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Folha de S. Paulo: Em carta, entidades pedem a Biden que não faça acordo ambiental com Bolsonaro

Manifesto é assinado por ONGs ambientais, indígenas, sindicatos, coletivos negros e LGBTs

Rafael Balagos, Folha de S. Paulo

Um grupo de cerca de 200 entidades brasileiras enviou uma carta, nesta terça (6), ao governo de Joe Biden com um pedido para que os EUA não façam nenhum acordo climático com o governo de Jair Bolsonaro a portas fechadas, pois consideram que a gestão federal não tem legitimidade para representar o Brasil.

A carta foi enviada aos gabinetes do presidente americano e da vice-presidente, Kamala Harris, à embaixada dos EUA em Brasília, a parlamentares democratas, a membros do gabinete de John Kerry, assessor especial de Biden para o clima, além de organizações internacionais de preservação ambiental.

As instituições consideram a gestão Bolsonaro uma inimiga da preservação da natureza. "Sua política antiambiental desmontou órgãos de fiscalização, promoveu o enfraquecimento da legislação e incentivou a invasões de territórios indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e áreas protegidas", afirmam.

A lista de signatários inclui a Apib (Associação dos Povos Indígenas do Brasil), a ONG Conectas, a CUT (Central Única dos Trabalhadores), a Frente Favela Brasil, a Fundação Tide Setubal, o Greenpeace Brasil, o Instituto Pólis, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o MNU (Movimento Negro Unificado) e a SOS Mata Atlântica. A íntegra da carta e a lista de adesões estão no final desta reportagem.

O manifesto pede que a ajuda estrangeira ao Brasil seja debatida com a participação de órgãos da sociedade civil, governos locais, universidades, parlamentares e as populações afetadas diretamente pelas questões ambientais, como indígenas e quilombolas.

"Não estamos criticando os projetos de colaboração internacional em meio ambiente no Brasil, que sempre foram muito importantes. O que queremos é que o governo americano ouça também a sociedade civil, para que não se deixe enganar pelo governo Bolsonaro", comenta Marcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima, rede de entidades ambientais que também assina o manifesto.

O temor dos ativistas é o de que o governo federal consiga recursos estrangeiros sem destinação específica. "Isso abre margem para que o dinheiro seja usado de forma eleitoral, com finalidades que passam longe de ajudar a proteger a natureza", aponta o secretário.

"Planejamos fazer mais ações até o dia 22. Uma das propostas é organizar um evento no Congresso americano, no dia 15, para debater meio ambiente e Amazônia", diz ele.

A Casa Branca marcou, para os dias 22 e 23 de abril, uma reunião de cúpula sobre o clima e convidou 40 líderes mundiais, incluindo o presidente Jair Bolsonaro. Durante o encontro, os EUA devem anunciar uma nova meta de emissões de carbono para 2030, como parte de seu retorno ao Acordo Climático de Paris.

Como mostrou a Folha, o governo Bolsonaro pediu ajuda aos EUA para atingir novas metas em energia limpa —área em que o Brasil se destaca historicamente. Do outro lado, Kerry já teve reunião com o ministro do Meio Ambiente brasileiro, Ricardo Salles, e tem pedido em público que as nações se comprometam com metas mais objetivas para combater o aquecimento global.

O desmatamento na Amazônia cresceu 9,5% entre agosto de 2019 e julho de 2020, segundo dados do governo brasileiro. Foi o maior percentual em uma década. A derrubada da mata é acompanhada por um crescimento das queimadas na região. Bolsonaro e membros de sua equipe costumam minimizar o problema, além de fazer críticas ao trabalho de ONGs. Em 2019, Bolsonaro disse que elas eram suspeitas de incendiar a floresta, sem apresentar provas.


ÍNTEGRA DA CARTA

CARTA DA SOCIEDADE CIVIL BRASILEIRA AO GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Brasil, 6 de abril de 2021.

