setor público
Evandro Milet: Como governos inovam para captar recursos
Dezessete trilhões de dólares giram no mercado mundial de dívida, remunerados a juros negativos segundo a revista Exame. Então não falta dinheiro, faltam bons projetos que dêem remuneração razoável de forma segura
Claudio Frischtak, consultor de investimentos em infraestrutura, vê o Brasil com necessidade de investir R$ 150 bilhões a mais por ano no setor. Mas a agenda prioritária no momento, ele diz, tem "custo zero" para o Tesouro: pavimentar o caminho institucional para aumentar a participação do setor privado. Diante da impossibilidade de o setor público contribuir com recursos neste momento histórico, é preciso pavimentar o caminho para o setor privado. Um ponto chave é reduzir a insegurança jurídica. Frischtak considera imprescindível um esforço consistente e sistemático de diálogo entre analistas, técnicos e o Executivo com o Poder Judiciário. Decisões recentes, como a do presidente do STJ, que monocraticamente manteve a retomada da Linha Amarela pela Prefeitura do Rio, são absolutamente destrutivas para a segurança jurídica.
Outro ponto é reduzir a carga regulatória. Frischtak considera que a nova Lei das Agências é positiva. “Outra medida de custo zero é indicar excelentes diretores para as agências reguladoras”, acrescenta.
Um terceiro ponto da agenda é simplesmente tocar para valer a fila do conjunto de marcos legais a ser aprovado. O do saneamento já foi, mas há ainda os marcos do gás natural, da eletricidade e das ferrovias. A agenda é simplesmente fazê-los andar e garantir que mantenham a qualidade, como no caso da aprovação do marco do gás natural pela Câmara.
Frischtak observa que houve avanços no financiamento da infraestrutura, com a Lei Geral de Concessões, de 1995, a das parceria público-privadas (PPP), em 2004, e o advento das debêntures de infraestrutura em 2010 e 2011.
O mercado se sofisticou, mas ainda falta caminhar mais na direção do “project finance”, os projetos que se financiam a partir do fluxo de caixa, e dos quais há modalidades que até já existem em alguns países latino-americanos e que poderiam ser exploradas no Brasil.
Interessantes modalidades para atração de investimentos privados são o PMI(Procedimento de Manifestação de interesse) e o MIP(Manifestação de interesse privado). O primeiro é instituído e proposto pela própria Administração. Já o segundo, permite a apresentação espontânea de projetos pelo mercado.
As PPP(Parcerias público-privadas) permitem viabilizar projetos onde a cobrança de tarifas não é suficiente para remunerar o investimento e abre-se espaço para uma complementação de receitas pelo setor público. PPP vem sendo utilizadas para vários tipos de empreendimentos: iluminação pública, resíduos sólidos urbanos, saneamento básico, educação(creches), segurança(câmeras de segurança, centros de gestão integrada), saúde(hospitais), mobilidade(gestão de semáforos, terminais de ônibus, estacionamento, serviços de bikes), habitação popular, mobiliário urbano(pontos de ônibus, totens, bancos de praças), turismo(centros de convenções, parques) e redes de dados. A Caixa e o Bndes têm apoiado estados e municípios na formatação de PPP.
Outra forma de atrair investidores é com as Operações Urbanas Consorciadas, onde o governo municipal faz intervenções buscando requalificar uma área da cidade concedendo aumento do Coeficiente de Aproveitamento ou de modificação dos usos permitidos para o local em troca do investimento privado.
Antes de ir de pires na mão à Brasília é interessante que os novos prefeitos, individualmente ou em consórcio, trabalhem esses formatos mais sofisticados para captar os muitos recursos da iniciativa privada com bons projetos.
