Sínodo

El País: A Amazônia testa a abertura da Igreja

Sínodo que começa no domingo continuará sem o direito ao voto feminino, mas debaterá a ordenação de homens casados

O germe deste sínodo surgiu há quase dois anos em Puerto Maldonado, no Peru, quando o Papa viajou a esse país e ao Chile. A Amazônia se encontra hoje, de forma completamente imprevista naquela época, no centro do debate político, social e ambiental do mundo. Mas o interesse de Francisco pela ecologia marca todo o seu Pontificado e já tomou corpo teológico através da encíclica Laudato Si. Uma reivindicação do ambientalismo integral que foi recordada nesta quinta-feira pelo cardeal e secretário do sínodo, Lorenzo Baldiseri: “Uma ecologia que não trate as questões só olhando para o meio ambiente, mas também que compreenda a dimensão humana e social. Uma ecologia que tenha presente a essência do homem”.

O sínodo, para o qual 80.000 pessoas se fizeram ouvir, fornecendo as informações preliminares, discutirá sobre uma zona geográfica que abrange sete nações. A proposta, entretanto, incomoda especialmente o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que o considera uma ingerência na soberania nacional. “Respeitamos a soberania do Brasil. Mas a Igreja também está na Amazônia”, advertiu o cardeal Cláudio Hummes, presidente da Rede Eclesiástica Pan-Amazônica (REPAM) e participante do encontro.

A participação da mulher, com 35 convidadas, aumenta: duas convidadas especiais, quatro especialistas (duas são religiosas) e 29 auditoras, sendo 18 freiras. Mas nenhuma delas terá influência sobre os 185 “padres sinodais” que poderão votar o documento final. Esse foi um dos temas fundamentais de uma reunião convocada pela organização Voices of Faith que ocorreu no mesmo momento em que três cardeais apresentavam o sínodo da Amazônia. A freira sueca Madeleine Fredell criticou em um discurso contundente que “ocorram na Igreja abusos de todo tipo, sexuais, econômicos, de poder” e também “de silenciamento das mulheres”. “Não nos permitem compartilhar nossas interpretações da fé, somos silenciadas (...). Não suplicamos poder, o poder sempre corrompe, só pedimos para sermos respeitadas.”

A apresentação do Sínodo, entretanto, só confirmou que a onda se aproxima para uma Igreja que ainda se considera impermeável a determinadas mudanças sociais. Baldiseri salientou que desta vez quadruplicou o número de mulheres participantes do encontro. Mas foi incapaz de dar uma explicação convincente, além de citar as normas estabelecidas, para o fato de elas continuarem sendo irrelevantes na hora de tomar decisões. “O sínodo é um organismo, não um direito divino. Então é preciso se ater à norma estabelecida. Um código de direito canônico assinado pelo Papa.” É assim, nada mais.

Os atritos internos, numa Igreja atualmente cindida pelas investidas do setor ultraconservador, chegarão ao sínodo através do debate sobre a ordenação de homens casados e com famílias, como forma de paliar a falta de vocações em lugares remotos do mundo (esses padres são conhecidos como viri probati).

A discussão, ninguém mais esconde, já está sobre a mesa. Embora afete apenas colateralmente o tema do celibato. Baldiseri engoliu em seco algumas vezes nesta quinta quando foi recordado que figuras de peso como o cardeal Gerhard Müller, ex-prefeito para a Doutrina da Fé da Santa Sé, tinham tachado de herege o tratamento dado ao assunto. “Não é um documento pontifício”, desculpou-se, em referência ao instrumento de trabalho sobre o qual se debaterá, levando-se em conta que “o celibato é um dom da Igreja”. A Amazônia, entretanto, servirá como laboratório para uma série de debates por tanto tempo postergados e de consequências ainda imprevisíveis.


Denis Lerrer Rosenfield: Sínodo da Amazônia

Se a soberania nacional não for defendida, tornar-se-á refém da esquerda religiosa

Pensar a Amazônia, em termos internacionais, como se fosse uma mera discussão neutra, desprovida de caráter político, ou melhor, geopolítico, é uma grande ingenuidade. Alguns escondem seus reais propósitos numa retórica aparentemente moral e universal, tendo como fundamento questões ambientais, indígenas ou quilombolas; outros são mais diretos, procurando retirar do Brasil a soberania de uma fatia de seu território. Uns e outros partem de uma mesma ideia de “universalidade”, devendo nosso país se curvar a uma “humanidade” dirigida e controlada por eles.

O documento preparatório da Igreja Católica para o Sínodo da Amazônia procura capturar os incautos por intermédio de uma argumentação supostamente moral e humanitária, quando, na verdade, tem uma orientação política claramente estabelecida. Tal orientação está baseada na Teologia da Libertação, com referências explícitas a seus encontros fundadores em Puebla e Medellín. A argumentação bíblica é utilizada para estabelecer uma linha de continuidade entre a Torá, com nome hebraico no texto, e essa teologia que tem um eixo ideológico, baseado no marxismo. Só faltou dizer que a Teologia da Libertação é a herdeira direta do Antigo Testamento, o que equivaleria a dizer que o marxismo seria sua melhor expressão.

Convém não esquecer que tal orientação da CNBB está sendo fortalecida no atual papado, quando tinha sido liminarmente descartada pelo anterior pontífice, Bento XVI, já desde a época em que era conhecido como cardeal Ratzinger. Este em 1984 escreveu um livro crítico e mordaz contra a Teologia da Libertação, considerando-a uma perversão do pensamento católico. Em seu livro sobre a vida de Jesus, retomou a mesma posição, tendo-a como uma forma do “anticristo”. Cristianismo e marxismo seriam incompatíveis.