Em 20 de janeiro, em seu discurso de posse, o presidente Joe Biden elencou como principais desafios de seu governo a luta contra a pandemia, o combate ao racismo estrutural, a mudança climática e o papel dos EUA no mundo. O país, afirmou Biden, deveria liderar não pelo exemplo da sua força, mas pela força do seu exemplo.

Tal discurso está sob teste agora, enquanto a administração Biden trava conversas com o governo de Jair Bolsonaro, do Brasil, sobre a agenda ambiental. As negociações ocorrem longe dos olhos da sociedade civil, que o presidente brasileiro já comparou a um "câncer". O governo brasileiro comemora tais negociações, que envolveriam recursos financeiros. O presidente americano precisa escolher entre cumprir seu discurso de posse e dar recursos e prestígio político a Bolsonaro. Impossível ter ambos.

O líder extremista do Brasil justificou o putsch de 6 de janeiro nos EUA repetindo as mentiras de Donald Trump sobre fraude na eleição. Dentro de casa, ele ataca os direitos humanos e a democracia. Cooperar com tal governante seria um ato inexplicável. Bolsonaro está promovendo a destruição da floresta amazônica e outros biomas, aumentando as emissões do Brasil. Compromete o Acordo de Paris ao retroceder na ambição da meta climática brasileira. Negacionista da pandemia, transformou seu país num berçário de variantes do coronavírus, condenando à morte parte da própria população.

Sua política antiambiental desmontou órgãos de fiscalização, promoveu o enfraquecimento da legislação e incentiva invasões de territórios indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e áreas protegidas. A presença de invasores leva ao aumento da violência e de doenças como a Covid junto aos habitantes da floresta. Recentemente, Bolsonaro foi denunciado por indígenas ao Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade.

Não é razoável esperar que as soluções para a Amazônia e seus povos venham de negociações feitas a portas fechadas com seu pior inimigo. Qualquer projeto para ajudar o Brasil deve ser construído a partir do diálogo com a sociedade civil, os governos subnacionais, a academia e, sobretudo, com as populações locais que até hoje souberam proteger a floresta e todos os bens que ela abriga. Nenhuma tratativa deve ser considerada antes da redução do desmatamento aos níveis exigidos pela legislação brasileira de clima e o fim da agenda de retrocessos encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional. Negociar com Bolsonaro não é o mesmo que ajudar o Brasil a solucionar seus problemas atuais.

Negociações e acordos que não respeitem tais pré-requisitos representam um endosso à tragédia humanitária e ao retrocesso ambiental e civilizatório imposto por Bolsonaro. A eleição de Joe Biden representou a vontade dos EUA de estar do lado certo da história. Fazer a coisa certa pelos brasileiros seria uma grande demonstração disso.

Assinam esta carta:

Coletivos nacionais

Agentes de Pastoral Negros do Brasil - APNs
Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
Associação Brasileira de Imprensa - ABI
Associação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib
Associação Nacional de Pós-graduandos - ANPG
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Coalizão Negra por Direitos
Conselho Nacional de Seringueiros - CNS
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Quilombolas - CONAq
Fórum da Amazônia Oriental - Faor
Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros - Fonatrans
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Sem-Teto - MTST Brasil
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Movimento Negro Unificado - MNU
Observatório do Clima
RCA - Rede de Cooperação Amazônica
Rede GTA
Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
Uneafro Brasil

