Sergio Moro
Cristiane Barbieri: No país da força-tarefa
No fim da semana passada, Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça, anunciou a intenção de montar uma espécie de Plano Real da Segurança Pública. Foi a primeira vez que se formalizou, em palavras, o espírito de uma época que elegeu Jair Bolsonaro (PSL). Do mesmo modo que o presidente Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, no Ministério da Fazenda, conseguiram estabilizar a inflação, o discurso de Bolsonaro e de Moro é o de um time que quer ser visto como responsável por colocar a criminalidade no passado.
Desde as revelações da Operação Lava-Jato, segurança e corrupção se tornaram o inimigo a ser combatido, segundo pesquisas de opinião pública. Até pelo perfil de Bolsonaro, essa deve se tornar a principal política de Estado dos próximos anos, dizem especialistas.
No xadrez do poder, o vento foi sentido há tempos e já tem mexido peças. Tanto que a plenária de encerramento das atividades do grupo que deu origem às investigações da Lava-Jato, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Enccla), um número inédito de autoridades de primeiro escalão esteve presente.
"Queria estar aí", disse o próprio Moro, o filho mais ilustre da Enccla, num vídeo exibido na abertura do evento, que ocorreu em Foz do Iguaçu, entre os dias 19 e 22. O futuro ministro não compareceu, tanto pela agenda de transição quanto para não atropelar o atual ministro da Justiça, Torquato Jardim, que também esteve lá. Mas mandou seu recado: "Nós certamente vamos conversar no futuro. Tenho a pretensão de fortalecer a Enccla.
Vamos iniciar a gestão do ministério com uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado e quero contar com a contribuição contínua e perene da Enccla, que é uma iniciativa bem-sucedida e continuará a ser uma política não de governo, mas de Estado".
O discurso das outras autoridades usou o mesmo diapasão. "É bom estar de volta!", disse Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em sua fala no encerramento da plenária, ao lembrar da primeira reunião da Enccla, que ocorreu numa pousada em Pirenópolis (GO), onde ele esteve presente. Fez questão de cumprimentar ao microfone rostos conhecidos entre os 156 participantes.
Estavam lá vários membros da futura equipe de Moro. Em 2009, quando era o advogado-geral da União, Toffoli criou o grupo permanente do órgão na Enccla.
Pouco antes, Raquel Dodge, procuradora-geral da República, enfatizou iniciativas que estava tomando pessoalmente para ajudar o tema a avançar. Outras autoridades se manifestaram no mesmo sentido. "Faltava o apoio político e o envolvimento de fato do Poder Executivo nas ações da Enccla", afirmou Fausto De Sanctis, juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), enquanto esperava o início do evento. "Tanto do Executivo quanto do Legislativo, no sentido de dar uma mensagem à população de que os poderes estão irmanados para o combate e a prevenção da corrupção, que atingiu níveis absurdos no Brasil. Era um ponto de indagação."
Agora, a resposta foi dada, com mais força e poder. A Enccla está para a segurança como a Universidade de Chicago, templo liberal, está para Paulo Guedes, futuro ministro da Economia. "Moro é um de nós", disse um servidor federal durante o encontro. Ao que outro completou: "Ele tem conhecimento de causa: não é só um palpiteiro". Tanto é assim que o futuro ministro confiou a Érika Marena o comando do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça, que coordena a Enccla. Érika não só coordenou o início da Lava-Jato, como batizou a operação.
Com o sucesso de muitas de suas ações, e a entrada da pauta no coração do próximo governo, a demanda pela participação na Enccla explodiu. "Chegou num ponto em que a gente percebeu que não tem como acomodar 27 entes federativos, mais a União", disse Sílvia Amélia Fonseca de Oliveira, coordenadora-geral de articulação institucional do DRCI. "Como, numa estratégia nacional, precisamos da participação dos órgãos estaduais, abrimos espaço para movimentos regionais que de certa maneira espelham a Enccla regionalmente."
Não se tem notícia de iniciativa que funcione em modelo semelhante à Enccla em outro país. Ao longo dos últimos 16 anos, servidores altamente qualificados e representantes da iniciativa privada de áreas correlatas têm se reunido ano após ano, a cada dois ou três meses. A partir da identificação de problemas específicos, vão atrás de soluções para fechar o cerco num perene enxugamento de gelo contra a lavagem de dinheiro e a corrupção.
Foram centenas de iniciativas. Antes da Enccla, por exemplo, caso fosse necessário rastrear uma movimentação financeira suspeita, a Justiça enviava ofícios a cada banco e esperava meses por dezenas de respostas, que apenas identificavam a existência ou não da conta. Numa das ações da Enccla, capitaneada pelo Banco Central (BC), foi criado o Cadastro de Correntistas Unificados (CCS), que mostra instantaneamente o relacionamento de cada cidadão com o sistema financeiro, nos últimos cinco anos, por meio do seu CPF.
Nas reuniões seguintes, foi dada atenção à falta de padronização dos relatórios recebidos dos bancos, bem como de sistemas de tecnologia que conversassem entre si. Criou-se então o Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias (Simba), pelo qual passou a ocorrer o tráfego on-line de dados bancários entre instituições financeiras e órgãos públicos, após autorização judicial.
Proposta na primeira edição da Enccla, a própria Lei de Lavagem de Dinheiro, aprovada apenas em 2012, tornou mais rigorosa as punições contra esse tipo de crime. Até então, a lavagem só era tipificada se ocorresse a partir de determinados delitos, como tráfico de drogas, de armas ou sequestro. A partir de sua publicação, tornou-se possível classificar como lavagem o dinheiro proveniente de qualquer atividade ilícita. Penas maiores também foram impostas. Agora, a Enccla já trabalha em sua revisão.
Iniciativa do então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos (1935-2014), a estratégia nasceu em 2003 com dois objetivos: integrar diferentes órgãos públicos federais no combate à lavagem de dinheiro e atender a acordos internacionais sobre o tema dos quais o Brasil é signatário e que ganharam importância e pressão depois do 11 de Setembro. Era preciso tentar eliminar o oxigênio do crime organizado, nas mais diferentes esferas.
"A primeira reunião foi muito tensa", disse Ricardo Liáo, secretário-executivo do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e decano de todas as Encclas. "Havia um núcleo duro de entidades federais e era um apontando o dedo para o outro: 'Eu não faço porque você não entrega sua parte'."
Marcio Thomaz Bastos fazia palestras à época mostrando cartazes de eventos dos vários órgãos federais sobre os mesmos assuntos, com os mesmos palestrantes, acontecendo quase que simultaneamente: ninguém se falava, ninguém se conhecia, ninguém sabia os mandatos dos vários órgãos e instituições públicas ou seus limites de atuação. A animosidade era tamanha que o Ministério Público ameaçava com frequência processar os órgãos irmãos, e não os criminosos.
Vestidos com informalidade, não há distinção pelo peso dos cargos dos participantes de diversos órgãos. Nos crachás, o que aparece com facilidade são os órgãos para os quais trabalham. Na hora de falar, levantam um prisma com a sigla de sua entidade. Não há chefes, nem hierarquias na Enccla. Apenas a coordenação do DRCI, que agenda e acompanha as reuniões dos grupos de trabalho.
Segundo os participantes do evento, também não há ideologia ou influências político-partidárias nas decisões. Todas são tomadas por consenso: se algum órgão explicita com clareza os motivos pelos quais discorda, a ação não é levada adiante. Tanto que não é incomum, durante os intervalos das reuniões de trabalho, os participantes saírem da sala para aparar arestas, depois de algumas caneladas.