Acontece que setores da Igreja Católica brasileira, congregados na CNBB, procuram vender a imagem da neutralidade política, como se estivessem apenas preocupados com questões, digamos, religiosas ou universais nesta acepção restrita, quando, na verdade, estão profundamente engajados na política. Assumem claramente posições de esquerda! Talvez por ter a esquerda perdido espaço nesta última eleição estejam tentando ocultar as ideias que os norteiam!

Curioso que esse ocultamento se faça, muitas vezes, sob o manto de uma diferenciação em relação aos evangélicos, como se estes fizessem política e os católicos, não. Trata-se de mero disfarce, apresentado sob a forma da oposição, a “esquerda católica” não fazendo política, o que seria o caso da “direita evangélica”. Trata-se de uma forma retórica de velar seus reais propósitos.

A Igreja Católica, por intermédio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), criou o MST, na década de 1980, e o acompanha deste então. Suas posições são expressamente anticapitalistas e revolucionárias, apregoa a violência nas invasões de terras, rurais e urbanas, em flagrante desrespeito à lei. Quando não a favorece, a lei é só uma ferramenta de “latifundiários” e “conservadores”. Despreza a democracia e o Estado de Direito.

A Igreja Católica também colaborou decisivamente na fundação do PT, constituindo um dos seus eixos. Aí a Teologia da Libertação encontrou terreno particularmente fértil para o seu florescimento. Foi companheira incansável dos governos petistas, o que significa dizer que foi complacente com o descalabro econômico e social por eles produzidos, sem dizer da captura do Estado pela corrupção desenfreada.

Outra comissão dela, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), almeja tornar os indígenas um instrumento seu e das ONGs a ele associadas, apresentando a visão de que suas áreas demarcadas seriam, praticamente, recortadas do território nacional. Ou seja, o Brasil não seria uma nação de indivíduos das mais diferentes crenças e etnias, mas sofreria uma subdivisão interna, formada por nações indígenas, que teriam completa autonomia sobre os seus territórios. A leitura de seus documentos mostra um linguajar marxista, voltado para a transformação revolucionária do País.

Apenas um dado: o Brasil, segundo o IBGE, tem em torno de 1 milhão de indígenas, dos quais aproximadamente 500 mil em zonas rurais. Ocupam em área demarcada 12,5% do território nacional. Se fôssemos seguir o Cimi e ONGs afilhadas, o País deveria ceder 24% de seu território para meio milhão de pessoas, para “nações”. O passo seguinte seria a sua representação na ONU!

O documento do sínodo está repleto de menções às ameaças de desmatamento, como se o País fosse o grande destruidor do planeta. Ora, segundo dados da Embrapa Satélite, pesquisados por um dos seus mais influentes estudiosos, Evaristo de Miranda, o Brasil é um dos países mais preservacionistas, ostentando o invulgar índice de conservação de mais de 60% de vegetação nativa, com contribuição decisiva dos empreendedores rurais. Dados esses, aliás, confirmados pela Nasa.

Nesse texto, discorre-se sobre a “Pan-Amazônia” que recortaria todos os países da Floresta Amazônica, que deveriam ser objeto de tratamento específico, segundo as ideias da “igreja universal”: a Igreja Católica sob a orientação da Teologia da Libertação, com seu séquito de ongueiros mundiais. A Igreja estaria, assim, se imiscuindo nos assuntos internos desses países, como se eles devessem curvar-se a tais ditames tidos, então, por “universais”.

O general Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Nacional, está coberto de razão ao externar a sua preocupação com os rumos desse sínodo político e esquerdizante. Pensam os militares nos destinos do País e na integridade do seu território. O que está em questão é a soberania nacional. Se não for defendida, tornar-se-á refém dessa esquerda religiosa, ambientalista e indigenista, supostamente “humanitária”. E o sentido mesmo da Nação brasileira estará perdido.

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da UFRGS


Míriam Leitão: Erros do governo na Amazônia

Generais se preocupam com o Sínodo católico sobre Amazônia, e ministro do meio ambiente ataca Chico Mendes. Os problemas da região são outros

Em termos de Amazônia, o atual governo está se especializando em criar falsas polêmicas, como se já não fossem suficientes os problemas que a região realmente enfrenta. O Planalto considera que é preciso monitorar uma reunião da Igreja Católica sobre Amazônia, porque entende que será um atentado à soberania brasileira na região se líderes católicos criticarem o governo. “Nós não damos palpite sobre o deserto do Saara, ou o Alasca”, disse ontem o general Augusto Heleno. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atacou um morto. Fez acusações irresponsáveis contra Chico Mendes, assassinado há 30 anos.

A vitória de Jair Bolsonaro se deveu em parte à forte militância dos líderes das igrejas evangélicas. O ideal é que nenhuma religião fizesse militância partidária e eleitoral, porque essa mistura de púlpito e palanque interfere no direito de escolha do eleitor. Contudo, qualquer denominação religiosa é livre para defender temas que achar mais coerente com seus valores. O mesmo grupo político que não se preocupou com o uso das igrejas evangélicas na caminhada eleitoral de Jair Bolsonaro agora acha perigoso o que a Igreja Católica discutirá no Sínodo sobre Amazônia a ser realizado em outubro, em Roma.

O Estado é laico. Isso todos sabem, mas é sempre bom lembrar nestes tempos em que ministros acham que podem fazer proselitismo religioso nas decisões de políticas públicas. As igrejas também são livres para terem as suas visões dos fatos. É delirante a ideia de que se houver críticas ao governo Bolsonaro a soberania do Brasil estará ameaçada. Primeiro, crítica ao governo não é atentado à pátria. Segundo, a Amazônia não é apenas brasileira, é um bioma que se espalha por nove países. Terceiro, a Igreja Católica vem alertando sobre a urgência de proteção do meio ambiente muito antes de haver o governo Bolsonaro. É de 2015 a Encíclica Laudato Si do Papa Francisco.