Entidades da sociedade civil

342Amazonia
342Artes
350.org Brasil
Abpes - Associação Brasileira de Pesquisadores de Economia Solidária
Ação Educativa
Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade - Afes
Afro-Gabinete de Articulação Institucional e Jurídica - Aganju
Articulação Negra de Pernambuco - Anepe
ASSIBGE-RR
Associação Alternativa Terrazul
Associação Brasileira de Imprensa
Associação Brasileira de Reforma Agrária
Associação Cultural Educacional Assistencial Afro Brasileira Ogban
Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade - MG
Associação de Defesa dos Direitos Humanos e Meio Ambiente na Amazônia
Associação de Jovens Engajamundo
Associação de Mulheres Mãe Venina do Quilombo Curiau
Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida - Apremavi
Associação dos Moradores e Amigos da Praia Grande (Penha-SC)
Associação Evangélica Piauíense - AEPI
Associação Interdenominacional de Pastores - Assip
Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro - Anga
Associação Paulista de Cineastas - Apaci
Atelier Tuim
Avaaz
Baía Viva
BVRio
Carta da Terra Brasil
Casa 8 de Março - Organização Feminista do Tocantins
Casa das Pretas - RJ
Católicas pelo Direito de Decidir
Centro de Convivência É de Lei
Centro de Cultura Negra do Maranhão
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará - Cedenpa
Centro de Formação da Negra e do Negro da Transamazônica e Xingu - CFNTX
Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Pe. Josimo
Centro de Trabalho Indigenista - CTI
Centro Franciscano de Defesa de Direitos (Belo Horizonte-MG)
CESE Coordenadoria Ecumênica de Serviço
Coletiva DIVERSAS
Coletivo Amazônico LesBiTrans
Coletivo Cara Preta
Coletivo de Mulheres Negras Maria-Maria - Comunema
Coletivo Feminista Classista Maria vai com as Outras - Baixada Santista
Coletivo Filhas do Vento
Coletivo Leste Negra
Coletivo Negro Universitário da UFMT
Coletivo Raízes do Baobá Negras e Negros (Jaú-SP)
Coletivo 660
Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz
Comissão Justiça e Paz da Diocese de Macapá
Comissão Pastoral da Terra - CPT-MG
Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos do Piauí
Comitê Repam Xingu
Comunidade de Roda de Samba Pagode Na Disciplina
Conectas Direitos Humanos
Consciência em Movimento - Cooperativa de Saberes
Conselho Nacional do Laicato do Brasil - Regional Sul 2
CSP-Conlutas (Roraima)
Cursinho Popular Risoflora
Defensores do Planeta
Elo Mulheres da Rede Sustentabilidade Amapá
Eugênia Magna Broseguini Keys
Fase - Solidariedade e Educação
FBDS - Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense - FMAP
Fórum Marielles
Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno - FMNDFE
Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Amazonas
Frente Favela Brasil
Frente Nacional de Mulheres do Funk
Fundação Avina
Fundação Tide Setubal
Gambá
Geema - Grupo de Estudos em Educação e Meio Ambiente
Geledés - Instituto da Mulher Negra
Gestos
Greenpeace Brasil
Grupo de Defesa Ecológica Pequena Semente
Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Gênero Feminismos e Interseccionalidade
Grupo de Estudos AFETO
GT Infraestrutura
Ile Igbas Axé Oyá Guere Azan
Iniciativa Sankofa
Instituto 5 Elementos - Educação para a Sustentabilidade
Instituto Afro Cultural da Amazônia - Mona
Instituto Afrolatinas
Instituto Água e Saneamento - IAS
Instituto Aldeias
Instituto Aromeiazero
Instituto Augusto Carneiro
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase
Instituto Búzios
Instituto Centro de Vida - ICV
Instituto ClimaInfo
Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia - Idesam
Instituto de Energia e Meio Ambiente - Iema
Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc
Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola - Imaflora
Instituto de Mulheres Negras do Amapá – Imena
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena - Iepé
Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros - Ipeafro
Instituto de Pesquisas Ecológicas - IPÊ
Instituto de Referência Negra Peregum
Instituto Democracia e Sustentabilidade - IDS
Instituto Ecológica
Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental
Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento - Hivos
Instituto Internacional de Educação do Brasil - IIEB
Instituto Mancala
Instituto Mulheres da Amazônia
Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável - Insea
Instituto Nossa Ilhéus
Instituto Pensamentos e Ações para Defesa da Democracia
Instituto Pesquisa Ambiental da Amazônia - Ipam
Instituto Pólis
Instituto Sociedade, População e Natureza - ISPN
Instituto Socioambiental - ISA
Instituto Soma Brasil
Instituto SOS Pantanal
Instituto Talanoa
Instituto Update
International Rivers Brasil
Justiça e Paz Integridade da Criação - Verbo Divino
Mandata Coletiva Quilombo Periférico de Elaine Mineiro - SP
Mandata Quilombo - Erica Malunguinho
Marcha das Mulheres Negras de São Paulo
Marcha das Mulheres Negras de São Paulo - MMNSP
Mater Natura - Instituto de Estudos Ambientais
Movimento Afrodescendente do Pará - Mocambo
Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia - Mama
Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Estado
Movimento Negro Unificado – MNU (Acre)
Movimento Nossa BH
Movimento Xingu Vivo Para Sempre
Núcleo de Educação Popular Raimundo Teis - NEP
Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas
Núcleo Estadual de Mulheres Negras do Espírito Santo
Observatório de Justiça e Conservação
ONG Ghata - Grupo das Homossexuais Thildes do Amapá
PAD – Processo de Articulação e Diálogo Internacional
Pastorais Sociais da Arquidiocese de Santarém
Ponto de Cultura Brasil dos Buritis
Pretaria.Org - Coletivo Pretaria
Projeto Hospitais Saudáveis
Projeto Meninos e Meninas de Rua
Projeto Saúde e Alegria
Recanto Sagrado Ubiratan
Rede Brasileira de Conselhos - RBdC
Rede das Mulheres de Terreiro de Pernambuco
Rede de Cooperação Negra e LGBTQI Pretas e Coloridas
Rede de Educação Ambiental de Rondônia - Rearo
Rede de Educadores Ambientais da Baixada de Jacarepaguá
Rede de Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica - RMA
Rede Educafro Minas
Rede Fulanas Negras da Amazônia Brasileira
Rede Igrejas e Mineração
Rede Internacional de Pesquisa em Barragens Amazônicas
Rede Nacional da Promoção e Controle Social da Saúde, Cultura e Direitos de Lésbicas e Bissexuais Negras – Rede Sapatà
Rede Pro UC
Rede Ubuntu de Educação Popular
Rede Um Grito Pela Vida-CRB
Renafro Saúde
RPPN Águas Claras I e II
Serviço Franciscano de Justiça, Paz e Integridade da Criação - Província Santa Cruz
Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia - Sinfrajupe,
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental - SPVS
SOS Amazônia
SOS Mata Atlântica
Tindari
Uiala Mukaji - Sociedade das Mulheres Negras de Pernambuco
Unidos pelos Direitos Humanos Brasil
Unitransd (SC)
Vivat International Brasil


