachada. O Tradicionalismo é anti-progressista num nível que raramente vemos. Muitas pessoas costumam chamar a si mesmas de conservadoras, mas quase todo mundo no campo conservador é basicamente progressista no mundo ocidental. Elas acreditam que, se você reduzir as regulações governamentais do capitalismo e aumentar a liberdade individual sobre a propriedade, você pode criar uma sociedade melhor. Eles não são nostálgicos. O Tradicionalismo vai na direção diametralmente oposta. Eles não acreditam que é possível mudar ou melhorar a história, acham que é preciso desfazer todo o mal feito para as nossas sociedades, e isso não significa voltar apenas décadas para trás, mas séculos.

P. Qual a principal diferença entre o fascismo e o Tradicionalismo?

R. O fascismo é futurista, modernista, a despeito de tudo. Hitler e Mussolini queriam transformar radicalmente suas sociedades, revolucioná-las. O Tradicionalismo vai na direção contrária: quer voltar para trás, num nível que ninguém leva muito a sério. E é nesse ponto que as ideologias se separam. Ambas se opõem ao feminismo, ao multiculturalismo, às políticas emancipatórias contemporâneas. Mas as diferenças são significativas. Há um elemento de destruição no Tradicionalismo que não necessariamente existe no fascismo.

P. Você descreve no livro que certos autores tradicionalistas, como o italiano Julius Evola, colaboraram com o fascismo e com o nazismo. Qual o marco dessa separação ideológica?

R. O fascismo historicamente era amistoso com a ideia de modernização e com o pensamento científico. Quando Evola rompeu com os nazistas, foi justamente quando ele achou que eles estavam sendo materialistas demais, científicos demais. O entendimento de raça dos nazistas era visto como muito modernista e biológico para ele. O grande contexto é que o Tradicionalismo é cético em relação à ciência. E não acho que seja coincidência que pessoas na administração Bolsonaro, como Ernesto Araújo, e o próprio Olavo e pessoas de seu círculo, que leem e celebram o trabalho de autores como Guénon [o francês René Guénon, patriarca do Tradicionalismo] e Julius Evola, sejam também os mais adeptos a teorias da conspiração em relação ao coronavírus. Isso não é muito facilmente explicável olhando para o fascismo. É muito mais fácil de entender pelas lentes do Tradicionalismo.

P. Um ingrediente comum das teorias da conspiração em relação ao coronavírus é culpar a China pela pandemia. Seu livro conta que Bannon recebeu um milhão de dólares para militar contra o Partido Comunista Chinês. Não parece ser coincidência que, antes de ser preso, Bannon também tenha sido um dos primeiros a articular essa narrativa conspiratória do “vírus chinês”. No Brasil, vemos o mesmo discurso contra a China. Por que esta questão é tão crucial?

R. No caso de Bolsonaro, isso parece se justificar por uma oposição ao comunismo. Mas, para Bannon e Ernesto Araújo, há uma questão mais específica: o fato de a China ser secular, antirreligião, e ao mesmo tempo massificante, globalizante, por estar eliminando fronteiras. Isso é um problema para os nacionalistas. Não por acaso, Araújo escreveu em seu blog meses atrás que o maior problema não era o fato de a China ser um país contra o capitalismo, mas por ser contra o espírito. Então, para os tradicionalistas, a China não é uma vilã apenas pela questão econômica, mas é um demônio metafísico.

P. Como você vê o papel do Olavo nesse contexto?

R. Comparando com os outros, Olavo é ao mesmo tempo o mais tradicionalista de todos e também o menos. É mais porque não há um partido tradicionalista oficial, um clube, então o único jeito de ser oficialmente afiliado é ser iniciado em um centro religioso afiliado às ideias de Guénon, por exemplo, que podem ser centros hare krishna ou tariqas muçulmanas sufistas. E Olavo foi iniciado numa dessas linhas muçulmanas. Essas são credenciais tradicionalistas muito antigas, que são passadas por uma longa rede de pessoas. Mas olhando para Olavo hoje, ele não segue o Tradicionalismo de forma ortodoxa. É como se o Tradicionalismo fosse um tempero em seu pensamento. E isso é comum entre os tradicionalistas, pessoas que são inspiradas por essas ideias, mas as misturam com outras. E esse parece ser o caso de Olavo.