Em entrevista à repórter Tânia Monteiro, do “Estado de S. Paulo”, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), admitiu que há uma preocupação do Planalto com as reuniões preparatórias do Sínodo. Disse que o assunto “vai ser objeto de estudo cuidadoso pelo GSI”. E promete: “Vamos entrar fundo nisso.”

Melhor faria o GSI se aproveitasse a experiência que o general Heleno e outros integrantes da cúpula do governo acumularam quando serviram na Amazônia para entrar fundo nos problemas reais da região: a invasão de grileiros em florestas e parques nacionais, o desmatamento ilegal e predatório, a ameaça aos indígenas, a destruição da biodiversidade, os documentos falsos de propriedade de terra, o uso da região como rota do crime organizado.

As divergências que os especialistas de diversas áreas, as entidades do terceiro setor e eventualmente integrantes do clero tenham em relação às posições do governo Bolsonaro sobre questões ambientais e climáticas são apenas isso: divergências. Uma sociedade democrática é, por natureza, plural. As pessoas divergem, discutem, se manifestam, são convencidas, convencem, mudam de ideia. Hoje os partidos que se opõem à atual administração estão enfraquecidos em grande parte por seus próprios equívocos políticos. Mas isso não significa que o governo não enfrentará, na sociedade, vozes discordantes às decisões que tomar em qualquer área, principalmente nos temas mais sensíveis.

Os militares que comandaram o Exército brasileiro na Amazônia, e que hoje estão no governo, são pessoas inteligentes, preparadas e conhecem o terreno de andar nele. Quem não demonstra entendimento mínimo é o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A acusação que fez a Chico Mendes desqualifica o próprio ministro e não o líder seringueiro. Salles fez no Roda Viva acusação sem prova, e sem fonte, contra quem não pode se defender. Disse que “as pessoas do agro da região disseram”. E o que disseram? “Que Chico Mendes usava os seringueiros para se beneficiar e fazia manipulação de opinião.” Sem fontes, sem fatos, a aleivosia do ministro do Meio Ambiente revela muito sobre o próprio ministro e o seu caráter.

Há adversários a enfrentar na Amazônia, os militares brasileiros os conhecem porque sempre estiveram presentes na região. Não é o Vaticano. Não é Chico Mendes.


O Estado de S. Paulo: Sínodo vira pauta de governo pela primeira vez nos últimos anos

Edição de 2019 que terá como tema principal a Amazônia começou a ser acompanhada pela Abin; entenda os conflitos de interesses do governo federal e da Igreja

Carla Bridi, de O Estado de S.Paulo

Agendado para outubro deste ano, o Sínodo da Amazônia virou pauta nos últimos dias após reportagem do Estado ter identificado documentos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) relacionados a encontros de cardeais brasileiros com o papa Francisco sobre o evento. Para o governo brasileiro, as pautas discutidas pertencem a uma "agenda de esquerda", e servirão como base para críticas ao governo de Jair Bolsonaro durante o evento, que acontecerá no Vaticano.

Sínodo dos Bispos
Prelados rezam antes da abertura da sessão da manhã, no Vaticano. Foto: Alessandra Tarantino/AP
O Sínodo trata-se de um encontro de bispos de todo o mundo, convocado pelo papa, para discutir temas ou problemas relacionados à Igreja. Nos últimos anos, as Assembleias Especiais, categoria no qual está enquadrado o Sínodo da Amazônia, trataram de temas como África e Oriente Médio, realizadas respectivamente em 2009 e 2010.

Os eventos mais recentes foram classificados como Assembleias Gerais, podendo ser ordinárias ou extraordinárias. Em 2018, o tema discutido pelos cardeais foi "Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”. Em 2014 e 2015, a pauta era “Os desafios Pastorais da Família no contexto da evangelização”. Não há uma peridiocidade fixa para a realização dos sínodos.

O objetivo principal que cerceia as discussões dos eventos, além de definir como a Igreja Católica pode intervir em conflitos, também tem como base sólida novas maneiras de catequese de grupos em regiões onde há empecilhos para a disseminação dos ideais católicos. Participam 250 bispos, em evento de 23 dias de duração no Vaticano. Dois pré-eventos também fazem parte da agenda, um já ocorrido no Peru em janeiro e um seminário agendado para março na Arquidiocese de Manaus.

Como aponta o texto, redigido pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), juntamente com a Comissão Episcopal para a Amazônia, “o objetivo principal desta convocação é identificar novos caminhos para a evangelização daquela porção do Povo de Deus, especialmente dos indígenas, frequentemente esquecidos e sem perspectivas de um futuro sereno, também por causa da crise da Floresta Amazônica, pulmão de capital importância para nosso planeta".

Dividido em três subtítulos, "Ver", "Discernir" e "Agir", o material serve como uma orientação de análise dos povos amazônicos para depois definir o método de ação da Igreja Católica na região. Dos 13 autores do documento, três são brasileiros e membros da REPAM-Brasil.

"Agenda de esquerda". A preocupação expressa pelo general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que classificou pautas a serem discutidas no evento da Igreja como de "interesse da segurança nacional", reflete no alinhamento histórico do chamado "clero progressista" ao Partido dos Trabalhadores (PT).

O cardeal e arcebispo emérito de São Paulo, d. Cláudio Hummes, era próximo ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Hummes também tem proximidade com o papa Francisco. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também apresentava alinhamento histórico a vertentes democráticas, na época da ditadura, e posteriormente ao PT, tendo apresentado afastamento no governo de Dilma Rousseff. Então candidata defensora da descriminalização do aborto, apresentou ideologia contrária a CNBB.

O secretário-geral da instituição, dom Leonardo Steiner, criticou a intenção de interferência governamental no evento, afirmando que é "da Igreja para a Igreja". Heleno, representando o governo federal, apontou preocupação com intervenção externa em assuntos domésticos, como é o caso da Amazônia brasileira. Dom Steiner ressaltou que oito países compõem a Floresta Amazônica, assim sendo difícil incluir a presença de representantes de diversas nações, como foi solicitado à CNBB pelo governo federal.