O Estado de S. Paulo: Sindicatos perdem 90% da contribuição sindical no 1º ano da reforma trabalhista

Para sobreviver, entidades patronais e de trabalhadores são obrigadas a cortar custos com pessoal, imóveis e atividades; fusões de sindicatos e criação de áreas de coworking em prédios próprios também são alternativas

Cleide Silva, de O Estado de S. Paulo

Sindicatos de trabalhadores e de patrões tiveram os recursos drenados pelo fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, como era esperado. Dados oficiais mostram que em 2018, primeiro ano cheio da reforma trabalhista, a arrecadação do imposto caiu quase 90%, de R$ 3,64 bilhões em 2017 para R$ 500 milhões no ano passado. A tendência é que o valor seja ainda menor neste ano.

O efeito foi uma brutal queda dos repasses às centrais, confederações, federações e sindicatos tanto de trabalhadores como de empregadores. Muitas das entidades admitem a necessidade de terem de se reinventar para manter estruturas e prestação de serviços. Além de cortar custos com pessoal, imóveis e atividades, incluindo colônia de férias, as alternativas passam por fusões de entidades e criação de espaços de coworking (leia mais abaixo).

O impacto foi maior para os sindicatos de trabalhadores, cujo repasse despencou de R$ 2,24 bilhões para R$ 207,6 milhões. No caso dos empresários, foi de R$ 806 milhões para R$ 207,6 milhões. O antigo Ministério do Trabalho – cujas funções foram redistribuídas entre diferentes pastas –, teve sua fatia encolhida em 86%, para R$ 84,8 milhões (ver quadro).