Ana Carla Abrão: Inconfidência
Não é justo o setor público aumentar gastos com pessoal enquanto o privado corta salários e demite
Embora para muitos passe quase desapercebido, hoje é feriado nacional. Dia que se celebra a Inconfidência Mineira e que marca a data em que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi executado. Mas estamos numa época em que feriados e dias de semana se confundem numa rotina em que horas, dias e semanas se arrastam num mesmo ritmo, sempre à espera do fim dessa pandemia, quando poderemos voltar às ruas e à normalidade.
A boa notícia é que, ao menos no Brasil e graças às medidas de contenção adotadas tempestivamente, a situação parece estar sob controle. Isso não minimiza a dor dos que perderam amigos e familiares nem tampouco alivia a pressão diária sobre os profissionais de saúde e os agentes públicos. A má notícia é que, apesar dos números controlados até aqui, nós não nos livraremos da pandemia tão cedo e ainda não estamos totalmente preparados para lidar com isso.
Embora seja imprescindível que se discutam e se planejem ações de flexibilização do isolamento, há que se entender que a transição para um novo normal precisa de bases que estão por serem construídas. Dentre elas, as medidas econômicas de médio e longo prazos, que vão além das medidas emergenciais ainda em fase de implantação, mas que podem ser estruturalmente comprometidas se não obedecermos alguns princípios. E eles passam, necessariamente pelas questões fiscais, nosso grande e maior gargalo muito antes da pandemia pousar por aqui.
Não completamente internalizada pela classe política, pelos gestores públicos, pelo setor privado e pela população, a verdade é que teremos de conviver com a pandemia ao longo dos próximos 12-18 meses. Isso significa, em linguagem política, que os pouco menos de três anos restantes dos mandatos de governadores e do presidente da República se desenham agora completamente distintos do que era previsto até dois meses atrás.
Em finanças públicas, essa distância entre o que era e o que será se traduz nos orçamentos públicos, que desde já perderam qualquer aderência com os orçamentos aprovados e, consequentemente, com os resultados e metas fiscais previamente definidos não só para 2020, mas para os próximos anos.
Linhas de despesa se inverteram, fontes de arrecadação sumiram e prioridades de política pública mudaram, adicionando complexidade aos esforços de ajuste fiscal e de retomada econômica que existiam até pouco tempo.
Em particular nos Estados, que são a linha de frente do combate à pandemia, os desafios fiscais – que já não eram pequenos – se tornaram um pesadelo que nos aguarda ali adiante. A queda no ICMS já se aproxima dos 20% nos Estados mais afetados e não vai se reverter ao longo dos próximos meses dada a elevação da inadimplência que se soma à fraqueza da atividade econômica. Nas despesas, os gastos de saúde – cuja vinculação constitucional estipula um piso de 12,5% da receita corrente líquida – já superam os 20% e não deverão ceder de forma significativa nos próximos meses. Logo, não há como não defender um socorro a Estados, que estão tendo suas contas implodidas e, ao contrário da União, têm (felizmente) severas limitações para se endividar.
Mas a premissa de salvamento tem de levar em conta dois princípios fundamentais: já havia um profundo desequilíbrio estrutural previamente à crise da covid-19 e ele se agravará caso as medidas não sejam temporárias e focalizadas no combate à pandemia. O segundo deles se refere à composição das despesas nos Estados e à dinâmica que canaliza para despesas de pessoal boa parte dos recursos livres que entram nos Tesouros locais.
Repisando os números: cerca de 70% das receitas dos Estados são consumidas por despesas de pessoal. Além disso, dada a estrutura de carreiras presente na totalidade desses entes, essas despesas crescem entre 5% e 7% ao ano, independentemente de reajustes salariais. Os motores desses aumentos são as promoções e progressões automáticas, além de incorporações de gratificações por tempo de serviço aos salários e a constante necessidade de novos concursos públicos para suprir a falta de mobilidade e os efeitos do fator T (em que a aceleração das carreiras leva todos ao topo muito rápido e desassiste o atendimento na ponta). Compensar as perdas de arrecadação dos Estados sem que haja como contrapartida a interrupção dessa dinâmica significa agravar a situação de desigualdade no Brasil e aprofundar os desequilíbrios estruturais da máquina pública. Enquanto o setor privado corta salários e demite, não é justo que o setor público continue aumentando seus gastos com pessoal e canalizando recursos para se retroalimentar.