P. Depois da publicação, o Olavo atacou você, classificando-o como mentiroso.

R. Olavo disse que eu era um mentiroso, mas ele nunca respondeu quando eu enviei para ele um capítulo do livro antes da publicação. Os documentos que reuni mostram basicamente que Olavo se converteu ao islã, era chamado de Sidi Muhammad. E eu acredito que ele ainda seja, de acordo com algumas tradições religiosas.

P. Você disse que Olavo foi o “pior” dos seus entrevistados, o que reagiu de forma mais furiosa à publicação do livro. Por que você acha que Olavo teve a pior reação?

R. Eu acho que há duas coisas: primeiro, que ele ficou um pouco envergonhado de eu expor sua ligação com a tariqa do Schuon [Frithjof Schuon, herdeiro intelectual de Guénon], porque isso contradiz a imagem que ele projeta hoje, de um cristão zeloso. E ele fala e escreve melhor baseado em uma posição de vitimização. É mais fácil me chamar de mentiroso, em vez de ter revisado os materiais que eu havia mandado para ele com antecedência. E há uma questão de personalidade. Eu não quero fazer uma psicanálise, mas nenhum dos outros personagens pareceu tão desapontado.

P. Quando eu entrevistei Olavo, ele me disse que não tinha projeto para a sociedade, que ele só sabia o que ele era contra, não o que era a favor. Isso parece reforçar essa lógica tradicionalista de destruição.

R. Interessante você mencionar isso, porque uma das coisas mais perspicazes que o Olavo me disse durante sua entrevista foi uma frase sobre o tradicionalista René Guénon. Ele disse que Guénon estava certo em tudo o que ele rejeitava e errado sobre tudo o que ele apoiava. E, de certa forma, senti quase como se o Olavo estivesse falando de si mesmo quando estava falando isso. Ele pode criticar , mas não há meta alguma. Não há muito o que construir, é tudo sobre destruição. E se você pensar historicamente, a crítica é muito fácil. A construção de algo é que é difícil. Olhando para o pensamento conservador, a crítica que fazem ao marxismo é justamente o fato de Marx criticar tanto o capitalismo e não conseguir imaginar muito o que colocar no seu lugar.

P. Como o senhor imagina o futuro do Tradicionalismo?

R. Eu não sei quantas pessoas vão se identificar como tradicionalistas. O que eu sei é que muitos republicanos bem posicionados, trabalhando para organizações nacionais, estão mais sintonizados com o Tradicionalismo do que eu jamais imaginaria. O Tradicionalismo está circulando, e isso vem de leituras da alt right. Não é necessário que haja uma evangelização, não precisa. Steve Bannon nunca pensou em fazer isso. Essas são ideias circulando entre a direita intelectual dissidente, pessoas que querem tomar o lugar dos conservadores nos Estados Unidos. Então essas ideias são atraentes para pessoas que se consideram intelectuais e ideólogos. Mas eu acredito que isso é o sintoma de algo maior. Há uma frustração e uma insatisfação política que vai fazer com que essas pessoas continuem procurando ideólogos e pensadores que querem alternativas e mudanças radicais, que querem repensar nossa democracia. E isso pode acontecer via Tradicionalismo ou outra ideologia, mas eu acredito que continuaremos vendo essa tendência.

P. Como a derrota de Trump afeta essa tendência? O movimento se enfraquece?

R. Trump perdeu, mas ele continua sendo incrivelmente popular entre a direita. Não há nada parecido, nenhum republicano jamais recebeu tantos votos nos Estados Unidos. E além disso os republicanos ainda foram muito bem nas votações do Senado, no Congresso. Eles têm uma penetração crescente entre grupos minoritários e pessoas sem diploma. Tenho entrevistado muitos jovens republicanos e eles seguem a cartilha de Trump. Eles acreditam que Trump mostrou que, se conseguirem combinar políticas econômicas liberais com políticas sociais conservadoras, eles podem vencer os democratas. Isso deve manter a ideologia trumpista viva.

P. E como o senhor vê as perspectivas para Bolsonaro, um dos maiores aliados de Trump, após a vitória de Biden?

R. Bolsonaro tem um problema real, não vejo o mesmo potencial para ele. Me parece que ele se antecipou ao se aliar aos Estados Unidos e virar as costas para a China. Agora que os Estados Unidos subitamente se transformaram e não o querem mais como parceiro, quem serão os amigos de Bolsonaro? Acho que o que salva Bolsonaro é que nem todos os seus subordinados no setor público levam tão a sério suas ameaças à China e seguem fazendo seu trabalho para manter as relações. Se tudo o que ele diz fosse levado à risca, o Brasil estaria realmente em apuros.

Antes também tínhamos Bannon, que fazia uma boa interlocução com o governo Bolsonaro. Havia um círculo, formado por Araújo, Bannon, Olavo, o embaixador brasileiro, e Gerald Brant. Eles tinham jantares juntos, confraternizaram frequentemente, em todas as visitas, mesmo Bannon não tendo cargo oficial no Governo Trump. Agora que tudo isso implodiu, é difícil saber quem manterá o entusiasmo por Bolsonaro em Washington. Trump não se importa muito.

P. O senhor tem formação em música. Como começou a pesquisar a extrema direita?

R. Eu era um etnomusicólogo e estava estudando a relação entre música e cultura. Estava na Suécia e ia escrever uma dissertação sobre um ritmo assimétrico na música folk sueca. Ninguém no mundo ia ler isso (risos), mas enquanto eu estava lá a extrema direita assumiu o poder no país, e eles disseram que iriam investir na música folk sueca. Achei isso interessante, e decidi entrevistá-los sobre isso. Percebi que isso significava uma grande mudança para eles. Historicamente, a extrema direita era associada à música metal skinhead white power, mas, assim que tomaram o poder, queriam transformar sua imagem. Então havia uma história ali, a história de como estavam tentando reconstruir sua imagem não pela política, mas pela música.

Esse foi o começo, há mais de uma década. O interessante é que quando eu dizia para as pessoas que era um pesquisador de música, as pessoas falavam comigo. Se eu dissesse que era jornalista, historiador, ou cientista político, certamente ficariam mais desconfiados. Quando você chega perguntando sobre sua agenda política, eles se assustam. Mas se você chega perguntando que tipo de música eles mais gostam, eles se abrem.

P. Uma pergunta que ouço com frequência é por que devemos estudar pessoas como Olavo de Carvalho, ou Bannon. Há quem diga que são malucos, radicais, e que ao escrever sobre eles estaríamos dando plataforma. Por que, na sua opinião, é importante estudá-los?

R. Eu sou um acadêmico. Sou um etnógrafo, um antropólogo. E antropólogos estudam pessoas. Acreditam que todos merecem ser estudados. Meu editor tem uma explicação diferente. Ele diz que essas pessoas geram consequências, e que por isso precisamos compreendê-las. Acho que há um outro aspecto importante: muita análise que se faz da extrema direita é realmente ruim, simplista. Existe tanto medo em contribuir para a criação de mitos que a resposta acaba sendo muito simplista, com rótulos como ‘eles são racistas’, ‘eles são nazistas’. Mas devemos prestar atenção para o fato de que esse discurso também é anti-intelectual. As pessoas ficam com medo dos detalhes, das nuances. E a consequência acaba sendo uma falta de entendimento, se perde o grande contexto. Quando você estuda um fenômeno social, as questões precisam ser bem mais amplas do que se isso é bom ou ruim.


Bernardo Mello Franco: O guru dos impostores

Steve Bannon foi o principal estrategista da campanha que levou Donald Trump à Casa Branca. O ideólogo mostrou como usar as redes para disseminar ódio e desinformação. Ajudou a transformar um magnata folclórico em fenômeno eleitoral.

Trump ganhou votos com promessas mirabolantes, como a construção de um muro na fronteira entre os EUA e o México. A ideia não saiu do papel, mas ajudou Bannon a ficar mais rico. Ontem ele foi preso, acusado de desviar dinheiro de uma vaquinha virtual. Arrecadou US$ 25 milhões a pretexto de erguer a barreira contra imigrantes.

No livro “Os engenheiros do caos”, o italiano Giuliano Da Empoli conta como o propagandista transportou lições dos videogames para a política. Aoatuar na indústria de jogos eletrônicos, Bannon descobriu a existência de comunidades digitais com milhões de participantes. Seus fóruns eram terreno fértil para difundir boatos e teorias conspiratórias.

Com a ajuda de algoritmos, os ambientes foram replicados para turbinar a campanha republicana. Atraíram eleitores que se sentiam desprezados pelo sistema e excluídos do banquete da globalização. Era uma massa invisível para os políticos e os institutos de pesquisa, que apostaram na vitória de Hillary Clinton.

O triunfo do bufão alçou Bannon ao estrelato mundial. No primeiro mês de governo, ele foi parar na capa da “Time”, apresentado como “O Grande Manipulador”. Empolgado com a fama, começou a articular uma Internacional da extrema direita. Aproximou-se de populistas como o britânico Nigel Farage, o italiano Matteo Salvini e o húngaro Viktor Orbán.