Os valores podem cair ainda mais por duas razões. Primeiro, na sexta-feira passada, o governo editou Medida Provisória que dificulta o pagamento da contribuição sindical. O texto acaba com a possibilidade de o valor ser descontado diretamente dos salários. O pagamento agora deverá ser feito por boleto bancário. O governo diz que o objetivo é reforçar o caráter facultativo do imposto. Segundo, sindicalistas preveem que a arrecadação será menor neste ano, pois muitas empresas ainda descontaram o imposto na folha salarial em 2018 porque tinham dúvidas sobre a lei.

Fusão
Para sobreviver ao modelo estabelecido na reforma trabalhista, em vigor desde novembro de 2017, o Sindicato dos Empregados na Indústria Alimentícia de São Paulo, que representa 30 mil profissionais, vai se unir aos sindicatos de trabalhadores da área de alimentação de Santos e região, de laticínios e de fumo no Estado. Juntos, passarão a ter base de quase 50 mil funcionários. Do lado empresarial, está em andamento a fusão, em uma única entidade, de sete sindicatos da indústria gráfica de várias cidades do Rio.

Em uma difícil tarefa para tentar reverter o fechamento da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, anunciada há quase duas semanas, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC teve seus recursos obtidos por meio do imposto reduzidos de R$ 5,94 bilhões em 2017 para R$ 46 milhões no ano passado.

O encerramento da produção de veículos da Ford vai deixar na rua grande parte dos 4,5 mil empregados diretos e indiretos. Dirigentes do sindicato estão buscando apoio em todos os níveis governamentais para tentar convencer a multinacional americana a voltar atrás.

A entidade afirma que o corte certamente gera impactos, mas diz ter outras formas de sustento, até porque devolvia o valor do imposto sindical aos associados. A base do sindicato é formada por 71 mil trabalhadores (39 mil a menos que em 2011), dos quais cerca de 50% são sócio.

O sindicato é filiado à CUT, que em 2017 ficou com R$ 62,2 milhões do repasse da contribuição, o maior valor recebido entre as seis centrais que têm direito a cotas. No ano passado, o valor caiu para R$ 3,5 milhões, deixando a entidade atrás da Força Sindical e da UGT, que receberam R$ 5,2 milhões cada.

Segundo a CUT, os grandes grupos que empregam sua base de trabalhadores, como montadoras e bancos, foram os primeiros a suspender o recolhimento, enquanto empresas de menor porte continuaram fazendo o desconto por terem dúvidas em relação às novas regras.

A central ressalta que sua base tem promovido debates sobre novas formas de contribuição. Sindicatos como o dos Bancários de São Paulo já aprovaram o recolhimento da contribuição negocial, paga após as negociações da data base. Boatos de que a entidade colocou à venda sua sede no bairro do Brás foram desmentidos mas, se surgir uma boa proposta, a central avisa que pode estudar.

Imóvel vendido
Presidente da UGT e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, Ricardo Patah diz que a entidade promoveu uma reestruturação que reduziu seus gastos de R$ 7 milhões para R$ 4,3 milhões no ano passado.

“O número de funcionários do sindicato foi reduzido de 600 para 200, promovemos uma redução de jornada e salários por seis meses, fechamos três subsedes e vendemos, por R$ 10,3 milhões, um edifício que mantínhamos alugado no centro de São Paulo”, exemplifica Patah. “Agora estamos numa ampla campanha de sindicalização.”

A Força Sindical, por sua vez, pede R$ 15 milhões pelo prédio de 12 andares de sua sede no bairro da Liberdade e está assessorando associados a promoverem fusões para compartilhar custos. A intenção é adquirir uma sede menor ou ocupar algumas salas no imóvel vizinho do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

Imposto é um dia de trabalho

A contribuição sindical equivale a um dia de salário de cada trabalhador com carteira assinada. Do lado patronal, é recolhido com base no capital social da empresa.

Na divisão da verba dos trabalhadores, 60% vão para os sindicatos, 15% para as federações, 10% para as centrais, 5% para as confederações e 10% para a pasta do Trabalho. No caso dos empregadores, a diferença é que 20% ficam com a pasta do Trabalho, pois não existe a figura das centrais.

A cobrança do imposto continua sendo legal, desde que trabalhadores e empresas autorizem o desconto compulsório. O recolhimento de taxa negocial, alternativa que os sindicatos de trabalhadores estão buscando para compensar a falta do imposto sindical, não será oficialmente contabilizado por ser desvinculado da pasta do Trabalho.


Alon Feuerwerker: A lógica da ofensiva contra os sindicatos e por que ela enfrenta pouca resistência

Na entradinha do Carnaval o governo editou medida provisória proibindo na prática descontar em folha qualquer taxa para sindicato. O mecanismo vinha sendo aprovado em assembleias após a reforma trabalhista acabar com o imposto sindical. Era uma forma de contornar a asfixia.

Margareth Thatcher e Ronald Reagan atuaram contra os sindicatos, com sucesso. Fernando Henrique Cardoso abriu seu governo quebrando a espinha dos petroleiros. Faz parte dos ciclos político-econômicos orientados a dar mais oxigênio ao capital, para relançar a economia.

Não é novidade que o atual período político se inspira no de 1964. Mas aquele regime nunca precisou - ou vai saber nem quis - eliminar o sindicalismo. Manteve, buscando extirpar os elementos para ele malignos. A repressão foi brutal. Mas não teve como meta eliminar os sindicatos.

Seria porém errado centrar a análise no desejo do governo. Todo poder faz o possível para enfraquecer e no limite eliminar qualquer resistência. Bolsonaro, como Temer, não ataca a estrutura porque quer, mas porque precisa, pela agenda. E principalmente porque pode.

E resmungar contra a ofensiva antissindical é inócuo. Para o resmungo ter efeito, o bolsonarismo precisaria sofrer algum dano de imagem por tentar liquidar os sindicatos. É o contrário: o eleitorado do presidente quer mesmo que ele quebre a coluna vertebral do trabalhismo.

Pois é uma necessidade objetiva para a estratégia de relançamento econômico. O crescimento brasileiro desde os anos 80 é baixo, e um fator central é o muito lento avanço da produtividade. O Brasil não é competitivo globalmente nesse aspecto, com exceção da agricultura.

A recuperação das margens pós-crise continua dependendo da contração dos custos. Especialmente do trabalho. Se não dá para produzir muito mais por hora, que ela custe menos. Nisso ajuda a alta taxa de desemprego. Por isso ela é em boa medida estrutural.

Onde está o problema? Na baixa participação das exportações na economia. O Brasil não é a China, aqui as coisas dependem mais do mercado interno (lá também isso está aumentando). Uma hipótese para nem a economia nem o emprego terem mudado de dinâmica após a reforma trabalhista.

Mas a persistência da estagnação não vem tendo maior efeito político, ainda que seja provável uma reação político-sindical futura. E o retardo na reação explica-se também pela fraqueza orgânica dos movimentos trabalhistas. Ela tem três razões, e a mais importante fica algo escondida.

Há a mudança organizacional do mundo do trabalho, aspecto muito na moda nos debates. E há o relativo desenraizamento das cúpulas sindicais, após trinta anos em que ir aos gabinetes do poder e ao Ministério Público trazia mais resultado que ir aos locais de trabalho.

O aspecto menos debatido: a pulverização da organização sindical, nascida da reação ao avanço do sindicalismo petista-cutista a partir dos anos 80, finalmente cobra o custo. As razões históricas da “indústria de sindicatos” são conhecidas. E num governo firmemente disposto a matar o sindicalismo, a dispersão pinta ser fatal.

O “fatal” não deve ser lido como “definitiva”, pois as ondas sempre provocam contraondas. Mas que o sindicalismo está numa sinuca, isso está.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


Míriam Leitão: Atalhos no labirinto

Os sindicatos têm razão de tentar se mobilizar em manifestações porque um dos pontos principais da lei é o fim do imposto sindical. Sem o dinheiro fácil, eles terão que mostrar que são efetivos na defesa dos direitos da maioria dos trabalhadores de cada categoria e não donos de cartório. A reforma trabalhista que começa a valer hoje está a uma distância lunar da necessidade, mas tem qualidades.