Que este feriado atípico seja usado como uma oportunidade de resgate desses princípios por parte dos nossos parlamentares. Afinal, a inconfidência aqui não está no socorro e, sim, na falta de visão de futuro.
* ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN.
Ana Carla Abrão: Realidade que se impõe, liderança que se coloca
Apesar dos mais de 11 milhões de servidores, o setor público brasileiro não é dos que mais empregam no mundo como proporção da população
Evidências ainda mais contundentes em favor de uma urgente reforma na gestão de pessoas no setor público vieram à tona na última semana. No Estado, matéria de José Fucs trouxe dados compilados pelo Ministério da Economia que mostram a evolução das despesas de pessoal no serviço público federal nos últimos anos. Os números são mais uma prova de quanto a máquina pública no Brasil se descolou da realidade nacional e veio ocupando, com voracidade, espaço crescente nos orçamentos públicos.
Apesar dos mais de 11 milhões de servidores, o setor público brasileiro não é dos que mais empregam no mundo como proporção da população. Mas ele está no topo do ranking dos que mais gastam com salários e benefícios de servidores. A despesa de pessoal supera os 10% do PIB nos cálculos do Banco Mundial (13,1% pelos cálculos da OCDE), número muito superior ao que gasta o setor público de outros países que empregam parcelas maiores da população como, por exemplo, o Reino Unido. Parte dessa evolução é explicada pela trajetória do salário médio no serviço público brasileiro, cujo crescimento nas últimas duas décadas traça uma trajetória muito distinta daquela observada no setor privado. Com isso, o setor público no Brasil não só se tornou uma proteção garantida contra o desemprego, fruto da estabilidade prevista na Constituição Federal, como também vem garantindo ganhos reais de salários desvinculados da realidade econômica e de eventuais aumentos de produtividade.
Essas distorções se refletem num contexto de gastos excessivos, baixíssimos resultados e numa crescente deterioração da máquina pública. Como consequência, e apesar da quantidade de recursos gastos, ocupamos posições vergonhosas nos rankings globais de avaliação da qualidade dos serviços públicos, ou de eficiência dos gastos, conforme publicações da OCDE.
Aos números antecipados pela matéria do Estado, juntaram-se outros igualmente importantes divulgados pelo Banco Mundial no relatório Gestão de Pessoas e Folha de Pagamento no Setor Público Brasileiro. As comparações internacionais ressaltam as distorções do nosso modelo de gestão de pessoas no setor público. Em uma comparação com 53 países, o prêmio salarial do setor público federal em relação ao setor privado desponta e atinge 96%. Com salários crescendo a uma taxa média de 2,9% real nos últimos dez anos, os gastos com salários e benefícios já somam 22% dos gastos primários do governo federal. Destaque para os gastos com pessoal do Judiciário, que atingiram 13,8% do total de gastos de pessoal de 2018, equivalente a 0,61% do PIB.
Mas continua sendo nos Estados que o tema das despesas de pessoal é mais crítico e urgente. Das 27 unidades federativas, nada menos do que 20 apresentaram atraso no pagamento de servidores efetivos ou terceirizados. Prova inquestionável do descumprimento dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), está cada vez mais claro que não há mais espaço para contabilidades criativas ou argumentos que colocam na dívida com a União a causa do atual colapso financeiro dos entes subnacionais. A situação é reflexo de aumentos salariais médios reais superiores a 4% ao ano entre 2003 e 2017. Os dados até 2014 são ainda mais impressionantes. O crescimento anual real atinge 5,4% o que, com o crescimento de quase 1% ao ano no número de servidores, elevaram as despesas de pessoal no Estados em 6,4% ao ano em termos reais nesse período.