"Aqui é um lugar de convergência: colocam-se as pessoas certas na mesma sala para resolver um problema específico", afirmou Gerson Schaan, coordenador-geral de pesquisa e investigação da Receita. "Sem dúvida nenhuma, isso aproxima profissionais e órgãos, com um efeito multiplicador ao longo dos anos, conforme os participantes vão entrando e saindo."
No meio do ano, o Ministério Público convidou, por meio da Enccla, funcionários do Coaf para participar de uma capacitação, e é exatamente esse o termo legal, concedido por um delator da Lava-Jato. O criminoso ensinaria aos funcionários do governo como é possível aparecer tanto dinheiro vivo nas operações, mesmo com os controles sobre os bancos.
Os servidores descobriram um mundo paralelo. Entre outras coisas, um comércio de dinheiro vivo, mantido na base de ameaças e coação, feito sobretudo com lotéricas. Os bandidos compram o dinheiro vivo de lojas, em troca do transporte. Ficam com o papel e depositam o valor em cheques ou fazem transferências. Esfriam, assim, o dinheiro. Se recusarem, as lotéricas são ameaçadas de serem assaltadas, no transporte dos valores ao banco.
A intenção é tirar a rastreabilidade: seguir o dinheiro é o mantra principal nas investigações de combate ao crime organizado e à corrupção. "Era um dinheiro que não estava no sistema porque não saiu dos bancos", disse Antonio Ferreira, presidente do Coaf. "É como se existisse um sistema bancário paralelo, movido pela informalidade, que é altíssima no Brasil."
Essa oitiva serviu como parte do trabalho para uma das 11 ações da última Enccla: a proposta de restringir o uso de dinheiro em espécie. Neste primeiro ano, foi feita uma ampla pesquisa sobre o tema em outros países, os projetos de leis existentes no Brasil e eventuais limites constitucionais. Em boa parte da Europa, por exemplo, compras em dinheiro vivo são limitadas entre € 2,5 mil e € 3 mil.
A ação prossegue no ano que vem, quando mais de 20 entidades estudarão os impactos que restrição semelhante poderá causar na economia brasileira, bem como determinar o limite do valor imposto para a aquisição de bens com dinheiro vivo e punições a quem descumpra a determinação. Se avançar, a restrição acontecerá para aquisições de mercadoria em dinheiro e não para o porte, a guarda e o transporte das notas.
Neste ano, também foram desenvolvidas ações como a elaboração de um plano de diretrizes no combate à corrupção, medidas para combate de fraudes na saúde pública, contra a corrupção privada, de compartilhamento de notas fiscais emitidos por toda a administração pública. "Aqui é o lugar de jogar a semente e esperar brotar", afirmou Schaan, da Receita. "Somos técnicos e muitas vezes encontramos caminhos que devem passar pela política, como a aprovação de projetos de lei, e aí o tempo é outro."
Na última edição, foram convidados movimentos regionais à plenária, ao mesmo tempo em que alguns órgãos estaduais, como o MP/RN ou a Procuradoria-Geral da Bahia, continuam tendo assento nos debates. "Ainda é um embrião de como trabalharemos, já que estimulamos a participação regional há pelo menos cinco anos", afirmou Sílvia. "Mas a ideia é trazer as representações, não só dos órgãos estaduais, mas dos federais representados nos Estados."
Seriam espécies de mini-Encclas, levando as práticas, conhecimentos e trazendo demandas para a nave-mãe.
Como ocorre em outros Estados, Rodrigo Lubiano Zanotti, coordenador do Fórum de Combate à Corrupção do Espírito Santo (Focco-ES), sentia na prática a falta de uma estratégia regional semelhante à federal. "O que tenho para avaliar uma licitação estadual ou municipal são processos administrativos e notas fiscais que, via de regra, estão corretos no papel", afirmou Zanotti, que também é auditor do Tribunal de Contas daquele Estado. "Quando as diferentes instituições somam armas, é como se montássemos um quebra-cabeça: muitas vezes uma investigação feita pelo MP pode ser completada por dados desses papéis que aparentemente estão corretos e vice-versa, criando uma ação penal com provas robustas."
Criado há dois anos, o Focco-ES, como ocorreu em nível federal, está sendo permeado por tecnologia e inteligência artificial. Num dos exemplos, um banco de dados de notas fiscais eletrônicas evidenciará valores de mercadorias negociadas em determinadas áreas do Estado. "Se vai haver uma licitação de luvas cirúrgicas num município, por exemplo, é informado o preço médio praticado pelo mercado daquela região, antes do pregão acontecer", disse Zanotti. "O processo sequer é travado porque antes do lançamento já há uma referência de partida."
O sistema de inteligência artificial também deverá alertar sobre fugas de padrões de consumo médio de combustível, peças de manutenção ou qualquer outro item que se queira. Segundo ele, há cinco anos as informações só chegavam de três a cinco meses depois de feitas as licitações. "O Brasil é um país de poucos controles e uma corrupção fora de controle", disse. "A sociedade está reclamando, os Estados estão quebrados e chegou a hora de acelerar essa implantação."
Outra ação que mereceu destaque é o aperfeiçoamento das polícias civis na investigação de lavagem de dinheiro. Na linha do que Moro chama de "descapitalização" do crime organizado, a ideia é fazer com que a Polícia Civil trilhe o mesmo caminho percorrido pela Federal, há cerca de dez anos. "Quando se fala em lavagem de dinheiro, imediatamente se pensa em corrupção", disse George Couto, diretor do Departamento de Inteligência e Gestão da Informação (DGI) da Polícia Civil-DF e representante do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil (CONCPC) na Enccla. "Só que, quando se descapitaliza uma organização criminosa, impede-se muitos outros crimes, como latrocínios, tráfico de drogas, roubos a banco, e pode-se controlar, inclusive, o processo epidêmico de crimes contra a vida que o país tem vivido."
De acordo com ele, a intenção é buscar uma mudança de cultura de longo prazo, já que as polícias civis têm tradição de investigar crimes pontuais, sem atacar suas causas. No primeiro ano dessa ação, foi feito um levantamento do estágio em que se encontram todas as polícias civis do país. Há desníveis gritantes, evidentemente, entre os Estados mais e menos ricos do país. Para o ano que vem, a ação será aprofundada com uma busca por fortalecer as polícias civis, dotando-as de estruturas mínimas de trabalho, bem como treinamento para investigações com mais inteligência. "A ideia é sistematizar e a lavagem de dinheiro entrar no escopo das investigações de todos os crimes", afirmou Couto.
Mas, por mais que o Estado tenha tentáculos e órgãos de controle, a grande aposta da estratégia é no engajamento da sociedade civil, para potencializar a fiscalização. "Como fazemos parte de órgãos públicos, temos mandatos muito delimitados de atuação", diz um dos participantes. "Já a sociedade civil tem um espectro maior e pode fazer tudo que não é proibido."
Uma das entidades que se apresentaram na Enccla foi o Observatório Social São José, de Santa Catarina. Ele faz parte de uma rede homônima de ONGs, presentes em mais de cem cidades, onde cidadãos dedicam gratuitamente algumas horas de seu dia para fiscalizar a aplicação de recursos públicos do Executivo e do Legislativo em seus municípios.