Em artigo publicado no site da CNBB sob a autoria de Dom Demétrio Valentini, Bispo emérito de Jales, consta que "alguns logo propuseram que, desta vez, o Sínodo fosse realizado em algum lugar da própria Amazônia. Mas logo se chegou à conclusão que, ao contrário, mais ainda o Sínodo sobre a Amazônia deveria ser realizado em Roma para mostrar que a Amazônia interessa ao mundo todo." Não há registros de representantes governamentais em nenhum dos últimos eventos.

O presidente Jair Bolsonaro tem histórico polêmico com representantes indígenas e questões relacionadas ao meio ambiente. A Fundação Nacional do Índio (Funai) passou a ser vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em seu governo, gerando protestos de entidades indígenas. O Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) também foi deslocado para a pasta, gerando dúvidas sobre a demarcação de terras. A pretensão de saída do Brasil do Acordo de Paris também era um dos pontos do início do governo, revogado posteriormente pelo Ministério do Meio Ambiente, que inicialmente deixaria de ter o status de ministério.


O Estado de S. Paulo: Governo prepara pacote de obras para Amazônia

Projetos incluem ponte sobre o Rio Amazonas, hidrelétrica e extensão da BR-163 até o Suriname; militares querem marcar posição contra ‘pressões globalistas’

Tânia Monteiro e André Borges, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O governo vai começar o seu plano de desenvolvimento pela região amazônica e enviará três ministros ao oeste do Pará para avaliar investimentos de infraestrutura e definir grandes obras na região. A escolha não é casual. O avanço nessas áreas isoladas da floresta e na fronteira atende também a um compromisso de campanha do presidente Jair Bolsonaro de aumentar a presença do Estado no chamado Triplo A. Trata-se de uma área que se estende dos Andes ao Atlântico, onde organismos internacionais supostamente pretendem criar uma faixa independente para preservação ambiental.

A região é estratégica para os militares, que querem marcar posição contra o que chamam de “pressões globalistas”. Como parte dessa estratégia, os ministros Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) desembarcam nesta quarta-feira, 13, em Tiriós (PA) para discutir com líderes locais a construção de uma ponte sobre o Rio Amazonas na cidade de Óbidos, uma hidrelétrica em Oriximiná e a extensão da BR-163 até a fronteira do Suriname.

A hidrelétrica teria, na avaliação do governo, o propósito de abastecer a Zona Franca de Manaus e região, reduzindo apagões. A ampliação da BR-163 – construída nos anos 1970, ainda inacabada e notícia por causa de seus atoleiros – cumpriria uma meta de integração da Região Norte. Já a ponte ligaria as duas margens do Amazonas por via terrestre, ainda feita por travessia de barcos e balsas. O projeto serviria como mais um caminho para o escoamento da produção de grãos do Centro-Oeste.

Bebianno comparou as iniciativas à retomada do Calha Norte, projeto do governo José Sarney para fixação da presença militar na Amazônia. “A retomada do Calha Norte é fundamental para o Brasil como um todo. Estamos fazendo um mapeamento da região e vamos lá olhar pessoalmente”, afirmou o ministro ao Estado.

O movimento coincide com ação do governo para combater a influência do chamado “clero progressista” da Igreja Católica naregião. O pano de fundo é a realização do Sínodo sobre Amazônia, que será organizado em outubro, em Roma, pelo Vaticano. Entre os temas que serão discutidos estão a situação dos povos indígenas e de quilombolas e os investimentos na região – considerados “agendas de esquerda” pelo Planalto.

A última série de grandes investimentos na Amazônia ocorreu ainda no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o início das obras das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, em Rondônia, e Belo Monte, no Pará. Nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, os canteiros foram abandonados ou perderam o ritmo.

O Planalto justifica a escolha dos projetos com o argumento de que a população dos municípios da margem norte do Amazonas está abandonada e seu objetivo é implementar um plano de ocupação para estimular o mercado regional e definir um “marco” da política do governo de incentivo econômico.

Resistências. Um auxiliar de Bolsonaro afirmou que a presença dos ministros do Meio Ambiente e dos Direitos Humanos na comitiva tem por objetivo reduzir eventuais ataques de ativistas e ambientalistas. A área delimitada para o início do plano estratégico é formada por reservas ambientais e territórios de comunidades isoladas, como a dos índios zoés, na região de Santarém.

 

Para tentar quebrar resistências, o governo vai incluir termos de responsabilidade socioambiental em todas as obras e firmar compromisso de diálogo com as comunidades locais. A equipe do presidente já antevê, no entanto, reações especialmente de países da União Europeia, que têm ligações com as entidades mais influentes da área de defesa da preservação da floresta.

Militares com cargo no governo recusam a comparação com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado por Lula com obras em todo o País, especialmente no Norte e no Nordeste. Ainda está prevista a retomada do projeto de revitalização dos afluentes do Rio São Francisco.

A viabilidade dos projetos de infraestrutura na Amazônia desenhados pelo Planalto esbarra numa série de dificuldades. As tentativas de se instalar uma usina no Rio Trombetas já fracassaram em outros governos por obstáculos socioambientais. O mesmo problema já comprometeu a continuidade da BR-163. A região é de mata densa, sem estradas. Seria necessário abrir uma rodovia na floresta, região marcada por áreas protegidas.

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‘Sínodo é encontro da Igreja para a Igreja’, diz secretário-geral da CNBB

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Um dia após o Estado revelar que o governo federal quer neutralizar potenciais críticas de líderes católicos ao presidente Jair Bolsonaro no Sínodo da Amazônia, encontro religioso convocado pelo papa Francisco, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Steiner, afirmou nesta segunda-feira, 11, que o evento é “da Igreja para a Igreja”.