A trajetória de crescimento – tanto de salários quanto de contingente de servidores – está assentada em leis de carreiras que se multiplicaram Brasil afora. São milhares de leis, espalhadas nos três níveis da federação, e que precisam ser racionalizadas, revistas e consolidadas. Sem uma profunda reforma dessas leis – e portanto do modelo atual de serviço público, Estados continuarão quebrando e o Brasil não conseguirá atender às demandas urgentes da população, que dirá avançar na direção de um país mais moderno, desenvolvido economicamente e justo do ponto de vista social.
É nessa agenda que, mais uma vez, o governador Eduardo Leite do Rio Grande do Sul sai na frente. Em um vídeo divulgado na internet no início da semana passada, antes mesmo que os novos números nos chocassem, o jovem governador se dirige aos servidores do seu Estado convidando-os ao debate e convocando-os para construírem juntos a reforma das suas carreiras.
Com transparência, coragem e liderança, Leite enfrenta a realidade que se impôs e dá o pontapé inicial de uma reforma que, se feita de forma profunda e estrutural, deverá devolver o Estado aos gaúchos, a necessária motivação aos servidores e, ao governo, as condições de administrar e atender à população.
*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman
Revista Veja: O Estado inteligente, entrevista com Adrian Wooldridge
Jornalista Adrian Wooldridge afirma que modelo de governo burocrático e inchado precisa ser repensado. A saída, diz ele, virá do uso intenso da tecnologia. Wooldridge foi um dos palestrantes do seminário internacional Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação, realizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em parceira com o Instituto Teotônio Vilela nos dias 14 e 15 de setembro, em São Paulo.
Por Marcelo Sakate
A crise de credibilidade enfrentada por diferentes governos pelo mundo afora é resultado do esgotamento do modelo de Estado consolidado nas últimas décadas. O setor público não consegue corresponder plenamente a todas as suas atribuições, premido pelo excesso de gastos e pela necessidade de sustentar o bem-estar de uma população cada vez mais velha. A sobrevivência das democracias requer uma reformulação dos governos, levando em conta as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias — entre elas, a inteligência artificial. É disso que trata A Quarta Revolução — A Corrida Global para Reinventar o Estado, escrito pelo jornalista e historiador inglês Adrian Wooldridge, em parceria com o jornalista John Micklethwait. Wooldridge foi um dos palestrantes do seminário internacional Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação, realizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em parceira com o Instituto Teotônio Vilela (ITV) nos dias 14 e 15 de setembro, em São Paulo. O livro foi publicado originalmente em 2014, antes, portanto, da vitória de Donald Trump e da decisão britânica de sair da União Europeia. Wooldridge, que é editor da revista The Economist e doutor em filosofia por Oxford, disse que está mais pessimista e que os acontecimentos recentes mostram que a quarta revolução do Estado é necessária para revigorar o apelo e a força da democracia. Ele falou a VEJA por telefone, de Londres.
O que é a quarta revolução?
É uma forma de usar o poder da tecnologia e do pensamento político moderno para disciplinar o Estado. Houve anteriormente três revoluções. Thomas Hobbes argumentou que o papel do Estado era proteger as pessoas da morte, da destruição ou da violência. Em meados do século XIX, os liberais diziam que o Estado tinha de garantir a liberdade das pessoas. Beatrice e Sidney Webb, no fim do século XIX, afirmaram que o Estado deveria providenciar o bem-estar das pessoas. Era uma resposta socialista. Houve mais tarde uma reação parcial com Margaret Thatcher e Ronald Reagan, para os quais o Estado havia ficado grande demais, mas não foi propriamente uma revolução. Chegou a hora de uma quarta revolução. As atribuições do Estado precisam ser avaliadas. Parte da transformação reside no uso da tecnologia para aprimorar a qualidade da prestação de serviços de saúde e educação.
Qual deve ser o papel do Estado no mundo de hoje?