No caso catarinense, a articulação é feita por meio de WhatsApp, com mais de cem participantes. "Nossa recomendação é que o cidadão não fiscalize sozinho em função dos riscos", disse Jaime Luiz Klein, vice-presidente executivo do Observatório São José, que tem se destacado por ter formalizado os processos e ajudado iniciativas semelhantes a se multiplicar. Entre as regras que encontraram, estão representatividade de toda a sociedade, recursos financeiros (no caso deles, de R$ 5 mil mensais) e conhecimento dos processos públicos de licitação e contabilidade.
Com a fiscalização, os resultados logo apareceram. No primeiro ano de atuação, em 2012, a sobra do orçamento da Câmara de Vereadores de São José era praticamente inexistente, de cerca de R$ 300 mil.
No ano seguinte, com a cobrança apenas de transparência por parte do Observatório, o valor foi de R$ 4,2 milhões. Quando a iniciativa passou a fiscalizar contratos, servidores comissionados e outras possíveis fontes de desvio, metade do orçamento ficou no caixa da Câmara. "Pode parecer pouco o valor de R$ 10 milhões, mas se a metodologia se espalhar pelos 5.570 municípios do país, quanto não será possível fazer?", perguntou Klein. "E se não existisse o Observatório e o movimento cidadão fiscal, será que esse dinheiro estaria sobrando e sendo devolvido ao Poder Executivo, que pode então investir mais em segurança, saúde e educação?"
Agora, eles começam a entrar na Justiça com ações para dar transparência total à administração pública do município. Só neste ano, o Observatório levou adiante três ações diretas de inconstitucionalidade, sendo que uma delas questiona 70% dos cargos comissionados. Receberam parecer favorável do Ministério Público de Santa Catarina e, caso seja considerada procedente, a expectativa é de uma economia de R$ 20 milhões por ano.
Além de iniciativas como essa, há outras que aproveitam a escala trazida pela tecnologia, como a Operação Serenata de Amor, em que experts em tecnologia voluntários criaram um robô que analisa os gastos reembolsados pela Cota para Exercício da Atividade Parlamentar, de deputados federais e senadores. Caso encontre alguma irregularidade, Rosie, a robô, pede explicação nominalmente no Twitter. Até hoje, foram mais de 8 mil reembolsos suspeitos, que envolveram R$ 3,6 milhões e resultaram em 630 denúncias. Há agora um crowdfunding para estender o serviço aos níveis estaduais e municipais.
Em agosto, estimulada por uma das ações da Enccla de fortalecimento da rede colaborativa, o HackFest juntou 250 maratonistas que desenvolveram ideias e aplicativos voltados à participação social na política, ao controle social e ao combate à corrupção. "O combate à corrupção precisa ser feito como uma ação coletiva", disse Luciana Asper y Valdés, representante da Comissão Nacional do Ministério Público na Enccla e coordenadora de uma ação para fortalecer essas iniciativas. "Colocamos na cabeça que é um dever do Estado, mas existem frentes que se não forem feitas pela sociedade, o problema nunca será resolvido."
O clamor público em tamanha escala, porém, tem efeitos colaterais que geram preocupação. Algumas delações premiadas que resultaram em grandes escândalos não se comprovaram. Mesmo absolvidos pela Justiça, diversos denunciados tiveram vidas abaladas. Delegada da PF, a própria Érika Marena esteve à frente das investigações da Operação Ouvidos Moucos - o ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina Luiz Carlos Cancellier suicidou-se dias após ter sido preso e afastado do cargo pela operação.
"Existe há muitos anos, mas de modo mais exacerbado depois da Lava-Jato, um deslocamento rumoroso da neutralidade esperada de um juiz", afirma Davi Tangerino, professor da área de direito penal da FGV Direito SP. "Manifestações públicas de associações de magistrados se posicionam há muito tempo como atores do combate ao crime, o que cria um problema sistêmico: se eles estão combatendo, quem está julgando?"
"Quando se coloca o Judiciário como um poder ativo no enfrentamento da questão de segurança pública, ele deixa de ser neutro", afirma Tangerino.
O risco é que o sistema de freios e contrapesos, em que Montesquieu (1689-1755) descreveu o poder controlando o próprio poder, com uma clara divisão na competência de cada um deles, perca um de seus prumos. "Quem desempata um conflito, quando todos os atos são políticos?", ele perguntou.
No país onde se está montando uma grande força-tarefa para marcar a gestão do próximo governo, a questão não é trivial.
O Globo: Moro vai investigar a origem de R$ 174,5 bilhões que foram regularizados
Dinheiro estava no exterior sem registro na Receita Federal e foi regularizado graças a programas de incentivo editados por Dilma Rousseff e Michel Temer
Por Thiago Herdy, de O Globo
SÃO PAULO — A gestão do futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, quer investigar a origem dos R$ 174,5 bilhões que pertencem a brasileiros, estavam no exterior sem registro na Receita Federal e foram regularizados graças a dois programas de incentivo editados nos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer.
As medidas promoveram a anistia de crimes como evasão de divisas e sonegação fiscal, mediante mera declaração de posse dos valores e de sua licitude, sem que houvesse qualquer tipo de análise sobre a origem dos recursos ou da capacidade econômico-financeira de seus beneficiários.
O plano de Moro é incrementar a integração entre a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e unidades de inteligência financeira, em especial o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf), para verificar o uso dos valores por organizações criminosas — tanto aquelas com atuação violenta, como tráfico de drogas e armas, quanto as envolvidas em crimes de colarinho branco. Essas condutas não estão anistiadas pela lei.
Criado em janeiro de 2016 para aumentar a arrecadação federal, o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct) permitiu que brasileiros declarassem recursos mantidos no exterior mediante pagamento de 30% do valor ao governo na forma de tributos e multa. Em 2017, uma nova fase do programa foi lançada. Nas duas edições, 27 mil contribuintes e 123 empresas declararam valores que resultaram em promessa de pagamento de multa de R$ 52,6 bilhões.
A lei que formalizou o programa proibiu a abertura de investigação tendo a declaração como único indício de crime, com o intuito de incentivar adesão e evitar autoincriminação, um direito constitucional.
No entanto, a perspectiva da equipe de Moro é destravar essa barreira a partir de outros caminhos investigatórios, em especial aqueles oferecidos pela integração do Coaf aos órgãos de investigação criminal e o cruzamento de bases de dados que hoje operam isoladas umas das outras.
Desde que aceitou ir para o governo a convite de Jair Bolsonaro (PSL), Moro solicitou a transferência do Coaf do ministério da Fazenda para o da Justiça. Naquele momento, o ex-juiz já pensava no nome de quem o ajudaria a otimizar a atuação da unidade de inteligência financeira: o auditor fiscal Roberto Leonel Lima, chefe da área de investigação da Receita Federal em Curitiba e cérebro do órgão na atuação na Lava-Jato do Paraná. Relatórios de evolução patrimonial e movimentações financeiras e fiscais produzidos pela equipe liderada por Lima ajudaram a revelar desvios de mais de R$ 40 bilhões na Petrobras.
O auditor foi convidado a integrar a equipe de transição do governo Bolsonaro. Na sexta-feira, foi oficialmente anunciado como futuro chefe do Coaf, com atuação ampliada.