“É um evento, uma celebração da Igreja para a Igreja. É claro, da Igreja para a Igreja, envolve toda a questão da Pan-Amazônia: os povos, o meio ambiente, toda essa realidade certamente será abordada”, disse dom Leonardo, em vídeo divulgado pela CNBB.

Conforme o Estado mostrou, o governo Bolsonaro acionou o Itamaraty para buscar interlocução com o Vaticano. Uma das tentativas era que um representante diplomático do Brasil participasse da reunião de bispos, o que causou reação negativa entre os religiosos brasileiros. Segundo ele, nunca houve políticos no evento. A Santa Sé é a responsável pela organização e qualquer convite passa pelo crivo do papa.

No vídeo, a CNBB reproduziu falas do papa Francisco explicando a importância do Sínodo da Amazônia. A entidade destacou que o encontro estava programado desde 2017 – ou seja, antes da eleição de Bolsonaro. Depois de uma série de reuniões preparatórias nas dioceses pelo Brasil, que despertaram a atenção da inteligência e dos militares, ocorrerá em outubro, em Roma, na Itália.

“Como ouvimos e vimos, o santo padre Francisco convocou um Sínodo para a Pan-Amazônia já em 2017. Neste ano, celebraremos o Sínodo para a Pan-Amazônia. Para isso, nós contamos com a presença e a oração de todas as pessoas do Brasil, mas também dos outros oito países que envolvem a Amazônia”, pede dom Leonardo. “O santo padre deseja que encontremos caminhos para evangelização.”


Oposição quer convocar general Heleno para explicar 'espionagem' de bispos
Deputado Marcio Jerry, do PCdoB, promete protocolar requerimento de convocação do ministro na Câmara; cabe a Maia convocar comissão

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A oposição ao governo Jair Bolsonaro quer convocar o ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para prestar explicações das atividades de inteligência sobre o "clero progressista", reveladas pelo Estado. O Palácio do Planalto recebeu relatórios de inteligência com detalhes das reuniões de preparação do Sínodo da Amazônia, encontro religioso convocado pelo papa Francisco para outubro, em Roma, e tenta neutralizar o que considera uma brecha para críticas internacionais ao governo por parte de bispos brasileiros da Igreja Católica.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O deputado Marcio Jerry (PCdoB-MA) promete protocolar nesta terça-feira, 12, na Câmara, um requerimento de convocação do general Heleno. No entendimento do parlamentar, há "espionagem política das atividades da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por parte da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)".

O deputado pede que o plenário da Câmara aprove, por maioria simples, a convocação do ministro, conforme cópia do requerimento obtida pela reportagem. Se isso ocorrer, Heleno será obrigado a ir à tribuna da Casa para se pronunciar e depois responder aos questionamentos dos parlamentares. Cabe ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), convocar a comissão para ouvir o ministro. Uma falta configura crime de responsabilidade.

O deputado Marcio Jerry comparou o monitoramento das reuniões católicas pelo governo a uma retomada de políticas do regime militar, ao justificar o pedido de convocação.

"Esse tipo de procedimento é muito grave e inadmissível num Estado Democrático de Direito, contraria as garantias constantes da Constituição Federal e precisa ser urgentemente explicado pelo governo. Se de fato a Presidência da República, por meio da Abin, estiver espionando e tratando a CNBB como 'inimiga interna', estará diante de um dos maiores escândalos deste começo de ano. É inaceitável a volta da 'doutrina da segurança nacional' utilizada de maneira nefasta pela ditadura banida do nosso País há três décadas", escreveu o deputado.


Forças Armadas consideram Triplo A como uma ‘ameaça’
Para alguns oficiais de Estado-Maior, pode ser uma 'das mais preocupantes' hipóteses de conflito do Brasil

Roberto Godoy, O Estado de S.Paulo

O Corredor Triplo A, ligação gigante entre os Andes, a Amazônia e uma linha larga no litoral do oceano Atlântico, é amplamente considerado, sempre como ameaça, entre os estudos estratégicos das Forças Armadas. Para alguns oficiais de Estado-Maior, pode ser uma “das mais preocupantes” hipóteses de conflito do Brasil. O quadro – que há cinco meses mereceu do ex-comandante do Exército general Eduardo Villas Bôas vigoroso comentário de alerta no Twitter (“Minha missão como comandante do Exército, preocupado com interesses nacionais, é indicar os riscos dessa proposta para o País”) – é tema de análises militares há cerca de 45 anos.

Nos anos 1970, ainda não era o Triplo A. Um grupo de entidades da Europa defendia a tese da declaração de um território em regime de administração especial para abrigar a etnia ianomâmi. Um dos argumentos da época era a preocupação com a preservação da matriz genética dos índios. A área pretendida era grande e estaria sobreposta a reservas naturais de metais raros. A ideia não pegou.

O modelo mudou até o atual AAA, desenhado pelo antropólogo americano Martin von Hildebrand, envolvendo 135 milhões de hectares, uma faixa que começa nos Andes, pega a parte norte do Rio Maranõn, no Peru, segue pela Amazônia do Equador e da Colômbia, abrange o Estado do Amazonas na Venezuela, entra pela Guiana, o Suriname, a Guiana Francesa, e segue pela calha dos rios Solimões e Amazonas. Nessa imensa passagem, a estimativa é de que haja perto de 1.200 terras indígenas distribuídas por sete países – um bolsão do tamanho de 1,2 milhão de km².


O Estado de S. Paulo: Planalto recorrerá à Itália para evitar ataques de bispos

Governo tenta se blindar de críticas a políticas ambientais durante Sínodo sobre Amazônia, visto como parte da ‘agenda da esquerda’

Tânia Monteiro, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Como parte de uma estratégia para combater a ação do que chama de "clero progressista", o Palácio do Planalto recorrerá à relação diplomática com a Itália, que vive um bom momento desde o esforço do presidente Jair Bolsonaro para garantir a prisão de Cesare Battisti. A equipe de auxiliares de Bolsonaro tentará convencer o governo italiano a interceder junto à Santa Sé para evitar ataques diretos à política ambiental e social do governo brasileiro durante o Sínodo sobre Amazônia, que será promovido pelo papa Francisco, em Roma, em outubro.