Precisamos de um Estado poderoso para fornecer serviços públicos, para evitar que as pessoas matem as outras, para preservar a ordem pública. O problema é que o Estado tende a se autoalimentar. Quanto maior o seu tamanho, mais indisciplinado ele fica. Presta serviços cada vez piores à população, até colapsar sob o próprio peso. É preciso usar a tecnologia moderna para aperfeiçoá-lo. Pode parecer banal dizer isso, mas, se voltarmos ao século XIX, houve um salto de produtividade graças ao uso de máquinas que substituíram trabalhos feitos a mão, com a Revolução Industrial e a Revolução Agrícola. Agora temos as bases de uma nova revolução com as máquinas inteligentes. Os computadores tendem a ser intensivos no uso de informações e de mão de obra. A produtividade na prestação de serviços pode crescer muito.
É possível dar exemplos do impacto da tecnologia nos serviços?
A saúde é um serviço muito caro. Mas máquinas, com sua inteligência artificial, poderão fazer esse serviço a distância, com o monitoramento de idosos em casa por meio de câmeras e do controle remoto de procedimentos. Será possível assistir a representações em 3D de palestras em universidades. Professores serão capazes de ensinar através de hologramas. Alunos de medicina começam a usar hologramas e outras tecnologias para aprender técnicas cirúrgicas. É apenas o começo. Em cinco anos, dado o ritmo de avanço de inteligência artificial, todas as áreas vão mudar radicalmente.
Em que países a quarta revolução já se tornou realidade?
Singapura é um exemplo poderoso. Era um país que veio do nada nos anos 1950. Um pântano, pobre, parte do império britânico. Tornou-se um dos Estados mais ricos do mundo. Isso por ser aberto para o comércio global, mas também por ter um governo extremamente eficiente. É um governo que vem sendo muito bom em atrair negócios, prover serviços e educar a população. O segundo exemplo são os países da Escandinávia, em particular a Suécia. Por um momento, pareceu que o Estado estava se tornando grande demais e muito ineficiente. Mas, a partir de meados da década de 90, os suecos souberam fazer reformas sérias que cortaram o tamanho do governo e injetaram princípios de mercado, de competição e autonomia. A China é outro exemplo. Era um país muito malgovernado, mas agora tem avançado. Vem fazendo reformas interessantes. O país está preparando as bases de um Estado poderoso. Há um núcleo do Partido Comunista cujas habilidades de gestão são impressionantes.
O seu livro foi lançado originalmente em 2014, mas já antecipava algumas questões que depois ficaram evidentes. O que mudou desde então?
O livro foi escrito em um momento de otimismo razoável. Um exemplo de país que ia muito bem em termos de governo e de reformas era o Reino Unido. Mas o Brexit, a saída britânica da União Europeia, tirou o apetite do governo por reformas. No livro, nós falamos que uma de nossas preocupações era que houvesse uma crise da democracia. Era uma referência a uma crise derivada de promessas exageradas, que criam na população expectativas que não podem ser atendidas. Nos anos 2000, a democracia parecia ser a onda do futuro. Todo mundo falava disso. Mas agora vemos que a democracia não está avançando como se esperava. A democracia está paralisada no Oriente Médio e enfrenta grandes desafios na Europa e nos Estados Unidos. A quarta revolução deveria consolidar o apelo e a força da democracia mundialmente, mas estou mais pessimista atualmente.
Por que países que historicamente lideraram o avanço do Estado agora estão enfrentando mais dificuldades?
Uma das coisas que chamam atenção nas democracias avançadas é a atuação dos grupos de interesse. Eles estão se tornando muito poderosos. Quanto mais avançado o país, mais poderosos são os grupos, porque são ainda mais profissionais. Veja o caso de Washington. Donald Trump é um presidente terrível. A Inglaterra também está assim. Foi um país pioneiro em reformas, mas está retrocedendo. Os britânicos testemunharam uma melhora dramática no desempenho dos alunos de Londres, que são em boa parte representantes de minorias. Isso tornou a sociedade menos desigual. Mas, infelizmente, por causa do Brexit, muita energia direcionada para reformas desapareceu. Trump e o Brexit estão fazendo muito estrago à ideia da nova revolução do Estado.
