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El País: Descumprir o teto de gastos ou paralisar serviços públicos, a encruzilhada das contas públicas brasileiras
Governo empurrou definições cruciais, como Orçamento para este ano e correções no mecanismo de teto de gastos. Para piorar, alta da inflação pressiona despesas previdenciárias e de assistência
O Brasil não está quebrado, como alarmou o presidente Jair Bolsonaro na semana passada, muito menos uma maravilha, como disse horas depois ao tentar minimizar sua declaração após forte repercussão. O país vive, sim, hoje uma situação fiscal grave, com as contas públicas no vermelho há mais de seis anos e deve registrar um rombo sem precedentes devido à pandemia de coronavírus. A expectativa do Ministério da Economia é que o déficit primário de 2020, que considera o que a União arrecada com impostos, seus gastos e transferências, mas não as despesas com juros da dívida pública, chegue a 844 bilhões de reais, o que representa 11,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Neste novo ano, os desafios novamente são enormes e não há um plano fiscal claro. Nem um consenso dentro do próprio Governo. Enquanto o ministro Paulo Guedes (Economia) quer retomar a agenda de reformas, a ala militar aposta na expansão de gastos para reativar a economia que deve registrar um tombo de mais de 4% em 2020.
Com a pandemia ainda em curso, o Governo volta a lidar com as regras fiscais, suspensas no ano passado pelo decreto de calamidade pública. O Orçamento do ano ainda será votado, mas o risco de estourar o teto de gastos ―regra que impede que as despesas públicas cresçam mais do que a inflação― é grande, segundo economistas escutados pelo EL PAÍS. “Para esse ano, o corte das despesas discricionárias [não obrigatórias] para cumprir a regra terá de ser tal que só restam duas opções: ou descumprir o teto ou levar o Estado a um risco de shutdown [quando há paralisação dos serviços públicos]”, diz Felipe Salto, diretor-executivo do Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado.
Com o prolongamento da crise sanitária, gastos com compra das vacinas, saúde e até mesmo com algum tipo de transferência de renda, que substitua o auxílio emergencial ou o prolongue, dada a precariedade do mercado de trabalho e o aumento do desemprego que já atingem mais de 14 milhões de brasileiros, agravam o problema fiscal, segundo Salto. “Ou se constrói uma solução a curto prazo ou as contas e o custo de financiamento da dívida vão para o vinagre. Não faltaram alertas sobre a não sustentabilidade do teto para o pós-2020. Infelizmente, o Governo prefere fazer ouvidos moucos e repetir que cumprirá o teto”, completa.
Inflação alta agrava quadro
Um ingrediente extra, no entanto, pode dificultar ainda mais o compromisso da equipe econômica: a aceleração da inflação na reta final do ano passado. Isso porque o teto de gastos é corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado até junho (2,13%), enquanto as despesas indexadas ao salário mínimo, como sociais e previdenciárias, crescerão acima de 5%, mais que o dobro, porque são reajustadas de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado até dezembro, o que gera um descasamento entre os índices. “O efeito sobre o orçamento é muito significativo. Vale dizer que, pelas minhas contas, cada ponto a mais de inflação representa 8,4 bilhões de reais de gastos extras anualizados”, explica Salto.
O Governo afirma que o reajuste do valor do salário mínimo de 1.045 para 1.100 reais mensal em 2021, que foi anunciado, no fim do ano, respeita todas as regras fiscais e não fere o teto. Segundo o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, o Ministério da Economia reconhece que há impactos nos gastos, mas alerta que a equipe está atenta ao equilíbrio das contas. Cada um real de aumento no salário mínimo gera elevação de despesas de 351,1 milhões de reais, segundo a pasta. “Estamos aqui para garantir que todos esses impactos estarão dentro do teto”, garantiu o secretário.
Para Juliana Damasceno, pesquisadora da área de Economia Aplicada do FGV-IBRE, as regras de reajuste para o salário e a o teto são incompatíveis e apontam uma falha no próprio desenho da regra do teto de gastos, que segundo ela, precisa ser revista. O descasamento já tinha acontecido também de 2019 para 2020, mas com uma diferença bem menor que a que vemos agora. “Existe um problema de execução, se você desenha um teto para ser corrigido por um índice de inflação de junho e você tem uma série de despesas decidido por outro, você se expõe ao risco desses dois índices não conversarem”, diz.