O Estado revelou ontem que o Planalto quer conter o que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição ao governo, como efeito da perda de protagonismo dos partidos de esquerda. Em nota divulgada na noite deste domingo, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) confirmou que existe "preocupação funcional com alguns pontos da pauta” do evento e que parte dos temas "tratam de aspectos que afetam, de certa forma, a soberania nacional".

Nos 23 dias do Sínodo, as discussões vão envolver temas como a situação dos povos indígenas e quilombolas e mudanças climáticas - consideradas "agendas de esquerda" pelo Planalto. O governo quer ter representantes nas reuniões preparatórias para o encontro em Roma.

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A ação diplomática do Planalto terá várias frentes. Numa delas, o governo brasileiro quer procurar os representantes da Itália e do Vaticano no Brasil - Antonio Bernardini e d. Giovanni D'Aniello, respectivamente - para pedir a ajuda deles na divulgação dos trabalhos brasileiros nas áreas social, de meio ambiente e de atuação indígena. Serviria como contraponto aos ataques que o governo está certo que sofrerá no Sínodo, por ver influência de partidos de esquerda nesses setores. Os embaixadores do Brasil na Itália e no Vaticano também terão a missão de pressionar a cúpula da Igreja para minimizar os estragos que um evento como esse poderia trazer, dada a cobertura da mídia internacional.

Simpósio
Em outra ação diplomática, o Brasil decidiu realizar um simpósio próprio também em Roma e em setembro, um mês antes do evento organizado pelo Vaticano. Na pauta, vários painéis devem apresentar diferentes projetos desenvolvidos no País com intuito de mostrar à comunidade internacional a "preocupação e o cuidado do Brasil com a Amazônia". "Queremos mostrar e divulgar as ações que são desenvolvidas no Brasil pela proteção da Amazônia na área de meio ambiente, de quilombolas e na proteção dos índios", disse um dos militares do Planalto.

Também no Brasil, o governo quer fazer barulho e mostrar projetos sustentáveis. O primeiro evento já será nesta quarta-feira, na aldeia Bacaval, do povo Paresi - a 40 quilômetros de Campo Novo do Parecis, no norte de Mato Grosso. Ali, será realizado o 1.º Encontro do Grupo de Agricultores Indígenas, que tem por objetivo celebrar a Festa da Colheita.

O evento já estava marcado, mas o governo Bolsonaro quer aproveitar o encontro para enfatizar o projeto de agricultura sustentável tocado pelos índios naquela região. Trata-se do plantio de dois mil hectares de soja sob o regime de controle biológico de pragas, ou seja, sem pesticidas. Mais de dois mil indígenas (dados do último censo do IBGE) têm se revezado também no plantio de milho, mandioca, abóbora, batata, batata-doce e feijão. A nova direção da Funai afirma que pretende incentivar projetos semelhantes em áreas onde os índios tenham interesse em plantar em suas terras.

A apresentação de projetos de extração legal de madeira, assim como o apelo às empresas estrangeiras para que só comprem material certificado, é uma outra ideia para divulgar trabalhos realizados no Brasil. Com isso, o governo espera abrir outra frente de contraponto ao que vê como tentativa de interferência externa na Amazônia e ataque a políticas governamentais.

'Desnecessária'. Para o presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), d. Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO), essa preocupação do governo é desnecessária. "O Sínodo não tem a intenção de dar norma para o governo, mas de encontrar caminhos que nos ajudem a viver a solidariedade e a fraternidade com as populações que vivem na Amazônia há milhares de anos", disse d. Roque. / COLABOROU FELIPE FRAZÃO

» Leia a nota divulgada pelo Gabinete de Segurança Institucional:

Em relação à matéria publicada hoje no Jornal o Estado de São Paulo com o título “Planalto vê Igreja Católica como potencial opositora”, informamos o seguinte:

1. A Igreja Católica não é objeto de qualquer tipo de ação por parte da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) que, conforme a legislação vigente, acompanha cenários que possam comprometer a segurança da sociedade e do estado brasileiro;

2. Não há críticas genéricas à Igreja Católica. Existe a preocupação funcional do Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional com alguns pontos da pauta do Sínodo sobre a Amazônia que ocorrerá no Vaticano, em outubro deste ano;

3. Parte dos temas do referido evento tratam de aspectos que afetam, de certa forma, a soberania nacional. Por isso, reiteramos o entendimento do GSI de que cabe ao Brasil cuidar da Amazônia Brasileira.

Brasília, DF, 10 de Fevereiro de 2019.

Atenciosamente,

Assessoria de Comunicação do GSI


O Estado de S. Paulo: Bispos se opõem a políticos em evento

Organizadores argumentam que Sínodo sobre Amazônia, previsto para ocorrer em outubro, em Roma, não tem participação de governos

Felipe Frazão e José Maria Mayrink, de O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O grupo de bispos brasileiros que prepara o Sínodo sobre Amazônia, previsto para ocorrer em outubro, em Roma, critica a presença de representantes do governo federal no evento. O cardeal e arcebispo emérito de São Paulo, d. Cláudio Hummes, um dos mais próximos do papa Francisco, foi indicado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para levar ao Vaticano o pedido do Planalto para participar do encontro, mas ele sugeriu à equipe do presidente Jair Bolsonaro buscar outro interlocutor. “Sugeri que o governo acionasse a Embaixada do Brasil na Santa Sé como contato, pois se trata de uma questão diplomática”, disse ele ao Estado.

Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB e prefeito emérito da Congregação para o Clero em Roma, Hummes afirmou que a Igreja Católica não pretende prejudicar Bolsonaro nem dar uma “resposta” a repressões sofridas nos tempos do regime militar. “Deve-se ter a preocupação de não olhar para o passado, mas para o futuro, pois não é a mesma coisa agora”, disse, referindo-se a setores da Igreja que temem a repetição da conturbada relação do clero com a ditadura militar.

Um dos principais nomes da Igreja Católica em atividade na região Norte, o bispo emérito do Xingu (PA), d. Erwin Kräutler, reagiu com estranheza ao interesse do Planalto em influenciar o encontro religioso para tratar de temas como meio ambiente e índios. “Nós conhecemos a Amazônia muito melhor do que qualquer integrante do governo federal”, afirmou. “Como vão contribuir quando falarmos da situação da floresta, que vivemos há tantos anos?”, questionou.

Entre os integrantes do Planalto, estão ex-comandantes militares da Amazônia, como os generais Augusto Heleno Ribeiro, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Eduardo Villas Bôas, assessor da pasta, além do vice-presidente, general Hamilton Mourão, cuja família é do Amazonas e comandou em São Gabriel da Cachoeira, interior do Estado.

Aos 79 anos, sendo 54 no Pará, d. Erwin disse que é incomum a participação de autoridades políticas nesses encontros globais promovidos pelo Vaticano.

“Não, meu irmão. É um Sínodo de bispos!”, disse à reportagem. “Nunca vi membro de governo de qualquer país convidado”, acrescentou. “O que um representante do governo vai dizer quando estivermos tratando de novos caminhos da evangelização?”

D. Erwin foi um dos autores da Encíclica do Meio Ambiente, documento assinado pelo papa Francisco em 2015, que serviu de base para a decisão da Igreja em realizar o Sínodo. Ele afirmou que os representantes dos governos dos outros oito países da Amazônia – Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e França (Guiana Francesa) – também deveriam ser convidados. “Se convidar alguém do Brasil, o papa terá de chamar também pessoas de outros países. Isso me parece até um absurdo.”

‘Responsabilidade’. Outro envolvido nos preparativos do Sínodo, o presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), d. Roque Paloschi, disse que o encontro focará uma “realidade” de “direitos negados” a índios, ribeirinhos, quilombolas e extrativistas. “Não estamos jogando culpa em ninguém, estamos assumindo uma responsabilidade histórica que exige de nós clareza”, afirmou. “A Igreja tem de ficar do lado de quem? Ao lado de quem promove a morte ou de quem busca a vida?”, questionou.

D. Roque discorda da visão do Planalto de que os religiosos agem por simpatia à esquerda e antipatia a Bolsonaro. “A missão da Igreja é viver o Evangelho”, afirmou. “Não temos nada a esconder. Mas também não temos de nos encolher porque há uma preocupação do governo.”

O Estado questionou o Itamaraty sobre as tratativas com o Vaticano, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição. A Embaixada da Santa Sé em Brasília disse que só falaria nesta semana.

D. Erwin Kräutler

BISPO EMÉRITO DO XINGU (PA)

1. O governo Bolsonaro vai ser criticado no Sínodo?
Se os bispos fazem crítica é querendo ajudar, não derrubar. Eles sabem onde o sapato aperta. Vão falar da situação dos povos e do bioma ameaçado. Mas não para atacar frontalmente o governo.

2. O governo mudou a demarcação e quer abrir economicamente as terras indígenas.
Isso fere a Constituição, que é exemplar. Que nisso não se mexa. Se o governo ousar ferir, vamos nos levantar.

3. O governo editou decreto para fiscalizar ONGs.
É supérfluo. O que deve ser fiscalizado é o que se faz clandestinamente. Tem tanta roubalheira aqui na Amazônia que só Deus sabe. Não precisa ter medo das ONGs.

4. Houve aumento de conflitos florestais?
Nunca parou. Desde 1.º de janeiro tem gente invadindo e derrubando onde não pode. Essa conversa de que vai ser aberto é nefasta. Vai conspurcar a imagem do Brasil no exterior.

SÍNODO
O que é?
É o encontro global de bispos no Vaticano para discutir a realidade de índios, ribeirinhos e demais povos da Amazônia, políticas de desenvolvimento dos governos da região, mudanças climáticas e conflitos de terra.

Participantes
Participam 250 bispos.

Cronograma do Sínodo
19 de janeiro de 2019: início simbólico com a visita do papa Francisco a Puerto Maldonado, na selva peruana;

7 a 9 de março: seminário preparatório na Arquidiocese de Manaus;

6 a 29 de outubro: fase final no Vaticano, com missas na Basílica de São Pedro celebradas por Francisco.

Tema do encontro
Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.

As três diretrizes do evento
“Ver” o clamor dos povos amazônicos;

“Discernir” o Evangelho na floresta. O grito dos índios é semelhante ao grito do povo de Deus no Egito;

“Agir” para a defesa de uma Igreja com “rosto amazônico”


O Estado de S. Paulo: Planalto vê Igreja Católica como potencial opositora

Com base em relatórios de inteligência, o GSI avalia que setores da Igreja pretendem aproveitar o Sínodo sobre a Amazônia, em outubro, em Roma, para criticar o governo Bolsonaro, informa Tânia Monteiro. O temor é de que o chamado “clero progressista”, ligado a movimentos sociais, tome o lugar da oposição com a perda do protagonismo dos partidos de esquerda. Durante 23 dias, serão discutidos pelo Vaticano temas como situação dos povos indígenas e quilombolas e mudanças climáticas, considerados “agenda de esquerda” pelo Planalto. Na tentativa de neutralizar a ação, o governo vai procurar governadores, prefeitos e autoridades eclesiais, principalmente nas regiões de fronteira. “Achamos que isso é interferência em assunto interno do Brasil”, disse o ministro do GSI, general Augusto Heleno. Bispos que preparam o Sínodo são contra a presença de representantes do governo.