As pessoas pedem menos impostos e cobram mais serviços do Estado. Não são reivindicações incompatíveis?
O ex-presidente americano John Adams disse que todas as democracias acabam por cometer suicídio, porque as expectativas da população são muitas vezes incompatíveis com o que o Estado pode oferecer. Temos visto que governos estão ficando cada vez maiores e que os déficits fiscais também estão crescendo. Alguns Estados estão gastando recursos de que não dispõem. Outros estão com déficits estruturais. Uma das razões por trás da crise financeira de 2008 foram os gastos públicos desenfreados. Há duas coisas que precisam ser feitas. Uma delas é dispor de organizações tecnocratas que determinem regras em assuntos como as aposentadorias: o valor dos benefícios, a idade mínima, quem tem direito, quase tudo relacionado a esse assunto. Por um lado, o governo não poupa o suficiente; por outro, gasta demais com as aposentadorias. Isso pressiona o déficit cada vez mais. Em última instância, o país irá à bancarrota. A outra medida importante é devolver o poder de fazer escolhas de outra natureza a autoridades locais, como prefeitos e conselhos municipais. Isso terá o efeito de engajar as pessoas e ampliar a sua participação na política.
O senhor acredita que essas mudanças ocorrerão de forma gradual e negociada ou haverá uma ruptura?
Na maior parte dos casos, será necessária uma ação mais radical. As mudanças passadas foram introduzidas como resultado de crises, e o maior exemplo é, novamente, a Suécia do início da década de 90. O país estava em crise. Alguns bancos estavam colapsando. A inflação era elevada. Empreendedores abandonavam o país. A Suécia estava ficando sem recursos. Havia uma crise do setor público, e daí ocorreu uma ruptura. De modo geral, países que estão em boa situação não fazem as reformas de maneira tranquila, infelizmente. As pessoas esperam que a tempestade comece para providenciar o conserto.
Países como o Brasil nem chegaram a atingir na plenitude o estágio do Estado de bem-estar social. Eles estão condenados ao atraso?
A América Latina pode tirar proveito de tecnologias mais modernas. Os países da região também podem se beneficiar de todos os tipos de reforma que estão acontecendo ao redor do mundo. Antigamente, havia a noção de que as melhores ideias vinham essencialmente da Europa e dos Estados Unidos. Muitas das melhores ideias na área de saúde vêm da Índia, particularmente em termos de design e produção de equipamentos médicos. É uma inovação que se torna realidade por uma fração do custo que teria em países desenvolvidos. Há melhores condições para criar um Estado de bem-estar social hoje em dia do que no passado. Basta refletir sobre o modelo da Grã-Bretanha no início do século XX e que se expandiu fortemente depois da II Guerra. O governo ideal deveria ser dirigido por grandes estruturas burocráticas, parecidas com fábricas. Esse tipo de estrutura não é hoje o mais eficiente em prover serviços à população. Prestar serviços em níveis locais funciona melhor. Essa tarefa hoje é facilitada por celulares e computadores.
O senhor diz que ficou mais pessimista. O que podemos esperar para os próximos anos?