A função do órgão é detectar qualquer operação financeira acima de R$ 10 mil e informar autoridades financeiras e policiais, para que verifiquem indícios de atividades ilícitas. Transações como a repatriação de valores no âmbito dos programas dos governos Dilma e Temer também serão alvo do Coaf. Por exemplo: contribuintes que declararam valores, trouxeram-nos para o país e repassaram a terceiros serão alvo de investigação caso não exista lastro econômico a justificar a posse dos recursos.
Para autoridades, se antes o programa de regularização de valores no exterior tinha aparência de segurança e garantia de impunidade para criminosos, agora se apresenta como “vulnerabilidade”, na medida em que formaliza provas de que alguém recebeu dinheiro do exterior não declarado. A lei prevê que beneficiados pela anistia guardem por cinco anos comprovantes da origem lícita dos recursos declarados, prazo que vence entre 2021 e 2022.
Em pelo menos um caso concreto, a declaração de recurso no exterior já serviu a investigações. Foi na própria Lava-Jato, sob a jurisdição de Moro. Márcio de Almeida Ferreira foi gerente da Petrobras até 2013, ano em que tinha patrimônio oficial de R$ 8 milhões. Em 2016, aderiu ao programa e retificou seu patrimônio para R$ 64,2 milhões, cuja maior parte está em offshores no exterior.
Preso na 40ª fase da operação e convidado a demonstrar em documentos a natureza lícita dos recursos, disse não tê-los à disposição. Ele alegou se tratar de lucro da venda de imóveis. “É implausível que, se os ativos tinham origem lícita, não tenha o acusado guardado qualquer documento a respeito da conta”, escreveu Moro na sentença em que o condenou a dez anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Colega do dirigente na Petrobras, o ex-gerente Edison Krummenauer disse que os dois receberam propinas de fornecedores da estatal. Ferreira nega e diz não haver provas. Seus advogados recorrem no TRF-4.
El País: Após críticas, Sergio Moro pede exoneração e deixará a magistratura
Juiz estrela da Lava Jato entregou seu pedido de exoneração no TRF-4. A partir de segunda, ele se dedicará exclusivamente à transição do Governo Bolsonaro
Por Afonso Benites, do El País
A partir da próxima segunda-feira, Sergio Moro, o juiz símbolo da operação Lava Jato, deixará a magistratura. Ele entregou nesta sexta seu pedido de exoneração ao desembargador Thompson Flores, presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A partir de janeiro, Moro será ministro da Justiça e Segurança Pública no Governo do ultradireitista Jair Bolsonaro (PSL). A exoneração de Moro foi assinada pelo desembargador horas depois de entregue.
O futuro ministro estava afastado da 13ª Vara Federal de Curitiba desde o início deste mês, quando aceitou o convite do presidente eleito para ingressar em seu Governo. Em princípio, ele gozaria de férias até janeiro e só depois pediria seu desligamento do cargo, que ocupa há 22 anos.
Mesmo estando em período de férias, Moro participou das reuniões da equipe de transição de Bolsonaro, em Brasília, na semana passada. Como não estava desligado de sua função, recebeu críticas por estar atuando concomitantemente em dois poderes, Executivo e Judiciário. “Houve quem reclamasse que eu, mesmo em férias, afastado da jurisdição e sem assumir cargo Executivo, não poderia sequer participar do planejamento de ações do futuro governo”, afirmou Moro. Ele chamou essas queixas de “controvérsias artificiais”.
Na justificativa de seu pedido de exoneração, o ainda juiz justificou que não havia solicitado a demissão porque gostaria de manter a “cobertura previdenciária” de seus familiares até que pudesse assumir o ministério. Na prática, ele queria que seus dependentes recebessem pensão caso ele viesse a sofrer algum acidente ou morrer antes de assumir o ministério. No documento, ele cita que é alvo de ameaças.
Em 22 anos de carreira, Moro se destacou no combate a crimes financeiros. Primeiro, entre 2003 e 2007 quando tocou o caso Banestado. Depois, a partir de 2013, quando foi o responsável por julgar as ações em primeira instância da operação Lava Jato. Era a assinatura dele que constava das condenações de uma série de políticos, doleiros e empreiteiros envolvidos no esquema de desvio de recursos públicos.
Entre as estrelas retiradas do cenário político por Moro estão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT) e o ex-deputado federal Eduardo Cunha (MDB). Todos condenados por ele nos últimos anos. Foi por conta de uma decisão do juiz que Lula foi impedido de concorrer à presidência da República neste ano contra Bolsonaro.
No Ministério da Justiça, caberá a Moro debelar as suspeitas de que ele teve uma atuação política enquanto era juiz. Nos últimos dias, ele começou a fazer um rascunho da equipe que o assessorará na pasta. Entre os cotados para ocuparem cargos especiais estão três delegados que atuaram na Lava Jato: Érika Marena, Luciano Flores e Igor de Paula.
Com a saída de Moro da Justiça Federal, a magistrada Gabriela Hardt, que é a substituta dele, assume interinamente suas funções. Nas próximas semanas, deve ser aberto um concurso interno de remoção para a 13ª Vara Federal. Apenas os magistrados que atuam na 4ª região (nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) participam da disputa. Só depois da análise dos documentos dos inscritos é que o novo titular será definido. Pra definir o responsável, primeiro leva-se em conta o tempo no cargo de juiz federal. Depois, a antiguidade no exercício no cargo de juiz substituto na 4ª Região. Por último, o critério de classificação no concurso público.
Ricardo Noblat: O que Moro acha disso?
Um problema vultoso ou não
Sabia-se que o deputado Onix Lorenzoni (DEM-RS), futuro chefe da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro, havia recebido em 2014 do Grupo JBS e por meio de caixa 2 o que Lula chamaria de titica – R$ 100 mil. Descoberto, ele devolveu a metade e prometeu devolver a outra mais tarde.
Descobre-se agora que em 2012, como presidente da seção gaúcha do DEM, Lorenzoni recebeu do mesmo grupo mais R$ 100 mil. Como ele reagiu? Em pronunciamento inflamado, disse tratar-se de uma “denúncia requentada”, mas não explicou por que uma vez que não se sabia dela.
À moda de Lula, acrescentou que poucos políticos ou talvez nenhum tenha se batido tanto contra a corrupção como ele. E que ao ser atingido pela denúncia de 2014, fez em seguida o que “uma pessoa certa” faria: devolveu o dinheiro. Uma “pessoa certa” não teria recebido, mas em todo caso…
O juiz Sérgio Moro, ministro da Justiça escolhido pelo presidente eleito, já havia perdoado Lorenzoni no caso da denúncia mais antiga. Até o elogiou. No caso da denúncia mais nova, ainda não foi ouvido a respeito. Mas Bolsonaro foi ouvido. E respondeu assim:
– É muito difícil você pegar alguém que não tenha alguns problemas, por menores que sejam. Os menores nós vamos ter que absorver. Se o problema ficar vultoso, você tem que tomar uma providência.
Duas denúncias de caixa 2 contra um ministro que ainda nem assumiu o cargo configuram um problema vultoso? Esqueceu-se de perguntar a Bolsonaro.
Bolsonaro com pena dos cubanos
Para acabar com a crueldade do PT
À falta de um porta-voz, cabe muitas vezes aos filhos de Jair Bolsonaro explicar as suas decisões. Assim fez, ontem, no Twitter, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) a propósito da volta dos médicos cubanos ao seu país. Foi um ato humanitário do pai, segundo o filho.