Para conseguir algum respiro no orçamento engessado é preciso rever também a estrutura dos gastos obrigatórios, segundo a economista. Com um Orçamento previsto de cerca de 1,5 trilhão de reais, o Governo terá liberdade de manejar somente menos de 100 bilhões. “Há gastos ineficientes, como incentivos tributários que não são avaliados, é preciso fazer uma melhor avaliação das políticas públicas.” Damasceno acredita que, neste ano, o Governo deve ter uma certa margem de manobra se conseguir novamente um crédito extraordinário devido à pandemia. “Pode conseguir estender o estado de calamidade, o Orçamento de guerra. Mas para uma peça realista, é preciso existir algum programa de transferência de renda. O desemprego vai continuar alto, as demandas sociais idem. A licença para gastar que a gente tinha acabou, mas a pandemia não”, opina. Ela critica ainda a falta planejamento plano de longo prazo. “O Brasil precisa consolidar uma política fiscal e parte disso depende de uma articulação política que esse Governo não tem. Prometeram voltar com o debate da reforma tributária em setembro e até hoje nada.”
Revisão do teto
Na avaliação da pesquisadora, apesar do teto de gastos ter entrado em vigor em 2017, já é necessário reconhecer os problemas técnicos e torná-lo mais factível. “É algo muito delicado a forma que deveria ser feito, porque ele não pode deixar de ser uma âncora fiscal.” Para além do descasamento dos índices ela aponta também a necessidade de se levar em conta o crescimento também vegetativo. “As despesas previdenciárias, por exemplo, têm um crescimento muitas vezes acima da inflação, então por que não associar o teto ao crescimento vegetativo? Precisamos pensar em desenhos factíveis.”
O grande problema na visão de Felipe Salto, do IFI, é a falta de rumo na política fiscal. O ajuste fiscal pode vir pelo lado da receita, da despesa ou uma combinação das duas coisas. “Na presença do teto, o lado do gasto tem maior importância. Mas está óbvio que não se construiu a solução necessária para a sobrevivência da regra. Refiro-me à possibilidade de acionamento dos gatilhos, por exemplo”, diz.
É preciso, ainda, sinalizar o que será da relação dívida/PIB, que hoje já chega a quase 100%. “É fundamental que se aponte de que forma o superávit primário [o dinheiro que “sobra” nas contas do Governo depois de pagar as despesas, exceto juros da dívida pública] será recuperado. Não adianta dizer que vai cumprir o teto, porque quem faz conta vê que isso é impraticável”, completa.
O economista André Perfeito, da Necton, avalia que a fala de Bolsonaro de que o país estaria quebrado e que o Governo não teria o que fazer é um argumento retórico para preparar politicamente os cortes de gastos emergenciais e tentar reequilibras as contas públicas. Perfeito analisa que o problema central hoje do Brasil não é a “falta de dinheiro”, mas sim de um planejamento claro. “A questão fiscal não será resolvida apenas com cortes de gastos, sabemos que terão que tributar mais”, afirma. Ele ressalta, no entanto, que nenhum planejamento será feito antes dos novos presidentes da Câmara e do Senado serem escolhidos em fevereiro. “Logo continuaremos no escuro neste começo de ano”, diz.
Herança maldita: Crise econômica leva brasileiros a usar mais os serviços públicos, revela pesquisa
A população brasileira sentiu, de maneira significativa, o aprofundamento da crise econômica causada pela irresponsabilidade do governo do PT, que trouxe de volta a inflação, o desemprego e a alta taxa de juro no País.
Com a recessão, a mais longa da história da República, os brasileiros estão usando mais os serviços públicos, revela pesquisa da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Segundo dos dados do levantamento, parte da população teve que adotar medidas duras, como vender bens para pagar dívidas (24%); mudar de residência para reduzir custos com habitação (19%); passar o filho da escola particular para pública (14%); usar mais transporte público (48%) e deixar de ter plano de saúde (34%).
Os brasileiros também estão enfrentando a crise trocando produtos por similares mais baratos (78%), esperando liquidações para comprar bens de maior valor (80%) e poupando mais para o caso de necessidade (78%).
“A crise está afetando toda a população brasileira. As medidas mais simples, relacionadas ao consumo, ocorrem em todas as faixas de renda, mas as medidas mais extremas, como mudar de casa, são tomadas principalmente pelas famílias de menor renda”, afirma, em nota, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.
Desemprego
De cada 100 entrevistados, 57% disseram que alguém da família ficou sem emprego. O volume é maior que o verificado na pesquisa anterior, de 44%.
Um total de 80% dos entrevistados disseram que se preocupam, muito ou pouco, em perder o emprego, ficar sem trabalho ou ter que fechar o negócio nos próximos 12 meses e 84% se preocupam em perder o atual padrão de vida. Mais da metade dos brasileiros (56%) buscam trabalho extra para complementar a renda.
Pesquisa
A pesquisa da CNI ouviu 2.002 pessoas em 141 municípios entre os dias 24 e 27 de junho. Entre os pesquisados, 67% disseram que estão com dificuldades de pagar as contas ou as compras a crédito. (Com informações da CNI e agências de notícias)
Fonte: pps.org.br