A democracia é a melhor entre todas as formas possíveis de governo, ainda que seja capaz de apresentar problemas de toda espécie, como promessas demais, muitas das quais descumpridas. Existe a corrupção. Mas a democracia é muito valiosa e precisamos reformá-la e protegê-la dela própria. Trump representa todos os medos que nós tivemos enquanto escrevíamos o livro, de uma forma maximizada. O populismo que ele incorpora está substituindo seu julgamento individual sobre a Constituição e o governo. É muito ruim que a maior economia do mundo, que é também a mais antiga democracia moderna, esteja nas mãos de um populista. Na Europa, a direita também está em ascensão. Por trás disso tudo está, infelizmente, a estagnação econômica. As pessoas ficam furiosas. Nesse estado, elas se tornam demagogas. E uma razão pela qual os países se encontram estagnados economicamente é que eles estão dispendendo demais com os gastos obrigatórios, sem investir o suficiente na economia produtiva. Tudo isso mostra que é preciso um novo rumo.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2017, edição nº 2552
Vinicius Mota: Pela segunda vez em uma geração, Brasil tenta sair do buraco econômico
SÃO PAULO – Esta semana pode marcar a abertura de um longo período de alterações constitucionais no domínio econômico. O congelamento do gasto global do setor público, se for cimentado sobretudo pela reforma previdenciária, alterará em alguns graus o curso do transatlântico.
No correr dos anos, lentamente, ele vai se desviar da rota de choque com os rochedos da falência civil, que no modo brasileiro costuma significar inflação e desigualdade ascendentes, desorganização produtiva e estagnação econômica.
A ocasião se assemelha à do início dos anos 1990. Como acontece hoje, o país vinha de uma trombada recessiva e de uma crise política que decapitara o presidente da República. Como agora, deparava-se com amarras constitucionais a bloquear o avanço da produtividade.
Seja porque a visão da forca ajuda a concentrar o pensamento, seja por outra razão, a resposta do sistema político submetido ao estresse foi notável. De 1995 a 2006, maiorias de no mínimo 3/5 do Congresso aprovaram cerca de 30 mudanças na Carta com impacto na economia.
Outra batelada de consertos infraconstitucionais foi implementada ao longo daquele período. Tanto ativismo normativo favoreceu a abertura à competição econômica, o fortalecimento do direito de propriedade, o florescimento do crédito e a percolação da eficiência produtiva por diversos setores antes fossilizados.
Deixou-se sem remédio eficaz, contudo, a insustentável marcha da despesa pública. Mais tarde, a volta do velho desenvolvimentismo com seu consórcio de parasitas do Estado colocou obrigações pesadíssimas sobre os ombros de algumas gerações de contribuintes brasileiros.
O Brasil quebrou, mas o passado e eventos recentes indicam que talvez tenha preservado a capacidade de reformar-se na crise para melhorar a perspectiva do futuro. É o que veremos a partir de agora. (Folha de S. Paulo – 10/10/2016)
Fonte: pps.org.br
Próximo Relatório de Desenvolvimento Humano nacional terá atividades físicas e esportivas como tema
Encontro para instalação do Conselho Assesssor do RDH reuniu no PNUD representantes de setor público, iniciativa privada, sociedade civil, além de atletas de renome internacional.
Eram mais de 20 pessoas, todas atentas e prontas a discutir a nota conceitual que serve de ponto de partida para a construção do próximo Relatório de Desenvolvimento Humano nacional, que neste ano terá atividades físicas e esportivas como tema. Deverá ser o primeiro do gênero no mundo e contará com apoio de um Conselho Assessor, instalado na quarta-feira (25) em reunião no escritório do PNUD em Brasília.
O representante residente do PNUD no Brasil, Niky Fabiancic, abriu a reunião, que contava com expoentes do esporte, como a presidente da ONG Atletas pelo Brasil e ex-jogadora da Seleção Brasileira de Vôlei, Ana Moser; o deputado federal, presidente da Frente Parlamentar Mista do Esporte e ex-judoca muitas vezes campeão em sua categoria, João Derly; o também ex-judoca e numerosas vezes campeão Flávio Canto; a ex-jogadora de vôlei, medalhista olímpica e hoje secretária de Esportes do Distrito Federal, Leila Barros, entre outros.
“Este relatório será uma agenda positiva e propositiva para o país”, destacou Fabiancic, para quem “o desenvolvimento não é só riqueza”, mas também o processo pelo qual pode-se melhorar a vida das pessoas. Para a representante residente assistente para programas do PNUD Brasil, Maristela Baioni, o tema do relatório “faz parte de nosso novo ciclo programático, que se baseia nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”.