Tânia Monteiro, de O Estado de S. Paulo

O Palácio do Planalto quer conter o que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição ao governo Jair Bolsonaro, no vácuo da derrota e perda de protagonismo dos partidos de esquerda. Na avaliação da equipe do presidente, a Igreja é uma tradicional aliada do PT e está se articulando para influenciar debates antes protagonizados pelo partido no interior do País e nas periferias.

O alerta ao governo veio de informes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e dos comandos militares. Os informes relatam recentes encontros de cardeais brasileiros com o papa Francisco, no Vaticano, para discutir a realização do Sínodo sobre Amazônia, que reunirá em Roma, em outubro, bispos de todos os continentes.

Durante 23 dias, o Vaticano vai discutir a situação da Amazônia e tratar de temas considerados pelo governo brasileiro como uma “agenda da esquerda”.

O debate irá abordar a situação de povos indígenas, mudanças climáticas provocadas por desmatamento e quilombolas. “Estamos preocupados e queremos neutralizar isso aí”, disse o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que comanda a contraofensiva (mais informações nesta página).

Com base em documentos que circularam no Planalto, militares do GSI avaliaram que os setores da Igreja aliados a movimentos sociais e partidos de esquerda, integrantes do chamado “clero progressista”, pretenderiam aproveitar o Sínodo para criticar o governo Bolsonaro e obter impacto internacional. “Achamos que isso é interferência em assunto interno do Brasil”, disse Heleno.

Escritórios da Abin em Manaus, Belém, Marabá, no sudoeste paraense (epicentro de conflitos agrários), e Boa Vista (que monitora a presença de estrangeiros nas terras indígenas ianomâmi e Raposa Serra do Sol) estão sendo mobilizados para acompanhar reuniões preparatórias para o Sínodo em paróquias e dioceses.

O GSI também obteve informações do Comando Militar da Amazônia, com sede em Manaus, e do Comando Militar do Norte, em Belém. Com base nos relatórios de inteligência, o governo federal vai procurar governadores, prefeitos e até autoridades eclesiásticas que mantêm boas relações com os quartéis, especialmente nas regiões de fronteira, para reforçar sua tentativa de neutralizar o Sínodo.

O Estado apurou que o GSI planeja envolver ainda o Itamaraty, para monitorar discussões no exterior, e o Ministério do Meio Ambiente, para detectar a eventual participação de ONGs e ambientalistas. Com pedido de reserva, outro militar da equipe de Bolsonaro afirmou que o Sínodo é contra “toda” a política do governo para a Amazônia – que prega a defesa da “soberania” da região. “O encontro vai servir para recrudescer o discurso ideológico da esquerda”, avaliou ele.

Assim que os primeiros comunicados da Abin chegaram ao Planalto, os generais logo fizeram uma conexão com as críticas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Órgãos ligados à CNBB, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT),

não economizaram ataques, que continuaram após a eleição e a posse de Bolsonaro na Presidência. Todos eles são aliados históricos do PT. A Pastoral Carcerária, por exemplo, distribuiu nota na semana passada em que critica o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que, como juiz, condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato.

Na campanha, a Pastoral da Terra divulgou relato do bispo André de Witte, da Bahia, que apontou Bolsonaro como um “perigo real”. As redes de apoio a Bolsonaro contra-atacaram espalhando na internet que o papa Francisco era “comunista”. Como resultado, Bolsonaro desistiu de vez da CNBB e investiu incessantemente no apoio dos evangélicos. A princípio, ele queria que o ex-senador e cantor gospel Magno Malta (PR-ES) fosse seu candidato a vice. Eleito, nomeou a pastora Damares Alves, assessora de Malta, para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

A relação tensa entre militares e Igreja Católica começou ainda em 1964 e se manteve mesmo nos governos de “distensão” dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, último presidente do ciclo da ditadura. A CNBB manteve relações amistosas com governos democráticos, mas foi classificada pela gestão Fernando Henrique Cardoso como um braço do PT. A entidade criticou a política agrária do governo FHC e a decisão dos tucanos de acabar com o ensino religioso nas escolas públicas.

O governo do ex-presidente Lula, que era próximo de d. Cláudio Hummes, ex-cardeal de São Paulo, foi surpreendido, em 2005, pela greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Cappio. O religioso se opôs à transposição do Rio São Francisco.

Com a chegada de Dilma Rousseff, a relação entre a CNBB e o PT sofreu abalos. A entidade fez uma série de eventos para criticar a presidente, especialmente por questões como aborto e reforma agrária. A CNBB, porém, se opôs ao processo de impeachment, alegando que “enfraqueceria” as instituições.

‘Vamos entrar a fundo nisso’, afirma Heleno
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno Ribeiro, afirmou que há uma “preocupação” do Planalto com as reuniões e os encontros preparatórios do Sínodo sobre a Amazônia, que ocorrem nos Estados.

“Há muito tempo existe influência da Igreja e ONGs na floresta”, disse. Mais próximo conselheiro do presidente Jair Bolsonaro, Heleno criticou a atuação da Igreja, mas relativizou sua capacidade de causar problemas para o governo.

“Não vai trazer problema. (O trabalho do governo de neutralizar impactos do encontro) vai apenas fortalecer a soberania brasileira e impedir que interesses estranhos acabem prevalecendo na Amazônia”, afirmou. “A questão vai ser objeto de estudo cuidadoso pelo GSI. Vamos entrar a fundo nisso.”

Tanto o ministro Augusto Heleno quanto o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, hoje na assessoria do GSI e no comando do monitoramento do Sínodo, foram comandantes militares em Manaus. O vice-presidente Hamilton Mourão também atuou na região, à frente da 2.ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira.