Sergio Moro
Merval Pereira: O pleno se pronuncia
O resultado de 9 a 2 no julgamento de ontem, confirmando que o plenário do Supremo Tribunal Federal pode julgar a decisão do ministro Edson Fachin de enviar à Justiça do Distrito Federal os processos contra o ex-presidente Lula não relativos à Petrobras, não reflete necessariamente a posição da maioria quanto à suspeição do ex-ministro Sergio Moro, decidida pela Segunda Turma. Embora possa indicar que a mudança de foro de Curitiba para o Distrito Federal será aprovada.
A figura política do ex-presidente Lula pairou sobre os votos de ontem, embora muitas vezes não tenha sido citado. O ministro Ricardo Lewandowski, que mencionou o ex-presidente diversas vezes em seu voto e em suas intervenções, chegou a afirmar que o tema só estava sendo discutido no plenário porque se tratava de Lula. Foi rebatido pelo presidente Luiz Fux, que lembrou que é inegável que o julgamento é importante porque diz respeito à Operação Lava-Jato e ao combate à corrupção no país.
Lewandowski foi o que mais politizou o tema, chegando a dizer que julgamentos do Supremo levaram a que Lula não pudesse concorrer à disputa em 2018, o que, segundo ele, poderia ter mudado para melhor o futuro do país.
O resultado de ontem foi uma derrota dos advogados da defesa do ex-presidente Lula, que queriam que o recurso da Procuradoria-Geral da República fosse tratado na mesma Segunda Turma. No plenário, a possibilidade de derrota é maior, embora possa não se confirmar.
A mudança de foro dos processos de Lula, de Curitiba para o Distrito Federal, decretada pelo ministro Edson Fachin, deve ser mantida pela vasta maioria do plenário, mas suas consequências em relação ao ex-juiz Moro ainda dependem do tamanho da divisão do plenário.
Os três ministros que votaram pela suspeição de Moro na Segunda Turma — Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Lewandowski — já reafirmaram seus votos no julgamento de ontem, em comentários paralelos. A discussão de hoje será em torno de um paradoxo jurídico: um juiz pode ser considerado incompetente para julgar um caso e, ao mesmo tempo, suspeito?
A decisão da maioria de admitir julgar o caso no plenário pode significar que, aprovando a tese de Fachin, o julgamento da isenção de Moro fica prejudicado. No entanto, para explicitar que seu voto não significa a análise do mérito, a ministra Cármen Lúcia reiterou que o plenário do Supremo não é órgão revisor da decisão das turmas e, portanto, não tem poderes para alterá-la.
Essa tese parece ter boa aceitação, sem que seja possível, no entanto, definir qual será a decisão final. Relator da Lava-Jato no Supremo, Fachin considera que o julgamento da suspeição perdeu sentido com a mudança de foro, e tem adeptos dessa tese.
O que estará sendo julgado, subjacente à suspeição, é o destino dos processos da Operação Lava-Jato. Caso Moro seja considerado suspeito no caso do triplex do Guarujá, todas as operações e investigações já ocorridas durante a tramitação desse processo em Curitiba serão anuladas, e ele terá que ser iniciado da estaca zero, o que poderá garantir sua prescrição.
A derrubada da suspeição manterá a elegibilidade do ex-presidente Lula, mas dará ensejo a que os novos juízes utilizem, em parte ou no todo, o material colhido pela força-tarefa de Curitiba em todos os processos, o que, em tese, faria com que Lula ficasse com uma espada de Dâmocles sobre sua candidatura à Presidência da República.
O ministro Marco Aurélio, ontem um dos dois votos contrários a que o plenário examinasse o recurso da Procuradoria-Geral da República, ironizou o fato de o ex-juiz Moro ter passado de herói nacional a bandido, indicando talvez que vote contra a decisão de suspeição tomada na Segunda Turma. Mas a tese de Cármen de que a decisão da Turma não pode ser revista tem seu peso. A grande questão é que a suspeição de um processo pode levar a que outros julgados por Moro venham a ser considerados nulos também pela Turma, o que prejudicaria toda a operação Lava-Jato e proporcionaria a revisão de todos os julgamentos do ex-juiz Moro.
Malu Gaspar: Povo, Bolsonaro? Que povo?
‘O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu tenho que tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. Porque a fome, a miséria, o desemprego estão aí, pô. Só não vê quem não quer’, afirmou o presidente Jair Bolsonaro, na manhã da quarta-feira, à sua claque de plantão na porta do Palácio da Alvorada. “Esse pessoal, amigos do Supremo Tribunal Federal… Daqui a pouco vamos ter uma crise enorme aqui”, continuou. “Parece que é um barril de pólvora que está aí. E tem gente de paletó e gravata que não quer enxergar.”
Tudo o que Bolsonaro disse ali, ele já falou com outras palavras, em outras ocasiões. O golpismo continua, mas há algo diferente. O tom beligerante de um ano atrás deu lugar à desorientação e ao cansaço, e até o apelo ao povo sai sem muita convicção.
Embora o discurso para as redes bolsonaristas ainda seja triunfante e desafiador, o presidente no fundo sabe que não há nada de tão explosivo para acontecer, afora a tragédia sanitária da Covid-19, que já fez mais de 360 mil vítimas fatais. O capitão percebe, também, que seu “povo” não lhe dará nenhuma mostra de apoio mais enfática do que as já prestadas em manifestações de rua e buzinaços.
Não que elas tenham sido desprezíveis. O “mito” não deixou de ter seu público cativo. Até agora, porém, esse contingente não foi capaz de evitar a crise em que Bolsonaro se afundou.
O que o presidente da República mais precisa agora é de uma solução para o impasse em torno do Orçamento para 2021, que veio do Congresso com previsão de gastos acima do teto legal permitido, a maior parte com emendas parlamentares. Se não cortar despesas, Bolsonaro corre o risco de ser processado por crime de responsabilidade e de sofrer impeachment. Mas, se cortá-las, entra em colisão com o Congresso, que acaba de abrir uma CPI para apurar responsabilidades pelos erros na condução do governo na pandemia.
Na guerra feroz dos bastidores, líderes do Parlamento e ministros palacianos não aceitam cortes além de certo limite, considerado o mínimo necessário para deputados e senadores gastarem no “Orçamento da reeleição”. A equipe econômica defende os cortes, mas tem em Paulo Guedes um chefe politicamente cambaleante, que sofre ataques e humilhações de todos os lados, mas justifica o apego ao cargo com variações do “ruim comigo, pior sem mim”.
Embora já tenha enfrentado outras crises, Guedes nunca pareceu tão vulnerável. E não só aos olhos dos colegas de Esplanada, mas também aos dos operadores do mercado, que já especulam quem pode vir a substituí-lo. Isso diz muito não só sobre o ministro, mas também sobre o próprio presidente. Se Bolsonaro manteve o “posto Ipiranga” até hoje, foi por acreditar que abrir mão dele seria admitir uma derrota política de que talvez não pudesse se recuperar. Ele sabe que o Centrão está à espreita, esperando a vaga abrir para ocupá-la.
Nesse contexto, a fala de Fernando Collor de Mello contra a CPI da Covid, na sessão do Senado que a instalou, na última terça-feira, ganha contornos especialmente simbólicos. “Temos que ter consciência do momento que vivemos. Falo isso como alguém que já passou e viveu episódios dramáticos da vida nacional”, disse o ex-presidente, afastado depois que uma CPI desnudou as relações espúrias de seu operador, PC Farias, com a elite empresarial da época.
Há muitas diferenças entre a situação de Bolsonaro e a de Collor pré-impeachment, até porque, em 1992, a ameaça à sobrevivência dos brasileiros era “só” a inflação alta. Escândalos de corrupção abalavam o país, mas não havia centenas de milhares de mortes assombrando o Planalto.
Mas há também semelhanças. A primeira é um governo em frangalhos, com os ministros que realmente importam se unindo em torno do presidente por poder e dinheiro. A segunda é uma CPI com maioria de membros da oposição, prestes a dar o bote.
Por fim, há um presidente acuado, que convoca o povo para ir às ruas apoiá-lo usando verde e amarelo. “Vamos mostrar a essa minoria que intranquiliza diariamente o país que já é hora de dar um basta a tudo isso”, disse Collor em agosto de 1992. “A sociedade quer tranquilidade para poder trabalhar.” Em resposta, o povo foi às ruas de preto, e Collor saiu do Planalto pelos fundos semanas depois.
Não há, por ora, sinais de que o destino de Bolsonaro será o mesmo. Mas já está claro que esse povo de quem o presidente espera sinais pouco pode fazer para salvá-lo. A esta altura, o único “povo” que pode tirar o presidente do corner é justamente essa gente que está de paletó e gravata, cercando seu gabinete em Brasília. Resta saber se ela o fará.
Adriana Fernandes: Briga de galos
Bolsonaro, Guedes e Congresso brigam pelo Orçamento, enquanto Brasil padece com a covid
Encontraram a solução para o Orçamento? Essa é a pergunta que mais fazem em Brasília nos dias de hoje, esquecendo que os principais problemas a serem solucionados para o enfrentamento do combate da pandemia (ampliados todos os dias) continuam à espera de resposta.
Governo, equipe econômica e o Congresso se meteram numa guerra de versões e pareceres jurídicos para sustentar, cada um, a sua verdade dos fatos, e não se tem a mínima noção de como vai terminar essa briga de galos em torno da sanção da lei orçamentária.
Mais uma semana de agonia até o prazo final para o presidente Bolsonaro sancionar o Orçamento aprovado em março, já com três meses de atraso.
Nem parece que o País padece com a pandemia e que as mortes continuam em patamar inaceitável, enquanto o governo e o Congresso arrumam confusão na base do quem pode e manda mais na República - provando mais do que nunca que é de bananas.
Estão todos perdidos em discussões eternas de regras fiscais (pode isso, não pode aquilo), desconfianças mútuas, medos de traição mais à frente e ameaças de retaliação nas votações num ambiente conturbado pela CPI da Covid.
Alô!!! Tem uma pandemia aí. As falas em defesa de vacinas e súplicas de parlamentares não adiantam mais a essa altura do caos.
A nova medida que saiu da cartola do governo foi uma PEC para delimitar o alcance dos gastos para a renovação dos programas de emprego, o BEm, o Pronampe (crédito para micro e pequenas empresas) e gastos para o Ministério da Saúde.
Essa PEC não deveria nem estar na mesa de negociação agora. O governo conseguiu aprovar em março uma PEC justamente para permitir que os gastos da calamidade fossem feitos com segurança jurídica. Por que não se resolveu ali todo o enrosco jurídico para as despesas extras da covid-19?
Naquele momento, já se sabia que seria preciso mais dinheiro para a covid-19. Quando a PEC emergencial foi aprovada, o BEm já estava desenhado, como também já havia um acordo com o Congresso para renovar o Pronampe, programa que tem custo para o Tesouro que precisa repassar recursos para um fundo como garantia para os casos de calote dos empréstimos.
Empresários que seguram as demissões já avisaram que vão demitir. E os R$ 44 bilhões aprovados para o auxílio emergencial também não serão suficientes porque ele não comporta nem mesmo aqueles vulneráveis que são elegíveis ao benefício. Até as portas dos ministérios da Esplanada sabem disso.
Pipocam denúncias de que o governo está cortando os beneficiários do auxílio sem explicação. Portanto, esse corte não é sustentável por muito tempo, porque as pessoas vão provar que têm direito ao auxílio. Não dá para fazer vista grossa ao problema. Ele vai estourar.
Mas o temor de o gasto explodir e a tentativa de fazer um “combo” para resolver o impasse do Orçamento via essa PEC levou o Ministério da Economia a preferir não acionar o botão da calamidade. Faltou confiança do time econômico no próprio governo e no Congresso.
Em vez de descomplicar, mais regras aparecem para complicar. A versão da nova PEC, antecipada pelo Estadão, deixava fora do teto de gastos (sempre ele) os programas da covid-19, além de um “jabuti” de mais R$ 18 bilhões para acomodar uma parte das emendas parlamentares do Orçamento.
Foi mal recebida e, aí, mais versões de quem era o culpado pelo jabuti ou “variante que escapou do laboratório”, na fala do ministro Guedes a interlocutores, virou o tema central da discussão nos últimos três dias em Brasília.
Apelidada de fura-teto, a PEC com esse jabuti acabou alimentando outro erro. O dinheiro para os programas da covid-19 não pode ser considerado um fura-teto.
Para chegar ao acordo, alguém precisa ceder. O presidente da Câmara, Arthur Lira, dá sinais que não pretende recuar e mandou a consultoria da Câmara preparar um segundo parecer mostrando que é possível sancionar o Orçamento sem vetos. Ele foi eleito como aquele que cumpre acordos. E precisa das emendas.
No lado oposto do Congresso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, está ouvindo lideranças e dá sinais de que pode aceitar o veto parcial. É preciso restaurar um mínimo de confiança entre as partes para sair dessa encrenca que não ajuda em nada nessa hora tão difícil para o País.
Bruno Boghossian: Supremo reconhece marca de motivação política na Lava Jato
Tribunal elenca ações de Moro e da força-tarefa que tiveram impacto na eleição
O STF não declarou apenas que Sergio Moro pisou fora das regras do processo legal. O julgamento que definiu a suspeição do ex-juiz na condução de um dos processos contra o ex-presidente Lula deixou às claras uma deformidade central da Lava Jato. O tribunal aplicou à operação a marca da motivação política.
Ao analisar a conduta de Moro, ministros do STF elencaram momentos em que a Lava Jato tomou decisões com impacto sobre o cenário político. A Segunda Turma do STF entendeu que a atuação do ex-juiz teve relação principalmente com eventos da última eleição presidencial.
Autor do voto que abriu caminho para a suspeição, Gilmar Mendes destacou algo que seria espantoso, caso não tivesse ocorrido na frente de todos: o fato de que Moro aceitou um cargo no governo de Jair Bolsonaro, candidato que se beneficiou da condenação de Lula.
Gilmar disse que a atuação do ex-juiz e da força-tarefa de Curitiba faria com que o Judiciário ficasse marcado pelo "experimento de um projeto populista de poder político". E acrescentou: "Não tenho políticos de predileção. Agora, acho que não se pode permitir fazer política por meio da persecução penal."
Com anos de atraso, os ministros enxergaram o que Moro fez à luz do dia. Ricardo Lewandowski entendeu que o ex-juiz influenciou o processo eleitoral de 2018 ao divulgar parte da delação do ex-ministro Antonio Palocci, dias antes do primeiro turno. Afirmou ainda que sua atuação foi "empreendida com nítido propósito de potencializar as chances ou, mesmo, viabilizar a vitória de candidato de sua preferência".
Já Cármen Lúcia, que se tornou o voto decisivo ao mudar de entendimento, tentou delimitar o caso. Disse que o julgamento se referia apenas a Lula e que não fazia "algum tipo de referência à Lava Jato". Ainda assim, a ministra precisou concordar com os colegas e citou a divulgação da delação de Palocci durante a campanha presidencial. Mesmo uma defensora da operação reconheceu a tonalidade política de Moro.
Ricardo Noblat: Gilmar Mendes faz história e abre passagem a Lula
Aumenta o risco de Bolsonaro morrer na praia em 2022
Data vênia aos demais ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, e por extensão aos demais, Gilmar Mendes fez história ao comandar o pelotão de fuzilamento da reputação do ex-juiz Sergio Moro, considerado suspeito de ter sido parcial nos processos de condenação de Lula pela justiça de Curitiba.
Tiraram Gilmar para dançar e deu nisso. Não foi por falta de aviso. No final de 2018, quando Lula entrou no Supremo com o pedido de habeas-corpus para declarar Moro suspeito, Gilmar propôs levá-lo direto ao exame do plenário do tribunal. Por 4 votos contra o dele, a Segunda Turma achou que caberia a ela julgar o pedido.
Então Gilmar, como presidente da Segunda Turma, propôs a concessão de uma liminar para libertar Lula. Foi derrotado por 3 votos contra dois – o dele e o do ministro Ricardo Lewandowski. Inconformado, pediu vista e o julgamento acabou suspenso. Lula só seria solto em novembro de 2019. Foram 580 dias preso.
Para salvar Moro da suspeição e preservar o que fosse possível da Operação Lava Jato, o ministro Edson Fachin decretou a anulação das condenações de Lula, alegando que o foro de Curitiba não era o mais adequado para julgá-lo. Calculou que a sua inviabilizaria qualquer posterior decisão da Segunda Turma contra Moro.
Deu ruim para ele, Moro, os procuradores da República de Curitiba e quem mais torcia por um desfecho contrário a Lula. Fachin mandou que os processos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia fossem devolvidos à primeira instância em Brasília, sem anular, porém, as provas que eles continham. Perdeu.
As provas foram anuladas pela Segunda Turma. Os processos terão que recomeçar. Ou serão arquivados. Lula, agora, está duas vezes livre – da cadeia e das condenações que lhe pesavam. Três vezes livre, porque faltará tempo hábil para que possa voltar a ser ficha suja antes das próximas eleições.
Agradeça a Gilmar, em primeiro lugar, a Lewandowski, em segundo, e ao voto de desempate da ministra Cármen Lúcia. Agradeça também a Fachin que lhe abriu as portas da recuperação. E, se quiser, pode tripudiar sobre o ministro Nunes Marques, que deve o emprego ao presidente Jair Bolsonaro, e foi voto vencido.
No Supremo, já se viu muita coisa, até troca de desaforos de ministros aos berros e golpes aplicados abaixo da cintura. Mas nunca se viu um ministro, no caso Gilmar, reduzir a pó o voto do outro, no caso Nunes Marques, que saiu dali humilhado do ponto de vista de conhecimentos jurídicos e com a pecha de covarde.
O governo passou recibo de pronto. Auxiliares do presidente da República confidenciaram que ele não esperava o que aconteceu, e que isso fortalecerá a pretensão de Lula de enfrentá-lo na eleição do ano que vem. A leitura da situação está correta. É a mesma feita por articuladores de uma candidatura de centro.
Cuide-se, Bolsonaro. Aumentou o risco de sua reeleição ir pelo ralo já na disputa do primeiro turno.
Vá para casa, capitão Bolsonaro!
A posse clandestina do ministro da Saúde
Na época da Revolução dos Cravos, Portugal teve um 1º ministro com fama de doidinho da silva – o Almirante Vasco Gonçalves. Um dia, a parede branca que cercava o maior sanatório de Lisboa amanheceu pichada com a frase: “Volte para casa, Almirante”. O Palácio do Planalto carece de paredes externas.
Nem por isso deixa de abrigar a insensatez em alto grau . Nunca antes na história dos governos, pelo menos desde a redemocratização do país, viu-se posse clandestina de ministro de Estado. Ou melhor: não se viu. Aconteceu, ontem, quando o médico Marcelo Queiroga tomou posse como ministro da Saúde.
O distinto público não foi avisado com antecedência. A nomeação de Queiroga sequer havia sido publicada no Diário Oficial. Na agenda do presidente Jair Bolsonaro, distribuída todas as manhãs, não constava o ato de posse. Até o início da madrugada de hoje não foi divulgada nenhuma fotografia da solenidade excepcional.
O que deu no presidente? Foi grande o desgaste que ele sofreu por ter mantido o país sem ministro da Saúde por 8 dias em meio à pandemia. Há 8 dias, demitiu o general Eduardo Pazuello da boca para fora, uma vez que ele continuou ministro. E da boca para fora admitiu Queiroga, que continuou sem ser ministro.
Não bastasse tal comportamento inédito e, convenhamos, esquisito, o fez ao longo de uma pandemia que só bate recordes. Bateu mais um. Foi a primeira vez que em 24 horas, o número de mortes pela Covid-19 ultrapassou a casa dos 3 mil. Hoje, o total de mortos vai atingir a marca inacreditável de 300 mil.
O vírus já é a principal causa de óbitos no país, segundo o jornal O GLOBO. Doenças cardiovasculares levam em média 3 dias para matar 3 mil pessoas; o câncer, cinco dias; a violência, 19; e acidentes viários, 28. A dar-se crédito a Bolsonaro, não passaria de uma “gripezinha” que, em dezembro, estava “no finalzinho”.
Ignora-se, por enquanto, o destino de Pazuello. Se não voltar a ser ministro, se não for indicado para um cargo que lhe garanta o direito de só ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, responderá a processos na primeira instância da justiça. E qualquer juiz, de repente, poderá mandar prendê-lo.
Pense na encrenca que seria um general, e ainda por cima da ativa, preso, mesmo que solto depois. Bolsonaro carregará mais essa na sua folha corrida? Seu aniversário de 66 anos foi comemorado no último domingo. Mas o inferno astral cavado por ele não passou. Ao falar ao país, foi recepcionado com um panelaço.
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, rejeitou a ação impetrada por Bolsonaro contra medidas de isolamento mais rígidas baixadas pelos governadores da Bahia, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. Bolsonaro disse outra vez que não deseja para ninguém o cargo que ocupa. Simples: vá pra casa, capitão!
Bernardo Mello Franco: A corrupção de Moro
A Segunda Turma do Supremo concluiu que Sergio Moro violou o dever da imparcialidade ao condenar o ex-presidente Lula. A decisão esvazia o mito que começou a ser inflado em 2014, quando o ex-juiz emergiu à frente da Lava-Jato. A pretexto de combater a corrupção, ele fez política com a toga e corrompeu o sistema judicial.
Nos últimos sete anos, Moro e a Lava-Jato se tornaram personagens centrais da vida brasileira. A República de Curitiba implodiu os partidos tradicionais e deu impulso ao impeachment de Dilma Rousseff. Dois anos depois, ajudou um populista de extrema direita a vestir a faixa presidencial.
Jair Bolsonaro passou a campanha de 2018 fazendo juras à Lava-Jato. Nem precisava. A operação prendeu e tirou de campo seu principal concorrente. Às vésperas do primeiro turno, ainda divulgou uma delação para beneficiá-lo.
Antes de subir a rampa, o capitão ofereceu a Moro o cargo de ministro da Justiça. O juiz abandonou a carreira e correu para se juntar ao novo governo. Quando ele rasgou a fantasia, sua atuação política já estava mais do que escancarada. Bastava querer ver.
Ontem a ministra Cármen Lúcia lembrou que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, garantiu a todos um julgamento justo e imparcial. Processos inquisitoriais, em que o juiz se confunde com a acusação, atentam contra as bases da democracia.
A professora Eloísa Machado de Almeida, da FGV Direito SP, diz que o Supremo demorou a reconhecer a suspeição de Moro. “Era inevitável que o tribunal fizesse isso, depois de chancelar por tanto tempo os erros e abusos da Lava-Jato”, afirma.
Ela considera que a operação está “pagando por seus deméritos”. “Muita gente séria avisou que isso iria acontecer. Os fatos levam a crer que Moro não estava fazendo Justiça. Ele foi um juiz parcial, que direcionou os processos por interesse próprio”, sentencia.
A decisão do Supremo reforça os sinais de uma mudança de ventos no país. A ministra Cármen Lúcia, que costumava endossar as condenações de Curitiba, alterou o voto para reconhecer a suspeição de Moro. À noite, panelas que já bateram contra Lula abafaram o pronunciamento de Bolsonaro.
Luiz Carlos Azedo: A parcialidade de Moro
A suspeição do ex-juiz desgasta muito mais o Supremo na opinião pública do que a eventual candidatura do ex-magistrado, que passaria de justiceiro a injustiçado
O ex-ministro da Justiça Sergio Moro foi considerado parcial no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no caso do triplex de Guarujá. Foi uma reviravolta no julgamento, que estava três a dois a favor do ex-juiz da 13a Vara Federal de Curitiba, responsável pela Operação Lava-Jato. A ministra Cármen Lúcia, que já havia votado contra a suspeição no começo do julgamento, mudou seu voto ao final da sessão, acolhendo argumentos do presidente da Turma, ministro Gilmar Mendes, e do ministro Ricardo Lewandowski. Segundo ela, a atuação de Moro não foi imparcial, favoreceu a acusação e, portanto, houve um julgamento irregular.
Cármen Lúcia fez questão de ressaltar que a decisão se aplica apenas ao caso do triplex de Guarujá: “Não acho que o procedimento se estenda a quem quer que seja, que a imparcialidade se estenda a quem quer que seja ou atinja outros procedimentos. Porque aqui estou tomando em consideração algo que foi comprovado pelo impetrante relativo a este paciente, nesta condição”. Embora se diga que a ministra foi pressionada por Mendes durante o julgamento, a magistrada já havia sinalizado que poderia rever seu voto, na sessão anterior da Turma.O voto de Cármen Lúcia não se aplica automaticamente aos demais processos do ex-presidente Lula, mas, com certeza, será utilizado pela defesa do petista e também de outros réus da Lava-Jato condenados por Moro para anular processos. Tudo dependerá de novo julgamento no plenário do Supremo, que também precisa analisar a liminar do ministro Edson Fachin (o relator derrotado no caso de Moro) que anulou as condenações do ex-presidente Lula e mandou a Justiça Federal de Brasília refazer todo o processo. Adecisão monocrática de Fachin é vista como uma maneira de restabelecer a elegibilidade de Lula e, ao mesmo tempo, salvar a Lava-Jato.CandidaturasPortanto, Lula foi beneficiado duas vezes: pela decisão monocrática de Fachin, que considerou Moro incompetente para julgar o petista; e, agora, pela Segunda Turma, que contamina as provas do processo ao considerar Moro parcial no julgamento. Se essas decisões forem mantidas pelo Supremo, Lula estará livre para concorrer à Presidência em 2022, e a Lava-Jato correrá o risco de ter dezenas de condenações anuladas. A surpresa no julgamento foi do novo ministro Nunes Marques, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, cujo voto foi a favor de Moro.
A repercussão da decisão foi imediata. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), inimigo declarado da Operação Lava-Jato, logo comemorou a suspeição de Moro. O ambiente político no Congresso é muito adverso para ex-juiz federal e a equipe de força-tarefa da Lava-Jato que realizou as investigações. No Palácio do Planalto, Lula é considerado o principal adversário de Bolsonaro, mas a candidatura de Moro é indesejada. Caso o ministro seja candidato, disputará votos no campo antipetista, o mesmo que Bolsonaro leva em conta para viabilizar a reeleição.
A propósito, a suspeição de Moro desgasta muito mais o Supremo na opinião pública do que a eventual candidatura do ex-juiz, que corre risco de passar de justiceiro a injustiçado. Não é nada mal, se realmente resolver se candidatar a presidente da República. Apesar de isolado politicamente, Moro continua sendo um ícone da luta contra a corrupção e um nome fortíssimo à Presidência. Dificilmente, será declarado inelegível pelo Supremo.
O ex-presidente Luiz Inácio da Silva é quem mais ganha com a decisão, porque reforça sua narrativa de que foi condenado sem provas, por um juiz sem isenção, com o objetivo político de afastá-lo do pleito de 2018. Mesmo assim, para grande parcela da opinião pública, o petista continua sendo o grande responsável pelo escândalo da Petrobras. Bolsonaro, supostamente, ganharia com o desgaste de Moro e a polarização com Lula, mas essa tese precisa ser combinada com o eleitor.
Igor Gielow: Decisão do STF encerra ciclo da Lava Jato e valida discurso de Lula
Se ainda alimentava alguma pretensão política, Sergio Moro terá de refazer suas contas
Igor Gielow, Folha de S. Paulo
A mudança de opinião da ministra Cármen Lúcia, virando o placar em favor de declarar Sergio Moro parcial na condução de processo sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sela o destino da Operação Lava Jato e valida o discurso do petista para 2022.
Apesar de morta e enterrada sob os auspícios do governo Jair Bolsonaro, o julgamento desta terça (23) na Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) é prova da qualidade espectral da maior ação anticorrupção já realizada no país.
A Lava Jato segue pairando sobre o cenário político brasileiro, afinal. Ao colocar flores no seu túmulo, mesmo que a contragosto dado que se filia mais ao lava-jatismo do que ao garantismo, Cármen talvez tenha encerrado um ciclo.
Ela mesma ressaltou em seu voto o óbvio, que a decisão não implica a anulação quaisquer outros processos da operação. Vá dizer isso às defesas dos políticos e empresários pegos nas revelações do petrolão.
A celebração é de Lula, que já havia recuperado seus direitos políticos numa decisão surpreendente do ministro Edson Fachin, que após alguns anos mudou de opinião acerca de uma questão técnica de competência jurisdicional dos processos envolvendo o ex-presidente.
Se tentou salvar o que restou da Lava Jato, como foi ventilado, não foi bem sucedido. A carga comandada por Gilmar Mendes, violentamente expressa na sua reprimenda ao voto do colega Kassio Nunes Marques nesta terça, tem sido avassaladora contra a operação.
Mas o que estava em pauta nem era tanto a imagem de Moro, já bastante desgastada, embora o exorcismo do lava-jatismo seja um "Leitmotiv" para o germanófilo Gilmar há um bom tempo. Era, na prática, Lula.
Declarado parcial, Moro verá todos os processos relativos ao ex-presidente que passaram por sua mão evaporarem, tendo de recomeçar do zero na Justiça Federal em Brasília.
A dúvida acerca da possibilidade de o petista disputar a eleição presidencial em 2022 não cessa, dado que a decisão de Fachin ainda será analisada pelo plenário do Supremo e pode ser derrubada —mantendo o ex-presidente inelegível devido à condenação no caso do sítio de Atibaia.
Politicamente, contudo, o discurso do petista está validado: ele sempre disse que foi vítima de uma perseguição por parte de Moro.
Seja ele candidato ou não em 2022, e haverá um tsunami dentro de seu encolhido partido para isso, é quase irrelevante. Qualquer porta-estandarte poderá contar a mesma história, se for essa a decisão de Lula.
O próprio ex-ministro já havia dado argumentos aos críticos ao assumir o Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro, que venceu uma eleição da qual Lula foi excluído devido à condenação dada por Moro.
Se o petista iria ganhar, como seus aliados dizem como se fosse uma verdade, é bastante discutível dado o grau de insatisfação popular com o PT na esteira do impeachment de Dilma Rousseff em 2016.
Já Moro sai carbonizado do processo, apesar de 45% dos brasileiros ainda aprovarem seu trabalho na Lava Jato, conforme o Datafolha aferiu. Se alimentava alguma pretensão política para 2022, o que poucos na centro-direita acreditavam a esta altura, deverá refazer bastante os cálculos.
Mesmo seu valor de face como apoiador perdeu bastante peso nesta terça. Político algum vai querer se ver associado a um juiz apontado como parcial.
A sessão desta terça também será apensada ao anedotário da discussão eterna entre legalistas e aderentes de um direito, por assim dizer, mais flexível às realidades.
Afinal de contas, durante anos os primeiros defenderam a anulação da Operação Castelo de Areia, antecessora espiritual da Lava Jato, por basear-se em uma delação anônima, o que seria ilegal, além de criticar aspectos abusivos da investigação.
Nesta terça, Gilmar se contrapôs a Kassio ao dizer que é irrelevante o fato de que os grampos que mostraram as conversas de Moro com outros membros da Lava Jato terem sido obtidos ilegalmente. O que importa é a resultante divulgada.
Ironia também não falta na apreciação política do voto de Kassio, primeiro indicado por Jair Bolsonaro.
Um observador descuidado diria que ele poupou um adversário do presidente, Moro. Mas o ex-juiz, diferentemente de Lula, não é visto como ameaça eleitoral no Planalto.
Tivesse prevalecido o voto de Kassio, o petista veria mantida suspensa sobre suas pretensões a espada de Dâmocles do que pode ocorrer no plenário do Supremo.
Ao fim, o fastio progressivo com a enxurrada de denúncias e decisões envolvendo a Lava Jato parece ter chegado ao paroxismo. Só não é possível decretar a morte da indignação com a corrupção: 67% dos brasileiros, segundo o Datafolha, creem que ela vai aumentar daqui para a frente.
Celso Rocha de Barros: Como Bolsonaro reagirá a Lula?
Presidente dirá que causou a recuperação gerada pela vacinação que sabotou
Como disse em meu artigo publicado na Ilustríssima, a entrada de um Lula moderado na disputa eleitoral de 2022 mudou completamente o quadro político brasileiro. Lula moderado é um polo de oposição muito mais forte do que os que havia até agora. O choque, inclusive, levou o “centro” a acelerar suas articulações por uma candidatura competitiva. Como a extrema direita que governa o Brasil desde 2019 vai reagir?
No dia do discurso de Lula, a reação de Bolsonaro foi de evidente terror. Pela primeira vez em muito tempo, apareceu de máscara em uma solenidade pública. Não tenho nenhuma dúvida de que seu pessoal nas redes sociais notou que as declarações ponderadas de Lula sobre vacinas e máscaras foram bem-recebidas pelo público.
Seria maravilhoso se a ameaça Lula forçasse Bolsonaro a finalmente começar a se comportar como presidente da República, mas talvez seja tarde demais. Se Jair acordou na quinta-feira decidido a se comportar como um estadista responsável para derrotar Lula, imediatamente deve ter percebido que o Jair de 2020 não comprou as vacinas que um Jair responsável de 2021 teria que aplicar. Como a única outra alternativa de combate à Covid-19, o lockdown, prejudicaria o Jair candidato de 2022, não sobrou nada de responsável para qualquer Jair fazer no Brasil da pandemia.
Sempre trabalhando com a premissa testada e provada de que Bolsonaro não fará a coisa certa, o que lhe restará? No momento, seu plano parece simples: incapaz de achar um cenário de combate à pandemia que lhe beneficie eleitoralmente, Bolsonaro vai deixar os brasileiros morrerem na fila da UTI e falar de outra coisa.
Jair sabe que sua popularidade vai cair, mas aposta que não chegará a níveis de rejeição que o tornem eleitoralmente inviável. E conta que a vacinação, eventualmente, permitirá a recuperação econômica antes da eleição.
Se você quer fazer uma aposta sem qualquer chance de perder, aposte que Paulo Guedes e Bolsonaro vão dizer que causaram a recuperação econômica gerada pela vacinação que sabotaram desde o início.
O que é muito menos seguro é cravar se Guedes dirá isso como ministro ou como ex-ministro. Bolsonaro certamente gostaria de substitui-lo por um ministro gastador, mas o resultado eleitoral seria incerto. Certamente haveria turbulência no mercado, ela bateria no dólar, o dólar bateria nos preços, os preços bateriam nos juros, e os juros bateriam no desempenho econômico. Talvez isso melhorasse com o tempo, mas Bolsonaro tem cada vez menos tempo até a eleição.
A única certeza sobre isso tudo é que Jair Bolsonaro não perderá eleição para agradar a turma de Guedes.
Mas a maior certeza sobre o que Bolsonaro fará agora que a competição eleitoral ficou mais acirrada é que jogará muito, muito sujo.
Causará estrago enorme ao Brasil. Voltará a ameaçar golpe de Estado —já o fez na live de quinta-feira— aparelhará as Forças Armadas, destruirá a credibilidade de órgãos públicos, atacará a imprensa livre, disseminará notícias falsas, incentivará o conflito e a instabilidade social, enfim, fará o Brasil pagar o preço de não tê-lo impichado.
Mesmo para gente que já se comportou com dignidade em outros momentos da vida, é difícil fazê-lo na hora da derrota. Imaginem para Jair Bolsonaro.
Alon Feuerwerker: Mar das dúvidas
A decisão do ministro Edson Fachin de anular as sentenças contra Luiz Inácio Lula da Silva, por considerar que as acusações não tinham conexão com a Petrobras, deu uma antecipada no calendário eleitoral e acendeu incógnitas na cabeça dos concorrentes do PT em 2022.
O petismo é o único que parece não ter dúvida: se Lula puder concorrer, e quiser, o candidato será ele. E, aparentemente, o PT ainda não deu sinais de estar matutando sobre os detalhes da escolha. Primeiro, vai ser preciso ter certeza de que a decisão de Fachin continua como está.
Pois o jogo ainda corre aberto, como evidenciou a parada no julgamento da suspeição de Sergio Moro pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. E do atual STF nada que venha será surpresa.
Lula parece beneficiar-se momentaneamente de um certo “equilíbrio do terror”. Mesmo se o plenário do Supremo reverter a decisão de Fachin, continuará o risco de a Segunda Turma declarar Moro suspeito, e aí desencadear um terremoto sob os pés da Lava-Jato.
Desta vez um grande.
E com Moro declarado suspeito cairiam também as condenações de Lula.
Se a decisão de Fachin é mantida, e impede-se a Segunda Turma de prosseguir no julgamento da suspeição de Moro, salva-se (momentaneamente?) a Lava-Jato. Mas Lula fica com caminho aberto para 2022. A não ser que volte a receber condenação pelo menos em duas instâncias até lá. Difícil.
E se o STF não reverte o que Fachin decidiu, mas tampouco impede a Segunda Turma de concluir o julgamento da suspeição? Aí juntar-se-iam a fome e a vontade de comer. Qual será a probabilidade de vingar este cenário maximalista?
Tem também a hipótese minimalista. O plenário reverte a decisão de Fachin e a Segunda Turma ou não declara Moro suspeito ou simplesmente não decide nada sobre isso até que passe a eleição de 2022. Será um jeito de tirar Lula de novo da corrida.
Aguardemos. Entrementes, algumas forças políticas quebram a cabeça sobre o que fazer. O movimento mais visível é a tentativa de agrupar o “nem-nem”, os políticos que não querem nem o petista nem Jair Bolsonaro. A dificuldade aí não é saber o que não querem, mas o que querem.
Além do poder, claro.
Se bem que em outros momentos da história agitar uma rejeição foi suficiente para fazer valer alternativas políticas programaticamente nebulosas. Aliás, o Brasil está cheio de casos. O antimalufismo, por exemplo, foi vaca leiteira para muita gente boa por pelo menos duas décadas.
A dificuldade do dito centro parece residir no enigma não decifrado de 2018, e que o levou à catástrofe eleitoral: quando o gato quer caçar dois ratos, como fazer para não escaparem os dois? Desta vez, o discurso “contra os extremos” vai sensibilizar as massas?
Ou seria preferível escolher um adversário principal e apresentar-se como a melhor opção disponível para derrotá-lo? Bem, esse é um problema para os especialistas destrincharem. Enquanto isso, Lula vai agregando simpatias, ou pelo menos reduzindo antipatias, por gravidade.
E tem Jair Bolsonaro. Ele não está num momento confortável em popularidade, mas a agenda econômica parece ganhar tração no Congresso e a vacinação promete entrar em certo ritmo entre este mês e o próximo. E o Brasil inteiro quer que a vacinação funcione.
E tem Sergio Moro, que também está elegível.
E a eleição não é agora. É só em outubro de 2022.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Ruy Castro: Aos biógrafos de Bolsonaro
O trabalho deveria começar por seus antepassados: Hitler, Jack o Estripador, Drácula, Herodes e Belzebu
Sempre achei um risco biografar gente viva. Não por medo do biografado ou de sofrer um processo, mas por motivo mais sério: como contar uma história que ainda não terminou? Imagine se, no dia seguinte ao lançamento de uma biografia, o biografado comete algo terrível, como estrangular seu papagaio ou fugir com a mãe de sua mulher. Em um segundo lá se vai o trabalho de anos do biógrafo —por que ele não previu que seu biografado seria capaz daquilo? Donde o certo é esperar que o fulano abotoe naturalmente o paletó, para só então mergulhar na investigação de sua vida.
Mas, com Jair Bolsonaro, não se pode mais esperar que ele vá para o diabo que o carregue. É urgente começar a biografá-lo porque, pela velocidade de sua trajetória —não passa um dia sem praticar um crime contra a democracia, a saúde, a educação, a ciência, a cultura, a economia, a ecologia, a diplomacia, a Justiça, os direitos humanos e a vida—, em breve ela não caberá em um volume. E isso apenas desde que assumiu a Presidência.
Ai está. Uma biografia de Bolsonaro deveria recuar aos seus antepassados, como Hitler, Jack o Estripador, Drácula, Herodes e Belzebu; explorar suas origens em Glicério (SP), burgo de 2.000 habitantes em 1955, onde depositaram o ovo do qual ele nasceu— e chegar à sua infame carreira militar e ascensão política. Vai-se revelar o seu longo e meticuloso processo de corrupção de colegas, servidores, generais, policiais e juízes, e, de passagem, descobrir como construiu seu patrimônio imobiliário e transferiu esse know-how para filhos e mulheres.
O importante é que, em alguma etapa, surja algo que explique o seu grau de desumanidade estudada, demência, crueldade e ódio.
Pelo que sei, já há profissionais biografando Bolsonaro. Só garanto que não sou um deles. Há um limite para a náusea, e basta-me ter ânsias de vômito quando o vejo na televisão.
Bruno Boghossian: Decantação da pandemia no eleitor deve definir novo presidente
Divisão entre medidas de saúde e efeitos na economia pode permanecer até 2022
Quando os americanos foram às urnas em novembro do ano passado, as mortes por Covid-19 voltavam a se aproximar de 1.000 por dia nos EUA. O coronavírus foi um dos temas mais presentes da eleição presidencial, com uma característica que se tornou a marca política da pandemia: a divisão entre as mortes e seus impactos sobre a economia.
A atuação de Donald Trump e os efeitos da doença no mercado de trabalho racharam o país. Entre os eleitores que consideravam a economia uma prioridade, 78% votaram no republicano, segundo pesquisas de boca de urna. Para aqueles que diziam que o importante era conter o vírus, 79% escolheram Joe Biden.
O democrata ficou em vantagem porque mais americanos achavam importante salvar vidas (52%) do que recuperar a atividade econômica (42%). No Brasil, a escalada da doença e a decantação da crise no humor do eleitorado podem definir o próximo presidente.
A questão central é se a pandemia e seus efeitos serão tópicos relevantes até lá. A depender do cenário do país, o eleitorado pode usar o voto para julgar a conduta de Jair Bolsonaro, pode ir às urnas para escolher outro rumo na administração da crise ou pode ignorar a doença em nome de outros interesses.
Bolsonaro desdenhou da morte de milhares de brasileiros porque acreditava que seus efeitos políticos seriam limitados. Em sua matemática, faria mais sentido oferecer a bandeira da defesa da economia a qualquer custo, em contraponto a personagens como João Doria e Luiz Henrique Mandetta.
O resultado dependerá da situação econômica e de quanta responsabilidade o eleitor atribuirá ao governo. Bolsonaro só será beneficiado se o eleitor enxergá-lo como um nome capaz de liderar a recuperação.
A volta de Lula bagunça o jogo porque o petista tenta aliar o discurso da saúde a uma pauta de proteção aos mais pobres e de enfrentamento das dificuldades econômicas. Se a plataforma vingar, ele será um rival de Bolsonaro em duas frentes.