Após as saudações e falas iniciais, o professor Fernando Jaime González, coordenador acadêmico do RDH nacional 2016, explicou a nota conceitual e colocou-se à disposição dos presentes para sugestões, perguntas, críticas. Teve início, então, o debate, do qual todos participaram com evidente concentração.
Ana Moser foi a primeira a falar. Elogiou a iniciativa e apresentou sugestões. Representando o Comitê Intertribal, principal organizador dos I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas no ano passado, Carlos Terena chamou a atenção para a importância de se considerar o fato de que, para sua cultura, o esporte transcende o conceito de competitividade, pois representa a própria cultura de seu povo e contém forte componente espiritual.
O presidente da Associação Brasileira dos Secretários Municipais de Esportes e Lazer e secretário municipal de Esportes de Indaiatuba, Humberto Panzetti, alertou para o fato de que “duas mil cidades do país não têm orçamento atrelado ao esporte, 95% dos municípios têm menos de 5% do orçamento atrelado ao esporte”. Em sua opinião, “há pouco dinheiro, e gastamos mal.” Indagou ainda: “De que forma a gente está usando o termo ‘política pública’?”. Lamentou, por fim, que “cinco estados brasileiros já desfizeram suas secretarias de esporte”.
A Consultora em Desenvolvimento Humano, Adriana Velasco, salientou a importância do novo RDH nacional por dar a oportunidade de se analisar a realidade e se proporem mudanças. O Diretor Institucional do Comitê Paraolímpico Brasileiro, Luiz Carlos, seguiu a mesma linha. Elogiou a escolha dos integrantes do Conselho Assessor do RDH nacional 2016 e ressaltou a necessidade de se buscarem soluções para os problemas de hoje. Em sua opinião, isso significa “mais informação, mais capacidade para enfrentar as dificuldades, mudar a realidade, a percepção, a cultura do país em relação ao esporte.”
O professor de educação física e apresentador de TV Márcio Atalla, que participou da reunião por meio de sistema de teleconferência, lembrou que “por mais que as políticas políticas de saúde pública contemplem a atividade física, elas acabam atingindo um parcela pequena da população”. Sugeriu, então, que se estabeleçam padrões mínimos de atividade física cotidiana.
O diretor da revista digital colombiana Razón Pública, Hernando Gomez, afirmou que “este é o primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano que aborda o esporte”. Destacou a vasta experiência do Brasil na área, mas chamou a atenção para o sedentarismo voluntário. “Atividade física, para muitos, é um meio, não um fim. Para muita gente, isso é algo que não interessa”, afirmou. Participando a distância também, Gomez alertou ainda para a importância da nutrição e da dieta. Para ele, a pesquisa deve dar atenção a esse aspecto.
A secretária de Esportes do DF, Leila Barros, observou que é preciso haver uma maior conscientização do poder do esporte. “O avanço (nessa área) depende da política”, afirmou. Para ela, ainda não há suficiente percepção, por parte dos gestores públicos, do poder que o esporte tem e da relevância da parceria entre esporte e educação.
O presidente do Conselho Federal de Educação Física, Jorge Steinhilber, por sua vez, destacou que a educação física vem diminuindo nas escolas e em outras instituições onde essa prática era comum. “A aula de educação física não é vista como contributo da prática cognitiva”, alertou.
A coordenadora do RDH nacional, do PNUD Brasil, Andréa Bolzon, lembra que a nota conceitual apresentada ao Conselho Assessor é “viva”, portanto sujeita a mudanças conforme as sugestões dos Conselheiros. O próprio Conselho poderá receber mais membros. A ideia é que esse documento-base oriente o RDH de maneira que os resultados espelhem sua construção democrática e a diversidade de posicionamentos do mundo das atividades físicas e esportivas.