O propagandista rompeu com Trump, mas continuou a ser visto como guru por uma legião de impostores. Em 2018, ele foi procurado por Eduardo Bolsonaro para dar conselhos à campanha do pai. Depois escalou o deputado como líder do seu movimento nacional-populista na América Latina.

Após a prisão de ontem, Trump tentou se distanciar do ex-aliado picareta. Em Brasília, a família presidencial preferiu o silêncio.


Eliane Cantanhêde: Bem feito!

Com prisão de Steve Bannon, lá se vai o guru internacional da direita e dos Bolsonaro

Bem feito para os idiotas que doaram mais de US$ 25 milhões para construir um muro entre os Estados Unidos e o México, ou seja, entre países, pessoas, famílias, humanidade e desumanidade. Pensavam que estavam comprando cimento e tijolos, mas estavam financiando os luxos de tipos abomináveis como Steve Bannon, ex-estrategista de campanha e de governo de Donald Trump e idolatrado pelo presidente Jair Bolsonaro, seus filhos, ministros e puxa-sacos em geral.

Num mundo tão globalizado quanto desigual, é chocante que o presidente e tantas pessoas na maior potência defendam um muro para se isolar de pessoas consideradas menos gente, menos humanas. Deveriam fazer o oposto e doar para famílias, velhos e crianças viverem com dignidade, mas, em vez de contribuir com a igualdade, os doadores incautos do muro aprofundam a desigualdade: eles lá, com sua miséria e sem horizonte; nós cá, com a nossa pujança e egoísmo. Dúvida: quem vai lavar as privadas e cuidar das crianças dos doadores? Mas essa é outra história.

Entre os que fizeram papel de bobos, pode haver americanos de diferentes origens e até imigrantes… latinos. Latinos construindo muro contra latinos. Com uma curiosidade: Donald Trump tem ojeriza a imigrantes, mas é casado com uma eslovena. Logo, a ojeriza não é ao imigrante, é ao pobre, perseguido, desvalido. Branca, bonita e capaz de se imiscuir na elite, aí pode.

Dos doadores para o mais ilustre beneficiário dessa roubalheira, Steve Bannon, que chegou aos píncaros da glória quando Trump foi alçado da condição de anticandidato ridículo e inviável à de presidente do país com mais dinheiro, armas, votos e poder do mundo. A vitória de Trump subiu à cabeça de Bannon, que decidiu expandir seus dotes políticos para o nefasto Brexit no Reino Unido, as eleições de Polônia, Hungria e países da África e… a política brasileira. Como conselheiro do presidente Jair Bolsonaro.

Fogo e Fúria – Por Dentro da Casa Branca de Trump, do jornalista Michael Wolff, editora Objetiva, traça um perfil preciso não apenas do próprio Trump, mas também dos seus principais assessores no poder e do próprio Bannon e sua expertise: manipulação. Dizem que “a esperteza, quando é demais, devora o dono”. E assim ele acabou expelido do círculo íntimo do presidente e do próprio governo. Mas não perdeu a pose.

O documentário The Great Hack, da Netflix, mostra como Bannon surfou na onda da já banida empresa Cambridge Analytica para capturar e manipular corações e almas mundo afora e instalar algo apocalíptico, a dominação do mundo pela direita. Uma extrema-direita muito particular de Steve Bannon, agora preso no seu próprio país por criar uma rede para enganar os trouxas e engordar suas contas pessoais.

Há fotos, posts e informações públicas à vontade comprovando o encanto do presidente Bolsonaro com Bannon. Dele, do ex-quase embaixador em Washington Eduardo Bolsonaro, do chanceler trumpista Ernesto Araújo e do assessor internacional idem, Filipe Martins, com um troféu: a foto do jantar que o presidente brasileiro ofereceu em Washington, com Steve Bannon sentado à esquerda e quem à direita? Olavo de Carvalho. O guru internacional, o guru tupiniquim.

A prisão de Bannon pode abortar o projeto mais grandioso dos Bolsonaros: a criação de um “Foro de São Paulo” à direita. Nem foro de direita, nem o novo partido Aliança pelo Brasil, nem a garantia de reeleição de Trump e, agora, a toxicidade de Bannon. O que o “03” vai fazer com boné “Trump 2020”? A campanha do pai vai de vento em popa no Brasil, mas o bolsonarismo corre o risco de afundar no mundo, junto com Trump, Bannon e tipos assim.