Ele escreveu: “Imagine você receber seu salário e o governo lhe tributar em 70% na fonte. Some a isso um longo período sem poder ver seus filhos. Imaginou? Essa é a realidade dos médicos cubanos. Isso é humano? Claro que não. Jair Bolsonaro quer combater essa crueldade instalada pelo PT”.
São 8.500 os médicos cubanos que deverão deixar o Brasil até o próximo dia 31 de dezembro. Não há de ser nada. O futuro governo certamente já sabe como o que fazer para não deixar na mão os brasileiros atendidos pelos cubanos em 2.885 cidades. Em 1.575 delas, só havia os cubanos.
Em breve, uma vez que o Ministério da Saúde lançará edital para a contratação de quem queira substituir os cubanos nas regiões mais pobres e remotas do país, deverá chover médicos brasileiros interessados. Foi por falta deles que os cubanos vieram. Mas tudo mudará. Deus seja louvado.
Maurício Huertas: Procura-se o sucessor de Jair Bolsonaro (mas, já???)
O Brasil - e a política tradicional, principalmente - é mesmo um caso a ser estudado. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) nem tomou posse e já se discute quem será o seu sucessor, em 2022.
Isso porque, na campanha de 2018, Bolsonaro afirmou ser contra a reeleição, então já aparecem com altíssima cotação na bolsa de apostas dos especuladores eleitorais os nomes do futuro ministro da Justiça, juiz Sérgio Moro, e do recém-eleito governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
A imprensa cobrou de Moro a afirmação de que "jamais entraria na política". Ele reafirmou, ontem, que "jamais será candidato", mas que entra para o Ministério como um "técnico". É o tipo de declaração que o perseguirá para sempre. O tucano João Doria que o diga. Foi carimbado de "mentiroso" e "sem palavra" por ter largado a Prefeitura de São Paulo com apenas um ano e três meses de mandato, contrariando promessa anterior.
O problema é alguém achar que o futuro político se define assim, com tamanha antecedência. Basta verificar o histórico das eleições presidenciais. Excetuando-se as reeleições tranquilas de FHC e Lula, barbadas para qualquer apostador, os outros resultados foram muito mais inesperados. Ou alguém imaginava em 1989 que Fernando Collor sofreria impeachment, seria substituído pelo vice Itamar Franco e, aí sim, ainda mais surpreendente, seu sucessor seria Fernando Henrique Cardoso?
E depois das vitórias fáceis de FHC em 1994 e 1998, alguém apostaria que o PT seria eleito e reeleito quatro vezes consecutivas?
Durante o governo Lula, alguém arriscaria dizer que a "técnica" Dilma Rousseff seria o poste de plantão para a sucessão presidencial? E depois que Michel Temer assumiria após outro impeachment?
Para encerrar, quem arriscaria dizer, em novembro de 2014, com Dilma recém-reeleita (naquela disputa acirradíssima com Aécio no 2º turno) que, quatro anos depois, o novo presidente seria Jair Bolsonaro - na época só mais um dos personagens preferidos para o bullying dos humoristas do programa CQC?
Vivendo e aprendendo. Ou não.
Merval Pereira: Separação de Poderes
A separação dos poderes não é intrínseca à democracia, mas ao presidencialismo, criada na Constituição americana em 1789
O debate sobre a nomeação do juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça com superpoderes no governo Bolsonaro levantou pontos relevantes sobre a relação entre os Poderes da República e o exercício da política para além do jogo partidário.
Moro sempre declarou que nunca faria carreira política, obviamente se referindo à política partidária. Mesmo porque já era um “agente político” na sua atuação como magistrado, de acordo com a definição da Controladoria-Geral da União (CGU): “agente político é aquele investido em seu cargo por meio de eleição, nomeação ou designação, cuja competência advém da própria Constituição, como os Chefes de Poder Executivo e membros do Poder Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, além de cargos de Diplomatas, Ministros de Estado e de Secretários nas Unidades da Federação, os quais não se sujeitam ao processo administrativo disciplinar”.
A separação dos poderes não é intrínseca à democracia, mas ao presidencialismo, criada na Constituição americana em 1789. Já existia na teoria, pela famosa obra de Montesquieu “O espírito das leis” e outras, e incipientemente na Inglaterra, à época uma monarquia constitucional que ainda não separava claramente o Poder Judiciário do Executivo.
Os EUA formaram a primeira república constitucional do mundo moderno. O verdadeiro fundo filosófico é que nos EUA quem governa dá os rumos; é o Congresso. Um congressista faz parte de um poder verdadeiro. O Legislativo é um poder que não tem chefe. Um deputado, um senador, não é subordinado a nenhum chefe. Não pode ser demitido por chefe nenhum. Muito menos pode ser subordinado ao simples chefe de outro poder, o Executivo.
A independência legítima de poderes impede que um deputado ou senador americano seja ministro. Se quiser sê-lo, tem de renunciar ao seu mandato de legislador e virar auxiliar do presidente. Nos EUA, a senadora Hillary Clinton teve de renunciar ao mandato para ser Secretária de Estado de Barack Obama.
Norberto Bobbio, um dos maiores filósofos políticos do século XX, escreveu a “Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos”, em que dá a sua definição. Para ele, falar em política leva ao conceito de poder, que é a capacidade de se obter os meios para fazer prevalecer suas ideias em uma sociedade.
Os poderes políticos são legitimados, dependendo das circunstâncias, pela tradição, pelo despotismo ou pelo consenso, uma característica da democracia. Na Grécia Antiga, Aristóteles, em “A política”, tratava dela como inerente à atividade humana, pelo interesse pelas coisas das cidades (pólis).
“Fazer política” não é, portanto, apenas uma prática partidária e eleitoral, mas refere-se às atividades do Estado e à forma como a sociedade se relaciona com ele. Os políticos que criticam Moro por ter aceitado participar de um ministério o fazem como consequência de uma luta política que só demonstra como estão dissociados das mudanças que o país está vivendo.
Se quiséssemos mesmo exercer um presidencialismo na sua essência, deveríamos seguir o exemplo dos Estados Unidos, e exigir que os membros do Congresso renunciassem a seus mandatos caso desejassem ir para um ministério, assim como é exigido dos membros de outros Poderes, como o Judiciário.
Moro teve que renunciar à carreira para exercer um cargo em outro Poder. Acabaríamos com o toma lá dá cá radicalmente.
Na véspera de seu encontro com o presidente eleito Bolsonaro, Moro releu trechos do livro “Excellent cadavers”, de Alexander Stille, sobre a atuação do juiz Giovanni Falcone, o líder do combate à máfia que gerou a Operação Mãos Limpas da Itália e também foi para o governo. No livro, Moro marcou o seguinte trecho: “Em poucos meses em Roma, Falcone mudou o papel do Executivo na guerra contra a máfia”, segundo Ignazzio De Francisci, membro do grupo antimáfia anterior à chegada de Falcone ao governo italiano.
Moro, num rasgo de uma insuspeitada autoironia, comentou com amigos que espera não repetir totalmente a história de seu ídolo, tão perigoso para a máfia que foi assassinado em 1992.
Elio Gaspari: Moro no governo dos ‘humanos direitos’
Sergio Moro lustrou a biografia de Jair Bolsonaro e de seu futuro governo ao aceitar o superministério da Justiça. Foi um tiro na mosca, pois seu trabalho à frente da Lava-Jato tornou-se um marco na História da política nacional, faxinando a corrupção do andar de cima.
Ao se sentar na cadeira, será apresentado a outro tipo de corrupção sistêmica, aquela que ofende os direitos dos cidadãos. Ele entrará num governo em que o futuro ministro da Defesa, general da reserva Augusto Heleno, disse que “direitos humanos são basicamente para humanos direitos”. Desfolhando as mazelas da criminalidade nacional, acrescentou: “É um absurdo tratar isso como uma situação normal. É situação de exceção que merece tratamento de exceção”.
Quais tratamentos de exceção Moro sancionará, ninguém sabe.
O futuro governador do Rio de Janeiro, oficial da reserva da Marinha, singra um discurso apocalíptico e anuncia que “não vai faltar lugar para colocar bandido, cova a gente cava e presídio, se precisar, a gente bota em navio em alto-mar.” Pura demagogia, e Witzel conhece a história dessas cadeias flutuantes. Elas se chamavam “presigangas” e eram usadas na Colônia e no Império. A última “presiganga” de que se tem notícia funcionou no navio Raul Soares, onde puseram presos políticos em 1964.
Os discursos repressivos de hoje têm amplo apoio popular, o que os torna mais perigosos, pois quando ficar demonstrada a vacuidade do palavrório, os demagogos mudarão de assunto.
Sergio Moro diz que a sua prioridade será o combate à corrupção e ao crime organizado. Por falta de experiência na área criminal do andar de baixo, descobrirá isso quando cair sobre sua mesa o caso de alguma roubalheira que usava um posto de gasolina da Baixada Fluminense para lavar dinheiro da corrupção e do tráfico. Puxando os fios, como ele fez em Curitiba, será fácil descobrir poderes que se instalaram no século passado, sobreviveram à ditadura, aninhados nos desvãos dos DOI e ressurgiram com a redemocratização, sambando na avenida e negociando nos palácios.
Hoje, como sempre, os ferrabrás ganham desenvoltura quando sentem-se amparados pela opinião pública. Alguns ministros da Justiça, como Seabra Fagundes e Milton Campos, sentiram o cheiro de queimado e foram-se embora. Outros, como o professor Luís Antônio da Gama e Silva, redator do AI-5, inebriaram-se. Cada um escolhe seu caminho, e Moro escolherá o seu.
Pode-lhe ser útil a lembrança do que ocorreu com Carlos Medeiros Silva quando se sentou naquela cadeira, em 1966. Um coronel que servia no gabinete apresentou-se:
— Ministro, vim conhecê-lo. Sou o representante da linha dura aqui no ministério.
Medeiros era um mineiro miúdo e discreto. Cioso da autoridade, sobretudo da sua, respondeu:
— Coronel, agradeço muito seus relevantes serviços, mas o senhor está dispensado. Agora, o representante da linha dura aqui sou eu.
O ‘Posto Ipiranga’ contatou Moro
“Isso já faz tempo, durante a campanha foi feito um contato”, disse o general da reserva Hamilton Mourão na última quarta-feira.
O vice-presidente eleito referia-se à primeira sondagem da equipe do candidato Jair Bolsonaro para atrair o juiz Sergio Moro. O intermediário, segundo o general, foi Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga” do capitão.
Segundo Moro, “isso não tem uma semana”. Portanto, teria acontecido depois do dia 27 de outubro. Mourão falou em “semanas”. Quantas?
Moro e Guedes prestariam um grande serviço à moralidade pública se esclarecessem a data precisa desse contato, até porque o próprio presidente eleito mostrou-se confuso ao tratar do episódio.
O esclarecimento seria desnecessário para qualquer outra pessoa, mas Moro interferiu no processo eleitoral no dia 1º de outubro, quando liberou um trecho da colaboração do ex-ministro petista Antonio Palocci. Foram 11 páginas de parolagem que ganharam a previsível repercussão, pois faltavam seis dias para o primeiro turno.
O “contato” teria ocorrido “durante a campanha”, o que é esquisito, mas seria jogo limpo. Se ele aconteceu antes da liberação do depoimento de Palocci, teriam sujado o jogo, e a conduta de Moro deveria ser analisada pelo Ministério Público e pelo Conselho Nacional de Justiça.
A ação do Judiciário está contaminada pela onipotência. Felizmente o Supremo Tribunal Federal derrubou todos os atos relacionados com o arrastão realizado em 17 universidades de nove estados nas últimas semanas. Todas as ações foram determinadas por juízes.
No início de outubro completou-se um ano do suicídio de Luiz Carlos Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina mandado para a cadeia por uma magistrada e proibido de entrar na instituição.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota, pretendia votar em Bolsonaro, mas digitou 13. Resolveu fazer uma assinatura da “Folha de S. Paulo”, para entender como o presidente eleito acabará com o jornal de Octávio Frias de Oliveira e de seus filhos.
Lendo o que disseram Jair Bolsonaro e seus oráculos, o governo pretende cortar a publicidade oficial de jornais e emissoras que mentem. Por cretino, Eremildo teme que acabem aqueles que recebem publicidade oficial para mentir.
Mercado e ‘mercado’
Paul Volcker acaba de publicar nos Estados Unidos um livro de memórias. Nele conta a sua épica batalha para derrubar a inflação de dois dígitos no final do século passado. É uma ode ao serviço público, escrita por um funcionário que, aos 91 anos, ainda usa o roupão que comprou em 1953.
Com 2,01 metros, Volcker foi para a direção do Fed em 1979. Ganhava US$ 110 mil anuais e mudou-se para Washington com US$ 57.500. Alugou uma quitinete de estudante e, uma vez por semana, levava para a casa da filha suas roupas sujas. A mulher do homem mais poderoso da finança mundial, diabética e sofrendo de artrite reumática, ficou em Nova York, teve que arrumar um emprego e alugou um dos quartos do apartamento do casal.
Para a turma do papelório:
Volcker refere-se dezenas de vezes ao mercado. Num trecho, lidando com o que seria a credibilidade do presidente do Fed na praça, escreveu “mercado”, entre aspas. Quem vive no Brasil sabe como são diferentes o mercado e o “mercado”.
Para quem está de olho em um cargo na ekipekonômica de Bolsonaro:
Um dia Volcker foi chamado à Casa Branca e levado para a biblioteca (onde não haveria grampo, acredita). Lá, diante de um silencioso presidente Ronald Reagan, o chefe da Casa Civil, James Baker, disse-lhe: “O presidente ordena que você não suba os juros antes da eleição”.
Volcker conta: “O que fazer? O que dizer? Fui-me embora, sem abrir a boca.”
Reagan já morreu, mas o chefe da Casa Civil, Baker, que está vivo, contestou apenas o fraseado e a palavra “ordena”. De qualquer forma, os juros ficaram onde estavam.
Bruno Boghossian: Contrato político torna Moro sócio do projeto de poder de Bolsonaro
Sergio Moro assinou um contrato político. Ao entrar no primeiro escalão do próximo governo, o juiz da Lava Jato se torna sócio inquestionável de um projeto de poder.
Embora não fosse um jogador inscrito no torneio, o futuro ministro da Justiça reconfigurou o tabuleiro da eleição. Ao longo dos últimos anos, autorizou operações contra caciques políticos, condenou dirigentes partidários e mandou prender o candidato que liderava as pesquisas antes de ir para a cadeia.
É difícil ignorar a influência de Moro sobre o resultado das urnas. O presidente eleito reconhece. "Em função do combate à corrupção, da Operação Lava Jato, as questões do mensalão, entre outros, me ajudou a crescer politicamente falando", disse Jair Bolsonaro, horas depois de confirmar a nomeação do juiz.
Quando aceita um cargo com superpoderes no novo governo, Moro se beneficia diretamente de suas ações. O juiz passa a ser um personagem da arena política e eleitoral que ele mesmo trabalhou para moldar.
Moro tenta pegar um atalho para evitar a repetição do que ocorreu com a Operação Mãos Limpas. Estudiosos do caso italiano dizem que a corrupção sobreviveu porque políticos eleitos na esteira das investigações minaram os mecanismos de combate ao crime. No centro do poder, o juiz quer blindar a Lava Jato.
O preço da migração é alto. Moro agora se confunde com o projeto Bolsonaro e passa a viver na engrenagem central do mecanismo da política. Por um lado, passa a ser citado como nome forte para a sucessão presidencial em 2022 ou 2026. Por outro, estará sujeito a pressões (como todo ministro) e será julgado na história pelos sucessos ou fracassos do governo que vai integrar.
Na mesma entrevista em que disse que jamais entraria na política, em 2016, Moro argumentou que o apoio da opinião pública foi fundamental para a Lava Jato. E emendou: "Mas tudo é passageiro, não é? Tem um velho ditado em latim que diz 'sic transit gloria mundi'. Basicamente, 'a glória mundana é passageira'".
Luiz Carlos Azedo: Os intocáveis
“Moro deixa a carreira de magistrado às vésperas de mais um julgamento do ex-presidente Lula. No processo do sítio de Atibaia, as provas seriam até mais robustas do que as do tríplex de Guarujá”
O mais famoso investigador da história norte-americana era apenas um agente do Tesouro inconformado com o descumprimento da Lei Seca em Chicago. Eliot Ness (Chicago, 19 de abril de 1903 — Coudersport, 16 de maio de 1957) liderou a equipe de investigadores que conseguiu prender Al Capone e desmantelar a quadrilha. Por ter resistido a várias tentativas de suborno, a força-tarefa ficou conhecida como Os intocáveis e foi glamorizada pelo diretor Brian de Palma no filme do mesmo nome, lançado em 1987, com Kevin Costner no papel principal, coadjuvado por Sean Connery e Robert De Niro.
O Ness de carne e osso era um homem comum, que raramente andava armado. De 1935 a 1942, após a liberação da venda e consumo de bebidas alcoólicas, foi secretário da Segurança Pública de Cleveland. A boa reputação desmoronou, porém, em 1942, quando abandonou o local de um acidente de trânsito aparentemente provocado por ele. Após o episódio, perdeu uma eleição para prefeito e fracassou como empresário. Morreu pobre, de ataque cardíaco, em 16 de maio de 1957.
É meio inevitável a analogia com a indicação do juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, para o Ministério da Justiça, confirmada ontem pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, depois de conversa na qual recebeu carta branca para combater a corrupção e o crime organizado. Bolsonaro concordou com as propostas de Moro: “Ele queria liberdade total para combater a corrupção e o crime organizado e um ministério com poderes para tal”, disse o presidente eleito. Para a opinião pública, foi um gol de placa.
No livro Artes da Política: diálogo com Amaral Peixoto, de Aspásia Camargo, Lucia Hippolito, Maria Celina D’Araujo e Dora Rocha, o ex-interventor e ex-governador eleito do antigo Estado do Rio de Janeiro atribui parte do seu sucesso como administrador à escolha do seu secretário de Segurança Pública. Sem um bom chefe de polícia, segundo ele, ninguém consegue governar. Há controvérsias sobre essa relação entre o governante e o chefe de polícia, cujas atribuições e autoridade estão estabelecidas na Constituição de 1988, que garante autonomia à autoridade policial. A Polícia Federal é judiciária.
Tanto é verdade que o presidente Michel Temer continuou sendo investigado pela Polícia Federal, sob orientação do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Barroso, depois de a Câmara dos Deputados ter sustado os dois processos da Operação Lava-Jato nos quais foi denunciado. Entretanto, do ponto de vista da opinião pública, ninguém deve ter dúvida de que as palavras do “comandante” Amaral Peixoto, a raposa do antigo PSD, continuam válidas.
Superxerife
O governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), cujo governo é considerado um exemplo de responsabilidade fiscal, inviabilizou sua reeleição por causa de uma greve de policiais militares que provocou caos e barbárie nas ruas das principais cidades do estado e jogou seu prestígio popular na lona. O governador fluminense Fernando Pezão, sem o delegado José Beltrame à frente da polícia fluminense, perdeu completamente o controle da segurança pública, hoje sob intervenção federal.
Sérgio Moro será um “superxerife”. Concentra um poder que somente pode ser comparado ao do falecido senador Filinto Muller, quando foi chefe de polícia do Distrito Federal. Muller se notabilizou pelas acusações contra a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a prisão de Luís Carlos Prestes, de quem era desafeto desde sua deserção da famosa Coluna Prestes. A deportação de Olga Benário para um campo de concentração nazista na Alemanha, onde foi executada em 1942, é atribuída a ele, mas foi uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por influência de Vargas, mesmo não havendo pedido de extradição.
Como Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra, Muller era simpatizante do Eixo. Em 1942, reprimiu uma manifestação de estudantes a favor de o Brasil entrar na guerra ao lado dos Aliados e foi demitido. O chanceler Oswaldo Aranha e Amaral Peixoto, genro de Getúlio Vargas, já haviam articulando com os Estados Unidos a entrada do Brasil na guerra ao lado dos Aliados. Alzira Vargas, filha de Getúlio, financiava as manifestações de estudantes e comunistas a favor de o Brasil entrar na guerra contra o nazi-fascismo.
Moro deixa a bem-sucedida carreira de magistrado às vésperas de mais um julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já está condenado a 12 anos e 1 mês de prisão e cumpre pena em Curitiba. No processo do sítio de Atibaia, as provas seriam até mais robustas do que as do caso do tríplex de Guarujá. Mesmo antecipando a saída da Justiça Federal, Moro fez recrudescer as críticas de que teria favorecido Bolsonaro na eleição. Entretanto, isso já estava precificado. Seu problema é não fracassar nas tarefas de combate ao crime organizado e à corrupção. Se não demolir a própria imagem, pode virar o primeiro na linha de sucessão de Bolsonaro.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-os-intocaveis/
O Estado de S. Paulo: Moro aceita superministério da Justiça de Bolsonaro
Magistrado divulgou uma nota detalhando os termos da proposta que aceitou
Por Fausto Macedo, Marcio Dolzan e Vinicius Neder
O juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, aceitou nesta quinta-feira, 1, o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) para comandar o superministério da Justiça. O magistrado vai divulgar uma nota detalhando os termos da proposta que aceitou.
Moro deixou o condomínio onde mora o presidente eleito, no Rio, às 10h45, após cerca de 1h30 de reunião. Na saída, o magistrado chegou a deixar o carro onde estava para falar com a imprensa, mas, diante do tumulto no local, não fez nenhuma declaração.
O juiz chegou às 9h à residência de Bolsonaro. O presidente eleito convidou Moro para assumir um superministério da Justiça, ampliado e com órgãos de combate à corrupção, que estão atualmente em outras pastas, como a Polícia Federal e o Coaf, que estão envolvidas nessa operação.