A CLT foi escrita nos anos 1940 e recebeu ao longo das décadas um cipoal de normas. Nada do que se escreveu na labiríntica legislação do trabalho consegue proteger 40% dos trabalhadores brasileiros que permanecem na informalidade. Se fosse eficiente, ao longo da sua vida longeva, teria conseguido incluir todos os trabalhadores dentro do marco legal. Hoje, dos 90 milhões de brasileiros, 33 milhões têm carteira assinada. Há os funcionários públicos, os trabalhadores por contra própria e uma multidão sem direitos.

A reforma tem alguns pontos positivos e outros obscuros. Empresários do comércio acham que conseguirão agora organizar a um custo menor o trabalho formal nos fins de semana, principalmente em cidades turísticas. Empresas de turismo acham que o trabalho intermitente é perfeito para o setor que tem sazonalidades muito marcadas. O funcionário que quiser sair da empresa não precisa criar o conflito para receber indenização e FGTS porque agora há a demissão consensual, em que o trabalhador recebe parte das verbas rescisórias e 80% do FGTS. Acaba-se assim com os exóticos acordos em que um lado fingia que demitia e o outro lado tinha que devolver a verba rescisória de forma velada e ambos conspiravam para que o trabalhador tivesse acesso ao seu dinheiro no Fundo. Difícil explicar para um estrangeiro tamanha bizarrice.

No mundo, muitos países flexibilizaram e atualizaram suas legislações. Quem fez isso de forma mais inteligente tem menos desemprego. Quem mantém regras rígidas demais permanece com alta taxa de desocupação. As velhas leis não comportam os novos trabalhos, o coworking, o home office, o tempo colaborativo, o mundo digital, o trabalho por tarefa e não pelo expediente.

A nova lei brasileira não teve tanta ambição. Ela não preparou o mundo do trabalho para os novos tempos, apenas criou alguns pontos de flexibilidade. Nesse momento em que há 13 milhões de pessoas procurando emprego sem encontrar e outros milhões em desalento, a possibilidade de criar formas novas de contratar parece promissora.

Mas é preciso não esquecer em que país estamos. No Brasil, o mesmo ministro que quer criar a carteira de trabalho eletrônica que possa ser acessada pelo trabalhador do seu celular é aquele que assinou recentemente a portaria retrógrada sobre trabalho escravo. A mesma construção civil que se prepara para a contratação de empregados pelo trabalho intermitente é a que pediu que a portaria fosse editada.

A Justiça do Trabalho custa, segundo o “Valor” de ontem, usando dados de 2015, R$ 17 bilhões, e a maioria dos juízes abre a conversa com as partes litigantes propondo acordo. Parece louvável, mas o temor da parte que rejeita o acordo é ter um resultado desfavorável. E no fim, como lembra o economista José Márcio Camargo, se o trabalhador está reclamando direitos legítimos ele receberá apenas uma parte deles. Ou seja, a lei é rígida, mas a Justiça acaba flexibilizando os direitos.

A nova lei criou atalhos no labirinto da CLT mas não simplificou a lei porque isso seria uma batalha muito maior do que é possível ser travada num governo curto e impopular. Ela abre possibilidades de que parte da informalidade possa ser absorvida no mercado formal através dos novos tipos de contrato. A nova lei certamente provocará muita confusão porque tem pontos não regulamentados e porque há juízes dizendo que simplesmente não vão levá-la em consideração.

No Brasil, há sindicatos com representatividade e outros de fachada, controlados por grupos, às vezes familiares, por décadas. Mas uns e outros não precisavam fazer esforço algum de sindicalização porque todo trabalhador formal era obrigado a pagar o imposto. A partir de hoje só os primeiros terão condição de sobreviver. Mas no Congresso algumas centrais tramam para que o pagamento compulsório seja recriado.