Ao desembarcar no aeroporto Santos Dumont, pela manhã, o magistrado não falou com a imprensa e, antes de chegar à casa do presidente eleito, fez uma pequena parada em um hotel que vem sendo usado como uma espécie de QG para quem visita Bolsonaro. No Santos Dumont, Moro desembarcou diretamente na pista de pouso do aeroporto, de onde partiu em um carro da Polícia Federal.
Durante o voo, Moro falou com a Rede Globo, que o acompanhou na viagem. Segundo o G1, o magistrado disse que a motivação de seu encontro com Bolsonaro se dá em razão de o País precisar de uma agenda anticorrupção e anticrime organizado.
“Se houver a possibilidade de uma implementação dessa agenda, convergência de ideias, como isso ser feito, então há uma possibilidade. Mas como disse, é tudo muito prematuro”, disse Moro à reportagem da Globo. Durante o voo, ele chegou a dizer que ainda não há nada definido. “Ainda vai haver a conversa”, emendou.
Leia abaixo a nota divulgada por Moro após o encontro:
"Fui convidado pelo Sr. Presidente eleito para ser nomeado Ministro da Justiça e da Segurança Pública na próxima gestão. Apos reunião pessoal na qual foram discutidas políticas para a pasta, aceitei o honrado convite. Fiz com certo pesar pois terei que abandonar 22 anos de magistratura. No entanto, a perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito a Constituição, a lei e aos direitos, levaram-me a tomar esta decisão. Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior. A Operação Lava Jato seguira em Curitiba com os valorosos juízes locais. De todo modo, para evitar controvérsias desnecessárias, devo desde logo afastar-me de novas audiências. Na próxima semana, concederei entrevista coletiva com maiores detalhes".
Bernardo Mello Franco: O juiz e o capitão
Na campanha, o juiz da Lava-Jato tomou três decisões que facilitaram a eleição de Bolsonaro. Agora ele se diz ‘honrado’ com o convite para servir ao governo do capitão
Sergio Moro não disfarça. O juiz da Lava-Jato está animado com o convite para virar ministro de Jair Bolsonaro. Em nota, ele se declarou “honrado com a lembrança” do presidente eleito. Em conversas informais, foi além. Disse que sua presença no governo dissiparia temores em relação ao capitão.
O magistrado foi um personagem chave na corrida presidencial. A seis meses do primeiro turno, ele prendeu o candidato que liderava as pesquisas. Três meses depois, suspendeu as férias para contestar a decisão de um desembargador que mandou soltá-lo.
A liminar era exótica, mas um juiz de primeira instância não tinha poderes para derrubá-la. Moro não se limitou a afrontar a hierarquia judicial. Ainda orientou a polícia a descumprir a ordem que o contrariava.
Na semana da eleição, o juiz voltou a interferir na político. Ele divulgou trechos de uma delação antiga, mas com potencial para atingir um dos lados da disputa. Mais uma vez, o lado que oferecia risco a Bolsonaro.
As três decisões facilitaram a chegada do capitão ao poder. Em todos os casos, os petistas acusaram Moro de parcialidade. Se ele aceitar o convite para servir ao novo regime, ficará muito difícil discordar.
O jurista Wálter Maierovitch, que apoiou o juiz na batalha de liminares, diz que ele cometerá um erro grave se virar ministro de Bolsonaro. “Seria muito estranho e eticamente reprovável. Estamos vivendo uma época de patifarias, mas isso não dá”, critica.
O professor lembra que um ministro da Justiça “não tem autoridade própria”. “Ele é subordinado ao presidente e pode ser demitido com um balançar de cabeça. Como diz a sabedoria portuguesa, não se deve passar de cavalo a burro”, conclui.
Ao anunciar que o novo governo terá 15 ministérios, Onyx Lorenzoni disse que Bolsonaro promoverá um “enxugamento como nunca aconteceu no Brasil”. O deputado se esqueceu de outro presidente que prometeu renovar a política e reduziu a Esplanada a 12 pastas. Chamava-se Fernando Collor.
Vera Magalhães: Moro dá adeus?
A designação para o Supremo Tribunal Federal é a ambição natural e justa de alguém com a carreira do juiz federal
Quando precisou negar que seria candidato a presidente, diante de inúmeras especulações a respeito, Sérgio Moro foi direto. Disse, em diversas ocasiões, que a política não era um caminho vislumbrado por ele, e que continuaria fazendo seu trabalho de juiz.
Ao agradecer a menção pública a seu nome feita por Jair Bolsonaro, sem que haja sequer um convite oficial para o Ministério da Justiça ou para o Supremo Tribunal Federal, Moro muda radicalmente essa diretriz. Quando admite que analisará qualquer um dos convites, o coordenador da Lava Jato, numa tacada só: 1) encoraja Bolsonaro a fazê-lo oficialmente; 2) deixa antever que pode aceitar o ministério e, dali, esperar placidamente pela aposentadoria de Celso de Mello do STF, em 2020.
Os convites incluídos no mesmo pacotão por Bolsonaro e Moro são de natureza diversa. O Ministério da Justiça é um posto político, não jurídico. Aceitá-lo fará com que Moro deixe não só a Lava Jato, mas sua carreira de juiz. Mais: contribuirá para a narrativa (falsa) do PT de que o juiz agiu com intenção política ao ajudar a desnudar o petrolão e condenar Lula e outros próceres petistas.
Ele precisa disso? Certamente não. Precisa pagar este “pedágio” para ser ministro do Supremo? Tampouco.
Já a designação para a Corte é a ambição natural e justa de alguém com a carreira de Moro. Ele já teve uma passagem pelo Supremo, como juiz auxiliar de Rosa Weber, e certamente reúne os atributos de notório saber jurídico e reputação ilibada para substituir o decano.
A interlocutores, Moro tem descartado o argumento de que seu eventual aceite a um ou outro convite de Bolsonaro enfraquece a Lava Jato ou joga água no moinho da queixa petista.
Integrantes da força-tarefa da operação dizem que outro juiz assumirá as funções de Moro caso ele, de fato, deixe a 13.ª Vara da Justiça Federal em Curitiba, sem prejuízo para os trabalhos.
Resta, por fim, um argumento bem esgrimido por Marcelo de Moraes no BR18: cabem dois “mitos” num governo logo em seu nascedouro? Moro não é grande demais para ser um “soldado” de Bolsonaro? O fato é que o juiz não parece ter levado nada disso em consideração ao se assanhar diante de um convite nem sequer formulado. Para um enxadrista como ele, foi um lance bastante precipitado.
PREVIDÊNCIA
Bolsonaro pede contagem de votos de projeto de Temer
Na reunião com a equipe que atuou na campanha e vai estar na transição, Jair Bolsonaro pediu a Onyx Lorenzoni (DEM) que promova uma contagem dos votos com os quais poderá contar caso decida pôr em marcha o plano de votar ainda neste ano a proposta de reforma da Previdência de Michel Temer. Aliados do presidente eleito negam que haja ruídos entre o futuro ocupante da Casa Civil e o czar da área econômica, Paulo Guedes.
PRÓXIMO ROUND
Márcio França deve disputar Prefeitura de São Paulo
O bom desempenho na disputa do 2.º turno para o governo de São Paulo, que o tirou da condição de governador-tampão desconhecido para a quase vitória, deve selar a candidatura de Márcio França (PSB) à Prefeitura de São Paulo em 2020. Para ter espaço a partir do qual fazer política e não cair no esquecimento, França está sendo lançado por aliados para a presidência nacional do PSB, com a missão de fazer a ponte entre a bancada e os governos da sigla.